ETHOS E ESTEREÓTIPO: ANÁLISE DA CAMPANHA DA KIBON ETHOS AND STEREOTYPE: ANALYSIS OF A KIBON CAMPAIGN Adriana da Silva* Maria Carmen Aires Gomes** Resumo Neste trabalho, discutimos, por meio de abordagens sociocomunicativas (Bakhtin, 2001) e discursivas (Maingueneau, 2005; Amossy, 2005), os textos de uma campanha que a Kibon promoveu em Minas Gerais. A campanha é composta por quatro pequenos textos do gênero publicitário que circularam em suportes como outdoors e busdoors na cidade de Belo Horizonte. Para analisá-los, recorremos aos conceitos de ethos, mineiridade e estereótipo, a fim de demonstrar as representações socioculturais constituídas nos textos que compõem o gênero em questão. Palavras-chave: Ethos, Estereótipo, Gênero Discursivo e Mídia. Abstract In this paper, we discuss, through social-communicative (Bakhtin, 2001) and discursive approaches (Maingueneau, 2005; Amossy, 2005) texts of a campaign that Kibon promoted in Minas Gerais. The campaign is composed of four short texts of publicity gender that circulated on media advertising like outdoors and busdoors in Belo Horizonte. The analysis consisted in using the concepts of ethos, “mineiridade” and stereotype, to show the socio-cultural representations made in the texts that compose the gender in question. Key words: Ethos, Stereotype, Discursive Gender and Media. 1 Introdução Atualmente, há um grande interesse pelos estudos dos gêneros que contribuem para uma mudança de perspectiva no ensino e aprendizagem de língua portuguesa. Considera-se que esse desenvolvimento ainda está em processo, pois se trata de um campo relativamente novo nos estudos do texto e do discurso. Nas últimas décadas, esses estudos foram renovados, particularmente em função da redescoberta das ideias de Bakhtin (2001) e de sua visão dialógica da linguagem. As recentes pesquisas têm procurado transpor a noção de gênero das amarras da classificação e taxonomia com base nos critérios de forma e conteúdo para um lócus sócio-histórico e comunicativo. Para Bakhtin (2001, p. 282), o conceito de gênero discursivo está atrelado à natureza comunicacional, interativa, considerando, sobretudo, a natureza concreta e dinâmica do enunciado: a linguagem participa da vida por meio de enunciados concretos que a realizam, assim como a vida participa da vida por meio dos enunciados. Tal concepção inova porque traz, em sua gênese, os aspectos interativos e as condições sócio-históricas e culturais como fundamentos necessários à produção da língua. Essa concepção sócio-histórica de produção de gêneros como “tipos de enunciados relativamente estáveis” está vinculada a duas grandes questões: (i) o gênero não pode ser discutido fora da dimensão espaço-temporal, em que o espaço é social, e o tempo, histórico; e (ii) o gênero opera por meio de finalidades comunicativas, além de certas regularidades estilísticas, composicionais e temáticas. Essas considerações implicam que gêneros são antes mutáveis, plásticos e instáveis do que abstratos, imutáveis e fixos. Fairclough (2003), resgatando a proposta bakhtiniana, assume que gêneros são formas de ação e interação sociais, ou seja, são práticas sociais, constituídas em função de três momentos: produção, distribuição e consumo. Enfim, podemos assumir que gêneros são formas de ação e interação sociais particulares estabelecidas em função de sua composição, propósitos comunicativos e estilo, realizados por contingências históricas, sociais, institucionais e tecnológicas; portanto, são elementos linguísticos plásticos, móveis, que se relacionam dialeticamente com as exigências sóciohistóricas e culturais. Neste trabalho, nós nos dedicaremos ao estudo do gênero publicitário. Não temos a preocupação em configurar o seu funcionamento, mas em analisar a relação entre esse gênero, sua inscrição social e sua circulação. Assim, abordaremos questões como ethos, suporte e estereótipo envolvidos na produção e leitura desse gênero. 2 A Relação Gênero Publicitário e Suporte Podemos dizer que o gênero publicitário tem a sua relativa estabilidade comunicativa, uma vez que observamos e reconhecemos nele algumas marcas e traços “prototípicos”. Já temos como tácito que essa forma de ação e interação social tem como propósito comunicativo a persuasão, a sedução, ou seja, levar o consumidor a comprar um produto, serviço ou ideia. Pode-se dizer que o gênero publicitário busca persuadir e/ou seduzir a audiência não só para modificar o seu comportamento, como também para reforçá-lo. O fato é que a publicidade, baseada nos valores socioculturais e históricos da sociedade, busca fazer com que o consumidor se identifique com os valores atribuídos ao produto veiculado. Muitas vezes, esses valores atribuídos aos produtos reforçam o estilo de vida dos possíveis consumidores. Podemos assumir que os gêneros publicitários agem de forma manipulativa no sentido de que agem sobre o outro, para levá-lo a fazer e ou a querer/fazer alguma coisa, por meio de um processo de incitação à ação, muitas vezes, por um lado, intensificando valores que talvez o consumidor não os tenha, mas, por outro lado, reforçando aqueles valores que já os tem por meio de um processo de identificação. De certa forma, a ação manipulativa gera uma relação conflituosa entre os parceiros dessa interação: o produtor “solidário” incita o consumidor “cúmplice” a adquirir o produto, objeto dotado de valores socioculturais, que age como um auxiliar mágico capaz de sanar as possíveis carências e necessidades. Outro traço prototípico do gênero é a construção argumentativa textual. Algumas publicidades focam suas argumentações, persuasões e seduções no produto; outras, nas propriedades e vantagens que o cercam; e algumas ainda focam apenas no imaginário sociocultural e estereotipias que envolvem aquela sociedade que usa o produto. Quando o foco, por exemplo, está centrado no imaginário, podemos dizer que o produto já está consolidado ou legitimado no mercado. Outro aspecto importante nesta discussão é a questão do suporte. Como bem pontua Marcuschi (2008), o gênero não opera indiferentemente ao suporte que o abriga e influencia diretamente na escolha de traços estilísticos, composicionais e linguísticos empregados pelos textos. Um exemplo disso é a forma como as agências publicitárias organizam as campanhas de um determinado cliente a partir de uma ideia/conceito. Os publicitários produzem textos diferenciados para serem divulgados em suportes específicos, como o televisivo, o impresso, o outdoor e o busdoor, pois estes exigem linguagens típicas de seus meios. Enquanto uma publicidade televisiva exige um texto mais dinâmico, curto, com imagens em movimento, em função do imediatismo da imagem televisual, o suporte impresso poderá trazer um texto mais longo, fotos, desenhos, uma vez que o consumidor terá a possibilidade de manusear as páginas a qualquer momento. Os suportes possuem, assim, um formato específico que, muitas vezes, impede que qualquer gênero se abrigue neles; exemplo disso são as frases e provérbios que se fixam perfeitamente em parachoque de caminhão, outdoor, mas estes já não abrigariam, por exemplo, uma reportagem, leis ou mesmo receitas. Além disso, conforme o suporte em que um determinado texto se fixa, sua recepção será totalmente diferente, como uma declaração de amor escrita nas nuvens, numa folha de papel ou gravada na secretária eletrônica. Dessa forma, nossa reflexão sobre as publicidades veiculadas pela Kibon em Belo Horizonte, Minas Gerais, seguirá não só a discussão acerca da abordagem sociocomunicativa de gêneros discursivos e a relação entre gênero discursivo e suporte, mas também a forma como a empresa Kibon se constitui para seus consumidores por meio das construções textuais inoculadas pelo gênero publicidade. 3 Ethos Como ressalta Menezes (2006), “se o ethos não corresponde exatamente a um a priori é porque os enunciadores possuem a capacidade para jogar com as diversas imagens que circulam na sociedade” (p. 330). A publicidade, como gênero multimodal, emprega cenários enunciativos extremamente dialógicos, nos quais as imagens do sujeito produtor e do sujeito destinatário são construídas e projetadas para alcançar propósitos comunicativos bem específicos. Podemos dizer que o ethos publicitário se constitui por meio de discursos, levando em conta as esferas socioculturais e históricas em que se situam, determinando, assim, o tom da “conversa”, “da persuasão e sedução”. Segundo Fairclough (2003), o ethos é intertextual, uma vez que a identidade dos participantes de uma interação verbal é constituída a partir dos modelos de discursos vigentes, das crenças e dos valores reproduzidos, reforçados ou transformados pelas esferas sociocomunicativas em que se situam. Assim, numa esfera sociocomunicativa determinada, sujeitos agem e interagem de forma específica, levando em conta suas preferências estilísticas, linguísticas e ideológicas. Em um gênero publicitário, por exemplo, a relação identitária entre publicitário e consumidor pode ser constituída por meio de um tom solidário, amável, ou mesmo irônico; isso dependerá não só da finalidade comunicativa que envolve a divulgação do produto, mas também do universo imaginário de crenças e valores que engendram tal ação e interação sociocomunicativa. O tom que um texto assume revela o tipo de discurso, crenças e valores preferidos, que ativam no leitor um feixe de emoções, levando-o a se envolver com o texto. Segundo Amossy (2005), a maneira de dizer autoriza a construção de uma verdadeira imagem de si e, na medida em que o locutário se vê obrigado a depreendê-la a partir de diversos índices discursivos, ela contribui para o estabelecimento de uma inter-relação entre o locutor e seu parceiro. Participando da eficácia da palavra, a imagem quer causar impacto e suscitar a adesão (p. 16). Podemos assumir, então, que o ethos nos permite entender a forma como os sujeitos aderem a certa posição discursiva, por meio da persuasão por argumentos, refletindo ainda a enunciação histórica que circunda o texto (Maingueneau, 2005). O fato é que os sujeitos só aderem a determinada posição por meio dos traços linguístico-discursivos, textuais e composicionais deixados à mostra no texto. Dessa forma, a empresa/anunciante/agência publicitária designada como fiadora produz discursos que deixam à mostra certa entonação que leva à construção do ethos. 4 Apresentando o Contexto dos Textos – a empresa Kibon A Kibon, denominada hoje como a marca do coração, teve seu início, em 1941, quando o gerente da U.S Harskon, John Kent Lutey, desembarcou no Rio de Janeiro, trazendo na mala a missão de encontrar um lugar seguro para instalar a fábrica de sorvetes, pois o mundo vivenciava um momento de insegurança gerada pela Segunda Guerra. Segundo Yamamoto (2005), o destino inicial era a Argentina, mas acabou se fixando no Brasil. Da implantação da fábrica para os dias atuais, a Kibon passou por várias empresas: em 1957, foi vendida para a General Foods, que a repassou a Philip Morris, em 1985. Em 1997, a Unilever a comprou, argumentando que a "Kibon é sinônimo de qualidade, confiança e prazer", como afirma Marcos Freire, gerente de comunicação da Kibon. Kibon foi a primeira empresa a colocar, nas ruas, carrinhos para vender sorvetes, com o lançamento do Eski-bon e do Chicabon, em 1942. Em 1999, a Unilever, por meio de uma ação estratégica de marketing, adota o coração como logotipo e a letra K em todas as embalagens de seus produtos. Mas, em 2000, a multinacional apresenta um novo logotipo, um coração de contorno vermelho, na tentativa de estabelecer uma relação afetiva com seus consumidores, reforçando, assim, a ideia de confiança, prazer e qualidade. Ao se inserir no grupo Unilever, a Kibon passa a assumir algumas de suas missões e propósitos, como: fortalecer o relacionamento com os consumidores por meio da inserção nas culturas e mercados locais. Segundo o site da Unilever, essa inserção na cultura alicerça o crescimento da empresa, uma vez que busca estabelecer um diálogo entre os conhecimentos e expertise internacional e a cultura e crença dos consumidores locais, tornando-se, em suas próprias palavras, “uma multinacional verdadeiramente multilocal”. 4.1 Analisando os Textos Os textos escolhidos fazem parte de uma campanha publicitária da Kibon, expostos nas ruas de Belo Horizonte, nos mais variados suportes: uns em busdoors, outros em paradas de ônibus, em outdoors e até mesmo estampados em bancas de jornal no centro da cidade. Todos os textos circularam em julho de 2008. Depois de termos contextualizado a empresa Kibon, sua missão e propósitos, iremos discutir como se constrói o seu ethos, por meio da análise dos textos a seguir: (1) É sorvete, mas a gente já se acostumou a ser chamado de trem. (logo/marca) (2) Se derreter, a gente entende. O povo mineiro é mesmo muito caloroso. (logo/marca) (3) Geograficamente, Minas está no coração do Brasil. No nosso também. (logo/marca) (4) Até longe do mar mineiro consegue se refrescar. (logo/marca) Percebemos que a Kibon, o sujeito fiador, por meio de um gênero publicitário, de incitação à ação, na realidade, não incita o consumidor mineiro a comprar/consumir o sorvete, mas o estimula e o motiva a aceitar a empresa Kibon e seus produtos como um dos seus. Nos textos, a empresa não está vendendo os seus produtos, os sorvetes, mas uma imagem de proximidade entre a marca e o estado de Minas com seus habitantes. Constatamos que a campanha trabalha com a noção estereotipada do mineiro, assim como o texto de Fernando Sabino. A noção de estereótipo está fundada na estratégia discursiva daquilo que “já foi dito, do préconstruído ou mobilizado como uma evidência anteriormente estabelecida” (Lysardo-Dias, 2006, p. 27). Faz parte do imaginário nacional a visão de mineiro enquanto sujeito simples, muitas vezes, simplista, ingênuo, sujeito que esconde o ouro, rói pelas beiradas e come quieto. Conde (2006) afirma que a mineirice se caracteriza por “traços como timidez, desconfiança e um talento constante para escarnecer de quem lhe dirige a fala” (p. 177). Esse é o estereótipo do mineiro, uma visão pré-construída que diz respeito a conhecimentos, valores e julgamentos feitos pela sociedade em função dos comportamentos pertencentes ao quadro da mineiridade, construídos e constituídos ao longo da história. De acordo com Lysardo-Dias (2006), “o estereótipo pode ser tomado como um elemento agregador que tende a instaurar um espaço de aproximação e de reconhecimento” (p. 27). Nessa perspectiva, insere-se a campanha da Kibon: ao utilizar-se de crenças e estereotipias vinculadas ao modelo de mineiridade, busca causar no consumidor/leitor a ideia de pertencimento por meio de um processo de identificação. No texto 1, por exemplo, "É sorvete, mas a gente já se acostumou a ser chamado de trem" (grifos nossos), existe o pré-construído, o jeito vago-específico de mineiro chamar as coisas, já conhecido, mas a apresentação de um dado novo: a Kibon já se acostumou a ter seu produto denominado por trem. Dessa forma, reforça-se a proximidade entre a Kibon e o povo mineiro. O texto 2 faz referência ao mineiro enquanto bom anfitrião. Faz parte do imaginário a figura do povo mineiro como um povo caloroso. Em "Se derreter, a gente entende. O povo mineiro é mesmo muito caloroso" (grifos nossos), reafirma-se o estereótipo, o já-dito, mas apresenta-se uma nova associação entre o produto, sorvete, ou seja, a compreensão e o entendimento da tal mineiridade, o jeito de ser do mineiro. O texto 3 retoma o conhecimento geográfico para instaurar a proximidade entre o mineiro e a marca. "Geograficamente, Minas está no coração do Brasil. No nosso também". E o texto 4 diz respeito ao conhecimento de que mineiro ama uma praia, sonho de consumo da maioria de seus habitantes. "Até longe do mar mineiro consegue se refrescar". Já que Minas não tem mar, a Kibon se responsabiliza por oferecer uma maneira de esse povo se refrescar por meio de seus produtos. Os quatro textos adotam um ethos de envolvimento, seguindo um tom de conversa amável, calorosa e, para isso, usa os itens lexicais "nosso" e "a gente" (No nosso também; a gente entende; mas a gente já se acostumou; se refrescar). Há aqui uma construção cenográfica de diálogo, como se o fiador Kibon estivesse conversando com alguém e informando-lhe das qualidades do mineiro e como estas combinam com o jeito, as atitudes da Kibon. Busca-se, por meio do discurso, construir uma parceria afetuosa e carinhosa entre Kibon e consumidores mineiros, reforçando, talvez, a máxima de que “Kibon combina com você”. Refletindo, assim, uma das missões da Unilever, em seu site, a preocupação em fazer a empresa Kibon dialogar seus conhecimentos e expertise internacional com a cultura e as crenças dos consumidores locais, tornando-se, em suas próprias palavras, “uma multinacional verdadeiramente multilocal”. Dessa forma, o fiador, a Kibon se manifesta nos textos como um sujeito que se adapta bem aos costumes da comunidade onde se instala, um sujeito dotado de mobilidade, compreensão, descontraído, que sabe circular nas mais variadas culturas, entendendo suas singularidades e especificidades (Se derreter, a gente entende. O povo mineiro é mesmo muito caloroso; É sorvete, mas a gente já se acostumou a ser chamado de trem) (grifos nossos). Ou seja, o fiador incorpora o “jeito mineiro de ser” e, por meio de um tom carinhoso, afetivo e amável, tenta causar boa impressão de forma a buscar uma adesão imediata do seu consumidor. Ao incorporar os traços de mineiridade, a Kibon pode reforçar e consolidar sua aceitação no contexto mineiro, uma vez que o entende. Podemos observar esse tom afetivo na própria construção do logo da empresa e seu slogan: o logo é um coração de contorno vermelho, e o slogan, “marca do coração”. Podemos dizer que o ethos nesses textos se manifesta não só pelo tom, mas também pelo “corpo”, seu logo, o coração vermelho (Geograficamente, Minas está no coração do Brasil. No nosso também.) (grifos nossos). Nesse texto, especificamente, o dêitico “também” aponta, referencia, para a logo, que está localizada próxima ao texto. O que de fato chama atenção nos textos da Kibon é a relação de oposição entre dois temas, que funda a construção da argumentação, como: · a relação coração/Kibon (quente) e sorvete (frio, refrescante, capaz de trazer a frescura do mar para um lugar sem praia). · a relação entre Minas (coração do Brasil, no coração da Kibon) e mineiro (tão caloroso que pode derreter o sorvete), Embora a empresa produza e distribua produtos “frios e refrescantes”, ela tem uma moldura quente, amável, digna de pertencimento e identificação com a comunidade local. O fiador, então, se torna legítimo em função do seu nome, marca e assinatura. A aparência afetiva (logo do coração), a entonação carinhosa de envolvimento com as crenças de mineiridade e os argumentos conferem ao fiador Kibon a construção de um ethos afetivo. As manifestações discursivas nos textos visam a estabelecer a relação e a co-presença entre o ethos, o produto e Minas Gerais, Belo Horizonte, por meio de argumentos espaciais (até longe do mar; geograficamente, Minas está no coração do Brasil), mas também e principalmente por argumentos vinculados ao estereótipo de mineiridade (povo mineiro, trem, caloroso). Por meio desses argumentos, o fiador se torna digno de crédito e confiança, pois sujeitos que se identificam com as nossas atitudes, que são compreensivos, serão bem aceitos por nós, pela comunidade mineira, geralmente, “desconfiada”. Assim, o ethos argumenta em favor de um pertencimento ao mito da mineiridade, provocando a adesão do povo mineiro às estereotipias que a Kibon submete a seu consentimento. Observe que as construções argumentativas ancoram-se nas representações socioculturais, ou seja, insiste-se num conjunto de valores, crenças, apoiando-se em lugares-comuns sobre o comportamento mineiro. O fato é que a Kibon modela seu ethos com as representações coletivas, ou seja, pensa na venda de produtos por meio de representações culturais pré-existentes, esquemas coletivos cristalizados. Isso, aos olhos do povo mineiro pode ser um comportamento altamente positivo, uma vez que manifesta um sentimento de identificação, de pertencimento a essa cultura, por meio de um apelo emotivo: ao elogiar e manifestar a sua admiração por Minas Gerais, o fiador Kibon adapta a apresentação de si aos esquemas coletivos e consensuais, exprimindo certa empatia com os valores e as atitudes valorizados pelo seu público-alvo, Minas Gerais. Louva as qualidades do seu interlocutor, mostrando-se honesto, amável e imparcial, isto é, produz uma imagem favorável de si ao se apresentar como pertencente ao grupo. 5 Considerações Finais Neste artigo, procuramos fazer um recorte de um estudo sobre o gênero publicitário presente no cotidiano de qualquer cidadão. Escolhemos um gênero que foi exposto em suportes incidentais de grande visibilidade com o intuito de criar uma proximidade entre os mineiros e a empresa de sorvetes Kibon. Analisamos sua campanha composta por pequenos textos que são construídos numa cena dialogada, como se a Kibon, por meio de um ethos de cumplicidade, amizade e afetividade, estivesse conversando com seu interlocutor, um cidadão cuja visão estereotipada diz respeito àquele que adora uma conversa ao pé do ouvido. O interessante é ressaltar que a campanha traz uma visão positiva dos estereótipos do mineiro, buscando a inclusão da empresa nesse jeito de ser. Verifica-se que está em cena um jogo enunciativo que recorre a saberes partilhados entre a comunidade mineira e a empresa Kibon. Existe uma estratégia de persuasão da empresa, mas sutil, pois ela não está vendendo apenas o seu produto, mas insinuando uma relação de proximidade com o seu público em potencial. Referências AMOSSY, R. (Org.). 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Endereço para contato: Universidade Federal de Viçosa – Centro de Ciências Humanas Letras e Artes Departamento de Letras Avenida Peter Henry Rolfs, s/n Centro 36570-000 Viçosa/MG – Brasil Endereço eletrônico: [email protected] Data de recebimento: 1º dez. 2008 Data de aprovação: 15 jun. 2010