gastrópodes límnicos sub-recentes e recentes da região

Propaganda
GASTRÓPODES LÍMNICOS SUB-RECENTES E RECENTES DA REGIÃO
ARQUEOLÓGICA DE CENTRAL, BAHIA.
Andreia Alves Soares1,2; Silvana C. Thiengo1; Martha Locks2; Monica Ammon Fernandez1;
Maria Beltrão2
1
Departamento de Malacologia, Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, Pavilhão Adolpho Lutz,
Av. Brasil, 4365 – Manguinhos, CEP: 21045-900, Rio de Janeiro - RJ
([email protected]); 2 Departamento de Antropologia, Setor de Arqueologia Museu Nacional, UFRJ - Quinta da Boa Vista, s/nº, São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ.
Abstract. This study forms part of Project Central, a broader body of research being
conducted in the Archaeological Region of Central, inland Bahia State, by staff of the
Anthropology Department of the Archaeology Sector of the National Museum attached to Rio
de Janeiro Federal University. The study performed a conchological examination of the
freshwater mollusk samples, sub-recent and recent, deposited in the Department’s
Malacological Collection. Collected between 1987 and 2002 at nine sites in the municipalities
of Central and Itaguaçu da Bahia, the specimens comprise four species of freshwater
gastropods: Asolene meta and Pomacea lineata (family Ampullariidae) and Biomphalaria aff.
glabrata and Biomphalaria straminea (family Planorbidae). Environmental changes in the
region during the Quaternary probably had a greater effect on the Planorbidae species than the
Ampullariidae, as dating of A. meta and P. lineata identified sub-recent and recent material,
while B. aff. glabrata was replaced, at least temporarily, by B. straminea, a species capable of
adapting to a great variety of ecological conditions.
Palavras-chave: gastrópodes límnicos; sub-recentes e recentes; taxionomia.
1- Introdução
A Região Arqueológica de Central
está situada no interior do Estado da Bahia,
tendo como delimitação atual 100.000Km2
(Beltrão et al., 2003), sugerida pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), contendo
centenas de sítios arqueológicos e
paleontológicos. Esta área compreende a
Planície Calcária no Domínio Chapada
Diamantina, onde predominam rochas
calcárias com presença de grutas, fraturas,
dolinas e escarpas.
Este trabalho faz parte de um
estudo mais amplo, que vem sendo
desenvolvido desde o ano de 1983, através
do Projeto Central, pela equipe do Setor de
Arqueologia,
Departamento
de
Antropologia do Museu Nacional/UFRJ,
realizando o levantamento dos sítios
arqueológicos existentes na referida região.
Estes sítios se localizam nos
municípios situados à margem direita do
rio São Francisco, sendo o de Central o
município sede.
Desde o início a Região
Arqueológica de Central apresentou
resultados encorajadores para o avanço das
pesquisas. Foram detectadas evidências
arqueológicas, como pinturas rupestres,
artefatos, animais pleistocênicos etc, em
abrigos, grutas, cacimbas, tanques e
lajedos, sendo devolvidos estudos préhistóricos e históricos (Beltrão et al.,
1984).
A região está sujeita a prolongados
períodos de seca, tendo sido identificada
uma área de 172Km2, com mesoclima
úmido de pequena amplitude (Locks et al.,
1995). A maioria dos rios, córregos e lagos
é de caráter intermitente e a vegetação é do
tipo caatinga.
Através das atividades de campo
realizadas nesta região, várias amostras de
1
conchas de gastrópodes límnicos subrecentes e recentes foram coletadas.
Para um arqueólogo as conchas não
proporcionam somente informações sobre
a alimentação ou o instrumental das
populações pré-históricas, mas também
meios de datação e de reconstituição paleoecológica (Prous, 1990).
Poucos
são
os
trabalhos
encontrados sobre gastrópodes límnicos na
literatura arqueológica brasileira, os quais,
em sua maior parte, se referem aos
moluscos terrestres ou marinhos.
Dessa forma este trabalho teve
como principal objetivo realizar o estudo
taxionômico das amostras de gastrópodes
límnicos sub-recentes e recentes, obtidas
pela equipe do Projeto Central, em nove
sítios arqueológicos. Este material
encontra-se depositado no acervo da
Coleção de Malacologia do Setor de
Arqueologia,
Departamento
de
Antropologia do Museu Nacional/UFRJ.
2- Material e Métodos
As amostras foram coletadas nos
município de Central e Itaguaçu da Bahia,
no período de 1987 a 2002, em nove sítios:
Tanque do Aragão, Tanque do Edgar,
Tanque do Zé Carneiro, Tanque Velho,
Toca do Mundinho, Toca Lagoa do Saco,
Toca dos Búzios, Abrigo da Aranha e rio
Veredas.
As coletas foram feitas na camada
superficial, em níveis estratigráficos
naturais, de acordo com as camadas
estratigráficas, e em níveis artificiais, com
base em um quadriculamento de 1x1m,
onde são escavados níveis de 10 em 10 cm
de profundidade. Outra parte do material
foi obtida pela população ao escavar os
tanques para aproveitamento de água,
sendo todo ele depositado no Setor de
Arqueologia.
As conchas de todos os lotes foram
contadas e caracterizadas quanto ao sítio
arqueológico. Os dados foram incluídos
nas fichas de registro da Coleção de
Malacologia do Setor de Arqueologia.
Para a identificação específica dos
moluscos foram feitas comparações com a
literatura
considerando
apenas
a
conquiliologia, uma vez que as amostras
foram exclusivamente conchas.
3- Resultados
Dos nove sítios pesquisados, três
possuíram somente material sub-recente
(Tanque do Aragão, Toca do Mundinho e
rio Veredas), cinco somente material
recente (Toca dos Búzios, Toca Lagoa do
Saco, Abrigo da Aranha, Tanque do Edgar
e Tanque Velho) e um, ambos os materiais
(Tanque do Zé Carneiro).
Foram identificadas quatro espécies
de gastrópodes límnicos pertencentes às
famílias, Ampullariidae e Planorbidae,
sendo Asolene meta (Ihering, 1915) e
Pomacea
lineata
(Spix,
1827),
pertencentes à primeira, enquanto que
Biomphalaria aff. glabrata (Say, 1818) e
Biomphalaria straminea (Dunker, 1848),
pertencem à segunda.
O estado do material, a quantidade
observada, o local e a datação encontramse na Tabela.
As espécies B. glabrata e B.
straminea são hospedeiras naturais de
Schistosoma mansoni Sambon, 1907.
4- Discussão
Os exemplares da espécie P.
lineata encontrados são semelhantes aos
descritos por Thiengo (1987), pois
apresentam concha globosa, com quatro
giros crescendo rapidamente em diâmetro,
separados por suturas bem marcadas, ápice
elevado, umbigo pequeno e profundo,
abertura grande e oval e lábio externo
simples. Segundo Thiengo (1995), esta
espécie apresenta distribuição mais
setentrional e litorânea.
Os exemplares identificados como
A. meta são semelhantes ao material
descrito por Ihering (1915), proveniente de
uma lagoa perto da Cidade da Barra, rio
São Francisco, Bahia. Apresentam concha
2
oval, com espira curta, umbigo profundo e
largo, em parte coberto pela margem
columelar, que é reflexa. As faixas de
sulcos espirais não podem ser observadas
devido ao desgaste da concha.
As amostras de B. aff. glabrata,
identificadas
são
semelhantes
às
encontradas no município de Janaúba,
Minas Gerais e na Gruta das Onças, no
município de Jacobina, Bahia (Lima, 1984;
1987). Apresentam concha com 29mm de
diâmetro, giros arredondados, crescendo
lentamente em diâmetro, sendo o lado
direito mais escavado que o esquerdo e,
abertura oval.
Esta espécie apresenta distribuição
mais litorânea, ocorrendo em municípios
no Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,
Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Paraná
(Paraense, 1986). Recentemente foi
encontrada no Rio Grande do Sul
(Carvalho, Nunes & Caldeira, 1998).
De acordo com Paraense & Corrêa
(1963), esta espécie é considerada mais
suscetível à infecção pelo S. mansoni,
embora apresente diferenças locais na
suscetibilidade. Mesmo populações pouco
suscetíveis, como as de Salvador (BA),
podem ser responsáveis por alta
prevalência de esquistossomose na
população humana (Paraense, 1972). A
distribuição dessa espécie coincide em
grande parte com a da esquistossomose.
As amostras de B. straminea
identificadas são semelhantes às fornecidas
por Paraense (1975). Apresentam concha
com
9mm
de
diâmetro,
giros
arredondados, crescendo rapidamente,
sendo o central mais à esquerda e periferia
arredondada e medial.
Esta espécie apresenta distribuição
mais extensa, sendo encontrada no Acre,
Roraima, Amazonas, Pará, Pernambuco,
Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Rio
Grande do Sul (Paraense, 1986) e Santa
Catarina (Ferrari & Hofmann, 1992).
Apesar de má hospedeira de S.
mansoni, esta espécie é a mais importante
vetora da esquistossomose no Nordeste.
Observações de campo e de laboratório
demonstram que esta espécie é altamente
resistente aos miracídeos (Barbosa &
Coelho, 1954). No entanto, apresenta uma
ampla distribuição e associação com altos
índices de infecção humana (Paraense,
1972). Em períodos favoráveis do ano, é
encontrada
abundantemente
nos
criadouros, o que compensa suas taxas de
infecção geralmente baixas (Rey, 1991).
A presença de B. aff. glabrata em
camada argilo-carbonática pulverulenta,
pode sugerir que houve períodos contínuos
de secas, fazendo com que a espécie
mencionada desaparecesse, não sendo
encontrada mais em outras camadas. Esta
camada ocorre em toda a região, porém de
forma descontínua, permanecendo apenas
em locais onde sua preservação foi
possível (Ramos et al., 1999). Estes dados
corroboram os de Paraense (1972), em que
B. glabrata cede lugar a B. straminea, que
se mostra mais bem adaptada às condições
de seca.
5- Conclusões
É provável que as mudanças
ambientais ocorridas na região durante o
Quaternário tiveram uma maior influência
nas espécies pertencentes à família
Planorbidae
do
que
na
família
Ampullariidae, uma vez que a datação de
A. meta e P. lineata registraram material
sub-recente e recente, enquanto que no
gênero
Biomphalaria
ocorreu
a
substituição, mesmo que temporária, de B.
aff. glabrata por B. straminea. Até o
presente, B. aff. glabrata foi encontrada
exclusivamente em camada argilocarbonática pulverulenta, o que sugere que
houve períodos contínuos de seca, fazendo
com que esta espécie desaparecesse. É
importante ressaltar que a espécie B.
3
straminea é aquela que se mostra mais
bem adaptada ao clima seco.
Acreditamos que este trabalho
certamente
contribuirá,
ainda
que
modestamente, para o conhecimento dos
gastrópodes límnicos sub-recentes e
recentes de Regiões Arqueológicas do
Brasil.
6- Referências Bibliográficas
Barbosa FS and Coelho MV. 1954.
Qualidades de vetores dos hospedeiros
de Schistosoma mansoni no Nordeste do
Brasil.
1Suscetibilidade
de
Australorbis glabratus e Tropicorbis
centimentralis
à
infecção
por
Schistosoma mansoni. Publ Av Inst
Aggeu Magalhães 3(4): 55-62.
Beltrão M, Locks M and Amorim J. 2003.
Vinte anos de Projeto Central, estado da
Bahia, Brasil. Livro de Resumos do XII
Congresso
da
Sociedade
de
Arqueologia Brasileira, São Paulo, 69p.
Beltrão M, Toth EMR, Neme SMN and
Fonseca MPR. 1984. Perspectivas
arqueo-geológicas do Projeto Central:
nota prévia. In: CLIO1(6).
Carvalho OS, Nunes IM and Caldeira RL.
1998. First report of Biomphalaria
glabrata in the state of Rio Grande do
Sul, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz
93(1): 39-40.
Ferrari AA and Hofmann PRT. 1992. First
register of Biomphalaria straminea
Dunker, 1848, in Santa Catarina state.
Rev Inst Med Trop São Paulo 34(1): 3335.
Ihrering H. 1915. Moluscos. Comissão de
Linhas Telegraphicas Estratégicas de
Mato Grosso ao Amazonas. Anexo n° 5.
Rio de Janeiro, p.12.
Lima LC. 1984. Biomphalaria aff.
glabrata do Pleistoceno de Janaúba,
Minas Gerais. Mem Inst Oswaldo Cruz
79(1): 55-58.
Lima
LC.
1987.
Ocorrência
de
planorbídeos
pleistocênicos
no
município de Jacobina, Bahia. Mem Inst
Oswaldo Cruz 82(1): 71-71.
Locks M, Beltrão M and Amorim J. 1995.
Região Arqueológica de Central, Bahia,
Brasil:
Dasypodidae
sub-recente
(Mammalia-Edentata). Anais Abequa
p. 46-51.
Paraense WL. 1972. Fauna planorbídica do
Brasil, p. 213-239. In: LACAZ et al.
Introdução à Geografia Médica do
Brasil. Edgar Blücher & Univ S Paulo.
Paraense WL. 1975. Estado atual da
sistemática dos planorbídeos brasileiros.
Arq Mus Nac Rio de Janeiro 55: 105111.
Paraense WL. 1986. Distribuição dos
caramujos no Brasil. Anais da Acad
Mineira de Medicina (suplemento de
1983-1984): 117-128.
Paraense WL and Corrêa LR. 1963.
Variation
in
susceptibility
of
populations of Australorbis glabratus to
a strain of Schistosoma mansoni. Rev
Inst Med Trop São Paulo 5(1): 15-22.
Prous A. 1990. Os moluscos e a
arqueologia brasileira. Arq Mus Hist
Nat UFMG 11: 241-298.
Ramos EF, Beltrão M and Capilla R. 1999.
Registro de Biomphalaria aff. glabrata
(BASOMATOPHORA,
PLANORBIDAE), em tanques na
Região Arqueológica de Central, Bahia,
Brasil. VII Congressso da ABEQUA,
Porto Seguro. Ed. Guanabara, 2a edição,
Rio de Janeiro, p.674.
Rey L. 1991. Parasitologia. Ed. Guanabara,
2nd ed, Rio de Janeiro, 674 p.
4
Thiengo SC. 1987. Observation on the
morphology of Pomacea lineata (Spix,
1827) (Mollusca, Ampullariidae). Mem
Inst Oswaldo Cruz 82(4): 563-570.
Thiengo
SC.
1995.
Técnicas
malacológicas. In: BARBOSA et al.
(Ed), Tópicos em Malacologia Médica,
Ed Fiocruz, Rio de Janeiro, p. 255-265.
5
Planorbidae
Ampullariidae
Tabela: Espécies encontradas em nove sítios da Região Arqueológica de Central.
Espécie
P. lineata
A. meta
B. straminea
B. glabrata
Sítio Arqueológico
Toca do Mundinho
Toca Lagoa do Saco
Rio Veredas
Abrigo da Aranha
Toca dos Búzios
Rio Veredas
Toca Lagoa do Saco
Tanque Velho
Tanque do Edgar
Tanque do Zé Carneiro
Tanque do Zé Carneiro
Rio Veredas
Material
concha
concha
concha
concha
concha
concha
concha
concha
concha
concha
concha
concha e
Datação
Sub-recente
Recente
Sub-recente
Recente
Recente
Sub-recente
Recente
Recente
Recente
Recente
Sub-recente
Sub-recente
Tanque do Aragão
fragmentos
fragmentos Sub-recente
Quantidade
6
4
2
1
3
9
5
127
4
1
11
69
vários
6
Download