Paulo Germano [email protected] Leia outras colunas em zerohora.com/paulogermano Concordar é uma bobagem O homem mais sábio de Atenas, quiçá do mundo, era um mendigo. E dormia num barril. Pelo menos era o que todos comentavam e, quando o rei Alexandre, o Grande, soube da história, quis conhecer o pensador maltrapilho. Alexandre gostava dos sábios, julgava importante tê-los por perto – não à toa, Aristóteles era seu principal conselheiro. Se o tal mendigo fosse assim tão sabido, talvez pudesse trabalhar para a coroa. Diógenes era o nome dele. Sua filosofia pregava que tudo o que é natural não pode estar errado. Ele usava essa premissa para peidar, urinar e se masturbar em público, mas isso nunca impediu a população de admirá-lo. Os atenienses respeitavam sua postura contestadora, sempre denunciando as convenções sociais e a forma como o homem complicava “os mais simples presentes dos deuses”. O casamento, dizia Diógenes, era uma forma de complicar o presente natural do sexo. Ideias meio doidas para a Grécia da época – meio doidas até para o mundo de hoje –, mas carregadas de boas intenções: o velho insistia que, para alcançar a felicidade, ninguém precisaria depender de qualquer coisa externa à própria existência. Bastaria usufruir dos “presentes naturais” e libertar-se das imposições de uma sociedade que mais reprime do que acolhe. Praticamente um hippie, só que 24 séculos antes dos hippies. Já vou falar de seu encontro com Alexandre, o Grande, até porque estou há cinco parágrafos divulgando uma filosofia da qual discordo de cabo a rabo. Diógenes era um ingênuo, um utopista. E é evidente que grande parte dos atenienses também discordava dele. A questão é que ninguém se recusava a escutá-lo, pelo contrário: todos queriam saber o que Diógenes tinha a dizer simplesmente porque ele tinha, de fato, algo a dizer. Ainda que fosse um mendigo peidorreiro. Eu, por exemplo, nem sempre tenho algo a dizer, mas na semana passada acho até que tinha. Expressei minha preocupação com um movimento crescente, organizado nas redes sociais, dedicado a incentivar os policiais a matarem bandidos. Bastava as pessoas lerem o título – e muitas pessoas só liam o título – para me escreverem comentários e e-mails sugerindo coisas como me pendurar de ponta-cabeça em um galho de árvore e arrancar meus olhos com pinças ardendo em brasa, o que deve ser meio chato. Não sei em que momento concordar se tornou tão fundamental. Não há nada mais monótomo, cômodo e inútil do que concordar em algum debate. Aliás, só a divergência pode produzir um debate, só ela tira da inércia, só ela expõe outro ângulo, só ela provoca e nos faz crescer. Como Diógenes provocava. Então o rei Alexandre, o Grande, chegou a Atenas sobre um cavalo negro. Alguém apontoulhe a lateral de uma escadaria, e lá estava um barril deitado, com o velho molambo escorado à frente, tomando sol depois do almoço. – Que queres que faça por ti? – perguntou Alexandre, em pé, mirando o homem no chão. O problema é que o diabo do rei se metera bem Como assim, Rodrigo Grassi de Oliveira? Psiquiatra e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Trauma e Estresse da PUCRS Como pode alguém que afirma amar outra pessoa ser protagonista de um episódio tão violento como aquele envolvendo a apresentadora Ana Hickmann? na frente do sol. Diógenes ficou brabo com aquela sombra; cara chato, esse rei! – Não quero que me dês nada. Só não me tires o que não podes dar! – e fez sinal para Alexandre cair fora. O povo gritou “oh!”, e um dos generais sacou a espada berrando “como ousas, mendigo insolente?”. Diógenes mal ergueu a sobrancelha, só faltou bocejar. E Alexandre, com um gesto de mão, mandou o oficial recuar, despediu-se em voz baixa e foi embora calado, pensando no que ouvira. – Só não me tires o que não podes dar – repetiu o rei, já retornando. Diógenes se referia à luz do sol? Ou à sua própria forma de enxergar o mundo? Porque Alexandre, se obrigasse Diógenes a trabalhar para a coroa, mudaria a forma como o velho se relacionava com o mundo. O rei refletiu, então, sobre o que aquele homem pensava do mundo e, bem, talvez nem tenha concordado. E daí? Que diferença faria? O Brasil é campeão mundial em homicídios passionais, mas são crimes com motivações diferentes das que se observam aqui. Há evidências, neste episódio, de que o rapaz era um psicótico. Costuma-se relacionar a psicose apenas com alterações na sensopercepção, que é quando a pessoa escuta vozes ou enxerga coisas. Mas um sintoma clássico desse transtorno é a criação de uma narrativa delirante, desconectada da realidade e sem qualquer fundamento lógico. O caso mais famoso envolvendo uma celebridade e um psicótico é a morte de John Lennon. ZERO HORA SÁBADO E DOMINGO, 28 E 29 DE MAIO DE 2016 27