Hipertensão resistente - Sociedade Portuguesa de Cardiologia

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Hipertensão resistente
Análise crítica da Declaração da AHA - 2008
B - Tratamento da Hipertensão Arterial Resistente
Inúmeros estudos epidemiológicos nos últimos anos,
demonstraram a relação contínua entre a pressão arterial
sistólica e diastólica e o risco da doença cardiovascular.
Uma análise em conjunto de 61 estudos observacionais
envolvendo quase 1 milhão de pacientes, pode delinear
com precisão a partir de qual nível se inicia este risco, que
é o valor de 115 mmHg da pressão arterial sistólica ou 75
mmHg da diastólica. A cada década que se envelhece ou a
cada aumento de 20 mmHg da pressão arterial sistólica ou
10 mmHg da diastólica o risco dobra.
Um dos preceitos básicos para o tratamento da
população hipertensa é a estratificação do risco cardiovascular, que leva em conta quatro itens: classificação da
pressão arterial, número de fatores de risco presentes,
presença de lesão em órgãos-alvo e presença de doença
clínica associada ao risco cardiovascular aumentado.
Oswaldo Passarelli Jr.
Presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da
Sociedade Brasileira de Cardiologia
”Diante de um paciente portador
de uma hipertensão arterial
de difícil controle poderemos
estar diante de três situações:
o médico resistente, o paciente
resistente ou a hipertensão
resistente.”
Correspondência
Oswaldo Passarelli Jr
Médico da Seção de Hipertensão Arterial e Nefrologia
Instituto “Dante Pazzanese” de Cardiologia, São Paulo.
Presidente do Departamento de Hipertensão Arterial
da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 CEP: 04012-909.
Ibirapuera-São Paulo (SP)
E-Mail: [email protected]
Resumo do artigo
A prevalência da hipertensão arterial resistente vem
aumentando no mundo todo em virtude do envelhecimento da população, do excesso de ingestão de
alimentos industrializados ricos em sal, do aumento da
obesidade e de metas pressóricas a serem atingidas
cada vêz mais baixas. O tratamento não medicamentoso
deve visar especialmente três variáveis do estilo de
vida, que são: redução da ingestão de sal, restrição a
ingestão excessiva de alcool e o combate a obesidade.
O tratamento medicamentoso deve incluir uma
combinação sinérgica de fármacos que atuem em
mecanismos fisiopatológicos diferentes, respeitando
a presença de comorbidades que indiquem ou contra-indiquem alguma classe específica de fármacos anti-hipertensivos, como quarto fármaco a maior evidência
é a dos antagonistas dos receptores mineralocorticoides,
e como estratégias adicionais se pode utilizar a
crono
-hipertensivas
nãocombinações
usuais.
terapia ou
medicamentosas anti-
A Hipertensão Arterial se faz presente em todo o
continuum cardiovascular, porém à medida que progridem
as alterações funcionais e estruturais vasculares, cada
mmHg a mais tem um risco cardiovascular maior, sendo o
benefício do tratamento maior nos pacientes estratificados
como sendo de alto risco cardiovascular. A ocorrência da
hipertensão resistente está se tornando cada vez mais
frequente, em função do envelhecimento da população,
do aumento da prevalência da obesidade, e de metas
pressóricas cada vez mais baixas, todos fatores associados
ao não controle pressórico.
Metas pressóricas associadas ao menor risco cardiovascular, foram estabelecidas por diferentes diretrizes
internacionais, e apesar de dispormos hoje de um
verdadeiro arsenal terapêutico, no mundo inteiro apenas
uma pequena parcela da população as alcança. Diante da
população hipertensa que não tem suas metas atingidas,
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Revista Factores de Risco, Nº10 JUL-SET 2008 Pág. 28-32
ALGORITMO DE HIPERTENSÃO DE DIFÍCIL CONTROLO
MAPA
Jaleco Branco
Comorbidades
Adesão
Optimização
Sal
Secundária
• Tabagismo / etilismo
• Sobrepeso / obesidade
• Ansiedade
Protocolo ADESÃO
• Uso correcto das drogas
• Posologia adequada
• Combinações aditivas
Sódio
Urina
24h
• Distúrbios do sono
• Hiperaldosteronismo
• Nefropatia
• Renovascular
• Coarctação de Aorta
• Tireoidopatia
• Paratireoidopatia
• Sd. Cushing
• Feocromocitoma
• Drogas concomitantes
Grupo multiprofissional
Protocolo agudo:
retornar três dias consecutivos com os medicamentos e tomá-los na frente da equipa
>>MAPA contolo no terceiro dia
Protocolo ambulatorial:
• Questionar drogas em uso
• Questionário de Berlin
• USG rins e vias urinárias
• Doppler de art. Renais
• Ecocardiograma
• TSH
• Ca e PTH
• Cortisol urina 24h
• Catecolaminas plasma
• Metanefrinas urinárias 24h
• Aldosterona plasmática
• Actividade renina plasmática
consulta com farmacêutica para orientações
da posologia e uso das mesmas com horários
fixos retorno em uma semana
>> Equipa Multiprofissional
>>MAPA contolo no terceiro dia
Internamento
Figura 1
se estima dentro de um serviço terciário que 20 a 30%
sejam portadores da hipertensão resistente. Diante de um
paciente portador de uma hipertensão arterial de difícil
controle poderemos estar diante de três situações: o
médico resistente, o paciente resistente ou a hipertensão
resistente.
Estabelecido o diagnóstico de hipertensão arterial
resistente, após se afastar a não adesão e o efeito do
avental branco (pseudo-refratariedade) através da Monito­
rização Ambulatorial de Pressão Arterial (M.A.P.A.), se
faz necessário estabelecer uma estratégia diagnóstica e
terapêutica. Na Seção de Hipertensão Arterial e Nefrologia
do Instituto “Dante Pazzanese” de Cardiologia, existe um
algoritmo para a abordagem da hipertensão arterial de
difícil controle (figura 1).
As variáveis do estilo de vida que se correlacionam
mais com o não controle pressórico e o esquema posológico
devem sempre ser revistos. Embora o tratamento da
hipertensão arterial resistente seja empírico, pela falta
de estudo clínicos randomizados, a Diretriz Britânica de
Hipertensão publicada em junho de 2006, foi pioneira na
recomendação do esquema tríplice que tivesse o melhor
sinergismo. Preconiza a utilização de um inibidor da
enzima de conversão (IECA), ou bloqueador do receptor
da angiotensina II (BRA) nos intolerantes, associado a um
antagonista dos canais de cálcio (ACC), e a um diurético
tiazídico.
Recentemente foi publicada o Statement da American
Heart Association (AHA), que também preconiza a
utilização de um esquema triplice anti-hipertensivo, que
envolva um fármaco que bloqueie o sistema renina-angiotensina (SRA), um ACC e um diurético tiazídico.
Nesta diretriz não há preferência entre um IECA ou BRA,
pois ambas as classes de anti-hipertensivos demonstraram
a mesma eficácia no estudo ONTARGET.
Tratamento não medicamentoso
O estilo de vida inadequado é um dos principais
motivos pelo qual a meta pressórica não é atingida.
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Hipertensão resistente. Análise crítica da Declaração da AHA - 2008. B - Tratamento da Hipertensão Arterial Resistente
Existem 8 variáveis que devem ser verificadas na
população hipertensa, seis no sentido restritivo (excesso
de sal, consumo excessivo de álcool, obesidade, tabagismo,
gorduras saturadas e estresse), e duas medidas que devem
ser implementadas (atividade física e dieta DASH). Três
destas variáveis estão relacionadas a hipertensão de difícil
controle que são: excesso de ingestão de sal, consumo
excessivo de álcool e a obesidade. A mudança do estilo
de vida é um fator obrigatório nestes pacientes pois muito
contribui para o sucesso do tratamento.
“...o Statement da American
Heart Association (AHA), que
também preconiza a utilização
de um esquema triplice
anti-hipertensivo, que envolva
um fármaco que bloqueie o
sistema renina-angiotensina
(SRA), um antagonista dos
canais do cálcio e um diurético
tiazídico.”
A otimização terapêutica consiste em se estabelecer
por um período máximo de 6 mêses, um ajuste posológico
gradativo sinérgico de fármacos anti-hipertensivos a
cada 30 dias, até que a meta preconizada seja atingida.
Paralelamente se investiga a hipertensão secundária,
pois um dos indícios de uma hipertensão secundária é a
hipertensão arterial de difícil controle, independente de
alterações do exame físico ou laboratorial sugestivas de
um etiologia secundária. No Instituto “Dante Pazzanese”
de Cardiologia se adota a regra mnemônica proposta
por Onusko em 2003 (figura 2), que rotula as causas
secundárias segundo o ABCDE, que significa:
(A) Acurácia, Apnéia do sono e Aldosteronismo
(B) Bruits (sopros) e Bad Kidneys (doença
parenquimatosa renal)
(C) Coarctação da Aorta e Catecolaminas (feo)
(D) Drogas e Dieta
(E) Eritropoeitina e Endócrinas
Tratamento medicamentoso
Os pacientes portadores de hipertensão arterial refratária
frequentemente apresentam expansão volumétrica oculta,
que promove uma resistência ao esquema posológico, desta
maneira a terapia diurética sempre tem que ser revista.
Em uma análise de pacientes hipertensos refratários da
Rush Universidade, se verificou que um regime subótimo
era a causa mais freqüente do não controle pressórico, e
a mudança do diurético, adequando-o a taxa de filtração
glomerular, uma estratégia eficaz na otimização terapêutica
para que a meta pressórica preconizada fosse alcançada.
Estudo clínicos realizados demonstraram que a clortalidona
apresentou uma maior potência anti-hipertensiva que a
hidroclorotiazida, especialmente no período noturno e é
o tiazidico preferencial nesta população. Os diuréticos de
alça só devem ser utilizados quando a taxa de filtração
glomerular for menor que 30 ml/min, e fracionados em
duas vezes, pela sua curta duração de ação.
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Figura 2
Quarto fármaco
As diretrizes recentes não comentam as estratégicas
terapêuticas que podem ser utilizadas em portadores
de hipertensão arterial resistente em relação ao quarto
fármaco, em razão da ausência de estudos clínicos dese­
Revista Factores de Risco, Nº10 JUL-SET 2008 Pág. 28-32
”... a administração do quarto fármaco é empírica, porém pela
alta prevalência de hiperaldosteronismo na população hipertensa
resistente, que se estima seja ao redor de 20%, a administração
de antagonistas dos receptores mineralocorticoides é racional...”
nhados para responder esta questão. Na prática clínica
deve-se utilizar combinações medicamentosas de uma
maneira empírica com racionalidade, para que a meta
pressórica seja alcançada. Diante de pacientes que não
atingiram a meta preconizada com o triplo regime [IECA/
BRA + ACC (dihidropiridínico) + Clortalidona], a adminis­
tração do quarto fármaco é empírica, porém pela alta
prevalência de hiperaldosteronismo na população hiper­­
tensa resistente, que se estima seja ao redor de 20%,
a administração de antagonistas dos receptores mine­
ralocorticoides é racional, pois estudos mais recentes
demonstraram uma eficácia anti-hipertensiva adicional,
em pacientes com e sem hiperaldosteronismo primário. O
potássio sérico deve ser dosado entre a primeira e quarta
semana após a introdução da espironolactona e suspenso
caso seu nível sérico ultrapasse o valor de 5,5 mEq/L . A
posologia preconizada de espironolactona é de 25 mg a 50
mg 1x ao dia, em pacientes idosos ou diabéticos se utiliza
metade desta dose, e o clearance de creatinina superior a
50 ml/min.
TERAPÊUTICA NA HIPERTENSÃO RESISTENTE
TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO
SAL
ÁLCOOL
PESO
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
IECA/BRA + BCC + TIAZÍDICO (CLORTALIDONA)
4ª DROGA - ESPIRONOLACTONA
5ª DROGA – BETA-BLOQUEADOR ou SIMPATOLÍTICO
ou VASODILATADOR ou ALFA-BLOQUEADOR
Figura 3
Combinações medicamentosas usuais
e não usuais
Estratégia da Cronoterapia na hipertensão
resistente
Outras classes medicamentosas anti-hipertensivas
como betabloqueadores, vasodilatadores diretos e simpa­
ticolíticos centrais ou periféricos, também podem ser
utilizados no manuseio destes pacientes, apesar de não
existirem estudos demonstrando o benefício especí­
ficamente nesta população. Combinações de fármacos
de uma mesma classe, como diuréticos tiazídicos e de
alça, ACC dihidropiridínicos e não hidropiridínicos, o duplo
bloqueio do sistema renina-angiotensina com IECA e BRAS,
demonstraram em estudos pequenos que apresentam
uma redução pressórica adicional pequena e pode ser uma
estratégia a ser utilizada em situações especiais. A figura 3
mostra um possível diagrama a ser seguido no tratamento
dos pacientes com hipertensão resistente, utilizando as
diversas classes de anti-hipertensivos.
A estratégia da cronoterapia na hipertensão refratária
é uma das opções em seu manuseio clínico, consiste na
administração de um dos fármacos anti-hipertensivos
no período noturno. Hermida et cols demonstraram em
estudos clínicos realizados, uma maior redução pressórica,
maior descenso do sono e também uma menor elevação
matinal da pressão arterial, com significância estatística,
com a administração do ACC no período noturno, em
relação ao esquema clássico de administração dos três
fármacos juntos no período da manhã. Pelo fato das médias
pressóricas do sono se correlacionarem mais com eventos
cardiovasculares, a cronoterapia tem potencialmente este
benefício a mais, esta estratégia necessita ainda da rea­
lização de estudos clínicos randomizados para que se
demonstre o seu benefício na proteção cardiovascular.
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Hipertensão resistente. Análise crítica da Declaração da AHA - 2008. B - Tratamento da Hipertensão Arterial Resistente
Perspectivas e considerações finais
Referências Bibliográficas
Novas classes de medicamentos estão sendo estu­
dadas em pacientes com hipertensão resistente como o
darusentan, um antagonista seletivo dos receptores tipo A
da endotelina. A estimulação artificial com eletrodos dos
baroreceptores, é outra estratégia que vem sendo testada,
ambos demonstraram uma importante redução pressórica,
1-Passarelli Jr O, Sousa MG, Fluxograma na abordagem diagnóstica da Hipertensão de difícil controle. In:Passarelli Jr O; Fonseca
FAH; Colombo FMC; Scala LCN; Póvoa R, (eds). Hipertensão Arterial de Difícil controle: da teoria a prática clínica. São Paulo: Segmento Farma,2008.cap 21;265-69.
2- Passarelli Jr O, Pimenta E, Sousa MG, Estratégias na terapêutica farmacológica. In:Passarelli Jr O; Fonseca FAH; Colombo FMC;
Scala LCN; Póvoa R, (eds). Hipertensão Arterial de Difícil controle:
da teoria a prática clínica. São Paulo: Segmento Farma,2008.cap
21;265-69.
“A estratégia da cronoterapia
na hipertensão refratária
é uma das opções em seu
manuseio clínico, consiste
na administração de um dos
fármacos anti-hipertensivos no
período noturno.”
3-Sociedade Brasileira de Hipertensão.V Diretrizes Brasileiras de
Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertensão 2006;13(4):243-248.
4- Mancia G,De Backer G,Dominiczak A, Cifkova R, Fagard R, Germano G. et cols. 2007 guidelines for the management of arterial hypertension. The Task Force for the Management o Arterial
Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH)
and of the European Society of Cardiology (ESC). J. Hypertension
2007;25:1105-1185.
sendo opções promissoras a serem utilizadas.
A combinação contendo um IECA/BRA + ACC +
clortalidona, representa o “trio de ouro” do tratamento
anti-hipertensivo, pois costuma ser eficaz e bem tolerada.
A espironolactona quando adicionada ao esquema tríplice
preconizado, proporciona redução pressórica adicional e é
o quarto fármaco recomendado.
Diante de pacientes que após 6 mêses de otimização
terapêutica não tiveram a sua meta pressórica atingida,
recomenda-se o encaminhamento para um especialista
em hipertensão e o mais importante NUNCA DESISTIR, pois
cada mmHg a menos significa menor risco cardiovascular.
Oswaldo Passarelli Jr.
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5- Calhoun DA, Jones D, Textor S, Goff DC, Murphy TP, Toto RD,
et cols. Resistant Hypertension: Diagnosis, Evaluation and Treatment. A Scientific Statement From the American Heart Association Professional Education Committee of the Council for High
Blood Pressure Research. Hypertension.2008;51.
6- HermidaRM, Ayala DE, Mojon A, Fernadez JR. Chronotherapy
with nifedipine GITS in hypertensive patients: improved efficacy
and safety with bedtime dosing. Am J Hypertens 2008;21:948954.
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