O RISCO DO USO DE PLANTAS MEDICINAIS INDICADAS POR ERVATEIROS NO TRATAMENTO DA SINUSITE EM PORTO ALEGRE estudos, Goiânia, v. 34, n.11/12, p. 833-842, nov./dez. 2007. EDNA SAYURI SUYENAGA, LUCI ROSETE DOS SANTOS, LETÍCIA DE SÁ MARTINS, FRANCIE BUENO Resumo: o presente estudo teve como objetivo verificar, através de entrevistas informais a ervateiros de Porto Alegre, quais as espécies mais indicadas para o tratamento da sinusite. Realizouse também a triagem fitoquímica das amostras comercializadas pelos mesmos, bem como a identificação botânica. As espécies mais citadas foram ‘Echinacea angustifolia’, ‘Mentha piperita’, ‘Origanum majorana’, ‘Parapiptadenia rigida’, ‘Blepharocalyx salicifolius’, ‘Eucalyptus globulus’, ‘Lavandula officinalis’, ‘Foeniculum vulgare’, ‘Coronopus didymus’, destacando-se a ‘Luffa operculata’. Palavras-chave: sinusite, plantas medicinais, triagem fitoquímica s grandes centros brasileiros têm apresentado um crescente desenvolvimento de indústrias, o aumento de veículos automotores que lançam inúmeros poluentes ao ambiente, provocando a contínua queda na qualidade do ar atmosférico, favorecendo o surgimento e agravamento de doenças respiratórias. Entre as várias enfermidades que afetam as vias respiratórias, a sinusite é uma das mais freqüentes, representando importante fator de co-morbidade, que ocorre geralmente após rinites ou infecções das vias aéreas superiores. É uma infla- O 833 MATERIAL E MÉTODOS 834 As entrevistas foram conduzidas informalmente, simulando a procura pela automedicação, para que os ervateiros indicassem as espécies utilizadas para o tratamento de sinusite. Não foi revelada a natureza da pesquisa, pois alguns dos entrevistados, quando identificado o estudo, foram esquivos nas respostas. Foram entrevistados 15 ervateiros em diversos pontos da região de Porto Alegre. A pergunta formulada para a pesquisa foi: “O que o senhor tem para eu tratar a minha sinusite?” As espécies foram adquiridas durante a entrevista e posteriormente identificadas botanicamente, com o auxílio do Prof. Dr. Sérgio Bordignon, do laboratório de Botânica da Ulbra. As amostras foram secas ao abrigo da luz e moídas com auxílio de moinho de facas. estudos, Goiânia, v. 34, n.11/12, p. 833-842, nov./dez. 2007. mação da mucosa dos seios paranasais e das cavidades que existem no interior dos ossos da face (SAKANO & NAVARRO, 2002). No Brasil, tradicionalmente as plantas medicinais costumam ser utilizadas por populações rurais carentes, mas verifica-se atualmente o crescimento do consumo em centros urbanos, por pacientes de todo nível sócio-econômico e cultural. Uma parcela significativa dos usuários de medicina complementar busca para o tratamento de doenças respiratórias como a rinite alérgica, sinusite e asma (PASSOS, 1998, MENON-MIYAKE et al., 2005). As distorções decorrentes do uso inadvertido de plantas medicinais estão relacionadas à crença equivocada de que “tratamentos com plantas são naturais e não fazem mal”. Problemas podem acontecer em função da má procedência da planta, erros na identificação botânica, armazenamento inadequado, dose e preparo indevidos, interação medicamentosa que pode levar também a complicações pré-operatórias, fato que deve ser considerado pelos diversos especialistas de áreas cirúrgicas (SIMÕES et al., 2002, MENON-MIYAKE et al., 2004). Sendo assim, o presente trabalho teve como objetivo verificar quais plantas medicinais são indicadas pelos ervateiros para o tratamento da sinusite, na região de Porto Alegre e realizar triagem fitoquímica destas espécies, para caracterização dos principais metabólitos secundários, confrontando o uso popular com os potenciais riscos de seu uso irracional. Os métodos utilizados para a triagem fitoquímica foram preconizados por Costa (2002). Foram realizados ensaios para a caracterização de compostos fenólicos, flavonóides, cumarinas, taninos, antraquinonas, alcalóides, saponinas e heterosídeos cardiotônicos (núcleo esteróide, lactônico e açúcar). Foi realizado levantamento bibliográfico sobre estudos farmacológicos realizados com metabólitos secundários caracterizados nas espécies indicadas, que possam justificar o seu uso no tratamento da sinusite, verificando a possível atividade antimicrobiana e/ou antiinflamatória, bem como o potencial risco de seu uso inadequado. estudos, Goiânia, v. 34, n.11/12, p. 833-842, nov./dez. 2007. RESULTADOS Foram indicadas as seguintes espécies (número de citação / total de entrevistados): Echinacea angustifolia (2/15), Mentha piperita (3/15), Origanum majorana (3/15), Parapiptadenia rigida (2/15), Blepharocalyx salicifolius (1/15), Eucalyptus globulus (4/15), Lavandula officinalis (3/15), Foeniculum vulgare (2/15), Coronopus didymus (1/15) e a Luffa operculata (13/15). Através dos dados da Tabela 1, pode-se verificar que todas as espécies, com exceção de Foeniculum vulgare e Coronopus Tabela1. Resultado da triagem fitoquímica das plantas medicinais indicadas pelos ervateiros em Porto Alegre para o tratamento da sinusite 835 didymus, apresentaram compostos fenólicos, representados principalmente pela presença de flavonóides, taninos e/ou antraquinonas. Caracterizou-se a presença de saponinas em Blepharocalyx salicifolius, Eucalyptus globulus, Lavandula officinalis, Coronopus didymus, Luffa operculata e Parapiptadenia rigida. Quanto aos alcalóides, foi caracterizado apenas em Eucalyptus globulus. Não foram observados cumarinas, alcalóides e heterosídeos cardiotônicos em todas as espécies estudadas. 836 Os flavonóides representam um dos grupos fenólicos mais importantes e diversificados entre os produtos de origem natural. Esta classe de compostos é amplamente distribuída no reino vegetal (HARBONE & WILLIAMS, 2000). Tais substâncias têm uma série de propriedades benéficas ao metabolismo do nosso organismo, uma destas é a antiinflamatória, que atua na inibição da enzima lipoxigenase que converte o ácido araquidônico em leucotrienos que são mediadores de asma, alergias e inflamação. Os flavonóides mais eficientes na inibição dessas enzimas são a quercetina, a morina, a hesperedina, a rutina, a cianidina e a miricetina (ISHIKAWA et al., 2006). Infelizmente, informações sobre os estudos farmacológicos definitivos ou clínicos são poucas frente aos estudos pré-clínicos, sendo necessários mais pesquisas para substanciar o exato envolvimento dos flavonóides como inibidores do processo inflamatório e suas aplicações terapêuticas (CARVALHO, 2004). Assim, como os flavonóides, os taninos compreendem um grupo de substâncias complexas muito disseminada no reino vegetal (ROBBERS et al., 1997). Plantas ricas em taninos geralmente são empregadas na medicina tradicional como remédios para o tratamento de diversas moléstias orgânicas, dentre estas, os processos inflamatórios em geral. Testes in vitro realizados com extratos ricos em taninos ou com taninos puros têm sido identificadas ações bactericida, fungicida e antiviral (MUELLER-HARVEY & MCALLAN, 1992, TYLER, 1994, ROBBERS et al., 1997). As saponinas são constituintes vegetais glicosídicos com um componente terpenóide aglicona. Possuem ação afrogênica devido sua tendência de formar espuma estável quando agitadas com estudos, Goiânia, v. 34, n.11/12, p. 833-842, nov./dez. 2007. DISCUSSÃO estudos, Goiânia, v. 34, n.11/12, p. 833-842, nov./dez. 2007. água, não propriamente emulsifica, mas determina uma alteração da tensão superficial da mucosa provocando polarização, que resulta em efeito cáustico no tecido. Assim, a saponina deve ser o componente verdadeiramente irritante. Em doses terapêuticas, as saponinas são princípio ativo de alguns medicamentos mucolíticos (MENON-MIYAKE et al., 2005). Apresentam um gosto amargo ou ácido e são irritantes para as membranas mucosas. Além de suas propriedades surfactantes, as saponinas alteram a permeabilidade de todas as membranas biológicas (OSBOURN, 1996). Plantas contendo saponinas são geralmente utilizadas como expectorantes e diuréticas, cujos mecanismos não estão completamente elucidados. Alguns autores argumentam que a irritação do trato respiratório aumentaria o volume do fluido respiratório, hidratando a secreção brônquica. O muco teria, então, sua viscosidade diminuída. Outra possibilidade seria devido à atividade superficial das saponinas, também originando menor viscosidade e maior facilidade de expulsão do muco, o que poderia auxiliar o tratamento da sinusite, porém altas concentrações plasmáticas deste metabólito, pode apresentar efeito tóxico nas células, causando distúrbios gástricos, náusea e vômito (SCHULZ et al., 2002). Tem-se também relatada a atividade antibacteriana e antifúngica a esta classe de metabólitos secundários (AVATO et al., 2006, BARILE et al., 2007). Não foram analisados os óleos voláteis de Eucalyptus globulus, Lavandula officinalis, Mentha piperita, Foeniculum vulgare, Echinacea angustifolia, Coronopus didymus, Origanum majorana e Blepharocalyx salicifolius devido o material vegetal adquirido estar seco, o que poderia influenciar na composição química dos mesmos. Mas, é relatada na literatura a atividade antimicrobiana dos constituintes dos óleos voláteis destas plantas (RUBERTO et al., 2000; SCHULZ et al., 2002; ISCAN et al., 2002; TAKAHASHI et al., 2004; DEANS & SVOBODA, 2006). Muitas evidências empíricas relatam os benéficos de seu uso para problemas subjetivos que envolvem a nasofaringe, em especial a obstrução das vias aéreas nasais, sendo recomendado a inalação dos vapores d’água juntamente com os óleos essenciais (SCHULZ et al., 2002). COSTA (2002) cita várias propriedades medicinais atribuídas aos óleos essenciais, sendo as principais: adstringente, analgésico, antidepressivo, antipirético, antiviral, bactericida, bacteriostático, fungicida, fungiostático e antiinflamatória. 837 838 estudos, Goiânia, v. 34, n.11/12, p. 833-842, nov./dez. 2007. Luffa operculata, por ser a planta medicinal mais indicada pelos ervateiros para o tratamento de sinusite, de acordo com a nossa pesquisa, merece a devida atenção. A inalação ou instilação nasal da infusão de Luffa operculata (“buchinha-do-norte”) é uma prática muito antiga no tratamento das rinites e sinusites, doenças de prevalência crescente na população mundial (MATOS, 1967, HUGHES, 2001; MENON-MIYAKE et al., 2004). Segundo MenonMiyake et al. (2005) a maioria dos otorrinolaringologistas conhece seus efeitos e com freqüência recebem pacientes em utilização (muitas vezes não referida) da planta. Apesar da utilização popular da Luffa operculata e dos relatos informais de efeitos adversos: epistaxe, irritação nasal, alterações do olfato e até necrose da pirâmide nasal após período prolongado de utilização, é notória a escassez de estudos científicos sobre a planta. A descrição de liberação profusa de muco nasal em conseqüência do uso desta espécie é um indício de seu efeito direto sobre a estrutura e a função do aparelho mucociliar nasal, aspecto que merece elucidação científica. E, também, a infusão de Luffa operculata, nas concentrações utilizadas popularmente, promove alterações significantes na estrutura e ultraestrutura epitelial da mucosa respiratória (RONCADA, 2001). A Luffa operculata age sobre as mucosas por efeito das cucurbitacinas e de seus glicosídeos. A saponina colabora com esta ação, emulsificando compostos lipossolúveis ativos, o que facilita o contato e absorção da isocucurbitacina pelas mucosas e resulta em ação cáustica sobre as mesmas. Poucos estudos experimentais ou clínicos têm sido publicados com medicamentos à base desta planta (MENON-MIYAKE et al., 2005). A dose tóxica de Luffa operculata em humanos, extrapolada a partir da DL50, ou dose letal para 50% de animais testados, corresponde a 170mg/kg. Assim, aproximadamente 1g do extrato de Luffa operculata pode ser letal para um adulto de 70kg (LORENZI & MATOS, 2002). As intoxicações registradas estão relacionadas de modo geral com tentativas de aborto. Os casos registrados junto ao CIT/SC (Centro de Informações Toxicológicas de SC) ocorreram em mulheres entre 19 e 26 anos, após a ingestão de quantidade variável do chá preparado com os frutos secos, administrados através de inalação ou solução nasal em gotas. É de se ressaltar que tais produtos estão ilegalmente no mercado, declarados como “isentos de registros conforme Art. 28 – Decreto 79.094/77”. No entanto, o processo de auto-isenção não é estudos, Goiânia, v. 34, n.11/12, p. 833-842, nov./dez. 2007. previsto pela legislação atual (SIMÕES et al., 2002). O tratamento da sinusite, de acordo com os costumes populares, inclui a automedicação e a prescrição leiga com medicamentos sintomáticos, como descongestionantes e analgésicos, ignorando a necessidade do uso de antimicrobianos. Também as inalações, com vapores do cozimento da planta “buchinha” (Luffa operculata) e os xaropes de preparo caseiro são amplamente usados pelos pacientes, antes da procura aos serviços médicos. Essas práticas, além de ineficazes para o tratamento da sinusite aguda, podem causar complicações, como nos casos de inalação ou aplicação tópica de “concentrados” da cocção da “buchinha”, que provocam intensa reação inflamatória e lesão da mucosa respiratória, agravando os sintomas nasosinusais. Sugere-se que pessoas que freqüentemente fazem o uso deste tipo de tratamento podem sofrer as conseqüências desagradáveis da aplicação tópica dessa e de outras plantas medicinais que ainda não foram estudas (BALBANI et al., 1998). A sinusite aguda parece ser a causa mais freqüente de infecções orbitárias, assim como responsáveis por 50-75% dos abscessos intracranianos (VOEGELS et al., 2002), portanto deve-se dar a devida importância. Este estudo foi realizado devido ao aumento do interesse da população pelas práticas da medicina complementar. Embora a ciência médica evolua cada vez mais, a população atribui poderes medicinais às plantas que ainda não foram validadas cientificamente, considerando-as erroneamente inócuas. E a exploração irracional destas espécies vegetais pode também colocar em risco a sua extinção, além do agravamento da saúde da população. Embora as espécies relatadas no presente estudo não apresentem estudos que comprovem a sua eficiência e mais dados sobre a toxicidade, exceto para Luffa operculata, são necessários estudos conclusivos para o seu uso no tratamento de sinusite, bem como maior rigor na fiscalização da venda de plantas medicinais. É nítido que as universidades e as instituições de pesquisa não podem mais ignorar a medicina complementar e o uso de plantas medicinais, num país como o Brasil, com a maior biodiversidade do planeta, pobre em recursos financeiros, porém riquíssimo em informações etnofarmacológicas. Talvez a maior contribuição dos cientistas brasileiros seja resgatar essas tradições e buscar a validação científica, promoven- 839 do a conscientização e exploração racional das espécies da flora nativa, para a sua valorização e valoração. Referências AVATO, R. B., TAVA, A., VITALI, C., ROSATO, A., BIALY, Z. & JURZYSTA, M. 2006. Antimicrobial activity of saponins from Medicago sp.: structure– activity relationship. Phytotherapy Research. 20:454-457. BALBANI, A. P. S., LITVOC, J., SANCHEZ, T. G. & BUTUGAN, O. 1998. Sinusite Aguda e Epistaxe: reconhecimento e tratamento de afecções otorrinolaringológicas numa população rural do estado de São Paulo. Arquivos da Fundação Otorrinolaringologia. 2(4):70. BARILE, E., BONANOMI, G., ANTIGNANI V., ZOLFAGHARI, B., SAJJADI, S. E., SCALA, F. & LANZOTTI, V. 2007. Saponins from Allium minutiflorum with antifungal activity. Phytochemistry. 68(5):596-603. CARVALHO, J. C. T. 2004. 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