Mecânica das Rochas para Recursos Naturais e Infraestrutura SBMR 2014 – Conferência Especializada ISRM 09-13 Setembro 2014 © CBMR/ABMS e ISRM, 2014 Uma Discussão sobre a Atuação do Peso Próprio na Geração de Forças Resistentes em Certos Casos de Rupturas em Cunha Fernando Portugal Maia Saliba Tec3 Geotecnia e Recursos Hídricos Ltda, Belo Horizonte, Brasil, [email protected] Jhoan Paredes Panitz Tec3 Geotecnia e Recursos Hídricos Ltda, Belo Horizonte, Brasil, [email protected] Aloysio Portugal Maia Saliba Tec3 Geotecnia e Recursos Hídricos Ltda, Belo Horizonte, Brasil, [email protected] Rodrigo Peluci de Figueiredo Núcleo de Geotecnia, Universidade [email protected] Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Brasil, RESUMO: Os fatores de segurança para processos de instabilização de cunhas rochosas são, em geral, calculados a partir de uma solução analítica proposta por Hoek e Bray (1977). Nesta análise, é avaliado, primeiramente, se o deslizamento ocorre pela interseção dos dois planos formadores da cunha ou por apenas um deles (Hocking, 1976). Em seguida, é realizada a comparação de forças resistivas versus desestabilizantes. Entretanto, existem casos particulares de rupturas, nos quais, devido a uma particularidade da geometria da cunha que se configura, o peso próprio atua sobre um único plano (aqui designado "plano positivo"- Figura 3), já que o outro (aqui denominado "plano negativo" - Figura 3) lhe é sobrejacente, isto é, mergulha para o mesmo hemisfério e semi-paralelo ao outro plano e sem a linha de interseção da cunha entre eles. Nessas circunstâncias específicas, as forças resistivas geradas no "plano negativo" (sobrejacente) não deverão contar com o atrito decorrente da atuação do peso próprio. E, não havendo resistência por atrito nos dois planos, o cálculo dos fatores de segurança para tais cunhas deve ser devidamente modificado para considerar esse caso particular. Este artigo tem por objetivo apresentar um estudo desse cenário específico de ruptura em cunha, mostrando como os fatores de segurança calculados sem considerar que não existem forças resistentes devidas ao peso (por atrito) num dos planos, podem levar a conclusões equivocadas (contra a segurança) sobre a estabilidade dos taludes. Pretende-se, adicionalmente, apresentar resultados obtidos com softwares comerciais disponíveis no mercado, avaliando de que maneira os mesmos calculam os fatores de segurança para o problema em questão. PALAVRAS-CHAVE: Ruptura em Cunha, Análise de Estabilidade, Fator de Segurança. 1 INTRODUÇÃO As formulações empíricas para cálculo dos fatores de segurança para os diversos modos de ruptura há alguns anos são comumente conhecidas pela comunidade técnico-científica. Os modelos de ruptura mais usuais baseiam-se no equilíbrio de forças resistivas e desestabilizantes, onde o fator de segurança SBMR 2014 pode ser determinado a partir da relação entre estas duas grandezas. Planilhas eletrônicas e programas comerciais foram desenvolvidos baseadas nestas formulações para facilitar o cálculo e o dimensionamento, principalmente de taludes rochosos de cava a céu aberto. Dentre os diversos modos de ruptura, as cunhas rochosas formadas pela interseção de dois ou mais planos de descontinuidades são facilmente identificadas quando da sua possibilidade cinemática de ocorrência devido o mecanismo de ruptura. Porém, segundo Hoek e Bray (1977) o número de variáveis envolvidas na solução do problema torna-se este complexo, e não óbvio, principalmente para o cálculo do fator de segurança. Contudo, apesar de pouco observado nos problemas de engenharia, os casos particulares acrescentam ainda maior dificuldade durante o dimensionamento de taludes de cava, principalmente quanto da atuação efetiva das forças resistentes, conforme descrito nos itens seguintes. 2 METODOLOGIA APLICADA PARA O CÁLCULO DO FS Segundo proposto por Markland (1972), os critérios cinemáticos para ocorrência da ruptura em cunha formada pela interseção de dois planos são (figura 1): A inclinação da linha de interseção produzidas pelas duas descontinuidades formadoras da cunha deve ser maior que o ângulo de atrito; A inclinação da linha de interseção dos dois planos formadores da cunha deve ser menor que a inclinação da face do talude. Um refinamento do teste de Markland foi introduzido posteriormente por Hocking (1976) para identificacao do modo pelo qual ocorre o deslizamento da cunha. Três possibilidades foram definidas para diferenciar se o delizamento da cunha ocorre realmente pela linha de interseção ou por um dos dois planos que formam a cunha. Os critérios propostos por Hocking para identificação do modo de ruptura da cunha são: Tipo 1 – deslizamento pela interseção dos dois planos: se a linha de máxima inclinação de ambos os planos de descontinuidade encontra-se fora do intervalo formado pelo rumo (trend) da linha de interseção e a direção de mergulho do talude (dip direction), o deslizamento ocorrerá pela interseção dos dois planos conforme exemplificado na figura 1; Tipo 2 – deslizamento por um dos dois planos: se a linha de máxima inclinação de um dos planos estiver entre o ângulo formado pelo rumo (trend) da linha de interseção e a direção do mergulho do talude (dip direction), o deslizamento ocorrerá por este plano em particular (figura 2); Tipo 3 - deslizamento pelo plano de maior inclinação: se a linha de máxima inclinação de ambos os planos estiverem entre o ângulo formado pelo rumo (trend) da linha de interseção e a direção do mergulho do talude (dip direction), o deslizamento ocorrerá pelo plano que apresenta maior inclinação. Figura 1. Geometria da ruptura em cunha e condições cinemáticas (modificado de Wyllie e Mah, 2004). SBMR 2014 Verificada a possibilidade cinemática para a formação e o deslizamento da cunha, o fator de segurança (FS) poderá ser calculado segundo a solução proposta por Hoek e Bray (1977) obedecendo às seguintes premissas: Durante o deslizamento, ambos os planos de descontinuidade estarão em contato com a superfície da cunha; Considera-se que não haverá a geração de momento (assumi-se que não haverá rotação durante o deslizamento); Plano negativo : plano sobreadjacente H=15m Figura 2. Exemplo de deslizamento da cunha por um plano (plano A) e não pela linha de interseção . forças atuantes nos planos da cunha e calculado o FS (Rocscience, 2006). Na segunda análise, utilizou-se a plataforma do programa GoldSim (GTG, 2010) seguindo o mesmo roteiro de cálculo no Swedge, porém desconsiderando a força Normal decorrente da decomposição da atuação do peso próprio no “plano negativo”. Define-se como “plano negativo” o plano de descontinuidade sobrejacente ao “plano positivo”, isto é, que mergulha para o mesmo hemisfério e semi-paralelo ao outro plano e sem a linha de interseção da cunha entre eles, conforme mostrado na Figura 3. Como a direção das linhas de máxima inclinação de ambos os planos encontram-se fora do intervalo formado pelo rumo (trend) da linha de interseção e a direção de mergulho do talude (dip diretion), o deslizamento ocorrerá pela interseção dos dois planos segundo o critério de Hocking. A resistência ao cisalhamento é definida segundo o critério de Mohr-Coloumb. (a) Plano positivo: sob atuação do peso próprio da cunha. Responsável pela geração de forças resistentes por atrito. 3 CÁLCULO DO FS COM E SEM ACRÉSCIMO DO ATRITO DEVIDO O PLANO NEGATIVO Neste artigo foram realizadas duas análises de estabilidade semelhantes quanto a sua geometria e parâmetros geotécnicos adotados. O que diferencia entre elas, trata-se do acréscimo ou não de forças resistentes devido ao peso próprio da cunha (por atrito) num dos planos em razão da particularidade da configuração geométrica da cunha formada. A primeira análise foi conduzida utilizando o programa comercial Swedge (Rocscience, 2006) que determina a geometria da cunha utilizando a teoria dos blocos proposta por Goodman e Shi (1985) e a partir desta, são determinadas as SBMR 2014 (b) Figura 3. (a) Geometria do talude, da cunha e indicação dos planos de descontinuidade. (b) Representação estereográfica do problema. A geometria do problema discutido neste artigo consta de uma cunha rochosa formada por um talude de 15 metros de altura, com 70° de inclinação (dip) e direção de mergulho de 210° (dipdirection). O peso específico da rocha adotado é de 3,0 t/m³. Para facilitar os cálculos e o próprio entendimento das forças efetivamente ativas no problema em questão, adotou-se um talude completamente seco, sem adição de forças externas tais como tirantes, sobrecargas etc. e ausente de qualquer fenda de tração. Os parâmetros geotécnicos adotados nas duas análises são apresentados na Tabela 1. Tabela 1. Parâmetros de resistência das descontinuidades utilizados na análise. Parâmetro Plano Plano Positivo Negativo (42/241) (55/269) Coesão (t/m²) Ângulo de Atrito ( - º) 0,0 0,0 20 30 Os planos de descontinuidade que formam a cunha têm as seguintes atitudes (dip / dip direction): 42/241 - denominado como plano “positivo” e 55/269 - denominado como plano “negativo”. Os resultados obtidos nas análises de estabilidade foram de FS = 1,31 e FS = 1,10, utilizando o Swedge e o GoldSim, respectivamente. O valor das principais forças e parâmetros calculados em ambas as análises são apresentados na Tabela 2. As principais diferenças entre os resultados das duas análises foram: o valor da força Normal no “plano negativo” igual a zero para análise no GoldSim; o valor da força resistente total que decaiu de 1174t obtida no Swedge para 675t no GoldSim e o valor do FS. SBMR 2014 Tabela 2. Resultado das análises de estabilidade para ruptura em cunha utilizando Swedge e GoldSim. Informações do Resultado Swedge GoldSim Tipo de análise Determinística Altura do Talude (m) 15,0 15,0 Peso específico da rocha (t/m³) 3,0 3,0 Pressão de água não não Força externa aplicada não não Fenda de tração não não Peso da cunha (t) 1.439 1.439 Modo de ruptura Deslizamento pela interseção entre os dois planos Área do plano positivo (m²) 292 292 Área do plano negativo (m²) 144 144 Força efetiva Normal no “plano positivo” (t) Força efetiva Normal no “plano negativo” (t) Força desestabilizante (t) 1.855 1.855 863 0,0 894 894 Força resistente (t) 1.174 675 Fator de segurança (FS) 1,31 0,76 Nota-se uma redução significativa no fator de segurança de 58% contra a segurança devido apenas o decréscimo da força Normal associada ao “plano negativo”. Observa-se que fator de segurança poderia também ser calculado sem o acréscimo de força resistiva devido ao “plano negativo” (simulação do Swedge) caso o deslizamento ocorresse por apenas um dos planos que formam a cunha. Neste sentido, sugere-se o ajuste no critério de Hocking para as condições geométricas particulares apresentadas neste artigo, a fim de que o cálculo da estabilidade seja feito corretamente. Este ajuste poderá ser facilmente implementado incluindo uma restrição específica na condição do Tipo 1 proposta por Hocking. Opcionalmente, poderá o problema ser conduzido desconsiderando o acréscimo da força Normal devido ao “plano negativo”. Para fins de validação, outras análises semalhantes foram conduzidas, mostrando que realmente o Swedge calcula o esforço normal em ambos os planos quando o deslizamento é promovido pela interseção dos dois planos, mesmo para situações onde um dos planos (“plano negativo”) não contribua efetivamente com a componente do peso próprio da cunha. 4 CONCLUSÕES O presente artigo discorre sobre um caso particular de ruptura em cunha onde a geometria formada pela intersecao dos dois planos, apresenta inicialmente o deslizamento pela linha de intersecao quando da avaliacao do criterio cinematico de Hocking. No entanto, cunhas que apresentam planos de descontinuidade semi paralelos e fora do intervalo entre a linha de intersecao e a maxima inclinacao do talude, condicionam a ruptura pelo plano denominado neste artigo como positivo. Os fatores de seguranca obtidos em analises que configuram esta especialidade, apresentam valores contra a seguranca visto que incluem um acrescimo de resitencia promovida pelo atrito do plano negativo. Tal problema foi mostrado a partir da comparacao entre duas analises de estabilidade utilizando o programa Swedge e a plataforma do GoldSim. O ajuste para este tipo de problema podera ser facilmente resolvido, incluindo uma restricao no criterio cinematico de Hocking. REFERÊNCIAS Goodman, R. E., Shi, G. (1985). Block Theory and its Application to Rock Engineering. Prentice-Hall, London, p.338 Goldsim Technology Group – GTG (2010). GoldSim User’s Guide. Probabilistic Simulation Environment.Volume 2.Issaquah,WA. Hocking, G. (1976). A method of distinguishing between single and double plane sliding of tetrahedral wedges. Int. J. Rock Mech. Min. Sci. & Geomech. Abstr., v. 13, p. 225-226; Hoek, E. & J. W. Bray (1977). Rock Slope Engineering. 2sd ed., London: IMM, p.357 Markland J. T. (1972) A useful technique for estimating the stability of rock slopes when the rigid wedge sliding type of failure is expected. Imperial College Rock Mechanics Research Report No 19. Wyllie D. C. & Mah W. M. (2004). Rock Slope SBMR 2014 Engineering – Civil and Mining. 4th edition. Spon Press, New York. 456p. Rocscience Inc. (2006). Swedge Version 5.0 - 3D Surface Wedge Analysis for Slopes. Toronto, Ontario, Canada.