História Antiga Aula VI Objetivo: Introdução ao Egito Antigo. A) Economia e sociedade. A civilização do Egito faraônico desenvolveu-se ao longo do rio Nilo, no norte da África, cujo curso pode ser dividido em duas regiões distintas: o vale, ao sul; e o delta, ao norte, próximo ao mar Mediterrâneo. A nascente propriamente dita do Nilo ficava bem mais ao sul, na região conhecida como Núbia (atual Sudão), onde a população era majoritariamente formada por negros e existiam várias minas de metais preciosos. Estima-se que a densidade populacional do Egito era de 200 hab./km², muito alta para a Antiguidade. Assim, este era um dos “formigueiros humanos” da Antiguidade e, quando a inundação falhava, morriam milhares de pessoas devido à fome. Justifica-se, portanto, a famosa frase de Heródoto, “O Egito é uma dádiva do Nilo”. Ao contrário do Tigre e do Eufrates, o Nilo possuía cheias bastante tranquilas e que ocorriam no momento certo do calendário agrícola. As produções básicas eram cereais (trigo duro e cevada) e linho. Havia três estações do ano: a inundação (julho a outubro), o reaparecimento da terra, época de semeadura do solo (novembro) e a colheita (abril e maio). No total, o ciclo da agricultura durava cerca de seis meses, sobrando assim bastante tempo para as atividades artesanais na aldeia, para o trabalho de irrigação ou nas grandes obras estatais. Quanto à pecuária, os pastos em geral localizavam-se nos pântanos formados pelo rio. O gado maior (bois e asnos) servia em primeiro lugar para puxar o arado, separar os grãos da palha e para o transporte. Contudo, vacas e bois também eram usados na alimentação, para os mais abastados, e no sacrifício aos deuses. O gado menor compreendia ovelhas, cabras e porcos. O cavalo só se difundiu no Reino Novo, após a invasão dos hicsos, sendo usado para puxar carros. Dentre as outras atividades básicas, a pesca era praticada no Nilo, nos pântanos e nos canais com rede, anzol e arpão e, depois, os peixes eram secados ao sol. A caça também era praticada no deserto e nos pântanos, usando-se o cão, o arco e o laço. As terras pantanosas também eram zonas de coleta de papiro, uma planta cujo caule era utilizado para a confecção de um tipo de papel bem fino. Em relação à metalurgia, apesar do conhecimento desde o início do terceiro milênio a.C., o uso do metal só substituiu definitivamente os instrumentos de pedra ou madeira no primeiro milênio, com a Idade do Ferro, durante o domínio hicso. O Egito, em comparação com as civilizações da Ásia Ocidental, era atrasado em termos tecnológicos, tanto que várias inovações foram introduzidas a partir do contato dos egípcios com outros povos mais desenvolvidos nesta questão. Em geral havia um período de grandes inovações tecnológicas seguido por um período maior em que estas eram aperfeiçoadas e popularizadas. O incipiente desenvolvimento tecnológico era compensado pela abundancia de mão-de-obra, em função da superpopulação. A base da força de trabalho eram os camponeses, maioria absoluta da população. Viviam em comunidades aldeãs, onde a administração era dominada por conselhos escolhidos pela própria comunidade (djadjat e posteriormente a knebet), onde os membros recebiam os títulos de “anciãos” ou “notáveis”. Pagavam impostos ao Estado em forma de cereais, linho, gado e outros produtos, e também na forma de corveias nível local (obras de irrigação) ou nas obras públicas. Estas empregavam também trabalhadores permanentes, remunerados em espécie. A escravidão foi usada principalmente nas minas, nas pedreiras e nas terras reais e dos templos. O artesanato compreendia uma multiplicidade de atividades, como a fabricação de tijolos e vasilhames com argila úmida, pão e cerveja de cereais, vinhos de uva e tâmara, a fiação e a tecelagem de linho, as indústrias do couro, a utilização do papiro e da madeira para produções diversas e o uso de pedras preciosas e metais em vasos, estátuas, construções religiosas e funerárias. Existiam dois níveis de produção artesanal no Egito, Nas propriedades rurais e aldeias, a população fabricava objetos necessários para o seu dia a dia, enquanto que, nas oficinas pertencentes ao rei e aos templos, os artesãos especializados produziam um artesanato de luxo para o consumo da elite da sociedade. Em relação ao comércio, havia o pequeno comércio local baseado na troca de produto por produto, além do pagamento in natura de vários serviços. Em transações maiores e para cálculo dos impostos eram usados como referência pesos de metal (shat e deben), que permitiam a realização destas transações. Tanto o comércio interno quanto o externo eram controlados pelo Estado, que organizava expedições ocasionais ao exterior. A quase totalidade da vida econômica passava pelo rei, e seus funcionários, ou pelos templos. Além de controlar o comércio, o monarca era também responsável pela organização da mineração e das pedreiras e pelas grandes construções e obras públicas. Mesmo quando as atividades não eram monopolizadas pelo Estado, eram rigorosamente controladas, regulamentadas e taxadas pela burocracia. A maioria absoluta do excedente econômico disponível era concentrada pelo rei e pelos templos, que depois redistribuíam a riqueza nos níveis superiores, fazendo viver uma aristocracia burocrática, sacerdotal e militar, e nos níveis inferiores, remunerando o trabalho dos artesãos especializados e alimentando os trabalhadores das obras públicas. Como consequência disso, a urbanização desenvolveu-se menos do que na Mesopotâmia, onde a ação individual possuía um campo maior de atuação. Como no Egito um forte poder monárquico precedeu o desenvolvimento pleno da urbanização, da especialização ocupacional, do comércio exterior e da burocracia, o Estado pôde manter tal desenvolvimento sob seu controle. Contudo, ao contrário do que se poderia imaginar, o rei não era o único proprietário das terras, existindo registros de proprietários individuais e privados de terras, mas que dependiam em última instância, sanção real. B) As diversas fases da história egípcia. Grande parte da cronologia política do Egito Antigo é baseada ainda hoje no livro História do Egito, de um sacerdote do século III (período helenístico), Manethon. No total foram 30 dinastias – desde o Dinástico Primitivo (2920) até a conquista de Alexandre (332) – divididas em quatro grandes períodos: Reino Antigo, Reino Médio, Reino Novo e Época Tardia, separados por “períodos intermediários”, marcados por invasões estrangeiras e instabilidade política. A unificação do Egito ocorreu no início do terceiro milênio a.C., quando o ressecamento progressivo do norte da África levou à concentração populacional no vale do Nilo. Nos séculos anteriores ocorreu um grande progresso cultural, com desenvolvimento da metalurgia, de uma sociedade estratificada, de contatos comerciais com outras regiões e o surgimento núcleos populosos. Desde o final do quarto Milênio houve uma associação entre sistemas locais de irrigação e o surgimento dos nomos (nomenclatura grega para para os termos egípcios sepat e qâb). Os nomos eram comunidades provinciais formadas pela associação das primeiras cidades e aldeias. O processo de unificação ocorreu quando, por uma sucessão de guerras, os nomos foram reunidos em duas grandes confederações, a do Vale (Seth) e a do Delta (Hórus). Um rei chamado Escorpião unificou então o país a partir do sul. Seu sucessor, Narmer (muitos egiptólogos acreditam ser Menés, fundador da primeira dinastia), aparece já representado com as duas coroas, a branca do Vale e a vermelha do Delta. Após a unificação segue-se o Dinástico Primitivo (I a III Dinastias - 2920-2575), fase de edificação da organização política e fiscal e de fixação da escrita hieroglífica. A unificação política ainda era precária, mas já surgiram cerimônias de entronização que se baseavam na ideia de renovação da unificação do país a cada novo rei. O Reino Antigo (IV a VIII Dinastias –2575-2134) foi a época da construção das grandes pirâmides de Gizé. Durante esta fase o faraó era o maior dos monarcas, adorado como um deus e visto como suprema autoridade religiosa, militar, civil e judiciária. Como a administração foi se tornando cada vez mais complexa, ele teve que transferir parte de suas atribuições para funcionários e sacerdotes, como o tjati, espécie de primeiroministro. Os nomarcas (chefes de nomos), ou governadores, tinham as obrigações de coletar impostos, arregimentar corveias, cuidar da irrigação e fazer justiça. Nas cidades e aldeias funcionavam tribunais e assembleias de menor instância. No Primeiro Período Intermediário (IX e X Dinastias – 2134-2040), os nomarcas passaram a agir de forma independente, como pequenos reis. Como consequência dessa descentralização, a economia declinou e os trabalhos agrícolas e de irrigação foram negligenciados. Aos poucos o poder foi sendo reestruturado em dois reinos, até que a XI dinastia de Tebas conseguiu impor novamente uma monarquia unificada. O Reino Médio (final da XI e XII a XIV Dinastias – 2040-1640) apresenta uma mudança no poder faraônico. O faraó ainda era divino, mas passou a ser considerado o administrador e benfeitor universal, encarregado de fazer respeitar a Justiça-Verdade (Maat, filha de Ra). Um lento declínio monárquico iniciou-se no final da XII, e houve uma constante penetração de povos asiáticos na área do delta, até que em 1640 soberanos de origem asiática, os hicsos (em egípcio “príncipes de terras estrangeiras”), tomaram o poder. Durante o Segundo Período Intermediário (XV a XVII Dinastias – 1640-1550) o poder dos hicsos não se estendeu a todo o país de forma permanente. Os soberanos estrangeiros egipcianizaram-se, escolhendo Seth como deus dinástico e concentrando-se no Baixo Egito, na sua capital Avaris. Na região de Tebas surgiu a XVII Dinastia, que primeiro governou como tributária dos hicsos, mas que depois entrou em choque com eles quando tentou reunificar o país. Neste período, o intenso contato mantido pelos hicsos com o Oriente Próximo favoreceu a introdução de inovações tecnológicas, diminuindo o atraso do Egito em relação à Ásia Ocidental. O Reino Novo (XVIII a XX Dinastias – 1550-1070) marca o período de maior desenvolvimento da civilização faraônica. Apresenta uma mudança na política externa egípcia. Devido a episódio dos hicsos, os egípcios passam do isolamento e atitude defensiva para constituição de um império que compreendia a Síria-Palestina e a Núbia. Nesta fase o militarismo e os militares, assim como o clero (em especial sacerdócio de Tebas – Amon-Ra), começaram a adquirir maior importância em termos políticos e de propriedade de terras. Devido a maior complexidade da administração, o cargo de tjati foi duplicado, passando a existir um para o sul e outro para o norte. Governadores dos nomos perderam seu papel político e passaram a depender diretamente do poder central. Por causa da expulsão dos hicsos, formou-se pela 1ª vez um exército permanente, utilizado na expansão imperial. Destacaram-se nesse processo expansionista Djehutimés III (XVIII dinastia) e Ramsés II (XIX dinastia). Durante os reinados de Ramsés IV a Ramsés XI, da XX Dinastia (1196-1070), o Egito entrou em decadência. Perdeu o controle da Palestina e da Núbia, e o poder real enfraqueceu-se passando o sumo-sacerdote de Amon, em Tebas, a possuir grande riqueza e poder. O Terceiro Período Intermediário (XXI a XXIV Dinastias – 1070-712) foi uma longa fase de divisão e dinastias paralelas, com origens tanto nos sacerdotes de Amon, quanto em forças estrangeiras, como os líbios. Com a Núbia independente, o fornecimento de ouro para o país foi prejudicado, o que atrapalhou a restauração do império. A Época Tardia (XXV a XXX Dinastias – 712-332) iniciou-se quando o rei núbio Shabaka conseguiu reunificar o Egito e a Núbia, mas os potentados locais mantiveram muito poder. Foi um período de prosperidade e grandes construções. O domínio núbio se encerrou com a invasão dos assírios (grande potência da região naquele momento). Com ajuda de egípcios pretendentes ao trono, os assírios conseguiram tirar o Egito das mãos dos núbios (667-657). No entanto, o seu domínio foi passageiro, já que em 653 o rei Psamatik I conseguiu expulsar os invasores e restaurar a unidade, estabelecendo a capital em Sais, no Delta (renascimento saíta). Os persas dominaram o Egito em dois períodos: entre 525 e 400, formando a XXVII Dinastia; e entre 343 e 332, até a conquista de Alexandre. O breve período de independência (400-343) foi governado pelas Dinastias XXVIII a XXX.