A dengue é uma doença conhecida no Brasil há algum tempo

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Dengue e Aedes aegypti: um relato de experiência
Tamara Nunes de Lima-Camara1*
Resumo
No Brasil, o vírus dengue é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti e o estado do Rio
de Janeiro já viveu alguns surtos de epidemia dessa doença. O objetivo desse trabalho é
relatar as experiências de capturas de mosquitos vividas por minha equipe e eu no
Município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. O artigo também aborda a conscientização
de todos para o controle do vetor a partir da eliminação dos criadouros do Ae. aegypti.
Palavras-chave: dengue - Aedes aegypti – Nova Iguaçu - capturas
Abstract
In Brazil, dengue virus is transmitted by the mosquito Aedes aegypti and Rio de Janeiro
state had already experienced some epidemic bursts of this disease. The objective of this
work is to share some experiences that my staff and myself had during the period we
were capturing mosquitoes in the Nova Iguaçu Municipality, Rio de Janeiro. This paper
also emphasizes the importance of the consciousness of everyone to eliminate all the
breeding sites of Ae. aegypti.
Key-words: dengue - Aedes aegypti – Nova Iguaçu - captures
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Mestranda em Biologia Parasitária (FIOCRUZ) –[email protected]
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A dengue é uma doença conhecida no Brasil há algum tempo. O primeiro surto
aconteceu em 1981, no estado de Roraima e, no primeiro semestre de 2002, o estado do
Rio de Janeiro sofreu a maior epidemia já observada na região: foram notificados mais
de duzentos e cinqüenta mil casos, sendo noventa e um fatais (IVD, 2006).
O agente etiológico da dengue, ou seja, o que causa a doença, é um arbovírus (do
inglês “arthropod-bornvirus”, algo como “vírus que nasce com o artrópode”, nesse caso,
um mosquito) da família Flaviviridae e, aqui no Brasil, existem três dos quatro sorotipos
possíveis (DENV-1; DENV-2; DENV-3 e DENV-4) cocirculando por todo o território
(Castro, 2004). A infecção de indivíduos sadios dá-se através da picada de fêmeas do
mosquito Aedes aegypti infectadas pelo vírus. Vale ressaltar que apenas as fêmeas do
mosquito se alimentam de sangue, pois é nesse tipo de alimento que elas encontram os
nutrientes essenciais para a formação de seus ovos. Os machos alimentam-se apenas da
seiva das plantas.
Ao picar um indivíduo para realizar um repasto sangüíneo, a fêmea do mosquito
injeta sua saliva pelo orifício da picada a fim de evitar a coagulação do sangue e facilitar
sua alimentação. Uma fêmea infectada possui grande carga do vírus dengue armazenada
em sua glândula salivar e, assim, ao injetar a saliva com o vírus no hospedeiro
vertebrado de quem está se alimentando, transmite a doença.
Como os demais mosquitos, Ae. aegypti é um inseto holometabólico, ou seja, tem
desenvolvimento completo, apresentando as fases de ovo, larva (que apresenta quatro
estádios), pupa e adulto. Os ovos são colocados na parede de recipientes contendo água
parada e as fases imaturas do desenvolvimento (larva e pupa) são aquáticas.
Aedes aegypti é um mosquito originário da África e originalmente foi descrito no
Egito. Invadiu o Brasil pela primeira vez ainda no período colonial e, por diversas
vezes, foi considerado erradicado do país, porém, como muitos países vizinhos não o
erradicavam, a reinfestação pelo mosquito sempre ocorria. Hoje, é considerado um
vetor cosmopolita e, no Brasil, é encontrado em todos os estados brasileiros (Consoli &
Lourenço-de-Oliveira, 1994; IVD, 2006). Com efeito, trata-se de um mosquito com
elevada susceptibilidade a todos os quatro sorotipos do vírus dengue, tendo já sido
isolados DENV-1; DENV-2; DENV-3 e DENV-4 de amostras de adultos e larvas desse
mosquito (Osanai et al, 1983; Nogueira et al, 1988; Degallier et al, 2000; Lourenço-deOliveira et al, 2002).
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Aedes aegypti possui hábitos diurnos, alimentando-se de sangue e colocando seus
ovos, preferencialmente, ao amanhecer e próximo ao crepúsculo vespertino. As fêmeas
colocam seus ovos, essencialmente, em criadouros artificiais preenchidos com água da
chuva ou doméstica, como pneus usados, garrafas, latas, potes, vasos de planta e
reservatórios de água destampados (caixas d´água, cisternas, por exemplo), contendo
água parada (Consoli & Lourenço-de-Oliveira, 1994). Aedes aegypti é uma espécie
muito abundante em áreas urbanas e suburbanas, onde a concentração populacional
humana é elevada. De modo geral, Ae. aegypti exibe características de espécie
endofílica, utilizando o interior das casas para se abrigar (Consoli & Lourenço-deOliveira, 1994). De fato, trata-se de uma espécie cujas populações até agora estudadas
parecem possuir caráter antropofílico, alimentando-se, preferencialmente, do sangue
humano (Scott et al, 1993, Hoeck et al, 2003).
O estado do Rio de Janeiro possui diversas áreas endêmicas de dengue e uma
delas é o Município de Nova Iguaçu. Nesse local, tive a oportunidade de visitar vinte
bairros e estudar a freqüência de Ae. aegypti dentro e fora das casas. Os bairros
visitados foram Moquetá, Santa Eugênia, Vila Nova, Grão-Pará, Califórnia, Rosa dos
Ventos, Ponto Chic, Comendador Soares, Bairro da Luz, Posse, Centro, Cabuçu,
Ambaí, Três Corações, Parque Flora, Carmari, Vila de Cava, Tinguá, Grama e Jaceruba.
Duas vezes por semana, no período da manhã, uma pequena equipe de duas ou
três pessoas e eu partíamos numa Kombi da Fiocruz para um dos bairros préselecionados de Nova Iguaçu, estacionávamos em uma rua aleatoriamente escolhida e
íamos batendo em quatro ou cinco casas. Nessas casas, tentávamos capturar, usando
aspiradores elétricos e costais, adultos de Ae. aegypti. De fato, voltávamos sempre com
muitos mosquitos e com muitas histórias para contar.
Em muitas casas em que entrávamos, víamos muitas latas ou garrafas ou mesmo
pneus cheios de água parada, com inúmeras larvas ou pupas de Ae. aegypti. Nesse caso,
virávamos esses vasilhames de cabeça para baixo e eu explicava ao morador a
importância de não deixar acumular água em caixas, garrafas ou pneus e, obviamente,
mostrava a eles as larvas que ali estavam por causa do descuido. A maioria ouvia com
muita atenção, obedecia aos procedimentos indicados e alguns até se enfureciam com os
parentes que acusavam ser os responsáveis pelo que fora encontrado. Era engraçado
ouvi-los dizer: “Isso é do meu tio, que largou aí” ou “Já falei cem vezes pro fulano não
colocar isso aí”. Acredito que, naqueles dois anos de trabalho (2002-2004), consegui
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conscientizar e/ou plantar uma sementinha da conscientização em muitos moradores
daqueles bairros.
O entrar nas casas também era um acontecimento muito interessante. Não é nada
fácil entrar em domicílios de pessoas que não conhecemos e que também não nos
conhecem e, além disso, começar a bater em portas, armários, sofás, camas, na
esperança de voar algum mosquito adulto para ser capturado. Muitos entravam na
“brincadeira” e batiam nos móveis junto; crianças, quando presentes, disputavam- até
comigo- quem via mais mosquitos (valendo subir no armário para alcançar o teto!) e
alguns ficavam só olhando, acompanhando atentamente. O mais curioso era que, por
muitas vezes, os moradores ficavam constrangidos comigo entrando em seus
domicílios, porque, como era de manhã ainda, não tinham tido tempo de arrumar a casa
ou mesmo fazer as camas. A minha resposta era sempre a mesma: “Não estou nem
reparando isso! Meu interesse aqui é achar mosquitos!”. Outros se mostravam
embaraçados quando vinham me perguntar se eu podia não entrar num determinado
quarto da casa, porque havia bebês dormindo ou idosos doentes. Eu sempre respondia
com um sorriso bem largo para eles que não havia problemas. Aliás, ter a permissão
daqueles moradores de estar em suas casas, coletando mosquitos e fazendo meu
trabalho, já era uma grande realização para mim.
Nesse processo, fizemos muitas amizades e, em algumas ocasiões, quando
saíamos da casa, éramos surpreendidos por uma mesa cheia de biscoitos e sucos posta
no quintal. Café e água sempre nos eram oferecidos e, muitas vezes, voltamos das
capturas com laranjas, tangerinas e jabuticabas colhidas pelos moradores das árvores
dos quintais de suas casas. Certa vez, fui convidada para a festa de aniversário da neta
de uma moradora, que ia acontecer mais tarde naquele dia. Foi difícil resistir àquele
cheiro maravilhoso de bolo no forno; aliás, não sei ainda como conseguia negar os
convites de almoço que me eram feitos! Certamente, era a obrigação do trabalho falando
mais alto. Apenas uma vez tivemos uma experiência ruim, porque fomos expulsos pela
moradora aos berros de uma casa cuja empregada nos tinha permitido a entrada. Uma
lástima que foi exceção.
Durante as conversas que eram puxadas conosco após ou durante as capturas,
sentia um prazer enorme em responder a todas as perguntas curiosas que me eram feitas,
ora sobre meu trabalho ora sobre os próprios mosquitos. Nova Iguaçu foi um lugar que
eu diria útil e agradável de trabalhar. Útil, porque, de fato, é uma porta de entrada para
os vírus dengue e é onde há grande densidade populacional do mosquito Ae. aegypti e
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agradável pelos moradores com que me relacionei, que me deixavam muito à vontade
em suas casas e satisfeita com a simpatia que me recebiam na maior parte das vezes.
Ao final do trabalho de dois anos, ratificamos a elevada antropofilia e endofilia do
Ae. aegypti : a maior parte foi capturada em bairros com maior densidade populacional
humana e a grande maioria foi encontrada dentro das casas.
Referencias Bibliográficas:
CONSOLI, R.A.G.B. & LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, R. Principais mosquitos de
importância sanitária no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994.
SCOTT T.W. et alii. Blood–feeding patterns of Aedes aegypti (Diptera: Culicidae)
collected in a rural Thai village. J. Med. Entomol. 30: 922- 927, 1993.
HOECK P.A.E. et alii. Population and parity levels of Aedes aegypti collected in
Tucson. J. Vector Ecology 28: 65 –73, 2003.
OSANAI C.H. et alii. Surto de dengue em Boa Vista, Roraima –Nota Prévia. Rev.
Inst. Med. trop. São Paulo 25: 53 –54, 1983.
NOGUEIRA R.M.R. et alii. Virological study of a dengue type 1 epidemic at Rio
de Janeiro. Mem. Inst. Oswaldo Cruz 83: 219- 225,1988.
DEGALLIER N. et alii. First isolation of dengue 1 virus from Aedes aegypti in
Federal District, Brazil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 33: 95-96, 2000.
LOURENÇO-DE-OLIVEIRA R. et alii. Dengue virus type 3 isolation from Aedes
aegypti in the municipality of Nova Iguaçu, state of Rio de Janeiro. Mem.
Inst. Oswaldo Cruz 97: 799 – 800, 2002.
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CASTRO M.G. et alii. Dengue virus detection by using reverse transcriptionpolymerase chain reaction in saliva and progeny of experimentally infected
Aedes albopictus from Brazil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 99: 809-814, 2004.
Bibliografia via Internet:
INSTITUTO VIRTUAL DE DENGUE. Situação no Brasil. Brasil, Disponível
em: <http://www.ivdrj.ufrj.br/situacao.htm>. Acesso em mar. 2006.
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