Mortalidade por Câncer de Colo de Útero no Brasil 1996-2012: Análise comparativa por região e faixa etária Cervical Cancer Mortality in Brazil 1996-2012: Comparative analysis by region and age group Camila Barcelos de Souza¹; Júlia Beatriz de Oliveira ²; Luiza Tomaz Vieira ³; Thayla Khrystine Almeida Gomes4 9.8 Introdução O câncer de colo de útero no Brasil representa uma expressiva causa de mortalidade na população feminina, sendo a segunda neoplasia mais incidente nas mulheres, com variações entre diferentes regiões do Brasil, representando uma das neoplasias malignas mais atendidas no INCA¹. O câncer de colo de útero (CCU) é uma doença evitável, de desenvolvimento lento, que pode cursar sem sintomas em fase inicial e evoluir para quadros de sangramento vaginal intermitente ou após a relação sexual, secreção vaginal anormal e dor abdominal associada com queixas urinárias ou intestinais nos casos mais avançados². Os principais fatores de risco para essa neoplasia são atividade sexual precoce, baixo nível sociocultural, multiparidade, multiplicidade de parceiros, tabagismo, uso de pílulas anticoncepcionais por longos períodos e a infecção pelo vírus HPV que está presente em mais de 90% dos casos de CCU, sendo os tipos HPV-16 e o HPV-18 responsáveis por cerca de 70% dos cânceres cervicais³. A detecção precoce é feita pelo exame colpocitológico (Papanicolau) que é capaz de rastrear as lesões precursoras do CCU. Esse é um exame rápido e simples, que deve ser realizado por toda mulher que tenha iniciado sua vida sexual, especialmente na faixa etária de 25 a 64 anos. Inicialmente, ele deve ser realizado anualmente e, após dois 1. Acadêmica de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ), Brasil. E-mail:[email protected] 2. Acadêmica de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ), Brasil. E-mail:[email protected] 3. Acadêmica de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ), Brasil. E-mail:[email protected] 4. Acadêmica de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ), Brasil. E-mail:[email protected] Correpondingauthor – mail adress: Rua Marques do Paraná 303 3º andar do Anexo Sala 6. Niterói, Rio de Janeiro, Brazil CEP: 24033-900. Phone number +552126299344 Fax number: +552126299352 1 exames seguidos, com resultados negativos, a cada três anos. Após os 64 anos, sugerese a suspensão do exame se a mulher realizou a prevenção regularmente e tiver apresentado dois exames negativos consecutivos nos últimos cinco anos. Nos casos em que a citologia revele alterações malignas ou pré-malignas, é necessária a realização de colposcopia e biópsia dirigida para a confirmação do diagnóstico e indicação de tratamento³. Os tumores de colo uterino representaram 7% de todas as mortes por câncer nas mulheres brasileiras em 1995. As taxas de mortalidade são distintamente mais altas na região Norte (7,8 por 100.000 em 1995) em relação às demais regiões (3,0 a 4,5 por 100.000 em 1995). A mortalidade apresentou variação porcentual negativa (-9,8%) entre 1980 e 1995, porém variações porcentuais ascendentes foram detectadas nas regiões Norte (20,0%) e Sul (11,1%)4. Dada a gravidade dessa neoplasia em setembro de 1995, o Ministério da Saúde reconheceu a necessidade de um programa de âmbito nacional para o controle do câncer de colo do útero, dando origem ao projeto-piloto, denominado Viva Mulher, que foi implantado entre janeiro de 1997 e junho de 1998 em seis localidades (Curitiba, Brasília, Recife, Rio de Janeiro, Belém e estado de Sergipe) e atendeu 124.440 mulheres, priorizando mulheres entre 35 e 49 anos que nunca haviam feito o exame preventivo ou que estavam sem fazê-lo há mais de três anos². Posteriormente, em 2005, consolidou-se como Política Nacional de Atenção Oncológica, que estabeleceu o controle dos cânceres do colo do útero e de mama como componente fundamental a ser previsto nos planos estaduais e municipais de saúde, que em suma visam consolidar o monitoramento das ações nos três níveis de gestão, ampliar a cobertura da população-alvo até o patamar mínimo de 80%, aprimorar a qualidade das ações na atenção básica e na atenção secundária à saúde e assegurar o adequado seguimento da mulher, com o tratamento efetivo das lesões precursoras, levando a diminuir a incidência, a mortalidade e melhorar a qualidade de vida da mulher com câncer do colo do útero². Objetivo O objetivo deste trabalho é descrever a distribuição da mortalidade por CCU nas populações das cinco regiões geográficas brasileiras por faixa etária e avaliar a tendência temporal da doença no período compreendido entre 1996 e 2012, observando se essa tendência foi influenciada pela implantação do Plano de Ação para o Controle dos Cânceres de Colo e de Mama (Ministério da Saúde, 2005). Métodos Como fonte de dados, tomou-se por base as informações sobre mortalidade, no período de 1996 a 2012, obtidas através do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e pesquisadas na base de dados da página do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). No estudo, foram incluídos todos os óbitos por residência, por faixa etária e ano do óbito de mulheres que tiveram como causa básica da morte o CCU, baseando-se na 2 Classificação Internacional de Doenças (CID): Neoplasias (tumores) Capítulo II da CID 10, e Causa - CID-BR-10: código 042 (neoplasia maligna do colo do útero). As informações relativas à população das cinco regiões geográficas brasileiras foram obtidas no banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos censos de 1980, 1991, 1996, 2000 e 2010, e projeções intercensitárias (1981 a 2009), segundo faixa etária, sexo e situação de domicílio. As taxas de mortalidade foram padronizadas por idade pelo método direto, ?????? utilizando-se o programa Excel© considerando os seguintes estratos de idade: 10-14, 15-19, então grupos de 10 anos dos 20 aos 79 anos de idade e, finalmente, 80 e mais anos de idade. A mortalidade por câncer é expressa em mortes por 100.000 pessoas por ano nas regiões geográficas. Entretanto, ao realizar os gráficos de coeficiente de mortalidade, foi ignorada a faixa etária de menos de 15 anos e de idades ignoradas, devido à baixa incidência. Outro método de comparação foi a análise do coeficiente de mortalidade por CCU da população idosa por região, agrupadas como uma única na faixa etária de 60 a 80 anos e mais. Resultados Gráfico 1- Taxa de mortalidade por Região do Brasil no período de 1996 a 2012. 3 Gráfico 2- Taxa de Mortalidade por faixa etária na Região Norte no período de 1996 a 2012 . Gráfico 3- Taxa de Mortalidade por faixa etária na Região Nordeste no período de 1996 a 2012. 4 Gráfico 4- Taxa de Mortalidade por faixa etária na Região Sudeste no período de 1996 a 2012. Gráfico 5- Taxa de mortalidade por faixa etária na região Centro-Oeste no período de 1996 a 2012. 5 Gráfico 6- Taxa de Mortalidade por faixa etária na Região Sul no período de 1996 a 2012. Gráfico 7- Taxa de Mortalidade por região na faixa etária de 20-50 anos. 6 Gráfico 8- Taxa de mortalidade por região na faixa etária acima de 60 anos. 1996 2012 % Região Norte 4,36843959 8,3120694 90,28% Região Nordeste 3,22416551 6,0804067 88,59% Região Sudeste 4,25571528 4,2336818 -0,52% Região Sul 5,1834193 5,2952731 2,16% Região Centro-Oeste 4,49869824 5,3839834 19,68% Brasil 4,12170208 5,3180501 29,03% Tabela 1- Taxa de mortalidade por região no ano de 1996 e 2012. Porcentagem de variação nesse período. 7 Faixa Etária SUL 1996 2012 % CENTRO OESTE 1996 2012 % NORTE 1996 2012 % 15 a 19 anos X X 20 a 29 anos 0,89 1,78 99,24% 0,30 0,08 -71,54% 1,60 1,92 19,64% 30 a 39 anos 4,59 4,82 5,11% 1,82 2,57 41,12% 6,85 40 a 49 anos 11,49 7,03 -38,80% 4,31 5,11 18,69% 12,02 20,82 73,12% 50 a 59 anos 16,13 9,91 -38,54% 5,23 4,58 -12,40% 16,96 23,05 35,93% 60 a 69 anos 18,12 14,60 -19,43% 7,15 7,40 3,45% 70 a 79 anos 16,79 16,93 8,55 -6,61% 32,03 41,11 28,35% X 0,84% X 0,09 9,16 X X 6,90 0,12 x -0,71% 20,68 39,53 91,12% 80 anos e mais 27,47 21,49 -21,77% 7,06 12,02 70,16% 41,80 78,94 88,87% Tabela 2- Taxa de mortalidade nas regiões Sul, Centro Oeste e Norte e faixa etária no ano 1996 e 2012. Porcentagem de variação nesse período. NORDESTE 2012 % 1996 SUDESTE 2012 Faixa Etária 1996 % 15 a 19 anos X 0,04 x 0,03 0,06 102,39% 20 a 29 anos 0,41 0,97 133,76% 0,47 0,64 35,84% 30 a 39 anos 2,41 5,14 113,19% 3,12 2,52 -19,28% 40 a 49 anos 8,72 10,38 19,04% 8,51 5,53 -35,09% 50 a 59 anos 11,52 14,66 27,26% 12,98 9,52 -26,63% 60 a 69 anos 14,39 19,53 35,77% 14,49 11,81 -18,48% 70 a 79 anos 15,97 26,55 66,27% 19,67 16,00 -18,67% 80 anos e mais 14,99 30,84 105,74% 28,02 20,07 -28,37% Tabela 3- Tabela da taxa de mortalidade nas regiões Nordeste e Sudeste e faixa etária no ano 1996 e 2012. Porcentagem de variação nesse período. Discussão Observa-se, pelos resultados obtidos no período de 1996 a 2012, uma heterogeneidade entre as regiões brasileiras. Analisando os gráficos e tabelas, percebe- 8 se uma tendência de declínio apenas nas regiões Sul e Sudeste, enquanto nas demais regiões a mortalidade vem aumentando. A Região Norte apresenta a maior taxa de incidência de câncer de colo do útero do Brasil. Especialistas explicam que um dos motivos para o alto índice da doença nessa região é a falta de acesso ao exame preventivo, pois é uma região com mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde, por questões de deslocamento e por questões de poucas unidades de saúde em áreas mais longínquas. Com a falta do diagnóstico precoce, o tratamento é cada vez menos efetivo ao longo do desenvolvimento da doença, aumentando a chance de mortalidade. Além disso, outro problema que pode ser apontado é que a região Norte (e algumas cidades da região Nordeste e Centro Oeste) apresenta a ausência (na maioria dos casos) de especialistas na unidade de saúde o que dificulta ainda mais o tratamento, e, por conseguinte, uma redução dos valores de mortalidade. Torna-se relevante, também, discutir que as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste apresentam uma centralização do atendimento da saúde nas capitais. O interior do estado tem muito pouco prestadores do serviço ao Sistema Único de Saúde, ficando mais centralizado em capitais como Manaus, Belém, Cuiabá e São Luiz, por exemplo. Isso justifica o alto índice de mortalidade nessas regiões, pois a dificuldade de acesso para aqueles indivíduos mais interioranos fazem com que o diagnóstico e o tratamento não sejam realizados efetivamente. Em todas as regiões pode-se observar que a taxa de mortalidade por câncer está bem mais elevada na faixa etária dos idosos (acima dos 60 anos) do que na faixa de mulheres sexualmente ativas (entre 20 a 50 anos), que teriam maiores chances de contraírem o vírus HPV. Isso ocorre, pois o vírus possui uma fase de latência que é um período muito variável, de meses, anos para uma vida inteira, podendo passar muito tempo sem causar manifestações clínicas. É importante a identificação precoce e o tratamento das lesões iniciais (verrugas, manchas e espessamentos esbranquiçados) prevenindo o desenvolvimento da doença maligna7, 8, 9. Comparando o período estudado nesse artigo (1996-2012) com o período do artigo de referência (1980-1995) percebe-se que houve um aumento numérico da taxa de mortalidade feminina por câncer de colo de útero, por exemplo, na Região Sudeste variou de 0,7 óbitos por câncer de colo de útero em cada 100.000 mulheres para uma taxa no valor de 4,2. Contudo, analisando o período como todo, desde 1996 a 2012, observa-se que houve uma tendência de aumento nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, enquanto nas demais regiões e no Brasil os valores já foram de decrescentes para estáveis. Em todas as regiões, a faixa etária que predomina a mortalidade é a faixa etária da terceira idade (acima de 60 anos). No período do artigo, de 1980 a 1995, observou-se uma taxa ascendente no Norte e Sul e descendente nas demais regiões e por causa desses resultados os autores não identificaram um perfil socioeconômico. Contudo, quando eles restringiram para idade acima de 60 anos eles conseguiram traçar uma relação entre o perfil socioeconômico das regiões com a taxa de mortalidade por câncer de colo de útero, como foi feito nesse artigo. Os autores observaram uma discreta variação negativa no Sul e Sudeste no período de 1980 a 1995 (também foi observado essa variação no período de 1996 a 2012) que são regiões com melhores indicadores de qualidade de vida, enquanto houve uma diferença positiva, também discreta, nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Já no período de 1996 a 2012 essa variação positiva está muito mais perceptível, com variação de 88,59% no caso do Nordeste. 9 Essa diferença regional, provavelmente, pode ser atribuída às disparidades na prevalência de fatores de risco e nas práticas de rastreamento citológico entre as regiões. Já as variações discrepantes da taxa de mortalidade, no período de 1996 a 2012, na Região Norte (90,28%), na Região Nordeste (88,59%) e na Região Centro Oeste (19,68%) se devem ao fato de que nos anos 80-90 os diagnósticos para câncer e para diversas outras doenças eram poucos desenvolvidos e disseminados, com isso muitas mulheres morriam de causas desconhecidas. Contudo, com o avançar dos anos, com o maior desenvolvimento da saúde e da tecnologia, o dia gnóstico ficou muito mais fácil. Apesar do número de diagnósticos ter aumentado a taxa de mortalidade não decaiu como o esperado. Isso pode ser explicado, devido ao fato que nessas regiões menos desenvolvidas do Brasil, muitas mulheres acabam sendo diagnosticadas tardiamente (com isso o tratamento não é mais efetivo) ou mesmo quando diagnosticadas precocemente não conseguem o acesso ao tratamento por falta de especialistas ou de condições financeiras. Com base nesses fatores, observou-se um grande aumento da incidência de mortalidade no período estudado nesse artigo. Conclusão Por conseguinte, com base nos dados coletados no período que compreende do ano 1996 até 2012, percebe-se que o Brasil não apresentou uma melhora na sua taxa de mortalidade pelo câncer de colo de útero. Independentemente do decréscimo que foi observado nas regiões Sul e Sudeste ao longo desse intervalo de tempo, a significativa ascendência na incidência de casos no Norte, Nordeste e no Centro-Oeste, não cooperou para que ocorresse uma queda na taxa geral de óbito por essa causa no país. Sendo assim, quando comparado ao artigo que foi adotado como referência e que utilizou o período de 1980 até 1995, o Brasil apresentou uma piora no tópico que está sendo abordado. Entretanto, não se deve ignorar o fato de que à época as notificações sobre as causas de morte em determinadas regiões não eram completamente esclarecedoras e isso pode ter mascarado alguns resultados da análise. Ao verificar o surgimento de novas formas de tratamento, como a vacina contra o HPV, e o aumento da divulgação sobre a prevenção do CCU, espera-se que nos próximos anos ocorra uma queda na taxa de mortalidade por essa causa no país. Acredita-se que a implementação da vacina contra o HPV ainda não tenha demonstrado tanto sucesso devido ao fato de, inicialmente, ela ser um método caro e que não era fornecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Entretanto, desde o ano de 2014, esse método de imunização está fazendo parte do Calendário Nacional de Vacinação, tendo como público alvo meninas de 9 a 13 anos de idade, pois é nesse período que a vacinação garante maior proteção, já que as adolescentes não iniciaram a vida sexual e, por isso, não estiveram expostas ao vírus. Dessa forma, é possível projetar uma melhora no acometimento das mulheres pelo câncer de colo de útero em longo prazo, visto que está ocorrendo uma atuação para diminuir a susceptibilidade ao vírus causador dessa neoplasia. Entretanto, de acordo com dados do INCA, no ano de 2016 ainda são esperados 16.340 casos novos, com um risco de 15,85 casos a cada 100.000 mulheres. Dessa forma, percebe-se que a intervenção na incidência dessa doença 10 ainda precisa ser mais disseminada para resultar em uma melhora significativa para o país. Referências [1] INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (Brasil). Câncer do colo do útero. 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