Águas Continentais: Características do Meio

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Águas Continentais: Características do Meio,
Compartimentos e Suas Comunidades
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Francisco de Assis Esteves
Adriano Caliman
Açude Gargalheira, RN
Foto: R. Nobre
6.1 CARACTERÍSTICAS DO MEIO AQUÁTICO
Os ecossistemas aquáticos em geral, porém mais especificamente os ecossistemas
aquáticos continentais, apresentam certas características que lhes conferem várias pecu�
liaridades principalmente quando comparados a ecossistemas terrestres. O meio aquo�
so acelera a taxa de transferência de nutrientes e metabólitos através de membranas
celulares, o que potencializa a absorção e transformação de matéria pelos organismos
aquáticos. Consequentemente, a dinâmica de processos biogeoquímicos (e. g. ciclagem
de nutrientes) é mais rápida, repercutindo entre outros, em elevadas taxas de produti�
vidade primária. A alta viscosidade da água, permite que alguns organismos aquáticos
tenham uma alta mobilidade (e. g. peixes) enquanto outros têm sua locomoção quase
que totalmente determinada pelo movimento da massa d’água (e. g. ver capítulos 21
e 24). Propriedades físicas da água como elevado calor específico e índice de refração
luminosa, são decisivas para determinar variações espaciais, principalmente verticais,
na distribuição térmica e luminosa no ambiente aquático (ver cap��������������������
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9), o que con�
sequentemente tem caráter decisivo sobre a distribuição dos organismos no ambiente.
Finalmente, a fluidez da água aliada a sua alta capacidade de solubilização, determinam
em geral, que barreiras à dispersão sejam tipicamente fracas entre os diversos hábitats
do ambiente aquático, permitindo que a troca de nutrientes, substâncias relacionadas
à comunicação química entre organismos e movimentação de propágulos seja extrema�
mente dinâmica por todo o ecossistema aquático.
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6.2 OS PRINCIPAIS COMPARTIMENTOS E SUAS COMUNIDADES
Os compartimentos de um lago são: região litorânea ou ripária, região limnética
ou pelágica, região bentônica e interface água-ar (figura 6.1). Esta classificação, como
a maioria das classificações em Limnologia, tem apenas caráter didático, uma vez que
estes compartimentos não estão isolados dentro do ecossistema aquático, mas sim em
constante interação de trocas de matéria e energia, superpondo-se na maioria das vezes
(ver seção 6.3).
FIGURA 6.1 Ecossistema lacustre: principais compartimentos e respectivas comunidades.
6.2.1 Região Litorânea
A região litorânea corresponde ao compartimento do lago que está em contato di�
reto com o ecossistema terrestre adjacente, sendo, portanto, influenciado diretamente
por ele. Pode ser subdividida em duas regiões, eulitoral e sublitoral. Sua principal ca�
racterística é a densa colonização por vegetação aquática podendo esta ser constituída
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por macroalgas, briófitos, pteridófitos e plantas superiores (ver capítulo 23). Pode-se
considerar este compartimento uma região de transição (ecótono) entre o ecossistema
terrestre e o lacustre. A região litorânea apresenta todos os níveis tróficos de um ecossis�
tema: produtores primários, herbívoros, predadores e decompositores. Por estas razões,
trata-se de um compartimento de grande complexidade trófica, sendo habitado tanto
por organismos aquáticos quanto terrestres e apresentando tanto cadeias alimentares
de herbivoria na qual a fonte de energia é a biomassa vegetal viva, como cadeias de
detritivoria que têm como fonte de energia, a biomassa vegetal morta. Esta última é a
principal responsável pelo fluxo de energia neste compartimento, uma vez que pratica�
mente 90% da biomassa vegetal viva não é consumida por herbívoros e acumula no am�
biente sob forma de detrito. Em alguns lagos, folhas provenientes da vegetação terrestre
circundante, também podem desempenhar importante papel no aporte de detritos para
a região litorânea.
A grande variedade de espécies de macrófitas aquáticas com diferentes morfologias
e formas de vida (ver cap�����������������������������������������������������������
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23), bem como galhos e folhas de origem alóctone con�
figuram um importante atributo relativo à complexidade estrutural da região litorânea.
Esta característica tem sido apontada como um fator de extrema relevância para o sur�
gimento e manutenção da biodiversidade aquática, uma vez que a complexa estrutura
espacial da vegetação pode afetar a coexistência das espécies por estabilizar relações de
competição e predação entre as mesmas. Entre os consumidores, a comunidade de in�
vertebrados, tanto os que vivem em íntima associação com a vegetação, como gastrópo�
des, insetos e crustáceos, bem como os de vida livre, como organismos zooplanctônicos,
correspondem para a maior proporção da biodiversidade de animais na região litorânea.
Entretanto, a ictiofauna, sobretudo nas regiões tropicais e subtropicais é em geral tam�
bém muito diversa e largamente representada por espécies de pequeno porte e hábitos
onívoros (FERNANDO, 1994). Outros vertebrados, como anfíbios, répteis, pássaros e
mesmo mamíferos também podem ser importantes colonizadores da região litorânea em
alguns ambientes aquáticos.
Por fim pode-se ressaltar que a ocorrência e a extensão de regiões litorâneas é ex�
tremamente dependente de características morfométricas do ambiente lacustre, como
tamanho, profundidade e razão perímetro/volume. Estas características vão determinar,
entre outros fatores se a radiação solar alcança o fundo do lago, a fim de permitir a
germinação e o crescimento da vegetação (figura 6.1). Por estas razões, em muitos ecos�
sistemas lacustres a região litorânea é pouco desenvolvida ou mesmo ausente, como é
o caso da maioria dos lagos profundos como os de origem vulcânica ou represas, onde
a acentuada declividade das margens impossibilita o estabelecimento e crescimento
da vegetação aquática. Por outro lado, em muitos ecossistemas aquáticos continen�
tais brasileiros a profundidade é muito reduzida, muitas vezes, mesmo nos períodos de
chuvas, não ultrapassa dois metros. Nestes ecossistemas, geralmente denominados de
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lagoas, grande porte ou mesmo a totalidade de suas áreas são tomadas por bancos de
macrófitas aquáticas, consequentemente a região limnética é muito reduzida ou mesmo
inexistente. Estes ecossistemas são muito frequentes na Região Amazônica, Pantanal e
em várzeas de rios em todo o território nacional.
6.2.2 Região Limnética ou Pelágica
Quanto ao ambiente físico a região limnética é em geral muito homogênea horizon�
talmente, mas pode ser extremamente heterogênea verticalmente devido a gradientes
nas concentrações ou valores de variáveis como oxigênio, pH, salinidade (estratifica�
ção química) e temperatura (estratificação térmica ou física). Na maioria dos casos a
estratificação química é determinada pela estratificação térmica que, por sua vez, é
gerada através da diminuição progressiva da penetração da radiação solar (e. g. calor)
na coluna d’água com o aumento da profundidade (ver capítulos 8 e 9). Tal fato muda a
densidade das camadas da massa d’água dificultando a sua mistura, criando padrões de
estratificação. Em geral, a região limnética pode ser dividida em dois estratos verticais,
o epilímnio e zona eufótica e o hipolímnio e zona afótica (figura 6.1). Os limites entre o
epilímnio e hipolímnio e a zonas eufótica e afótica, não necessariamente são os mesmos.
O que define o limite entre o epilímnio e o hipolímnio é a diferença na densidade
das massas d’água que pode ser causada por diferenças na temperatura, bem como tam�
bém na salinidade da água. Em geral, a região limnética de ecossistemas lacustres rasos e
muito expostos a ação do vento, como, por exemplo, lagoas costeiras, não apresenta este
tipo de estratificação e, portanto a ausência de epilímnio ou hipolímnio definido. Por
outro lado, a zona eufótica é a camada de água vertical determinada pela penetração de
luz capaz de manter valores positivos de produção primária líquida. O limite entre estes
dois estratos é conhecido como ponto de compensação da fotossíntese, onde a produção
primária é igual a respiração. Abaixo deste ponto, caracteriza-se a zona afótica onde
prepondera o metabolismo heterotrófico (ver capítulo 7). É importante lembrar que a
extensão da zona eufótica é determinada não só pela profundidade do ambiente, mas
também pela transparência da água. Novamente, ecossistemas rasos podem apresentar
toda a coluna d’água representada pela zona eufótica.
As comunidades características da região limnética são o plâncton e o nécton. A
comunidade planctônica é constituída por vírus (virioplâncton), bactérias (bacterio�
plâncton), algas, uni e pluricelulares (fitoplâncton), protozoários (protozooplâncton),
fungos e invertebrados (zooplâncton), que se caracterizam pela capacidade de flutuar
na água (ver capítulos 20, 21 e 24). Alguns invertebrados como crustáceos (e. g. cladó�
ceros e copépodes) e larvas de insetos (e. g. chaoborídeos) são capazes de nadar ativa�
mente, fato este que os auxilia significativamente na realização de migrações verticais e
horizontais ao longo da coluna d’água. O nécton, que ao contrário do plâncton, possui
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movimentos próprios, em lagos é uma comunidade formada quase que exclusivamente
por peixes. O fluxo de energia na região limnética se dá principalmente através do fito�
plâncton e do bacterioplâncton.
6.2.3 Região Bentônica
A região bentônica compreende os substratos não consolidados ou consolidados
associados ao fundo do ecossistema aquático. A região bentônica é em geral muito
heterogênea tanto na sua dimensão horizontal (e. g. à medida que comparamos a cons�
tituição do fundo próximo às margens com a do meio do lago) quanto na vertical, exem�
plificado principalmente por gradientes químicos no interior do sedimento (ver capítulo
19). Esta heterogeneidade é associada principalmente com a complexidade física criada
por sedimentos, rochas, conchas, detritos originados da região litorânea ou da vegeta�
ção terrestre e pela colonização do sedimento por organismos bentônicos (ver capítulo
25). A região bentônica pode estar localizada na região eufótica ou afótica dependendo
da profundidade do ambiente. Os táxons dominantes na região bentônica são algas
perifíticas, macrófitas aquáticas, bactérias, protozoários e uma grande diversidade de
insetos aquáticos e outros invertebrados, além de peixes. As principais fontes de energia
para a produção secundária bentônica incluem a produção primária realizada por algas
bentônicas (perifíton e metafíton), macrófitas aquáticas, sedimentação do fitoplâncton
e aporte de subsídios alóctones provenientes da vegetação terrestre.
A região bentônica de lagos também é um importante sítio de atividade biogeo�
química e, além disso, por se tratar em geral do ponto mais baixo de toda a bacia de
drenagem, integra informações sobre a história evolutiva do ambiente aquático, bem
como do ambiente terrestre circundante (ver capítulo 19), sendo de grande relevância
atual em estudos de Paleolimnologia.
6.2.4 Interface Água-Ar
Esta região do lago é habitada por duas comunidades: a do nêuston e a do plêuston.
A existência destas comunidades se deve à tensão superficial da água (ver capítulo 8).
A comunidade do nêuston é formada por organismos microscópicos como bactérias,
fungos e algas e do plêuston por macrófitas aquáticas e animais como, por exemplo,
aguapé, alface d’água e inúmeros pequenos animais como larvas de Culex (Diptera), que
permanecem penduradas verticalmente na película superficial, perfurando-a e obtendo
ar atmosférico para sua respiração. Outros organismos como Hydrometra (Coleoptera)
e Gerris (Hemíptera), Padura aquática (Thysanura), andam sobre a película que com�
preende a interface água-ar. Entre os crustáceos, o cladócero Scapholeberis mucronata é
encontrado frequentemente pendurado na película superficial.
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FUNDAMENTOS DE LIMNOLOGIA
6.3 IMPORTÂNCIA DO ACOPLAMENTO ENTRE COMPARTIMENTOS
AQUÁTICOS
Os ecossistemas aquáticos continentais são compostos por diferentes hábitats ou
compartimentos, que apesar de distintos mantêm estreita comunicação entre si. Embo�
ra características ecológicas e evolutivas de organismos aquáticos reflitam claramente o
acoplamento de compartimentos em ecossistemas aquáticos [e. g. peixes pelágicos] que
usam a região litorânea para reproduzir, ovos de resistência de zooplâncton que perma�
necem inertes por longos períodos no sedimento até eclodirem (ver capítulo 24), peixes
que se alimentam de organismos bentônicos e excretam nutrientes na coluna d’água,
etc. A Limnologia tem historicamente estudado os ambientes pelágicos, litorâneos e
bentônicos separadamente. Apenas recentemente com a crescente ênfase em estudos
de interações entre hábitats e ecossistemas espacialmente segregados, este panorama
tem sido modificado. Por exemplo, um estudo realizado na lagoa costeira Imboassica
localizada na Região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, demonstrou que
a riqueza e composição de espécies de invertebrados bentônicos são importantes sobre
a magnitude das taxas de liberação de fósforo do sedimento para a coluna d’água, uma
vez que afetam a intensidade do processo de bioturbação (CALIMAN et alii, 2007 – ver
capítulo 25).
Além disso, outro estudo conduzido no mesmo ambiente demonstrou o insucesso
do processo de abertura da barra de areia (faixa de areia de cerca de 100 metros, que
separa a lagoa do mar), frequentemente realizada como mecanismo para a redução da
eutrofização artificial do sistema. Isto porque logo após as aberturas de barra, as con�
centrações de fósforo da coluna d’água eram reduzidas, mas após poucos dias a concen�
tração tornava a aumentar devido ao aporte de fósforo proveniente do sedimento para
a coluna d’água (BOZELLI et alii, 2009). Ambos estudos evidenciam que a melhoria da
qualidade sanitária deste ambiente não pode ser alcançada sem considerar a interação
da coluna d’água com o sedimento.
Por fim, considerando que o acoplamento entre os diversos compartimentos aquá�
ticos é extremamente afetado pelo tamanho do ambiente, sendo este mais intenso
quanto menor for o ambiente aquático, e considerando que a maioria numérica de lagos
no mundo representa ambientes pequenos e rasos, o acoplamento de compartimentos
sem dúvida é uma característica central para o entendimento do funcionamento de
ecossistemas lacustres (SCHINDLER & SCHEUERELL, 2002).
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