REVISÃO / REVIEW PAPER / REVISIÓN Uso indiscriminado de antibióticos e resistência microbiana: uma reflexão no tratamento das infecções hospitalares Indiscriminate use of antibiotics and antimicrobial resistance: a reflection on the treatment of hospital infections El uso indiscriminado de antibióticos y la resistencia a los antimicrobianos: una reflexión sobre el tratamiento de las infecciones hospitalarias Francisco Braz Milanez Oliveira Graduando do curso de Enfermagem da UFPI Lidiane Monte Lima Graduando do curso de Enfermagem da UFPI Maria Eliete Batista Moura Pós-Doutora pela Universidade Aberta de Lisboa – Portugal. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da UFRJ. Professora do Programa de Mestrado em Enfermagem e da Graduação em Enfermagem da UFPI. Professora do Programa de Mestrado em Saúde da Família da Faculdade NOVAFAPI. email: mestradosaudedafamilia@novafapi. com.br. RESUMO Considerada uma questão de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde, a resistência dos microorganismos aos antimicrobianos é um problema crescente nos hospitais, particularmente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), pois o uso indiscriminado de antibióticos acaba por proporcionar um aumento na morbidade, mortalidade e nos custos hospitalares, gerando ainda mais resistência. O estudo teve como objetivo desenvolver uma análise crítica do processo de resistência microbiana e elencar na literatura as causas que a tornam uma das principais complicações no tratamento das infecções hospitalares (IH’s). Trata-se de um estudo de reflexão que evidenciou a importância do contexto histórico na construção do conhecimento desse processo, assim como compreender por meio das vivências clínicas os mecanismos assistenciais que contribuem para essa problemática. Assim, o estudo mostra que nos últimos anos com o surgimento de drogas cada vez mais potentes aos microorganismos, a resistência apresenta um crescimento diretamente proporcional a esse avanço com o surgimento de cepas cada vez mais resistentes. Descritores: Resistência microbiana. Antimicrobianos. Infecção hospitalar. Enfermagem. ABSTRACT Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor adjunto III da Universidade Federal do Piauí , Brasil Bruna Milanez Oliveira Graduando do Curso de Biomedicina da UFPI. Considered a public health issue by the World Health Organization, the resistance of microorganisms to antimicrobials is a growing problem in hospitals, particularly in intensive care units (ICUs) because the indiscriminate use of antibiotics ultimately provide an increase in morbidity, mortality and hospital costs, creating more resistance. The study aimed to develop a critical analysis of the process of microbial resistance in the literature and rank the causes that make a major complication in the treatment of hospital infections (HI’s). This is a reflection that study showed the importance of historical context in the construction of knowledge of this process, as well as understanding of clinical experiences through the assistance mechanisms that contribute to this problem. Thus, the study shows that in recent years with the emergence of increasingly powerful drugs to microorganisms, resistance is growing directly proportional to this advance with the emergence of increasingly resistant. Descriptors: Microbial resistance. Antimicrobials. Hospital infection. Nursing. RESUMEN Submissão: 06/06/2011 Aprovação: 09/08/2011 72 Considerado como un problema de salud pública por la Organización Mundial de la Salud, la resistencia de los microorganismos a los antimicrobianos es un problema creciente en los hospitales, especialmente en unidades de cuidados intensivos (UCI) debido a que el uso indiscriminado de antibióticos en última instancia, proporcionar un aumento de la morbilidad, la mortalidad y los costos hospitalarios, la creación de más resistencia. El objetivo del estudio fue desarrollar un análisis crítico del proceso de la resistencia microbiana en la literatura y clasificar las causas que hacen que una complicación importante en el tratamiento de las infecciones hospitalarias (HI). Esto es un reflejo de que el estudio demostró la importancia del contexto histórico en la construcción del conocimiento de este proceso, así como la comprensión de las experiencias clínicas a través de los mecanismos Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.4, n.4, p.72-77, Out-Nov-Dez. 2011. Uso indiscriminado de antibióticos e resistência microbiana: uma reflexão no tratamento das infecções hospitalares de asistencia que contribuyen a este problema. De este modo, el estudio muestra que en los últimos años con la aparición de fármacos cada vez más potentes a los microorganismos, la resistencia está creciendo directamente proporcional a este avance con la aparición de cepas cada vez más resistentes. Descriptores: Resistencia microbiana. Los antimicrobianos. Hospital de la infección. Enfermería. 1 INTRODUÇÃO Desde os tempos remotos sabe-se que o homem e os micróbios partilham uma vida em comum que se perde na sombra do tempo; e, certamente, desde a pré-história eles vêm provocando doenças no homem. Entretanto, as causas destas doenças só começaram a ser descobertas a partir de 1878, graças, sobretudo aos trabalhos de Pasteur e Koch e seus contemporâneos, que demonstraram a origem infecciosa de várias enfermidades do homem e de outros animais (TAVARES, 2001). Com a descoberta e o inicio dos estudos dos microorganismos, ficou claro a divisão dos seres vivos reformulada por Wittaker, em 1969, baseado não só na organização celular como proposto por Haeckel, em 1866, mas também na forma de obter energia e alimento: Reino Plantae; Reino Animalia; Reino Fungi; reino Protista (microalgas e protozoários), e reino Monera (alga azul-verde e as bactérias) (TRABULSI, 2005). Foi então a partir do século XVI, com o desenvolvimento da alquimia, que as drogas medicinais passaram a ser obtidas por métodos laboratoriais, embora já fizessem uso de substâncias químicas e derivados de plantas, dando início ao desenvolvimento da pesquisa e da indústria químico-farmacêutica com finalidade de produzirem drogas ativas contra os microorganismos e de baixa toxicidade para o homem, de tal modo que pudessem ser utilizadas nas infecções sistêmicas. Nesse contexto, a palavra infecção, de acordo com Martins (2006), é definida como um substantivo feminino que significa ato ou efeito de infeccionar-se, contaminação, corrupção, penetração, desenvolvimento e multiplicação de seres inferiores no organismo de um hospedeiro, de que podem resultar, para este, conseqüências variadas, habitualmente nocivas, em grau maior ou menor. O Ministério da Saúde (MS), na Portaria nº 2.616 de 12/05/1998, define Infecção Hospitalar como a infecção adquirida após a admissão do paciente na unidade hospitalar e que se manifesta durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares (BRASIL, 1998). Para evitar ou tratar infecções causadas por microorganismos patogênicos, utilizam-se as drogas antimicrobianas. De acordo com Abrams (2006) vários termos são usados para descrever essas drogas: anti-infeciosos e antimicrobianos incluem medicamentos antibacterianos, antivirais e antifúngicos; antibacterianos e antibióticos geralmente referem-se apenas aos medicamentos usados nas infecções bacterianas. Ainda percorrendo um pouco da história das drogas antimicrobianas, a descoberta da penicilina, o primeiro antibiótico de atividade clínica, ocorreu quando Alexander Fleming estudava culturas de Staphylococcus aureus no St. Mary’s Hospital de Londres, após observar que culturas desta bactéria deixadas sobre uma bancada haviam sido contaminadas por um fungo do ar e que ao redor do fungo contaminante não existia crescimento do estafilococo. Intrigado, Fleming resolveu estudar o fenômeno observado, verificando que o fungo pertencia ao gênero Penicilium (mais tarde Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.4, n.4, p.72-77, Out-Nov-Dez. 2011. identificado como P. notatum), o qualk elaborava uma substância que, difundindo-se no meio de cultura, exercia efeito antimicrobiano sobre a bactéria ali presente. Esta substância Fleming denominou penicilina e anteviu que seu emprego seria de utilidade no tratamento das infecções por exercer efeitos não só contra os estafilococos, mas também contra os estreptococos, bacilo diftérico, gonococo e meningococo (TAVARES, 2001). Na cronologia dos processos infecciosos, em 1950, oito anos após a introdução da penicilina, 68% dos Staphylococcus aureus já apresentavam resistência a esse antibiótico, não se sabia que aí se iniciava um dos maiores problemas no tratamento das infecções: a resistência microbiana (ROSSI; ANDREAZZI, 2005). Em 1960, com o surgimento e introdução de novos antimicrobianos, as infecções por Staphylococcus aureus declinaram, mas por motivos não muito claros, o avanço tecnológico fez surgir um novo problema: as infecções por bactérias Gram-negativas e fungos. As enterobacteriáceas e Pseudomonas aeruginosas dominaram o cenário das Infecções Hospitalares (IHs), além dos estafilococos como agentes relacionados às infecções de ferida operatória e de cateteres venosos (MARTINS, 2006). Ainda em 1960, a meticilina foi lançada no mercado como alternativa para o tratamento das infecções causadas pelas bactérias Gram-positivas, e, nesse mesmo ano, houve relato dos primeiros Staphylococcus aureus resistentes a meticilina (MRSA) (RICE, 2001) em hospitais britânicos (KORN, 2001). Antes de 1965, nenhum surto hospitalar envolvendo bacilos gram-negativos multi-resistentes foi investigado pelo Center for Diseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos. Entretanto, entre 1965 e 1975, 11 de 15 surtos hospitalares de enterobactérias investigados envolveram cepas multi-resistentes (QUADROS, 2004). O ano de 1980 foi marcado pela emergência de MRSA, bem como a de enterobactérias - Klebsiella, E. coli, Proteus, Enterobacter e outras, produtoras de mecanismos que funcionam como defesas à ação das drogas, enzimas capazes de destruir o anel beta-lactâmico de certos antimicrobianos, como AmpC e Beta-lactamase de espectro ampliado (ESBL) (BETTCHER, 2008). Em 1997, veio do Japão o primeiro relato de S. aureus com resistência intermediária a vancomicina (VISA) e em 2002, os Estados Unidos relataram a presença de estafilococo resistente a vancomicina (VRSA) (QUADROS, 2004). A era da antibioticoterapia estava iniciada, envolvendo novos técnicos e cientistas, com métodos, equipamentos e materiais relacionados à química, biologia, farmacologia, exigindo a comercialização e o surgimento de novas drogas com espectros cada vez mais ampliados que fossem sensíveis aos mecanismos de resistência desses microorganismos. Segundo Tavares (2001), o desenvolvimento dessas novas drogas provocou uma decisiva queda nas taxas de morbidade e mortalidade de inúmeras doenças infecciosas. No entanto, observou-se também que o mau uso dos antibióticos para tratamento e profilaxia das infecções, resultava na redução da sua eficácia e que a sensibilidade dos germes às drogas podia sofrer variações, encontrando-se microorganismos pertencentes a uma mesma espécie nos quais algumas estirpes ou raças eram sensíveis, enquanto que outras eram resistentes à ação de um mesmo antibiótico, com isso verifica-se que o fenômeno da resistência bacteriana aos antimicrobianos, tão seriamente estudados nos dias atuais, já era manifestação observada desde o início da antibioticoterapia. Portanto, o estudo tem como objetivo desenvolver uma análise crítica do processo de resistência microbiana e elencar na literatura as causas que a tornam uma das principais complicações no tratamento das infecções hospitalares (IH’s). 73 Oliveira, F. B. M.; et al. 2 RESISTÊNCIA MICROBIANA Considerada um problema de relevância mundial, a resistência dos microorganismos aos antimicrobianos constitua sendo uma ameaça para a atenção aos pacientes e para o controle das doenças em todo o mundo. Preocupada com essa situação, a Organização Mundial de Saúde – OMS, contemplou esta problemática como tema relevante no dia Mundial da Saúde, com vista a dar visibilidade a este problema que assola os serviços de saúde mostrando que não é novo e que se torna cada vez mais importante (OMS, 2011). Para Tavares (2008), esse fenômeno da resistência microbiana é complexo e refere-se a cepas de microorganismos que são capazes de multiplicar-se em presença de concentrações de antimicrobianos mais altas do que as que provêm das doses terapêuticas dadas a humanos. É um fenômeno biológico natural que se seguiu à introdução de agentes antimicrobianos na prática clínica e as suas taxas variam na dependência do consumo local de antimicrobianos. Achados na literatura (TAVARES, 2001; TRABULSI, 2005) apontam que uma bactéria é resistente quando cresce in vitro, nas concentrações que os antimicrobianos atingem no sangue quando administrados nas recomendações de uso clínico, e que antimicrobiano não induz a resistência e sim, é um selecionador das cepas mais resistentes existentes no meio de uma população De acordo com Nicolini (2010) a finalidade da administração de antibióticos é de eliminar ou impedir o crescimento de um agente infeccioso sem causar danos ao hospedeiro. Podem ser vários os mecanismos de ação: a) interferir na síntese da parede celular do microorganismo, comprometendo os peptideoglicanos estruturais, no caso das penicilinas, cefalosporinas, vancomicina e a bacitracina, b) comprometier a síntese de proteínas bacterianas: os aminoglicosídeos, as tetraciclinas, a eritromicina, entre outros e c) inibir a síntese de ácidos nucléicos: o metronidazol, as quinolonas, a rifampicina, as sulfonamidas e trimetoprima. Portanto, tendo em vista o grande número de antimicrobianos disponíveis e seus diferentes mecanismos de ação, assim como os diversos mecanismos de resistência apresentados pelos microrganismos e a complexidade de determinados tipos de infecção, passou também a ser mais criteriosa a correta avaliação da sensibilidade aos agentes antimicrobianos (MENEZES, 2007). Através do antibiograma é possível determinar in vitro a sensibilidade dos germes à ação das drogas antimicrobianas. Para isso, a análise dos antimicrobianos testados seguirá três categorias interpretativas que de acordo com Trabulsi (2005) são: 1. Sensível: o que em geral significa que a infecção devida ao microorganismo estudado pode ser adequadamente tratada com a dosagem habitual do antimicrobiano testado e recomendado para este tipo de infecção. 2. Resistente: quando o isolado não é inibido pela concentração do antimicrobiano obtido no local da infecção ou quando o microorganismo patogênico apresenta mecanismos específicos de resistência. 3. Intermediário: significa que o microorganismo pode ser inibido por concentrações atingíveis de certas drogas se doses maiores puderem ser administradas ou se a infecção ocorre em local onde o antimicrobiano é fisiologicamente concentrado (trato urinário, por exemplo). No novo dicionário Aurélio, a palavra sensível significa: “que sente, que tem sensibilidade; Que recebe facilmente as sensações externas; Que pode ser percebido pelos sentidos; Suscetível; Passível de receber modificações ou de sofrer determinadas ações, dentre outros”. Para Resistência, o autor mostra cinco significados: “1.ato ou efeito de 74 resistir.2.qualidade ou condição do que é resistente.3.força que se opõe a outra.4.força que defende um organismo do desgaste de doença, cansaço, etc.5.obstáculo,empecilho” (FERREIRA, 2001). Assim, pode-se perceber como citado em Oliveira et al. (1998), que a multirresistência bacteriana constitui o fator básico que corrói a eficácia futura dos novos antimicrobianos e que fundamenta a investigação e produção de novas drogas. Ou seja, a história dos antimicrobianos tem se caracterizado pela dinâmica e freqüente sobreposição de novos desafios que resultam no desenvolvimento contínuo de drogas cada vez mais potentes e de espectro de ação ampliado. Como vimos, foi a partir do início do uso clínico dos antibióticos no final da década de 40 que estes passaram a ter uma participação cada vez maior na prescrição médica. De acordo com Hinrichsen et al. (2009), aproximadamente 25% a 35% dos pacientes hospitalizados recebem antibióticos, o que representa 1/3 dos gastos com medicamentos, e respondem pelo consumo de 20% a 50% da receita hospitalar. Dados da OMS mostraram que mais de 50% das prescrições de antimicrobianos eram inapropriadas. Como conseqüência desse mau uso identifica-se o aumento de custos, aumento da indução da pressão seletiva de patógenos resistentes e efeitos adversos. Estima-se que, apenas nos Estados Unidos, o custo com resistência bacteriana está em torno de 4 a 5 bilhões de dólares anualmente (Fiol, 2010). Conforme Wannmacher (2004), nos países em desenvolvimento o uso indiscriminado é considerado mais sério, pois normalmente estes produtos são vendidos livremente no comércio e as medidas para o controle de uso nos hospitais são inconsistentes. A alta disponibilidade e o consumo de antimicrobianos têm geram um aumento desproporcional da incidência do uso inapropriado dessas drogas. 3 POLÍTICA DE USO DOS ANTIMICROBIANOS Conforme a Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS (2005), o setor farmacêutico buscando realizar o promulgado na Lei Orgânica da Saúde (LOS), tem passado por diversas transformações para melhorar essa problemática, destacando-se a Política Nacional de Medicamentos (PNM), a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (CNMAF) e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF). O Ministério da Saúde na Portaria GM nº 3.916, de 30 de outubro de 1998, que aprova a Política Nacional de Medicamentos (PNM), aponta esta como o principal instrumento para a orientação das ações de saúde relacionadas aos mesmos. Apresenta como principais objetivos “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais”. Para tanto, estipula prioridades, entre as quais está a promoção do Uso Racional de Medicamentos, que “compreende a prescrição apropriada; a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a dispensação em condições adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade” (BRASIL, 1998). Recentemente a Diretoria Colegiada da ANVISA através da RDC nº 44, de 26 de outubro de 2010 em seu Art. 2º determinou que a dispensação de medicamentos a base de antimicrobianos de venda sob prescrição, somente poderá ser efetuada mediante receita de controle especial, ou seja, pretende-se minimizar o livre acesso a essas drogas para que de forma indireta possa reduzir a resistência microbiana (ANVISA, 2010). Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.4, n.4, p.72-77, Out-Nov-Dez. 2011. Uso indiscriminado de antibióticos e resistência microbiana: uma reflexão no tratamento das infecções hospitalares Para o Uso Racional de Medicamentos através da terapêutica, a prescrição ou receita médica constitui um instrumento essencial, pois deve conter as informações necessárias sobre o medicamento: doses, freqüência e duração do tratamento adequado para o problema do paciente. Trata-se, portanto, de um importante fator que possibilita avaliar a qualidade e quantidade do consumo de medicamentos, embora o ato da prescrição sofra influências de fatores diversos que vão desde o conhecimento do prescritor, das expectativas do paciente á indústria farmacêutica (BRASIL,1998; MARIN,2003). Segundo Rodrigues e Bertoldi (2010), no âmbito hospitalar, prescritores com menor experiência clínica (internos e residentes) tomam com mais frequencia as decisões terapêuticas e se sentem pressionados por casos agudos de alta complexidade. E para evitar o desastre nas 24 horas seguintes, fazem uso de antibióticos de amplo espectro ou uso de vários antibióticos de pequeno espectro em associação. Identifica-se também uma grande repetição automática das prescrições, fazendo com que a duração de um curso de antibióticos se prolongue além do racional. Fatores como a gravidade das infecções favorece a utilização de terapia empírica que pode levar à seleção de cepas resistentes. 4 FATORES RELACIONADOS Á RESISTÊNCIA Vários são os mecanismos que os microorganismos apresentam para desenvolver resistência às drogas que vão desde fatores intrínsecos á extrínsecos. Estratégias preventivas na disseminação de resistência são fundamentais e devem ser aplicadas em todos os hospitais. Na vivência clínica têm sido descritos erros de prescrição de antimicrobianos que vão desde a indicação não apropriada para infecção, a erros técnicos por parte dos prescritores, relacionados à duração do tratamento, dosagem, intervalo entre doses e via de administração incorreta, podendo comprometer a terapêutica do paciente. Para isso, consideram-se relevantes estudos que monitorem as taxas de infecções, que avaliem os perfis de sensibilidade e os hábitos de prescrição, pois constituem uma das estratégias para monitorização do uso de medicamentos. As deficiências no registro de informações na prescrição são responsáveis por grande parte dos erros de medicação. A análise de prescrição pode contribuir para uma avaliação preliminar da qualidade da terapia, na medida em que evidencia falhas que comprometem a adesão ao tratamento e favorecem o aparecimento de reações adversas e falhas terapêuticas, prejudicando todo o esforço realizado pelo serviço de saúde para o provimento adequado de medicamentos (SHAB, 2001). Outro problema identificado é a antibioticoprofilaxia que está indicada nas cirurgias em que a ocorrência de complicações é elevada ou grave e a literatura vem demonstrando a eficácia do seu uso, muito embora os erros mais comuns quanto a sua indicação incluem a seleção do antibiótico incorreto, o momento exato da sua administração, a não repetição das doses durante os procedimentos prolongados, a duração excessiva da profilaxia e o uso inapropriado de antibióticos de amplo espectro. No ambiente hospitalar a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e a farmácia estabelecem critérios de seleção e utilização e os difundem na tentativa de minimizar o fracasso terapêutico, a toxicidade e os custos com antibióticos considerando sempre a questão da resistência microbiana (SOUZA, 2008). Nesse contexto, entende-se que o enfermeiro tem um papel importante na prevenção de infecções principalmente nas Unidades de Terapia Intensiva - UTI’s, pois, apesar do alto índice devido ao tempo proRevista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.4, n.4, p.72-77, Out-Nov-Dez. 2011. longado de permanência do paciente, ele é capacitado para minimizar os riscos através de seus cuidados específicos. Sabe-se que a resistência bacteriana a antibióticos é uma resposta ao uso abusivo de antimicrobianos no meio ambiente e atualmente é considerada um problema de saúde pública de grande magnitude, determinando um aumento na morbidade, mortalidade e custo, principalmente nas Unidades de Terapia Intensiva. 5 UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA Sabe-se que nas UTI’s a assistência é constantemente de¬safiada por infecções relacionadas a procedimentos invasivos, que resultam no aumento da morbimortali¬dade, no tempo de internação e nos custos. Segundo Lima, Andrade e Haas (2007), a UTI tem mostrado eleva¬dos índices de infecção hospitalar, incluindo a ocorrên¬cia de micro-organismos multiresistentes. A despeito desta multiresistência microbiana os pesquisadores, em âmbito mundial, estão conscientes da problemática que ameaça a sociedade, particularmente a indústria farma¬cêutica, que se encontra sem resposta terapêutica. Moura (2000), afirma que nas UTI’s como um setor crítico, o uso de antimicrobianos, principalmente o empírico, é alto, devido à fragilidade dos pacientes e necessidade de tratamento, devendo ser uma área merecedora de mais critérios e cuidados na seleção dos antimicrobianos a serem utilizados. O referido setor, representa as mais altas taxas de infecção, em torno de 13/1000 pacientes/dia, com taxas de mortalidade de 11% para infecções de sítio cirúrgico, 25% para infecções da corrente sanguínea, sendo a pneumonia a mais freqüente (ANDREETTA, 2008). No Brasil, a incidência de infecção nosocomial em UTI varia entre 5% e 10% (HINRICHSEN et al. 2009). Após a promulgação da Portaria 196/83, o Ministério da Saúde elaborou um estudo em que foram avaliados 8.624 pacientes com mais de 24 horas de internação, cujo tempo médio de permanência foi 11,8 dias. O número de pacientes com infecção hospitalar encontrado foi 1.129, com taxa de pacientes com infecção hospitalar de 13%. Os maiores índices de infecção foram obtidos nos hospitais públicos, 18,4%, e os menores nos hospitais privados sem fins lucrativos, 10%. Essa diferença se dá, em parte, por os hospitais públicos normalmente atenderem casos de maior complexidade, enquanto que os privados são responsáveis por casos mais seletivos e de menor complexidade. Por região, estes mesmos índices mostraram a região sudeste com 16,4%, seguida do nordeste com 13,1%, norte 11,5%, sul 9% e centro-oeste 7,2% (MOURA, 2008). Isso justifica as ações de prevenção e controle das in¬fecções hospitalares, particularmente, nas UTIs, as quais incluem a vigilância do perfil microbiológico e de sensibilidade dos microrga¬nismos; o uso racional de antimicrobianos e de proce¬dimentos invasivos, a redução do período de hospitali¬zação, o desempenho consciente e eficiente da equipe de saúde, bem como a conscientização dos usuários quanto aos riscos biológicos, dentre outras condutas. (LIMA; ANDRADE; HAAS, 2007). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível perceber e afirmar que o controle das infecções hospitalares nos serviços de saúde é desafiador, e o da resistência, um grande problema. Julga-se necessário implementar dois proces75 Oliveira, F. B. M.; et al. sos fundamentais para conter essa situação: o primeiro é o desenvolvimento de políticas eficazes para o uso racional de antimicrobianos nas instituições de saúde, como implementação de guidelines, protocolos clínicos atualizados embasados em evidências científicas, além de estudos de prescrição que servirão de base para que as medidas preventivas sejam tomadas; em segundo a implantação de medidas de controle para limitar a disseminação de microrganismos resistentes, a fim de se evitar um futuro de poucas opções terapêuticas no tratamento das infecções como já se vê em alguns cenários mundiais. Estudos mostram que os antibióticos que foram desenvolvidos para controlar as bactérias acabaram por torná-las mais fortes, induzindo o surgimento de bactérias resistentes para as quais os próprios antibióticos atualmente são ineficazes. Para isso, reforça-se a importância da vigilância epidemiológica, precaução padrão, medidas de isolamento, materiais e equipamentos adequados, higienização do ambiente, identificação de bactérias multirresistente, antibioticoterapia adequada, treinamento da equipe multiprofissional, implementação de medidas de controle, dentre outros fatores importantes e determinantes que podem interferir nos resultados, reduzindo as taxas de prevalência de infecção hospitalar e minimizando a seleção microbiótica que nos últimos anos cresce em ritmo acelerado proporcional ao desenvolvimento de novas drogas de amplo espectro. Assim, pode-se observar que os estudos sobre a temática vêm aumentando nos últimos anos, bem como também as preocupações governamentais sobre o uso de antimicrobianos. Tais publicações refletem sobre a necessidade de medidas de atenção quanto ao mau uso desses fármacos e aquisição de resistência a eles. REFERÊNCIAS ABRAMS, A. C.; Farmacoterapia clínica: princípios para prática de enfermagem, 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. ANDREETTA, K. T. et al. Prevalência da Infecção Hospitalar na Unidade de Terapia Intensiva. In: Anais do Congresso Brasileiro de Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar, XI, 2008, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: The Brazilian Journal of Infectious Deseases. Sociedade Brasileira de Infectologia, 2008. p. 108. ANVISA. RDC nº 44, de 26 de outubro de 2010. Dispõe sobre o controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição médica, isoladas ou em associação e dá outras providências. 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