Sumário 1. Introdução ............................................................................................................... 1 1.1. Depressão com Ansiedade ou Ansiedade com Depressão? ............................ 2 1.2. Hipotimia ou Depressão.................................................................................... 4 1.3. Tipos de Depressão; quanto à origem .............................................................. 7 2. Sintomas da depressão ........................................................................................... 9 2.1. Sofrimento Moral (autoestima baixa) .............................................................. 10 2.2. Inibição Global (apatia e desinteresse) ........................................................... 11 2.3. Estreitamento Vivencial (perda de prazer) ...................................................... 12 2.4. Como se manifesta a Depressão .................................................................... 13 2.5. Delírio na depressão ....................................................................................... 14 2.7. Interesse, apetite e sono na depressão .......................................................... 14 3. Formas clínicas da depressão............................................................................... 16 3.1. Episódio depressivo ........................................................................................ 17 3.2. Critérios DSM-IV para Episódio Depressivo Maior ......................................... 18 3.3. Transtorno Depressivo Recorrente ................................................................. 20 3.4. Distimia ........................................................................................................... 21 4. Causas da depressão ........................................................................................... 24 4.1. A Depressão vem de dentro ou de fora? ........................................................ 24 4.2. Fatores Biológicos .......................................................................................... 25 4.3. Fatores Agravantes e Desencadeantes .......................................................... 26 5. Fisiopatologia da Depressão ................................................................................. 32 5.1. Modelo Biológico-Bioquímico.......................................................................... 32 5.2. Neurotransmissores ou Neuroreceptores? Eis a questão............................... 32 5.3. Modelo Neuro-Anatômico ............................................................................... 34 6. Curso e Evolução da Depressão ........................................................................... 37 6.1. Episódios Depressivos .................................................................................... 38 6.2. Transtorno Depressivo Recorrente ................................................................. 39 6.3. Distimia ........................................................................................................... 40 6.3. Transtorno Afetivo Bipolar .............................................................................. 41 Referências bibliográficas ......................................................................................... 42 1 DEPRESSÃO 1. INTRODUÇÃO O termo Depressão pode significar um sintoma que faz parte de inúmeros distúrbios emocionais sem ser exclusivo de nenhum deles, pode significar uma síndrome traduzida por muitos e variáveis sintomas somáticos ou ainda, pode significar uma doença, caracterizada por marcantes alterações afetivas. O público está certo ao estranhar a ostensiva e constante presença desta tal Depressão em quase tudo que diz respeito à transtornos emocionais, e os psiquiatras não estão menos certos ao procurarem descobrir uma ponta de Depressão em quase tudo que lhes aparece pela frente. Do ponto de vista clínico seria extremamente fácil e cômodo se a Depressão fosse caracterizada, exclusivamente, por um rebaixamento do humor com manifestação de tristeza, choro, abatimento moral, desinteresse, e tudo aquilo que todos sabemos que uma pessoa deprimida apresenta. Desta forma até o amigo íntimo, o vizinho ou o dono da bar da esquina poderiam diagnosticá-la. A parte mais difícil e trabalhosa da psiquiatria está no diagnóstico dos muitos casos de Depressão atípica, incaracterística ou mascaradas, bem como, perceber traços depressivos em outras patologias emocionais, como por exemplo, nos casos de Pânico, Fobia, etc. Entre as emoções, aquelas decorrentes do estado de humor são as mais estudadas e, entre essas, a mais pesquisada é a Depressão. A sintomatologia depressiva é muito variada e muito diferente entre as diferentes pessoas. Para entendermos melhor essa diversidade de sintomas depressivos, vamos considerar que, entre as pessoas, a Depressão seria como uma bebedeira geral, onde cada pessoa alcoolizada ficasse de um jeito; uns alegres, outros tristes, irritados, engraçados, dorminhocos, libertinos... A única coisa que todos teriam em comum é o fato de estarem sob efeito do álcool, todos estariam tontos, com os reflexos diminuídos, etc. Na Depressão também; cada personalidade se manifestará de uma maneira. A psicopatologia recomenda como válida a existência de três sintomas depressivos básicos, os quais darão origem a variadíssimas manifestações desta alteração afetiva. Essa tríade sintomática da Depressão seria: 1 - Sofrimento Moral, 2 - Inibição Global e, 3 - Estreitamento Vivencial. Compete à sensibilidade do observador, relacionar um sentimento, um comportamento, um pensamento ou sentimento, como a expressão individual de um desses três sintomas básicos, como sendo a expressão pessoal e adequada da personalidade de cada um diante da Depressão. 2 1.1. Depressão com Ansiedade ou Ansiedade com Depressão? Alguns deprimidos podem apresentar sintomas somáticos (físicos), juntamente ou ao invés dos sintomas emocionais de tristeza, angústia, medo, etc. Esses sintomas físicos podem ser, por exemplo, dores vagas e imprecisas, tonturas, cólicas, falta de ar, e outras queixas de caracterização clínica complicada. Para estes pacientes somáticos, talvez seja mais fácil comunicar sua aflição e desespero através dos órgãos do que do discurso. Também em crianças e adolescentes a Depressão pode se dissimular sob a forma de um humor irritável ou rabugento, revoltado e irrequieto, ao invés da tristeza e abatimento. Outras pessoas podem manifestar sua Depressão com irritabilidade aumentada, como por exemplo, crises de raiva, explosividade, sentimentos exagerados de frustração, tendência para responder a eventos com ataques de ira ou culpando os outros. Na Depressão também é muito freqüente um certo prejuízo na capacidade de pensar, de se concentrar ou de tomar decisões. Os depressivos podem se queixar de enfraquecimento da memória ou mostrar-se facilmente distraídas. A produtividade ocupacional costuma estar também prejudicada, notadamente nas profissões intelectualmente exigentes. Em crianças deprimidas pode haver uma queda abrupta no rendimento escolar, como resultado da dificuldade de concentração. Freqüentemente existem pensamentos sobre a morte nos quadros depressivos. Trata-se, não apenas da ideação suicida típica mas, sobretudo, da preferência em estar morto a viver "desse jeito". Nos idosos as dificuldades de memória podem ser a queixa principal e ser confundido com os sinais iniciais de demência. O prejuízo da memória e outros sinais que poderiam confundir a Depressão com demência recebem o nome de Pseudodemência Depressiva. Nestes casos, soma-se à lentidão dos processos psíquicos um exagerado desinteresse, dando a falsa impressão de que a pessoa não está tendo consciência absoluta da realidade. Na realidade, o que o idoso deprimido tem é um grande desinteresse em lembrar fatos e em participar dos eventos cotidianos. Para entender porque e como existem sintomas de Depressão atípica, sintomas que sugerem apenas indiretamente a presença de Depressão, temos que falar da coexistência da Depressão com a ansiedade, sabendo que essa última sim, é pródiga em sintomatologia somática e emocional atípica. Muito embora os atuais manuais de classificação de doenças mentais tratem separadamente os quadros ansiosos dos afetivos, pesquisas e autores têm se preocupado em estabelecer relações entre esses dois estados psíquicos. Kendell (1974), ao longo de cinco anos de observação constatou que o diagnóstico de Depressão passa para Ansiedade em 2% dos casos e, em sentido contrário, da Ansiedade para a Depressão, em 24% dos casos. Pode-se constatar também que antigos quadros ansiosos costumam evoluir no sentido da Depressão (Roth, 1972 e 1982). Lesse (1982) sustenta ainda a idéia da evolução do estresse para Ansiedade e em seguida para Depressão. 3 São conhecidos os expressivos sintomas depressivos em doentes com transtornos ansiosos, como aqueles observados por Fawcet (1983), que encontrou sintomas de Depressão em 65% dos ansiosos e Roth (1972), que detectou em grande número de pacientes, simultaneamente irritabilidade, agorafobia, ansiedade, culpa e agitação. O medo, por exemplo, seja de características fóbica ou não, reflete sempre uma grande insegurança e pode aparecer tanto nos transtornos da ansiedade quanto nos transtornos de natureza depressiva. A associação da Depressão com crises de pânico foi encontrada, inicialmente, em proporções que variavam de 64 a 44% dos casos (Clancy, 1979). O estudo de Stavrakaki e Vargo (1986), reavaliando pesquisas dos últimos 15 anos, sugeriu três tipos de reflexão sobre a questão Ansiedade versus Depressão: 1. Ansiedade e Depressão diferem qualitativamente; 2. Ansiedade e Depressão diferem quantitativamente e; 3. Ansiedade se associa à Depressão. Atualmente tem-se enfatizado muito a teoria unitária, pela qual a Ansiedade e a Depressão seriam duas modalidades sintomáticas da mesma afecção. As atuais escalas internacionais de Hamilton para avaliação de Depressão e de Ansiedade, não separaram nitidamente os dois tipos de manifestações. Outras escalas anteriores também mostravam a mesma falta de clareza para diferenciação entre esses dois quadros emocionais (Johnstone, 1986; Mendels, 1972). A tendência unitária Ansiedade-Depressão se reforça ainda na eficácia do tratamento com antidepressivos, tanto para quadros ansiosos, como é o caso do Pânico, da Fobia Social, do Transtorno Obsessivo-compulsivo e mesmo da Ansiedade Generalizada, quanto para os casos de Depressão, com ou sem componente ansioso importante. O número de autores que não acreditam na Ansiedade e Depressão como sendo a mesma coisa, aos quais nos juntamos, é maioria expressiva, entretanto, quase todos reconhecem existir alguma coisa em comum nesses dois fenômenos. Acreditamos, pois, na necessidade imperiosa de um antecedente afetivo e de caráter depressivo para que a ansiedade se manifeste patologicamente. O mesmo requisito afetivo não se necessita para a ansiedade normal e fisiológica. Talvez seja por isso que os quadros ansiosos respondem tão bem à terapêutica antidepressiva. Saber com certeza se a Ansiedade pode ser uma das causas de Depressão ou se, ao contrário, pode surgir como conseqüência desta ou, ainda, se uma nova entidade clínica independente se constitui quando ambos fenômenos coexistem num mesmo paciente tem sido uma questão aberta às pesquisas e reflexões. Strian e Klicpera (1984) consideraram há tempos que Depressão e Ansiedade formavam um quadro unitário. Clancy (1978), há mais tempo ainda constatou que o humor depressivo antecedia com freqüência ao primeiro ataque de pânico. Existem boas observações do transtorno ansioso aparecer em pessoas portadoras de caráter predominantemente depressivo na personalidade (Lader, 1975), e alguns até consideram o paciente ansioso como portador de um tipo de Depressão endógena atípica (Salomon, 1978). 4 Ansiedade e Depressão também foram cogitadas como aspectos diferentes do mesmo transtorno afetivo por Downing e Rikels (1974), entendendo-se os casos de pânico, fobia, obsessões e somatizações como sendo reflexo de sintomas depressivos que se manifestariam atipicamente (Gersh e Fowles, 1979). De fato, a insegurança típica do estado fóbico-ansioso pode ser melhor entendida à luz de uma autopercepção pessimista e de uma representação temerosa da realidade, ambos de conotação depressiva. Monedero (1973) considera a angústia como um temor de algo que vai acontecer e a ansiedade como um temor atual, caracterizado pela procura e impaciência apressada, enfatizando um componente humor-congruente depressivo da ansiedade. Há ainda autores que admitem a Depressão como uma complicação freqüente dos transtornos ansiosos ou que os sintomas ansiosos seriam comuns nas doenças depressivas primárias, aceitando o fato de pacientes com Depressão primária apresentarem estados ansiosos graves (Rodney, 1997; Cunningham, 1997). A maioria dos autores, entretanto, afirma que pacientes com pânico primário, com pânico complicado pela Depressão, com Depressão Primária complicada por pânico ou com Depressão Primária, oferecem sérias dificuldades para se diferenciar nitidamente os estados ansiosos dos depressivos. Uma terceira posição, há tempos cogitada, é a ansiosa-depressiva como transtorno unitário e emancipado, quer da Ansiedade Generalizada, quer da Depressão Maior (Stavrakaki, 1986). Esta postura unitária, diferente daquela que considera ansiedade e Depressão como sendo faces de uma mesma doença, também era sustentada por Paykel (1971) e por Downing e Rikels (1974). Schatzberg (1983) diz que os pacientes com quadros mistos de Ansiedade e Depressão exigem terapias diferentes dos grupos de pacientes que apresentam esses quadros isoladamente. Observa que quando as duas síndromes coexistem a evolução é mais crônica, a resposta é menor às terapias convencionais e o prognóstico é pior. 1.2. Hipotimia ou Depressão Na Hipotimia (humor baixo) ou Depressão, verifica-se o aumento da reatividade e sensibilidade para os sentimentos desagradáveis, podendo variar desde o simples mal-estar, até o estupor melancólico, ou seja, uma apatia extrema por melancolia. Esse estado de Hipotimia ou Depressão se caracteriza, essencialmente por uma tristeza profunda, normalmente imotivada, que se acompanha de lentidão e inibição de todos os processos psíquicos. Em suas formas leves a Depressão se revela por um sentimento de mal-estar, de abatimento, de tristeza, de inutilidade e de incapacidade para realizar qualquer atividade. Os pacientes hipotímicos estão dominados por um profundo sentimento de tristeza imotivada. No doente deprimido, as percepções são acompanhadas de uma tonalidade afetiva desagradável: tudo Ihe parece negro. Os doentes perdem 5 completamente o interesse pela vida. Nada lhes interessa do presente nem do futuro e, do passado, são rememorados apenas os acontecimentos desagradáveis. 6 As percepções são lentas, monótonas, descoloridas. Ao paciente parece que os alimentos perderam o sabor habitual. Nos estados depressivos, as ilusões são mais freqüentes do que as alucinações. As idéias deliróides nos pacientes hipotímicos são comuns, expressando geralmente idéias de culpa, de indignidade, ruína, pecado e de auto-acusação. O pensamento é lento e o próprio ato de pensar é acompanhado de um sentimento desagradável. O conteúdo do pensamento exprime motivações dolorosas. O paciente é incapaz de livrar-se de suas idéias tristes pela simples ação de sua vontade ou dos "pensamentos positivos", como se diz. O quadro clínico do estado afetivo depressivo é caracterizado pela inibição geral da pessoa, pela baixa performance global refletida pela lentidão e pobreza dos movimentos, pela mímica apagada, pela linguagem lenta, monótona e pelas dificuldades pragmáticas. Os sintomas somáticos são bastante evidentes nos pacientes hipotímicos. Os distúrbios vasomotores se traduzem em mãos frias, algumas vezes pálidas e cianosadas, pela palidez dos lábios e hipotermia. São freqüentes os espasmos ou dilatações vasculares, com conseqüente oscilação da pressão arterial. Os pacientes deprimidos dão-nos a impressão de mais velhos. As perturbações digestivas também são constantes, a língua pode se apresentar saburrosa, há alterações do apetite, tanto com inapetência quanto com hiperfagia e constipação intestinal. Os distúrbios circulatórios ocasionam um sentimento subjetivo de opressão na região cardíaca, causando a chamada angústia precordial. Em determinados casos, sob a influência de fatores externos ou em conseqüência de causas internas temporárias, a Depressão pode aumentar de modo considerável, determinando um estado de excitação ansiosa. Quando o paciente, não encontra solução para seu sofrimento costuma pensar no suicídio. A Depressão patológica é um dos sintomas fundamentais do Transtorno Afetivo Bipolar, em sua fase depressiva. Estados depressivos também podem ser observados em todas as psicoses e neuroses. No Transtorno Afetivo Bipolar, entretanto, a Depressão tem uma origem ligada a fatores afetivos internos (sentimentos vitais), que escapam à compreensão do doente e de seus familiares. Nas Distimias, nas Reações Agudas ao Estresse e nas neuroses de modo geral, a Depressão costuma ser mais reativa, isto é, mais psicogênica (mais anímica que vital), originando-se de situações psicologicamente compreensíveis e de experiências desagradáveis. A anormalidade do sentimento depressivo nesses quadros psicogênicos está na intensidade e na duração desse afeto em comparação às pessoas normais e não em sua qualidade, como acontece nos Transtornos Afetivos Bipolares. 7 1.3. Tipos de Depressão; quanto à origem Os afetos depressivos podem aparecer como uma resposta a situações reais, através de uma Reação Vivencial depressiva, quando diante de fatos desagradáveis, aborrecedores, frustrações e perdas. Trata-se, neste caso, de uma resposta a conflitos íntimos e determinados por fatores vivenciais. Daí denominação depressão reativa, ou seja, em reação a alguma coisa real e acontecida, à uma fonte exógena que pode ser casualmente relacionada àquela reação. Esta Depressão Reativa, embora compreensiva por tratar-se de uma reação afetiva à uma vivência desagradável, não deve ser entendida como normal e fisiológica mas apenas compreensível. Diante de fatos desagradáveis podemos esperar, fisiologicamente, a tristeza e não a Depressão e, quanto à isso, não devemos fazer nenhuma confusão. Esta última, a Depressão, deve ser uma denominação reservada para as Reações Vivenciais Anormais proporcionadas por circunstâncias vivenciais desagradáveis, ou seja, reações desproporcionais em quantidade, qualidade e temporalmente ao agente causal. Os sentimentos de tristeza que normalmente acompanham situações frustrantes são diferenciados da Depressão por não comportarem a tríade sintomática de Inibição Psíquica, Estreitamento de Campo Vivencial e Sofrimento Moral. A Depressão pode aparecer ainda acompanhado, ou aparentemente motivada, por situações anímicas. Neste caso, certas perspectivas futuras, certos anseios e objetivos de vida estão representados intrapsiquicamente de maneira negativa. Há um sentimento depressivo associado às conjecturas irreais de tal forma que o panorama atual dos acontecimentos e a expectativa do porvir são funestamente valorizados. Sofre-se por aquilo que não existe ainda ou, muito possivelmente, nem existirá. Um exemplo disso é a Depressão experimentada diante da possibilidade da perda de um emprego, ou da perspectiva de vir a sofrer de grave doença e assim por diante. Evidentemente, não se trata aqui, de que tais perspectivas sombrias estejam a alimentar a Depressão, mas muito pelo contrário, ou seja, a Depressão é quem confere um significado lúgubre às possibilidades do futuro. Não se pode acreditar que, neste caso, exista uma relação causal vivencial solidamente vinculada à Depressão, pois, de qualquer forma, as situações referidas como promovedoras e alimentadoras da Depressão não aconteceram ainda. Em outros termos e de acordo com que se sabe sobre Reações Vivenciais (vide adiante), falta o elemento estressor, o qual existe apenas na imaginação do paciente. Portanto, é lícito pensar já numa Depressão mais profundamente arraigada no ser, a qual, embora atrelada à personalidade, utiliza os elementos vivenciais apenas para nutrir sua necessidade de sofrimento (uma vez que, ainda não aconteceram concretamente). Há, finalmente, casos de Depressão procedentes de um temperamento francamente depressivo ou seja, a nível de sentimentos vitais. São, neste caso, transtornos da afetividade emancipados dos elementos vivenciais quanto à causalidade. Isso não impede que sejam desencadeados por vivências traumáticas. Trata-se de uma Tonalidade Afetiva Básica rebaixada e, evidentemente, talhada à reagir sempre depressivamente à vida. 8 As pessoas que se encontram depressivas durante uma fase de suas vidas, cujo contexto vivencial sugere-nos uma circunstância sofrível, quer como conseqüência de um fato único, quer como uma somatória de fatos traumáticos sucessivos, sem que possamos detectar um temperamento depressivo prévio, provavelmente estarão apresentando uma Depressão Reativa. Neste caso, esta reação depressiva não pode ser tida como decorrência de uma Tonalidade Afetiva Depressiva de Base, mas como uma resposta emocional à uma circunstância de vida. Daí empregar-se, antigamente, a denominação de depressão exógena, ou seja, dependente de fatores externos à personalidade da pessoa. Depois de estabelecido nesta pessoa o estado depressivo, ainda que, conseqüente a fatores reais e externos à sua personalidade, tudo mais em sua vida parecerá depressivo, até que saia desta fase afetiva. Assim sendo, poderá também ser pessimista quanto à sua situação futura, portanto, depressivo quanto à Situações Imaginárias. Da mesma forma, os pacientes portadores de Tonalidade Afetiva Depressiva de Base, por possuírem um temperamento previamente depressivo, independentemente dos fatos vividos, sempre estarão tingindo de negro suas perspectivas futuras. São portadores da, anteriormente denominada, depressão endógena e, como se viu, relacionada não apenas ao Sentimentos Vitais como também às Situações Imaginárias. A questão em se saber a natureza endógena ou exógena do estado depressivo, hoje em dia, parece não despertar o mesmo interesse de antes. Os indivíduos com características afetivas depressivas (anteriormente denominados de depressivos endógenos) reagirão sempre aos estímulos da vida de uma forma consoante ao seu afeto depressivo, portanto, dando-nos a falsa impressão de apresentarem Depressão Reativa: a maioria dos eventos, para eles, terá uma conotação negativa. Por outro lado, a clínica tem mostrado, com freqüência, determinadas vivências bastante suportáveis para alguns, ocasionando, em outros, verdadeiras Reações Depressivas. Isso nos sugere que tal Reação Depressiva não deve ser legada apenas aos elementos vivenciais. No fundo, considerando o estado afetivo no qual o indivíduo se encontra no momento, tem sido tarefa muito penosa estabelecer a natureza de sua Depressão. Nestes casos, recorremos quase sempre à personalidade pregressa do paciente; se a tonalidade afetiva era, anteriormente, depressiva, há possibilidade deste estado depressivo atual ser de natureza endógena, mas mesmo assim não será uma implicação obrigatória. Outras vezes, também de acordo com exemplos cotidianos da prática clínica, personalidades previamente bem adaptadas e sugerindo uma boa adequação afetiva poderão, não obstante, apresentar fases de profunda Depressão sem motivação vivencial. Procura-se, nestes casos de Depressão sem motivação ambiental ou, talvez, em atenção a um conforto do terapeuta, justifica-la como decorrência da eventual somatória de vivências passadas. Certeza disso, entretanto, ninguém pode ter. 9 2. SINTOMAS DA DEPRESSÃO A sintomatologia depressiva é muito variada e muito diferente entre as diferentes pessoas. Por isso a psicopatologia recomenda como válido a existência de apenas três sintomas depressivos básicos e suficientes para sua detecção, no entanto, estes sintomas básicos darão origem à infinitas manifestações desta alteração afetiva. Trata-se, esta tríade, da: 1 - Inibição Psíquica, 2 - do Estreitamento do Campo Vivencial e, 3- do Sofrimento Moral. Compete à sensibilidade do observador, relacionar um sentimento, um comportamento, um pensamento ou um determinado sintoma como sendo a apresentação pessoal e individual de um desses três sintomas básicos, tradução esta adequada a disposição pessoal da personalidade de cada um. Em crianças e adolescentes, por exemplo, o humor pode ser irritável ao invés de triste. O adulto deprimido também pode experimentar sintomas adicionais durante a Depressão. Estes incluem alterações no apetite ou peso, alterações do sono e da atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa; dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, ou pensamentos recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio. De qualquer forma, a Depressão deve ser acompanhada por sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo. Para algumas pessoas com Depressão mais leves, o funcionamento pode parecer normal, mas exige um esforço acentuadamente aumentado. O estado depressivo freqüentemente é descrito pela pessoa com sentimentos de tristeza, desesperança, falta de coragem ou como estando "na fossa" (DSM.IV). Em alguns casos, a tristeza pode ser negada de início, mas subseqüentemente pode ser revelada pela entrevista, por exemplo, quando a pessoa chora durante a consulta ou pela fisionomia aborrecida e entristecida. Outras pessoas, entretanto, podem se queixar de se sentirem indiferentes, apáticos ou ansiosos ou, ainda, podem referir queixas somáticas sem correspondência clínica mais do que sentimentos de tristeza. Muitos referem ou demonstram irritabilidade aumentada, tendência para responder a eventos com ataques de ira ou culpando outros, ou um sentimento exagerado de frustração por questões menores. 10 2.1. Sofrimento Moral (autoestima baixa) O Sofrimento Moral, ou sentimento de menos-valia, é um fenômeno marcante e desagradável na trajetória depressiva. Trata-se de um sentimento de autodepreciação, auto-acusação, inferioridade, incompetência, pecaminosidade, culpa, rejeição, feiúra, fraqueza, fragilidade e mais um sem-número de adjetivos pejorativos. Dependendo do grau da depressão, o Sofrimento Moral aparece em graus variados, desde uma sutil sensação de inferioridade até profundos sentimentos depreciativos. Outro fator que complica o diagnóstico é o fato do Sofrimento Moral nem sempre ser consciente e claro à pessoa que o sente. Muitas vezes a pessoa com baixa autoestima recorre a mecanismos de defesa que ofuscam seus verdadeiros sentimentos. Por exemplo, nas pessoas com importante traço de irritabilidade e agressividade na personalidade, o sentimento de baixa autoestima se manifesta com agressividade, com comportamentos de superioridade ostensiva, com dificuldades gritantes em lidar com as frustrações, com as filas, com ter de esperar, enfim, são pessoas que manifestam essa sensação de estarem sendo "agredidas" de alguma forma, portanto, revidam com mais agressividade. Em pessoas naturalmente retraídas e introvertidas, a baixa autoestima se faz sentir com mais retraimento ainda, com mutismo e quietude preocupante, com isolamento e extrema dificuldade em expor sentimentos. Por isso, muitas vezes, "preferem" a manifestação somática dessas emoções. Em pessoas de personalidade ansiosa a baixa autoestima faz com que os outros (notadamente, a opinião dos outros) pareçam inimigos em potencial, capazes que são de depreciar, de julgar, de avaliar... Portanto, nada mais sensato que apresentarem, esses pacientes, quadros fóbicos sociais, evitação, sintomas autossômicos quando diante de outras pessoas, e assim por diante. Quando a Depressão adquire características muito graves e psicóticas, o Sofrimento Moral pode ser aparecer sob a forma de delírio. Nesse caso seria o delírio humorcongruente. Um judeu, psicótico depressivo, durante uma de suas crises de depressão profunda apresentava um pensamento francamente delirante, o qual dava-lhe a certeza de ter parte de seu cérebro apodrecido. Outrossim, julgavase culpado por ter ingerido, contra sua crença religiosa, carne suína há mais de 15 anos. Uma espécie de punição divina aplicada ao pecador incauto. O prejuízo da autoestima proporcionado pela Depressão Grave ou Psicótica, pode ainda determinar uma ideação claramente paranóide, onde a culpa adquire uma posição destacada. Para fins de diagnóstico, deve-se ter em mente que nas psicoses esquizofrênicas, onde freqüentemente aparece a ideação paranóide, a autoestima não se encontra perturbada como nos estados depressivos psicóticos. Esta observação pode auxiliar o diagnóstico diferencial entre uma depressão com sintomatologia psicótica (ideação deliróide) e uma psicose esquizofrênica (com delírios). 11 O Sofrimento Moral deve ainda ser considerado o maior responsável pelo desfecho suicida das depressões severas. Aparece como uma prova doentia da incompetência do ser, de seu fracasso diante da vida e de sua falência existencial. Enquanto nos estados eufóricos a autoestima se encontra patologicamente elevada e as idéias de grandeza proporcionam uma aprazível sensação de bem-estar, na Depressão a pessoa se coloca numa das posições mais inferiores entre seus semelhantes. Organicamente, uma pessoa com Sofrimento Moral, portanto, com tendência a autodepreciar-se em todos os sentidos, pode entender uma simples dor de estômago como prenúncios de um câncer gástrico, uma tontura trivial com indícios de um derrame iminente, uma tosse frugal como sugestiva de câncer de pulmão ou tuberculose, uma simples gripe como sinal de AIDS, etc. 2.2. Inibição Global (apatia e desinteresse) A Inibição global do organismo é um dos sintomas básicos da Depressão e se manifesta como uma espécie de freio ou lentificação dos processos físicos e psíquicos em sua globalidade, uma lassidão e lerdeza generalizada de toda a atividade corpórea. Em graus variáveis, esta inibição geral torna o indivíduo apático, desinteressado, lerdo, desmotivado, com dificuldade em suportar tarefas elementares do cotidiano e com grande perda na capacidade em tomar iniciativas. Os campos da consciência e da motivação estão seriamente comprometidos, advindo daí a dificuldade em manter um bom nível de memória, de rendimento intelectual, da atividade sexual e até da agressividade necessária para tocar adiante o dia-a-dia. Percebemos os reflexos desta Inibição Global em várias áreas da atividade da pessoa, inclusive na diminuição da atividade motora e até na própria expressão da mímica, fazendo com que o paciente tenha aparência de abatimento e de desinteresse. A Inibição Global tem sido a responsável pelo longo itinerário que muitos pacientes percorrem antes de se acertarem com um tratamento psíquico. A primeira idéia que os pacientes deprimidos têm, estimulados também pela família, é que seu mal estar pode resultar de alguma anemia, fraqueza, problema circulatório..., depois passam a tratamentos alternativos de macrobiótica, yoga, tai-chi-chuam..., submetem-se a tediosos a passeios de gosto duvidoso, levados por amigos bem intencionados e, muitas vezes, consultam até um neurologista. Este ponto costuma ser o mais próximo que chegam do aparelho psíquico e, normalmente, a causa psíquica é a última a ser questionada, embora seja a primeira que se faz sentir. As pessoas que rodeiam o paciente com Inibição Global são solícitas em lembrá-lo de que a vida é boa, ressaltam que nada lhes falta, que gozam de saúde, que não são ricos mas tem gente em pior situação, que pertencem a uma família decente e compreensiva... O paciente, por outro lado, não sendo um retardado mental, sabe de tudo isso e as palavras estimulantes apenas aumentam sua perplexidade, sua culpa e seu aborrecimento consigo próprio. 12 A Inibição Global é secundária à Depressão, é um sintoma decorrente da Depressão e não uma doença que corrompe o juízo crítico, tornando os pacientes completamente desorientados em relação às condições de sua vida ou de sua família. Outro conceito importantíssimo, é que a Inibição Global é conseqüência da depressão e não o contrário. Essa colocação é importante porque, comumente, o público leigo costuma recomendar à pessoa deprimida para que se esforce e se mobilize para melhorar da depressão, quando na realidade seria o contrário, ou seja, deve melhorar da depressão (tratar) para mobilizar-se normalmente e sem ninguém para pedir. 2.3. Estreitamento Vivencial (perda de prazer) Estreitamento Vivencial é a expressão mais adequada para representar a perda progressiva da pessoa deprimida em sentir prazer. A palavra para designar o ponto mais alto desse fenômeno de perda do prazer é Anedonia, ou seja, a incapacidade em sentir prazer por todas as coisas. No Estreitamento Vivencial o universo de interesses e de prazeres pelas coisas da vida vai sendo cada vez menor e mais restrito. De fato, o interesse humano está indissoluvelmente ligado ao prazer; nos interessamos por aquilo quer nos dá prazer, por aquilo com o qual temos alguma ligação afetiva. Em situações normais a pessoa abre para si um leque de interesses: interesse pelas notícias, pelos esportes, pela companhia de amigos e pessoas queridas, pelo conhecimento em geral, pelos passeios, pelas novidades, pelas compras, pelas artes, pelos filmes, pela comida, pelas revistas e jornais, enfim, cada pessoa nutre um rol de interesses pessoais, evidentemente, interesses por coisas que lhe dão prazer. Pois bem. No Estreitamento Vivencial da depressão esse leque de interesses vai se fechando, aparecendo progressivamente um desinteresse e desencanto pelas coisas. Há um momento onde a preocupação com o próprio sofrimento toma conta de todo interesse vivencial do deprimido. Não há ânimo suficiente para admirar um dia bonito, para se interessar na realização ocupacional, para degustar uma boa bebida, para deleitar-se com um filme interessante, para sorver uma boa companhia, para incrementar a discoteca, visitar um amigo... No rol de ocupações do deprimido com Estreitamento Vivencial acaba só existindo a preocupação consigo próprio e com sua dor. Nada mais lhe dá prazer, nada mais pode motivá-lo. Neste caso, o leque do campo vivencial fica tão estreito que só cabe nele o próprio paciente com sua depressão, o restante de tudo que a vida pode oferecer não interessa mais, a própria vida parece não interessar mais. Enquanto a Inibição Global pode ser entendida como um aspecto exterior do relacionamento do indivíduo com o mundo, como uma espécie de prejuízo em sua performance, em seu rendimento pessoal e de relacionamento com as coisas, o Estreitamento Vivencial, por sua vez, denota uma alteração mais interior, um prejuízo nas impressões que o mundo e a vida causam no sujeito. Um é centrífugo o outro centrípeto. Na Inibição Global as coisas são feitas com dificuldade e lerdeza, com maior esforço físico e mental. No Estreitamento Vivencial as coisas nem sequer serão feitas. 13 2.4. Como se manifesta a Depressão Saber como, exatamente, a pessoa apresenta sua depressão é uma questão complicada. Como dissemos, as manifestações depressivas são muito variadas e extremamente dependentes da personalidade de cada um. Mas uma coisa é certa; a Depressão costuma estar junto com a maioria dos transtornos emocionais, ora aparecendo como um sintoma de determinado estado emocional, ora apenas coexistindo com quadros ansiosos, outras vezes como causa de determinados transtornos. Em muitas situações psíquicas a Depressão se encontra presente, às vezes de forma típica outras vezes dissimulada. A Depressão aparece como um sintoma associado e impregnando todo o viver dos pacientes emocionais em geral, tanto sob sua forma típica, com tristeza, choro, desinteresse, etc, quanto em sua forma atípica, com somatizações, pânico, ansiedade, fobia, obsessões. De qualquer forma, o que encontramos mais freqüentemente nos distúrbios depressivos são os sintomas atrelados a essa afetividade alterada. Normalmente os sintomas afetivos não proporcionam prejuízo significativo da crítica mas, apesar do juízo crítico estar conservado, as vivências do deprimido terão representação alterada (veja o capítulo sobre a Representação do Objeto), serão suportadas com grande sofrimento e com perspectivas pessimistas. Assim sendo, a interpretação e valorização afetiva da realidade podem ter seu caráter alterado, de acordo com a intensidade da Depressão: a pessoa deprimida poderá simplesmente apresentar idéias falsas sobre a realidade, nos casos mais leves ou, nos casos mais graves, poderá desenvolver delírio franco sobre a realidade. Em sua forma típica e clássica a manifestação da depressão depende sempre da maneira (quadro clínico, freqüência, intensidade) com a qual se manifesta o chamado Episódio Depressivo. Assim sendo, estudando o Episódio Depressivo entenderemos as manifestações clínicas de todas as depressões típicas. Enfatizando sempre o termo "típico". Apesar de não ser bem o propósito dessa obra classificar doenças, estando mais preocupados em fazer entender as emoções, mesmo assim vamos dar uma pincelada em alguns aspectos classificatórios importantes para o entendimento global. Saber se o estado depressivo é Leve, Moderado ou Grave é apenas uma questão da intensidade com que se apresenta o Episódio Depressivo. Saber se esse estado depressivo é uma ocorrência única na vida da pessoa ou se é repetitivo, dependerá da freqüência com que os Episódios Depressivos se apresentam. Saber se o Transtorno Afetivo em pauta é simplesmente um quadro depressivo ou se é bipolar, dependerá do fato dos Episódios Depressivos serem a única ocorrência afetiva ou se coexistem com episódios de euforia. Enfim, como se vê, estudando o Episódio Depressivo, sua intensidade, freqüência e apresentação, podemos classificar o tipo de Transtorno Afetivo. Devido ao fato dos estados depressivos se acompanharem, com assiduidade, de sintomas somáticos, a existência ou não destes sintomas também acaba fazendo parte da classificação. Da mesma forma, a presença concomitante ao Episódio Depressivo com sintomas psicóticos determinará diferentes classificações. 14 Cumprindo apenas um propósito acadêmico, e aproveitando para mostrar que a classificação dos Transtornos Afetivos (ou do Humor) é relativamente fácil, relacionamos abaixo a classificação formal, de acordo com a CID.10 (Classificação Internacional das Doenças). 2.5. Delírio na depressão O Delírio Depressivo aparece só nos quadros muito graves. Normalmente surge sob a forma de Delírio de Pecado, quando a idéia principal é de culpa, ou quando o problema é a saúde, sob a forma de Delírio de Doença. Se o medo diz respeito à fortuna, surgirá o Delírio de Ruína ou de Empobrecimento. Percebe-se claramente que todos esses 3 tipos de delírios depressivos dizem respeito à severo prejuízo da auto-estima. O doente com Delírio Pecaminoso crê, sem razão, ter cometido os piores crimes e pecados ou aumenta pequenas transgressões reais e tentações, mesmo apenas em pensamentos, para um pecado imperdoável. Por este motivo não apenas o próprio paciente, nesta vida e na vida além da morte, como também todos os seus parentes e até todo o mundo será castigado de forma indescritível. O Delírio de Empobrecimento ou o castigo muitas vezes é pensado de forma contaminante; não é apenas o doente a ser castigado por suas dívidas ou irá morrer de fome, mas também seus parentes terão igual destino. O Delírio de Doença depressivo é a crença de ter determinadas doenças, sempre especialmente graves. Devemos estabelecer uma distinção entre este delírio da depressão, do Delírio Hipocondríaco, que surge na Esquizofrenia ou na Psicose Delirante Persistente, sem necessária existência de depressão. Via de regra existe também uma diferença no fato de que o Delírio de Doença depressivo transfere para o futuro o pior que poderá acontecer, ao passo que o hipocondríaco se preocupa com o presente. O depressivo crê sofrer de obstrução intestinal e que irá morrer de forma especialmente horrenda; o hipocondríaco sofre, neste momento atual, em função de constipação intestinal e exige e espera ajuda. 2.7. Interesse, apetite e sono na depressão A perda de interesse ou prazer quase sempre está presente, pelo menos em algum grau nas pessoas com Depressão. Os pacientes podem relatar menor interesse por passatempos, "não se importar mais", ou a falta de prazer com qualquer atividade antes considerada agradável. Os membros da família freqüentemente percebem um certo retraimento social ou descaso para atividades agradáveis, como por exemplo, jogar, assistir tv, ler revistas, reunir-se com amigos, brincar com netos e/ou com colegas, etc. Em muitos casos há uma redução significativa nos níveis de interesse ou do desejo sexual. 15 O apetite geralmente está reduzido, sendo que muitos indivíduos sentem que precisam se forçar a comer. Outros, por outro lado, podem ter uma incômoda avidez por alimentos específicos, como por exemplo, chocolates, doces, etc. Quando as alterações no apetite são severas, seja por diminuição ou aumento, pode haver uma perda ou ganho significativos de peso. A perturbação do sono mais comumente associada com um Episódio Depressivo é a insônia, tipicamente intermediária, ou seja, com despertar durante a noite e dificuldade para voltar a dormir. Menos freqüente é a insônia terminal, isto é, despertar muito cedo, com incapacidade de conciliar o sono novamente. A insônia inicial, isto é, a dificuldade para adormecer, embora menos freqüente, também pode ocorrer. Além disso, alguns pacientes apresentam, curiosamente, uma sonolência excessiva (hipersonia), na forma de episódios prolongados de sono noturno ou de sono durante o dia. 16 3. FORMAS CLÍNICAS DA DEPRESSÃO As várias classificações dos Transtornos Afetivos do tipo depressivo, que na realidade são as várias maneiras da Depressão se manifestar clinicamente, dependem sempre da maneira (existência, freqüência e intensidade) com a qual se manifesta o Episódio Depressivo ou, também, quando a Depressão se manifesta sem a ocorrência de Episódio Depressivo (atípica). Assim sendo, estudando-se o Episódio Depressivo entenderemos todos os tipos de Depressão típica. A grosso modo e bem didaticamente, gostaria de dividir as manifestações clínicas da Depressão apenas de duas maneiras: Típica e Atípica. As Depressões Típicas seriam aquelas que se apresentam através dos Episódios Depressivos e, de acordo com as classificações internacionais (DSM.IV e CID.10). As Depressões Atípicas são aquelas que se manifestam, predominantemente através de sintomas ansiosos (Pânico, Fobia...) e somatiformes. Saber se um estado depressivo típico está se apresentando de forma Leve, Moderada ou Grave é apenas uma questão da intensidade com a qual se apresentam os Episódios Depressivos. Saber se o estado depressivo é uma ocorrência única na vida da pessoa ou se é recidivante (repetitivo), dependerá da freqüência com que se apresentam esses Episódios Depressivos. Saber se o Transtorno Afetivo em pauta é simplesmente um quadro depressivo ou se é bipolar, dependerá do fato dos Episódios Depressivos serem a única ocorrência afetiva ou se coexistem com outros episódios de euforia. Enfim, como se vê, sabendo-se os Episódios Depressivos, sua intensidade, freqüência e apresentação saberemos classificar o tipo de Transtorno Afetivo depressivo típico. Embora o juízo crítico esteja freqüentemente conservado, as vivências do deprimido são suportadas com grande sofrimento e com perspectivas pessimistas. A interpretação da realidade assume caráter alterado, de acordo com a intensidade da Depressão: poderá simplesmente se apresentar como idéias falsas, nos casos mais leves ou, nos casos mais graves como delírio franco. Na psicomotricidade do deprimido percebemos inibição geral das funções, lentidão, pobreza da fala e dos movimentos, ombros caídos e andar com sacrifício, desleixo nos cuidados com a higiene pessoal, abandono de si próprio. Nos casos mais graves podemos ter posturas de negativismo, como se a pessoa estivesse numa espécie de catatonia (apatia intensa e até paralisação psicomotora). Alguns deprimidos podem salientar apenas sintomas somáticos (físicos) ao invés de sentimentos de tristeza, como por exemplo, dores vagas e imprecisas, tonturas, cólicas, falta de ar, e outras queixas somatomorfas. Para estes, talvez, seja mais fácil comunicar sua aflição e desespero através dos órgãos que do discurso. Também em crianças e adolescentes a depressão pode dissimular-se sob a forma de um humor irritável ou rabugento, ao invés de triste e abatido. Outros pacientes podem apresentar irritabilidade aumentada, como por exemplo, crises de raiva, explosividade, sentimentos exagerados de frustração, tendência para responder a eventos com ataques de ira ou culpando os outros. O que encontramos mais freqüentemente nos distúrbios depressivos são sintomas atrelados predominantemente à afetividade, normalmente sem severo prejuízo da crítica. 17 A perda de interesse ou do prazer está quase sempre presente em algum grau. Os pacientes podem relatar menor interesse por passatempos, não se importam mais com coisas antes importantes, enfim, falta-lhes prazer para atividades anteriormente consideradas agradáveis, incluindo a atividade sexual. Aproximadamente 50% dos pacientes com Distúrbio Depressivo Maior têm seu primeiro Episódio Depressivo antes dos 40 anos e a maioria destes surtos não tratados duram de 6 a 13 meses. Tratados, a maioria dos episódios dura cerca de 3 meses. 3.1. Episódio depressivo Devido ao fato dos estados depressivos se acompanharem, com muita assiduidade, de sintomas somáticos, a existência ou não destes sintomas faz parte da classificação, assim como também a presença de sintomas psicóticos, como vimos acima. Segundo a CID.10 a classificação dos Episódios Depressivos ficaria assim: F32 - EPISÓDIO DEPRESSIVO F32.0 - Episódio Depressivo Leve F32.00 - ... sem Sintomas Somáticos F32.01 - ... com Sintomas Somáticos F32.1 - Episódio Depressivo Moderado F32.10 - ... sem Sintomas Somáticos F32.11 - ... com Sintomas Somáticos F32.2 - Episódio Depressivo Grave sem Sintomas Psicóticos F32.3 ... com Sintomas Psicóticos Os Episódios Depressivos podem proporcionar perturbações do sono. Comumente, estas se manifestam sob a forma de insônia. A insônia da depressão costuma ser intermediária, caracterizada por despertar durante a noite com dificuldade para voltar a dormir. No caso da insônia ser terminal há um despertar muito cedo, com incapacidade de conciliar o sono novamente. A insônia inicial, quando há dificuldade para adormecer, é a mais incomum na depressão pura (sem ansiedade). Menos freqüentemente alguns pacientes reagem à depressão com sonolência excessiva (hipersonia), na forma de episódios prolongados de sono noturno ou de sono durante o dia. Ocasionalmente a razão pela qual o indivíduo busca tratamento pode ser esta perturbação do sono. Muito marcante também é a apatia durante a crise depressiva. A diminuição da energia física e mental é comum e se traduz por cansaço e fadiga crônicos, muitas vezes responsáveis por inúmeros exames de sangue a que se submetem os pacientes. O deprimido pode relatar fadiga persistente sem esforço físico compatível e as tarefas mais leves parecem exigir mais esforço que o habitual. Também pode haver diminuição na eficiência para realizar tarefas. A pessoa deprimida pode queixar-se, por exemplo, de que as coisas levam o dobro do tempo habitual para serem feitas. 18 Na depressão também é muito freqüente um certo prejuízo na capacidade de pensar, de concentrar-se ou de tomar decisões. Os depressivos podem se queixar de enfraquecimento de memória ou mostrar-se facilmente distraídas. A produtividade ocupacional costuma estar também prejudicada, notadamente nas pessoas com atividades acadêmicas ou profissionais intelectualmente exigentes. Em crianças deprimidas pode haver uma queda abrupta no rendimento escolar como resultado da dificuldade de concentração. Freqüentemente existem pensamentos sobre morte durante o Episódio Depressivo. Trata-se, não apenas da ideação suicida típica mas também da preferência em estar morto ainda que não propositadamente. Em pessoas menos gravemente deprimidas, tais pensamentos costumam ser uma crença de que seria preferível estar morto à conviver com este sofrimento e, nos casos mais severos, pensamentos recorrentes sobre cometer suicídio. Nos idosos as dificuldades de memória podem ser a queixa principal e ser confundido com os sinais iniciais da demência. Este quadro de prejuízo da memória e outros sinais que poderiam confundir a depressão com demência recebe o nome de Pseudo Demência Depressiva. Nestes casos, soma-se à lentidão dos processos psíquicos um exagerado desinteresse, dando a falsa impressão de que a pessoa não está tendo consciência absoluta da realidade. Na realidade, o que o idoso deprimido tem é um grande desinteresse em lembrar fatos e em participar dos eventos cotidianos. Uma porção significativa das mulheres relata uma piora dos sintomas depressivos alguns dias antes do início do período menstrual. O sucesso do tratamento da chamada Tensão Pré-Menstrual (TPM) com antidepressivos é hoje um indício da labilidade afetivas de parte expressiva dessas pacientes. A duração de um Episódio Depressivo Maior é variável. Quando não-tratado o Episódio Depressivo costuma durar 6 meses ou mais, não importando a idade de início. Na maioria dos casos, existe a remissão completa dos sintomas, retornando o funcionamento ao nível normal, mas não sem severo sofrimento e/ou outros prejuízos vivenciais. 3.2. Critérios DSM-IV para Episódio Depressivo Maior A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de 2 semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas é: humor deprimido ou; perda do interesse ou prazer. Nota: Não incluir sintomas nitidamente devidos a uma condição médica geral ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor. 19 (1) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (por ex., sente-se triste ou vazio) ou observação feita por outros (por ex., chora muito). Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável (2) interesse ou prazer acentuadamente diminuídos por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por outros) (3) perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (por ex., mais de 5% do peso corporal em 1 mês), ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias. Nota: Em crianças, considerar falha em apresentar os ganhos de peso esperados (4) insônia ou hipersonia quase todos os dias (5) agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento) (6) fadiga ou perda de energia quase todos os dias (7) sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias (não meramente auto-recriminação ou culpa por estar doente) (8) capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outros) (9) pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso ou medicamento) ou de uma condição médica geral (por ex., hipotiroidismo). D. Os sintomas não são melhor explicados por Luto, ou seja, após a perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de 2 meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor.Veja ilustração do tema 20 3.3. Transtorno Depressivo Recorrente Com esse nome a CID.10 classifica os transtornos depressivos que se caracterizam pela ocorrência repetida de Episódios Depressivos correspondentes à descrição supra-citada de um Episódio Depressivo. Esse transtorno pode, contudo, comportar breves episódios caracterizados por um ligeiro aumento de humor e da atividade (hipomania), sucedendo imediatamente a um Episódio Depressivo, e por vezes, podem ser precipitados por um tratamento com medicamentos antidepressivos. As formas mais graves do Transtorno Depressivo Recorrente apresentam numerosos pontos comuns com os conceitos da fase depressiva de um transtorno que era chamado, antigamente, de Psicose Maníaco-Depressiva (PMD), ou de Melancolia, assim como de Depressão Vital ou Depressão Endógena por outros autores. Assim sendo, repetindo apenas com finalidade didática, aquilo que a CID.10 chama de Transtorno Depressivo Recorrente Grave é sinônimo de Psicose ManíacoDepressiva (PMD) fase depressiva, Melancolia, Depressão Vital ou Depressão Endógena. O primeiro Episódio Depressivo do Transtorno Depressivo Recorrente pode ocorrer em qualquer idade, da infância à senilidade, podendo ter um início agudo ou insidioso, durando de algumas semanas a alguns meses. O risco de ocorrência de um episódio de euforia (maníaco) não pode jamais ser completamente descartado em um paciente com um transtorno depressivo recorrente, qualquer que seja o número de Episódios Depressivos apresentados. Entretanto, em caso de ocorrência de algum Episódio Maníaco em portadores de Transtorno Depressivo Recorrente, autoriza a mudar o diagnóstico para Transtorno Afetivo Bipolar. As subclassificações do Transtorno Depressivo Recorrente são: Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos Psicose maníaco-depressiva, forma depressiva sem sintomas psicóticos Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos Psicose maníaco-depressiva, forma depressiva, com sintomas psicóticos Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão Outros transtornos depressivos recorrentes Transtorno depressivo recorrente sem especificação Depressão unipolar SOE A Depressão costuma estar junto com a maioria dos transtornos emocionais. Ora a Depressão aparece como um sintoma de determinada doença, ora apenas coexiste junto com outros estados emocionais, outras vezes aparece como causa desses transtornos. Para entender a Depressão "doença", devemos antes entender a Afetividade e, em seguida os Transtornos Afetivos. Em muitas outras situações a Depressão se encontra presente, às vezes de forma típica outras vezes dissimulada. 21 A Depressão aparece como um sintoma associado e permeando todo o viver dos neuróticos em geral, tanto sob sua forma típica com tristeza, choro, desinteresse, etc., quanto em sua forma atípica com somatizações, pânico, ansiedade, etc. As neuroses, apesar de apresentarem uma sintomatologia variada e característica de cada tipo, apresentam todas elas os sintomas neuróticos em geral e em graus variados. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo, por exemplo, além de poder apresentar todos os sintomas neuróticos (ansiedade, angústia, depressão, fobias, etc.) apresenta em grau predominante os pensamentos obsessivos e/ou atitudes compulsivas (de evitação, etc.), fato que justifica sua classificação. O Transtorno Afetivo (ou Depressivo) da Personalidade era uma classificação mais antiga, hoje não se fala mais assim, embora deva-se ter em mente o conceito deste transtorno. Para facilitar o entendimento desse antigo Transtorno Depressivo da Personalidade, digamos que dele fazem parte as pessoas com um traço de personalidade de característica afetiva mais melancólica e depressiva. Esse conceito se identifica perfeitamente com aquilo que chamamos hoje de Distimia. Trata-se, como dissemos, de uma maneira de sentir a realidade com tonalidade afetiva depressiva e melancólica sem que, necessariamente, seja considerado uma doença franca continuada. Portanto, não há aqui um severo prejuízo das qualidades de vida social ou ocupacional em um grau suficiente para atribuir um caráter patológico, mas a depressão aparece como uma característica existencial dessas pessoas. Hoje, a denominação mais correta para esta afetividade depressiva solidamente atrelada à personalidade e sem características limitantes da vida é o chamado Transtorno Afetivo Persisistente do tipo Distimia. 3.4. Distimia Conceitualmente entende-se como DISTIMIA uma depressão crônica, com sintomatologia não suficientemente grave para podermos classificá-la como EPISÓDIO DEPRESSIVO OU TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE. A característica essencial do Transtorno Distímico é um humor cronicamente deprimido que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos dias e por pelo menos 2 anos. Na Distimia as pessoas se auto-definem como tristes ou "na fossa". Em crianças e em alguns adolescentes o humor, originariamente deprimido, pode ser irritável, rebelde ou opositor. Na Distimia há, comumente, alterações do apetite, o qual tanto pode estar diminuído quanto aumentado (hiperfagia), alterações do sono, tanto insônia quanto hipersonia, baixa energia ou fadiga, redução da auto-estima, fraca concentração, dificuldade em tomar decisões e sentimentos de desesperança. Há acentuada redução do interesse e a autocrítica é sempre desfavorável. O paciente freqüentemente vê a si mesmo como desinteressante ou incapaz. Os pacientes distímicos experimentam períodos de dias ou semanas de normalidade afetiva, durante os quais referem como estando bem mas, na quase maioria do tempo queixam-se de fadiga, desânimo, desinteresse e apatia, tendência à tristeza e dificuldade no relacionamento e na adaptação ambiental. Os Transtornos de Ajustamento com características depressivas prolongadas freqüentemente estão associadas à este tipo de personalidade. 22 É comum que este transtorno (neurótico) seja marcado por uma depressão desproporcional que se apresenta depois de alguma experiência dolorosa, embora essa experiência prévia não seja obrigatória. A distinção entre este transtorno e outros quadros depressivos mais incisivos, como é o caso da EPISÓDIO DEPRESSIVO ou da DEPRESSÃO RECORRENTE, não deve se basear apenas no grau da depressão mas, principalmente, na constatação de outras características neuróticas, assim como na vigência de perturbações que afetam o comportamento e a performance sócio-ocupacional do paciente. Para os distímicos os fatos da vida são percebidos com muita amargura e são mais difíceis de suportar, de forma que as vivências desagradáveis são ruminadas por muito tempo e revividas com intensidade, sofrimento e emoção. Já as vivências mais agradáveis passam quase desapercebidas, são fugazes e esquecidas com rapidez. Na Distimia as sensações de doenças graves ou enfermidades mortais dificilmente são removíveis pela argumentação médica mas, por outro lado, as opiniões leigas depreciativas são enormemente valorizadas. Ao serem medicados, tais pacientes, normalmente "preferem" perceber os efeitos colaterais dos medicamentos aos efeitos terapêuticos pretendidos. O prejuízo no funcionamento social e profissional é a razão que normalmente leva o paciente a procurar ajuda: há desinteresse, perda da iniciativa, capacidade de concentração diminuída, perda da libido, memória prejudicada, fadiga e cansaço constante, vulnerabilidade a outras doenças, diminuição da auto-estima, inibição psíquica generalizada, perda da capacidade de sentir prazer pelas coisas da vida, insegurança, pessimismo, retraimento social, tendência ao isolamento, choro fácil, insônia, ansiedade e angústia. Em crianças, nas quais, como sempre, os fenômenos depressivos apresentamse de forma atípica, o Transtorno Distímico pode estar associado com Transtorno de Déficit de Atenção por Hiperatividade (antiga Hipercinesia), Transtornos de Ansiedade e Transtornos de Aprendizagem. A Distimia infantil acarreta um comprometimento do desempenho escolar e na interação social. Na prática clínica encontramos, muitas vezes, apenas a Hiperatividade, o baixo rendimento escolar e a rebeldia como sinais da Distimia. Geralmente, tanto as crianças quanto os adolescentes com Transtorno Distímico, mostram-se irritáveis, ranzinzas, pessimistas, deprimidos e podem ter redução da auto-estima e fraco desempenho social. Na idade adulta, as mulheres estão duas a três vezes mais propensas a desenvolver Transtorno Distímico do que os homens. O Transtorno Distímico é mais comum entre os parentes biológicos em primeiro grau de pessoas com Transtorno Depressivo Maior do que na população geral. O Transtorno Distímico tem um curso crônico, insidioso e precoce, iniciando-se comumente na infância, adolescência ou início da idade adulta. As pessoas com Transtorno Distímico em geral têm uma probabilidade maior para desenvolver um Transtorno Depressivo Maior sobreposto à Distimia.Veja ilustração do tema O DSM-IV aponta os seguintes critérios para o diagnóstico da Distimia: 23 A. Humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, indicado por relato subjetivo ou observação feita por outros, por pelo menos 2 anos. Nota.: Em crianças e adolescentes, o humor pode ser irritável, e a duração deve ser de no mínimo 1 ano. B. Presença, enquanto deprimido, de duas (ou mais) das seguintes características: (1) apetite diminuído ou hiperfagia (2) insônia ou hipersonia (3) baixa energia ou fadiga (4) baixa auto-estima (5) fraca concentração ou dificuldade em tomar decisões C. Durante o período de 2 anos (1 ano, para crianças ou adolescentes) de perturbação, jamais a pessoa esteve sem os sintomas dos Critérios A e B por mais de 2 meses a cada vez. D. Ausência de Episódio Depressivo Maior durante os primeiros 2 anos de perturbação (1 ano para crianças e adolescentes); isto é, a perturbação não é melhor explicada por um Transtorno Depressivo Maior crônico ou Transtorno Depressivo Maior, Em Remissão Parcial. Nota: Pode ter ocorrido um Episódio Depressivo Maior anterior, desde que tenha havido remissão completa (ausência de sinais ou sintomas significativos por 2 meses) antes do desenvolvimento do Transtorno Distímico. Além disso, após os 2 anos iniciais (1 ano para crianças e adolescentes) de Transtorno Distímico, pode haver episódios sobrepostos de Transtorno Depressivo Maior e, neste caso, ambos os diagnósticos podem ser dados quando são satisfeitos os critérios para um Episódio Depressivo Maior. E. Jamais houve um Episódio Maníaco, um Episódio Misto ou um Episódio Hipomaníaco e jamais foram satisfeitos os critérios para Transtorno Ciclotímico. F. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um Transtorno Psicótico crônico, como Esquizofrenia ou Transtorno Delirante. G. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (por ex., hipotiroidismo). H. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar se: Início Precoce: se o início ocorreu antes dos 21 anos. Início Tardio: se o início ocorreu aos 21 anos ou mais. Com Características Atípicas. 24 4. CAUSAS DA DEPRESSÃO Segundo o último relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), a Depressão é mais comum no sexo feminino, estimando-se uma prevalência do episódio depressivo em 1,9% no sexo masculino e 3,2% no feminino. Ainda sobre prevalência, esse órgão da ONU reporta que 5,8% dos homens e 9,5% das mulheres passarão por um Episódio Depressivo num período de 12 meses. Essas cifras de prevalência variam entre diferentes populações e podem ser mais altas em algumas delas. Embora a Depressão possa afetar as pessoas em qualquer fase da vida, a incidência seja mais alta é nas idades médias e, infelizmente, há crescente reconhecimento da Depressão durante a adolescência e início da vida adulta. A Depressão é, essencialmente, uma doença que se manifesta por episódios recorrentes e cada episódio geralmente dura de alguns meses a alguns anos, com um período normal entre eles. Em cerca de 20% dos casos, porém, a Depressão segue um curso crônico e sem remissão, ou seja, continuamente (OMS), especialmente quando não há tratamento adequado disponível. Alguns outros dados estatísticos mostram que a Depressão, agora não mais o Episódio Depressivo visto acima, mas a Depressão em geral, afeta de 15% a 20% das mulheres e de 5% a 10% dos homens. Aproximadamente 2/3 das pessoas com Depressão não fazem tratamento e dos pacientes que procuram o clínico geral apenas 50% são diagnosticados corretamente. A maioria dos pacientes deprimidos que não é tratada irá tentar suicídio pelo menos uma vez e 17% deles conseguem se matar. Com o tratamento correto, 70% a 90% dos pacientes recuperam-se da Depressão. A doença pode surgir a qualquer idade, ainda que os sintomas apareçam mais freqüentemente entre os 20 e 50 anos. 4.1. A Depressão vem de dentro ou de fora? Embora esses termos sejam antigos, são bastante didáticos: Falamos em Depressão Endógena, para aquela Depressão devida a fatores constitucionais, internos, de origem biológica e de predisposição hereditária. Este tipo de Depressão tem uma causa fundamentalmente biológica e não existe relação palpável com a história de vida da pessoa, não há motivos vivenciais para estar triste ou melancólico, nem se percebem causas externas. Estas pessoas tendem a se sentir melhor no período da tarde e sua doença costuma se relacionar com as mudanças de estação, havendo um aumento de sintomas na primavera e outono. Esses casos podem ser hereditários. Por outro lado, a Depressão Exógena seria devida a fatores que se encontram no ambiente, como por exemplo, o estresse, circunstâncias adversas profissionais, familiares, de perda, ruptura, etc, ou seja, trata-se de uma Depressão causada fundamentalmente por fatores ambientais externos. 25 Esse tipo também se denomina Depressão Reativa, pois se produz como reação ou resposta a um evento traumático, como por exemplo, uma perda, um desengano, uma tensão ou outros acontecimentos incômodos. Os fatores exógenos são inespecíficos, ou seja, não nos é possível associar um evento a um quadro depressivo, obrigatoriamente. Isso quer dizer que alguns acontecimentos podem ser depressores para algumas pessoas e não para outras. Existe uma ampla literatura sobre eventuais relações entre a tensão, a separação, a perda e outros acontecimentos vitais, com síndromes de Depressão Reativa. Porém, dificilmente poderíamos atribuir à doença uma responsabilidade exclusiva do ambiente ou da constituição, antes disso, uma terceira postura é a que considera estar implicados ambos fatores, tanto endógenos como exógenos, em distintas proporções em os distintos pacientes. Realmente é difícil encontrar uma alteração física que não afete ao estado de ânimo e vice-versa, pois o estado de ânimo e o organismo físico costumam estar indissoluvelmente atrelados. E também podemos dizer que não seriam os fatores ambientais, propriamente ditos, os responsáveis pela Depressão, senão, desencadeadores. Isso quer dizer que as agruras da vida desencadeiam a Depressão principalmente nas pessoas que vivem e reagem com sensibilidade acentuada. Depois de muita polêmica sobre as causas da Depressão, esse mal que assola impiedosamente boa parcela da população, parece que a maioria dos pesquisadores, e das mais diversas tendências ideológicas e científicas, finalmente fala num consenso; a Depressão teria uma origem bio-psico-social. De fato, pela extensão do complexo termo - bio-psico-social - sobra pouco espaço para os polêmicos. Traduzindo, isso quer dizer que a Depressão teria uma origem tríplice; biológica, psicológica e, evidentemente, social. Essa posição conciliatória satisfaz os pruridos dos pesquisadores mais organicistas, para os quais tudo o que sentimos não ultrapassa a esfera dos neurotransmissores e neuroreceptores, satisfaz também o discurso político dos antropólogos e sociólogos que consideram a doença de natureza sócio-cultural e, finalmente, agrada aos psicologistas, com o malabarismo intelectual que lhes é próprio, acerca dos complexos, traumas e frustrações. 4.2. Fatores Biológicos A biologia tenta buscar a origem da Depressão tanto na pessoa, quanto nos ascendentes biológicos, ou seja, na fisiopatologia e na genética. De fato, o último relatório da OMS enfatiza que, na Depressão, o risco da doença pode ser devido a variações nas respostas dos circuitos neurais e estas, por sua vez, podem refletir alterações quase imperceptíveis na estrutura, na localização ou nos níveis de proteínas críticas para a função psíquica normal. 26 As pessoas com Depressão clínica podem ter alterações na quantidade de algumas substâncias no cérebro, os chamados "neurotransmissores", bem como no número e sensibilidade de estruturas funcionais situadas nas paredes de neurônios, os "neuroreceptores". Em nosso cérebro há mensageiros químicos chamados neurotransmissores, os quais ajudam a controlar as emoções. Os dois mensageiros principais são a serotonina e a norepinefrina. Paralelamente aos progressos na neurociência, ocorreram também avanços na genética. Quase todos os Transtornos Mentais e Comportamentais estão associados com um significativo componente de risco genético. O componente genético das doenças costuma ser avaliado através de estudos realizados em gêmeos. Esses estudos são feitos comparando-se a similaridade entre gêmeos idênticos e gêmeos não idênticos. Estudam-se os modos de transmissão de Transtornos Mentais entre diversas gerações de famílias e se comparam os riscos de Transtornos Mentais em gêmeos monozigóticos (idênticos), em oposição a gêmeos dizigóticos (fraternos). Todos os estudos deste tipo mostram que os gêmeos geneticamente idênticos têm mais possibilidades que os gêmeos fraternos de compartilhar a doença. Para os gêmeos idênticos, as possibilidades de compartir o transtorno depressivo são de 50 a 80%, enquanto que em os gêmeos fraternais são de entre 15 e 25%. Isto significa que nesta doença há algo muito importante relacionado com a genética. Apesar disso, deve ficar claro que existem importantes influências não genéticas, embora não saibamos quais. Pois, mesmo sendo alta a concordância entre gêmeos idênticos, ela não é de 100%, logo, os genes não são o único fator. O mais sensato em se dizer atualmente, é que os Transtornos Mentais e Comportamentais devem-se, predominantemente, à interação de múltiplos genes com fatores ambientais. Ademais, é possível que a predisposição genética ao desenvolvimento de determinado distúrbio mental ou comportamental se manifeste somente em pessoas sujeitas a certos estressores que desencadeariam a patologia. Resumindo, voltamos à fórmula original e centenária: Fenótipo = Genótipo + Ambiente. Uma das principais falsa crença sobre essa doença é que as pessoas que têm um padrão de pensamento negativo desenvolvem a Depressão. Mentira. As pessoas deprimidas é que são pessimistas, que se preocupam excessivamente, que tem uma autoestima baixa ou sentem que tem pouco controle sobre os acontecimentos da vida. Portanto, ao invés de acreditarmos que para não ter Depressão a pessoa deve ter "pensamentos positivos", devemos pensar bem ao contrário, ou seja, para ter "pensamentos positivos" a pessoa não deve ter Depressão. 4.3. Fatores Agravantes e Desencadeantes Há uma série de circunstâncias "fora" da constituição da pessoa que poderiam predispor ao desenvolvimento da Depressão. Estas circunstâncias são chamadas de fatores de risco depressivo ou, como se diz modernamente, preditores de 27 Depressão. Os principais fatores de risco identificados pela maioria das pesquisas seriam: 4.3.1. Vida Urbana Este fator, como todos os demais, deve ser tido apenas como fator de risco. Aliás, como fator de risco de desencadear Depressão e não de cria-la, como alguns poderiam pensar. Ainda que o meio urbano seja por demais competitivo, agressivo e exigente, a medicina não pode aceitar isso como CAUSA de Depressão porque ela funciona na base das relações causais. Exemplo: a medicina sabe que o meningocóco causa meningite porque, injetados na meninge de animais, todos eles desenvolvem meningite. Sabemos, assim, que nem todas as pessoas submetidas ao meio urbano desenvolvem Depressão, logo, a Depressão não pode simplesmente ser atribuída á vida urbana. Há pessoas que participam da vida urbana com muita alegria e prazer. 4.3.2. Desemprego Vale o mesmo raciocínio do caso anterior. Se todos os desempregados ficassem deprimidos estaríamos descobrindo uma relação causal direta desemprego-depressão. Mas, embora seja um forte fator desencadeante e agravante, o desemprego não cria a Depressão por si só. Vejamos que tipo aproximado de pessoa teria maior probabilidade de ficar deprimido com o desemprego imediato (disse MAIOR PROBABILIDADE): Os pessimistas, porque acham que nunca mais arranjarão outro emprego. Os inseguros, porque acham que outros conseguirão emprego e eles não. Os inferiores (auto-estima baixa) porque os outros são melhores e serão preferidos. Os muito responsáveis, porque sobre seus ombros pesa o dever de prover. Os muito submissos à opinião dos demais, porque os outros estarão comentando sobre sua ociosidade. Os melancólicos, porque o desemprego justifica sua infelicidade. Ora, todos esses traços caracterizam pessoas com tonalidade afetiva rebaixada, ou seja, com certa predisposição a sentir o mundo com mais seriedade e amargura, enfim, pessoas que já teriam maior probabilidade de se deprimirem diante de adversidades. Vejamos que tipo aproximado de pessoa teria maior probabilidade de ficar deprimido com o desemprego em médio prazo (disse MAIOR PROBABILIDADE): Os ansiosos, que têm muito maior probabilidade de passarem para o esgotamento depois de algum tempo diante de um estressor capaz de mantê-los ansiosos. 28 Vejamos que tipo aproximado de pessoa teria maior probabilidade de ficar ansioso, portanto, potencialmente esgotado com o desemprego (disse MAIOR PROBABILIDADE): Os inseguros, porque acham que outros conseguirão emprego antes deles. Os inferiores (auto-estima baixa) porque os outros são mais rápidos e espertos e serão preferidos. Os muito responsáveis, dinâmicos e ativos, porque sobre seus ombros pesa o dever de prover e eles não se dobrarão diante dessas "pequenas" adversidades. Os muito preocupados com a opinião dos demais, porque os outros estarão comentando sobre seu insucesso, sua ociosidade e, pior, sobre sua fraqueza. Pois é, voltamos ao ponto inicial: são pessoas predispostas a reagir dessa forma diante das adversidades. 4.3.3. Doença Física A Depressão freqüentemente ocorre junto com certas doenças orgânicas, como por exemplo, o derrame ou Acidente Vascular Cerebral (AVC), doença cardíaca, esclerose múltipla, câncer, doença de Parkinson, doença de Alzheimer e diabetes. Este tipo de Depressão é chamado de Depressão Co-ocorrente ou Depressão Comórbida e é importante que ela seja tratada juntamente com a doença física, pois, se observa com freqüência a formação de um círculo vicioso: doença-depressãodemora para sarar-depressão-piora da doença. Doenças graves e deteriorantes também podem levar à Depressão na medida em que são dolorosas ou que oferecem perspectivas sombrias. Alterações dos hormônios também podem predispor à Depressão. Se os níveis de alguns hormônios entrarem em desequilíbrio, como por exemplo os hormônios tiroideanos, a Depressão pode surgir, o mesmo se diz em relação aos hormônios supra-renais, etc. 4.3.4. Alteração Afetiva Prévia e Outras Doenças Emocionais Quem já teve um quadro depressivo tem muito maior probabilidade de desenvolver uma segundo episódio. A probabilidade de um segundo episódio depressivo é de 35%, de um terceiro é de 65% e de um quarto episódio, 90%. Assim sendo, um dos fatores preditores de depressão é a própria biografia afetiva da pessoa. Em não havendo antecedentes francos de depressão ou de episódio depressivo, também importam as ocorrências afetivas marcantemente difíceis, como por exemplo, a adaptação ao primeiro dia na escola, às mudanças de domicílio, de escola, a primeira menstruação, às rupturas de namoro, etc. 29 A Depressão clínica pode "co-ocorrer" em pessoas com outros transtornos mentais, tais como os transtornos alimentares, transtornos de ansiedade, incluindo a Síndrome do Pânico, Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Síndrome de Estresse Pós-Traumático. Veja Onde Ocorre a Depressão 4.3.5. Histórico Familiar de Depressão Existem vários estados psicopatológicos com inegáveis componentes hereditários e/ou familiares. A transmissão genética diz respeito à probabilidade e não à certezas. Assim sendo, a pessoa pode ser portadora de uma probabilidade maior de desenvolver um transtorno ansioso, ou do humor, embora não haja certeza de que terá esses quadros. Quanto maior o número de antecedentes deprimidos entre familiares, maior será a probabilidade do de desenvolver uma Depressão de natureza constitucional. Há uma significativa porcentagem de filhos de pais deprimidos que desenvolve a doença e, mais marcante ainda, uma expressiva porcentagem quando os dois pais são deprimidos, mesmo que o filho tenha sido criado por outra família nãodeprimida. Suicídios em membros da família também devem ser investigados, tendo em vista a maior probabilidade dessa atitude repetir-se em descendentes. 4.3.6. Adolescência Muitas pessoas apresentam uma primeira crise de Depressão durante a adolescência, apesar de nem sempre essa crise ser reconhecida ou diagnosticada. Segundo pesquisas, a Depressão comumente aparece pela primeira vez em pessoas com idade entre 15 e 19 anos, embora costume ser diagnosticada em pessoas mais velhas. Durante muitos anos acreditou-se que os adolescentes, assim como as crianças, não eram afetadas pela Depressão, já que, supostamente, esse grupo etário não tinha problemas vivenciais. Como se acreditava que a Depressão era exclusivamente uma resposta emocional à problemática existencial, então quem não tinha problemas não deveria ter Depressão. Atualmente sabemos que os adolescentes são tão susceptíveis à Depressão quanto adultos, devendo ser encarada seriamente em todas as faixas etárias. A Depressão pode interferir de maneira significativa na vida diária, nas relações sociais e no bem-estar geral do adolescente, podendo até levar ao suicídio. Hoje em dia é comum pais se orgulharem ao ver seu filhinho/a lidando perfeitamente bem com o computador, com o vídeo cassete, com aparelho de DVD e outras parafernálias da tecnologia, muitas vezes quando eles próprios não sabem fazê-lo tão bem. 30 Essa admiração pela versatilidade tecnológica das crianças é, às vezes, acompanhada de hipóteses familiares (notadamente de avós orgulhosos) sobre "as crianças de hoje serem mais inteligentes e espertas do que as crianças de antes". Na realidade, o que tem acontecido é que as crianças de hoje deixam de ser subordinadas na medida em que detém mais saber ou experiência, deixam de submeter-se à supervisão dos mais velhos, como foi durante muitas eras. O conflito do adolescente é fator de risco para desencadear a Depressão, e este conflito surge quando a criança se percebe diante de posições contraditórias; ela é, ao mesmo tempo, aquela que não sabe por não ser adulta ainda, portanto, tendo que obedecer ao protocolo cultural de freqüentar a escola, cursos cada vez mais sofisticados e esportes que nada têm de lúdico e, por outro lado, ela já não pode se comportar com a agitação e inconseqüência da infância. Veja Depressão na Adolescência 4.3.7. Eventos estressantes ou perdas É normal sentir-se triste após uma perda, como a morte de um ente querido ou o rompimento de uma relação. Às vezes essa tristeza pode se transformar em Depressão, em pessoas que têm tendência depressiva. Problemas de dinheiro, trabalho ou outros problemas pessoais podem também desencadear a Depressão ou são tidos como fatores de risco, na medida em que oferecem possibilidades favorecedoras ao estresse e, conseqüentemente, ao esgotamento. Toda a fisiologia e a patologia do estresse é inseparável da emoção, da angustia e da Depressão, sobretudo enquanto representam os esforços adaptativos do organismo para afrontar uma situação de alarme. Nesses casos, a Depressão apareceria como conseqüência de um estado de esgotamento, onde estariam esgotadas as capacidades adaptativas por excesso de estresse. Avaliar a cronologia das vivências traumáticas, as circunstâncias em que ocorreram e a proporcionalidade entre estas e o estado emocional é importantíssimo para privilegiar as condutas psicoterapêuticas. Verificar "negligência ou abandono infantil", institucionalização, orfandade e outras vivências precoces tornam o quadro mais atrelado à personalidade que as experiências recentes. Quanto mais importante for o fator ou estresse desencadeante da Depressão, menos atrelada à constituição é a doença. A pessoa que apresenta depressão depois de perder a mãe, terá muito melhor prognóstico do que aquele que manifesta o mesmo quadro sem perder a mãe. 4.3.8. Personalidade Prévia É importante, para qualquer contacto com a psicopatologia clínica, que antes se tenha um contacto com o tema Desenvolvimento da Personalidade e, principalmente, com os Transtornos de Personalidade. 31 O conceito de "personalidade pré-mórbida" é indispensável para o entendimento dos quadros atuais de Depressão. A pessoa portadora de Transtorno Anancástico (Obsessivo-compulsivo) da Personalidade terá, obviamente, uma propensão a desenvolver o Transtorno Obsessivo-Compulsivo franco. Da mesma forma ocorre no Transtorno Ansioso da Personalidade, Histriônico, Esquizóide, Paranóide, etc. A avaliação dos traços de personalidade e da sensibilidade afetiva exagerada em fase pré-mórbida também é importante para avaliarmos a possibilidade da Depressão. Um paciente que esteja apresentando um quadro Obsessivo-compulsivo mas, não obstante, mostra em seus antecedentes pessoais uma sensibilidade afetiva aumentada será, sem dúvida, portadora de um quadro depressivo atípico ou com características predominantemente ansiosas. Outra pessoa que atravessa um Episódio Depressivo pós-rompimento conjugal, mas sem nenhum antecedente emocional pessoal ou traço afetivo hipersensível de personalidade, está mais provavelmente apresentando uma Depressão Reativa. 4.3.9. Medicamentos, drogas ou álcool Alguns medicamentos, como por exemplo os anti-hipertensivos, antituberculosos, medicamentos para "labirintite", etc, podem causar Depressão. O álcool e algumas drogas ilegais podem piorar a Depressão. Não é bom que os deprimidos usem essas substancias, mesmo que pareçam ajudar momentaneamente. 32 5. FISIOPATOLOGIA DA DEPRESSÃO 5.1. Modelo Biológico-Bioquímico A bioquímica tem sido um dos campos mais frutíferos no estudo da biologia da depressão, ainda que os achados não permitam grandes conclusões. As primeiras hipóteses biológicas da fisiopatologia dos Transtornos Afetivos nasceram juntamente com o estudo dos possíveis mecanismos de ação dos antidepressivos. As primeiras hipóteses biológicas foram da deficiência de catecolaminas, logo seguida pelas hipóteses da deficiência de indolaminas. Esta hipótese postulava, em síntese, que a depressão seria o resultado de um déficit central de noradrenalina, e que a mania poderia dever-se a um excesso cerebral desse neurotransmissor. Acreditava-se e, ainda tem muita gente acreditando, que a depressão estaria relacionada ao hipofuncionamento bioquímico da atividade de neurotransmissores, notadamente da serotonina, noradrenalina e dopamina. E de fato, a hipótese de hipofuncionamento dos sistemas de neurotransmissores passou a ser muito questionada depois que alguns produtos, incluindo os antidepressivos, agiam melhorando a depressão, concomitante ao aumento desses neurotransmissores que produziam. Entretanto, estas hipóteses não explicavam a falta de eficácia imediata dos tratamentos antidepressivos, apesar dos rápidos efeitos dos antidepressivos no aumento das concentrações sinápticas de serotonina e de noradrenalina. Realmente, hoje aceita-se verdadeira a idéia de que o aumento da disponibilidade de neurotransmissores melhora o quadro depressivo, que é o que fazem os antidepressivos. Isso parece indiscutível. Mas, cada vez mais, parece também verdadeira a idéia de que a depressão não pode ser atribuída exclusivamente ao hipofuncionamento desses neurotransmissores ou à diminuição de seus níveis no cérebro. Pode tratar-se de uma fisiopatologia multifatorial. 5.2. Neurotransmissores ou Neuroreceptores? Eis a questão... A idéia de que outros mecanismos podem estar envolvidos na origem da Depressão começou a ser melhor pensada depois de se constatar que os níveis dos neurotransmissores aumentam 3 horas depois de tomados os antidepressivos, mas a melhora da depressão só acontece de 2 a 3 semanas depois. Porque essa discrepância entre aumento de neurotransmissores e melhora da depressão? Isso não sabemos ao certo. Outro achado que suscitava dúvidas sobre a causa exclusiva da hipofunção de neurotransmissores, foi que a deficiência de noradrenalina e/ou de serotonina, assim como de seus metabólitos no líquido cefalorraquidiano (LCR), no sangue ou na urina, nunca foi consistentemente demonstrada em pacientes depressivos, apesar dos múltiplos esforços nesse sentido. Os trabalhos que atestavam eventual deficiência de catecolaminas e metabólitos em pacientes deprimidos não eram confirmadas por outros estudos. 33 Os avanços recentes no conhecimento da complexa regulação da síntese dos neurotransmissores e de sua liberação a nível sináptico, os conhecimentos e determinações dos neuroreceptores pré e pós-sinápticos, juntamente com as interações desses neuroreceptores com os sistemas de segundos e terceiros mensageiros, assim como as relações dos diferentes neurotransmissores entre si e com outras substâncias, entre muitos outros achados, obrigam a modificar as hipóteses biológicas mais antigas sobre a fisiopatologia dos Transtornos Afetivos. Mas, apesar dessas novas e esperançosas hipóteses mais modernas, vários neurotransmissores (serotonina, noradrenalina, dopamina, GABA, acetilcolina) e neuropeptídeos (somatostatina, vasopresina, colecistocinina, opióides endógenos, etc) continuam se relacionando atualmente, de uma forma direta ou indireta, na patogenia dos Transtornos Afetivos. Entre esses, as substâncias que parecem continuar mais implicadas em investigações são os neurotransmissores noradrenérgicos e, sobretudo, a serotonina, ainda que o modelo baseado na carência dessas substâncias tenha cedido terreno a teorias baseadas no desequilíbrio entre os sistemas de neurotransmissão e na desregulação dos neuroreceptores que regulam a atividade desses neurotransmissores. Portanto, hoje em dia a tônica das hipóteses recai sobre os neuroreceptores, os quais, ao invés de estruturas rígidas, passam a ser considerados estruturas plásticas que se adaptam e respondem à homeostasia orgânica e às alterações dos neurotransmissores. Existem dados sugestivos de que as alterações do sistema de neurotransmissores podem ocorrer como conseqüência de mudanças no número e/ou na sensibilidade dos neuroreceptores pré e pós-sinápticos no Sistema Nervoso Central, sem que haja, obrigatoriamente, uma alteração na quantidade do próprio neurotransmissor. As hipóteses baseadas na "deficiência" de neurotransmissores têm sido, pois, substituídas por hipóteses mais enfocadas nos neuroreceptores. Estas novas hipóteses sugerem que a Depressão poderia estar relacionada mais à uma desregulação da sensibilidade do neuroreceptor do que com deficiências do neurotransmissor, e que a demora dos efeitos terapêuticos do tratamento antidepressivo estaria relacionado com alterações na sensibilidade dos neuroreceptores dependentes do tempo de uso dos medicamentos. Outra idéia é a de que os neuroreceptores, por serem proteínas, têm sua quantidade aumentada ou diminuída apenas por síntese ou degradação e, ao tratar-se de um processo que consome tempo, este poderia ser a causa da lenta ação terapêutica dos antidepressivos. Os neuroreceptores têm como missão, receber mensagens químicas específicas e traduzi-las nas correspondentes respostas neuronais pós-sinápticas. Acredita-se que a superfície externa do neuroreceptor serve para reconhecer e unirse ao neurotransmissor, enquanto a superfície interna efetua as alterações intracelulares esperadas. Cada neuroreceptor tem no mínimo dois componentes, um de reconhecimento e outro efetor (superfície externa e interna, respectivamente), e existe um conjunto mais o menos complexo de componentes intermediários em dependência do tipo de neuroreceptor. Seriam os neuroreceptores, mais que os neurotransmissores, que determinariam qual neurotransmissor atuará sobre a célula e, curiosamente, se essa ação será excitatória ou inibitória. 34 Ainda sobre neuroreceptores e ação dos antidepressivos, tem-se suposto que os antidepressivos tricíclicos inibem imediatamente o mecanismo de recaptação de noradrenalina e/ou de serotonina pelo neurônio pré-sináptico, o que originaria um aumento da disponibilidade desses neurotransmissores (noradrenalina e serotonina) para serem captados pelos neuroreceptores pós-sinápticos. Como resposta, estes neurônios pós-sinápticos acabam por reduzir o número de seus neuroreceptores e, muito possivelmente, também da sensibilidade e atividade deles (dowm regulation). A correlação encontrada entre a dowm regulatiom dos neuroreceptores póssinápticos e a resposta clínica aos antidepressivos é provavelmente um dos poucos dados que sugerem um papel direto do sistema noradrenérgico na depressão. Descobriu-se também a existência de auto-receptores inibidores no neurônio pré-sináptico, o qual se estimularia com o aumento na concentração do neurotransmissor no espaço intersináptico e inibiria a liberação do mesmo neurotransmissor pelo neurônio pré-sináptico (dai o nome 'auto-receptor'). Enfim, as hipóteses da desregulação no número e na sensibilidade do neuroreceptor sugerem que, em síntese, as deficiências funcionais na neurotransmissão podem ocorrer mesmo com níveis normais de neurotransmissores, e não têm sido conclusivos os estudos para identificar uma clara evidência entre as deficiências catecolaminas e indolaminas nos pacientes depressivos. 5.3. Modelo Neuro-Anatômico Pensando no modelo neuroanatômico da depressão, que considera as estruturas cerebrais envolvidas na depressão, teríamos a amígdala como uma das regiões primárias para avaliação e processamento do estímulo emocional. O envolvimento do córtex pré-frontal, que possui conexões abrangentes com outras estruturas igualmente participantes do comportamento emocional e das respostas autonômicas e neuroendócrinas a estressores tem sido constatado por recentes exames da função cerebral. Essas estruturas incluem a amígdala, hipotálamo, núcleo accumbens, e núcleos serotoninérgicos, noradrenérgicos e dopaminérgicos do tronco cerebral. A tomografia computadorizada (TC), a Ressonância Magnética (RM) e a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) deram grande impulso ao estudo das doenças neuropsiquiátricas. Hoje muito se sabe sobre a função cerebral através desses exames funcionais computadorizados do cérebro. Utilizando a PET, têm sido realizados estudos em voluntários normais durante várias situações emocionais,incluindo: imaginação ou recordação de eventos pessoais que despertam tristeza e outros sentimentos, indução de emoções por filme ou fotografias e reconhecimento de faces expressando estados emocionais. Esses estudos têm demonstrado ativação de áreas cerebrais tradicionalmente implicadas na regulação de afetos, como por exemplo, o córtex pré-frontal e orbitofrontal, cíngulo e amígdala. 35 36 Foram avaliados pacientes com depressão unipolar grave e voluntários normais durante um estado de tristeza induzido por filme de forte conteúdo emocional em comparação com filmes sem conotação emotiva. Durante o filme indutor de tristeza, áreas cerebrais previsivelmente envolvidas na mediação de afetos foram ativadas tanto em voluntários normais como pacientes com depressão maior. Essas áreas são os gânglios da base e as áreas pré-frontais, consideradas áreas para-límbicas, incluindo córtex pré-frontal inferior e medial, cíngulo e córtex temporal medial. No entanto, a ativação do córtex pré-frontal medial e giro do cíngulo foi significativamente maior em pacientes deprimidos. Esses achados sugerem o envolvimento dos mesmos circuitos cerebrais na indução de tristeza tanto em pessoas normais como em pacientes com transtornos do humor. Porém, por outro lado, as diferenças obtidas nos padrões de ativação para-límbica sugerem um possível componente quantitativo de estimulação nessas áreas, na evocação emocional de pacientes deprimidos (Geraldo Busatto Filho). 37 6. CURSO E EVOLUÇÃO DA DEPRESSÃO A Depressão é essencialmente um transtorno episódico e recorrente, isto é, que se repete. Cada Episódio Depressivo dura, geralmente, alguns meses seguido de um período normal entre os episódios. Em cerca de 20% dos casos, porém a Depressão segue um curso crônico e sem remissão, ou seja, é contínua, especialmente quando não há tratamento adequado disponível. A taxa de recorrência para aqueles que se recuperam do primeiro episódio fica ao redor de 35%, dentro de 2 anos, e cerca de 60% dentro de 12 anos. A taxa de recaídas é mais alta nas pessoas com mais de 45 anos de idade. Um dos resultados particularmente trágicos desse distúrbio é o suicídio. Cerca de 15 a 20% dos pacientes depressivos põem termo à vida cometendo suicídio. O suicídio continua sendo um dos resultados freqüentes e evitáveis da depressão. O Transtorno Afetivo Bipolar é caracterizado por Episódios Depressivos acompanhados de episódios de mania (euforia), quando então o humor fica expansivo, aumenta muito a atividade, autoconfiança é excessiva e há deterioração da concentração. Em suma, a Depressão é um transtorno mental comum, capaz de gerar um ônus de doença muito elevado e deverá mostrar uma tendência ascendente nos próximos 20 anos. O Curso e a Evolução das doenças vêem à tona sempre que os pacientes e familiares perguntam; "... e aí doutor: como será minha doença, tem cura? posso voltar a apresentá-la?". Na questão da Depressão é importantíssimo saber qual o tipo de transtorno e de pessoa em questão. Devemos estabelecer um diagnóstico o mais preciso possível e saber se o problema é apenas um Episódio Depressivo (único), se é recorrência, se é o 1o., 2o. ou mais recaídas do quadro, saber se é crônico e vem se arrastando há tempo, enfim, devemos saber como é a doença e quem é o doente em questão. Na questão paciente, é importante saber desde o início, se a pessoa ESTÁ ou É doente. Cada qual evoluirá diferentemente, portanto, algumas circunstâncias devem ser valorizadas: Como era a personalidade pré-mórbida do paciente? Há antecedentes familiares de transtornos emocionais? Que intercorrências vivenciais podem ser associadas ao desenvolvimento do quadro mórbido e da personalidade? Como era a personalidade do paciente antes da doença (pré-mórbida)?: O conceito de Personalidade Pré-Mórbida é indispensável para o entendimento e avaliação do quadro atual. A pessoa portadora de traços melancólicos, sensibilidade excessiva terá maior probabilidade de desenvolver uma quadro depressivo mais crônico e mais atrelado à personalidade, portanto, terá uma evolução mais desfavorável. 38 Por outro lado, uma outra pessoa que apresenta um Episódio Depressivo depois de um rompimento conjugal, mas não tem antecedentes emocionais ou traços afetivos hipersensíveis de personalidade, sem dúvida terá um curso mais benigno e mais breve. Há antecedentes familiares de transtornos emocionais?: Existem vários quadros psicopatológicos com inegáveis componentes hereditários e familiares. Na Depressão, assim como nas demais patologias, a transmissão genética diz respeito à probabilidade e não à certeza. Havendo antecedentes familiares de transtornos depressivos, , embora não tenha certeza de que terá esses quadros, a pessoa pode ter uma probabilidade maior de desenvolver um transtorno do humor. Quanto maior o número de antecedentes familiares, maior será a probabilidade do quadro atual ter forte componente constitucional, logo, maior probabilidade de ser crônico e recidivante. Suicídios em membros da família também devem ser investigados, tendo em vista a maior probabilidade dessa atitude repetir-se em descendentes. Que vivências podem ser associadas ao desenvolvimento da Depressão?: Avaliar a cronologia das vivências traumáticas, as circunstâncias em que ocorreram e a proporcionalidade entre estas e o estado depressivo é importantíssimo para estimar o curso do quadro atual. A ocorrência de negligência ou abandono infantil, de precoce institucionalização, orfandade e outras vivências em tenra idade, tornam o quadro mais atrelado à personalidade que experiências recentes. A Depressão que aparece como reação À alguma vivência traumática terá, muito possivelmente, um prognóstico melhor do que as depressões que surgem sem motivo aparente. Quanto mais significativo for o fator vivencial que desencadeou o quadro, menos provável de ser a doença atrelada à constituição. Grosseiramente exemplificando, a pessoa que apresenta depressão, transtorno de ajustamento, episódio depressivo agudo, etc, mediata ou imediatamente depois de perder sua mãe, terá muito melhor prognóstico do que aquele que manifesta o mesmo quadro sem uma vivência causadora. Na questão doença, a CID.10 (Classificação Internacional de Doenças) considera os Transtornos Depressivos da seguinte maneira: Episódios Depressivos Transtorno Depressivo Recorrente Distimia Transtorno Afetivo Bipolar Ciclotimia 6.1. Episódios Depressivos Um Episódio Depressivo geralmente se desenvolve ao longo de dias ou semanas. Um período prodrômico (sinais que antecedem o quadro) pode existir meses antes do início de um Episódio Depressivo e inclui sintomas de ansiedade e depressivos leves. 39 Ao lado, figura representando um Episódio Depressivo único e a volta à completa normalidade depois de passado. A duração de um Episódio Depressivo é muito variável. Um episódio não tratado dura tipicamente 6 meses ou mais, não importando a idade da pessoa. Na maioria dos casos, seja tratado ou não tratado, existe a remissão completa dos sintomas, voltando a pessoa à um funcionamento normal e sem seqüelas. É claro que os casos tratados melhoram de uma a três semanas. Em não se tratando, uma porção significativa dos casos, em torno de 20 a 30%, continua apresentando alguns sintomas depressivos leves ou moderados por meses ou até anos. A persistência de algum sintoma depressivo depois de passado o Episódio Depressivo agudo sugere uma forte possibilidade de episódios subseqüentes. É relativamente grande o número de pessoas que tem Transtorno Distímico anterior ao início de um Episódio Depressivo Grave e Único. 6.2. Transtorno Depressivo Recorrente Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o risco para desenvolver um Transtorno Depressivo Recorrente (ou Transtorno Depressivo Maior, se a classificação for o DSM.IV) durante a vida tem variado de 10 a 25% para as mulheres e de 5 a 12% para os homens. O Transtorno Depressivo Maior pode começar em qualquer idade, situando-se a média em torno dos 25 anos. Dados sugerem que a idade de início está baixando atualmente. O curso do Transtorno Depressivo Maior ou Recorrente, é variável. Alguns indivíduos têm episódios isolados separados por muitos anos sem quaisquer sintomas depressivos, enquanto outros têm agrupamentos de episódios e outros, ainda, têm episódios progressivamente freqüentes à medida que envelhecem. Na figura ao lado, esquema ilustrativo do Transtorno Depressivo Recorrente, onde se sucedem Episódios Depressivos. No exemplo, com volta à normalidade entre os episódios. Existem algumas evidências de que os períodos de remissão, ou seja, entre os episódios, em geral duram mais tempo no início do transtorno. O número de episódios anteriores é que prediz a probabilidade de desenvolver um novo episódio subseqüente. Aproximadamente 50 a 60% das pessoas com Episódio Depressivo Grave e único terá um segundo episódio. Mas, para ter um terceiro episódio essa probabilidade aumenta muito, chegando à 70 a 80% e a 90% o risco de ter um quarto episódio. 40 Alguns pacientes que tiveram um Episódio Depressivo Grave e único (cerca de 10%) desenvolvem, subseqüentemente, Recorrente (ou Maior) é 1,5 a 3 vezes mais comum em parentes de pessoas com este transtorno do que na população geral. Também existem evidências de haver uma incidência maior de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade nos filhos de adultos com este transtorno. É relativamente grande o número de pessoas que tem Transtorno Distímico anterior ao início de um Transtorno Depressivo Recorrente. As evidências sugerem que esses portadores de Transtorno Distímico têm maior propensão a desenvolver Episódios Depressivos adicionais, têm recuperação pior entre os episódios e podem necessitar de tratamento por um período maior e continuado. Aproximadamente 40% dos pacientes que tiveram Episódio Depressivo evoluem para o Transtorno Depressivo Maior (ou Recorrente) e a gravidade do Episódio Depressivo Maior inicial parece predizer a evolução desfavorável para Transtorno Depressivo Maior. É comum que os episódios de Transtorno Depressivo Recorrente se manifestem depois de um estressor psicossocial severo, como por exemplo a morte de um ente querido, demissão ou separação conjugal. É difícil prever se o primeiro episódio de um Transtorno Depressivo Recorrente evoluirá para um Transtorno Afetivo Bipolar mas, alguns autores sugerem que o início agudo de uma depressão severa, especialmente se tiver como sintomas alguns aspectos psicóticos, notadamente se for em uma pessoa jovem, estará mais propenso a evoluir para um Transtorno Afetivo Bipolar. Uma história familiar de Transtorno Bipolar também pode sugerir o desenvolvimento subseqüente de um Transtorno Bipolar. 6.3. Distimia O Transtorno Distímico tem, freqüentemente, um curso precoce e lento, isto é, começa na infância, adolescência ou início da idade adulta, além de ser crônico. Nos contextos clínicos, os indivíduos com Transtorno Distímico em geral têm um Transtorno Depressivo Maior sobreposto, que freqüentemente é a razão para a busca de tratamento médico. Na figura ao lado, exemplo do Transtorno Distímico, onde não existem Episódios Depressivos mas há um rebaixamento do humor por longo período. Se o Transtorno Distímico precede o início do Transtorno Depressivo Recorrente ou Maior, há uma menor probabilidade de ocorrer uma recuperação completa e espontânea entre os Episódios Depressivos e uma maior probabilidade de episódios futuros mais freqüentes. 41 A evolução da Distimia é crônica, provavelmente para a vida toda, e pode mesmo fazer parte de um traço melancólico da personalidade. Aliás, o próprio conceito de Distimia engloba tanto a idéia anterior da Neurose Depressiva quanto de um Transtorno Melancólico da Personalidade. O Transtorno Distímico também é mais comum entre os parentes biológicos em primeiro grau de pessoas com Transtorno Depressivo Recorrente ou Maior, do que na população geral. 6.3. Transtorno Afetivo Bipolar O Transtorno Afetivo Bipolar é também um transtorno recorrente e, infelizmente, mais de 90% das pessoas que têm um Episódio Maníaco Único terão outros episódios futuros. Aproximadamente 60 a 70% dos Episódios Maníacos freqüentemente precedem ou se seguem a Episódios Depressivos Maiores. O número de episódios durante a vida, sejam Depressivos ou Maníacos, tende a ser mais numerosos que os episódios do Transtorno Depressivo Recorrente. Alguns trabalhos calculam uma média de quatro episódios durante 10 anos. O A figura ao lado representa o Transtorno Afetivo Bipolar, onde Episódios Depressivos coexistem com Episódio ou Episódios Eufóricos. Entre os episódios a grande maioria volta ao normal. O intervalo entre os episódios tende a diminuir com a idade. Existem algumas evidências de que alterações no ciclo de sono/vigília, tais como as que ocorrem durante as mudanças de fuso horário ou privação do sono, podem precipitar ou exacerbar um Episódio Maníaco. Aproximadamente 5 a 15% das pessoas com Transtorno Bipolar têm múltiplos episódios de alteração do humor, seja Episódio Depressivo ou Maníaco durante um ano. Embora a maioria das pessoas com Transtorno Bipolar retorne a um funcionamento plenamente normal entre os episódios, infelizmente alguns (de 20 a 30%) continuam apresentando instabilidade do humor e dificuldades interpessoais ou ocupacionais mesmo fora das crises. Sintomas psicóticos podem desenvolver-se dentro de dias ou semanas quando o episódio é grave e, quando ocorrem esses aspectos psicóticos, os episódios subseqüentes tendem mais a ser mais graves. A recuperação incompleta entre os episódios é mais comum quando o episódio atual é acompanhado por sintomas psicóticos. 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Anônimo, Depressão, Internet, disponível em <http://www.inef.com.br/depressao.htm>, 2002 Bernik MA - Relevância dos Quadros Ansiosos na Prática Médica – Amban, Internet, disponível em: <http://www.amban.org.br/profissionais/artigos.asp?hyperlink=artigos>, 2002 Busatto Filho G - Imagens do funcionamento cerebral durante tarefas cognitivas e emocionais: aplicações da técnica de ressonância magnética funcional em psiquiatria, Internet, disponível em: <http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(3)/art164.htm>, 2002 Camargo A - Causas da depressão, Internet, disponível em: <http://www.todotorto.com.br/saude/verartigo.asp?cd=10>, 2002 DePaulo R - Qué sabemos acerca de las causas de la depresión, Internet, disponível em: http://www.bestdoctors.com/es/askadoctor/d/depaulo/rdepaulo_071000_q1.htm>, 2000 DSM.IV - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - American Psychiatric Association, 1994 Galván JO - ¿qué es la depresión?, Internet, disponível em: <http://www.psiquisnet.com/depresion.htm>, 2002 Gersh FS, Fowles DC - Neurotic depression; the concept of anxious depression. 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