2. Sintomas da depressão

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Sumário
1. Introdução ............................................................................................................... 1
1.1. Depressão com Ansiedade ou Ansiedade com Depressão? ............................ 2
1.2. Hipotimia ou Depressão.................................................................................... 4
1.3. Tipos de Depressão; quanto à origem .............................................................. 7
2. Sintomas da depressão ........................................................................................... 9
2.1. Sofrimento Moral (autoestima baixa) .............................................................. 10
2.2. Inibição Global (apatia e desinteresse) ........................................................... 11
2.3. Estreitamento Vivencial (perda de prazer) ...................................................... 12
2.4. Como se manifesta a Depressão .................................................................... 13
2.5. Delírio na depressão ....................................................................................... 14
2.7. Interesse, apetite e sono na depressão .......................................................... 14
3. Formas clínicas da depressão............................................................................... 16
3.1. Episódio depressivo ........................................................................................ 17
3.2. Critérios DSM-IV para Episódio Depressivo Maior ......................................... 18
3.3. Transtorno Depressivo Recorrente ................................................................. 20
3.4. Distimia ........................................................................................................... 21
4. Causas da depressão ........................................................................................... 24
4.1. A Depressão vem de dentro ou de fora? ........................................................ 24
4.2. Fatores Biológicos .......................................................................................... 25
4.3. Fatores Agravantes e Desencadeantes .......................................................... 26
5. Fisiopatologia da Depressão ................................................................................. 32
5.1. Modelo Biológico-Bioquímico.......................................................................... 32
5.2. Neurotransmissores ou Neuroreceptores? Eis a questão............................... 32
5.3. Modelo Neuro-Anatômico ............................................................................... 34
6. Curso e Evolução da Depressão ........................................................................... 37
6.1. Episódios Depressivos .................................................................................... 38
6.2. Transtorno Depressivo Recorrente ................................................................. 39
6.3. Distimia ........................................................................................................... 40
6.3. Transtorno Afetivo Bipolar .............................................................................. 41
Referências bibliográficas ......................................................................................... 42
1
DEPRESSÃO
1. INTRODUÇÃO
O termo Depressão pode significar um sintoma que faz parte de inúmeros
distúrbios emocionais sem ser exclusivo de nenhum deles, pode significar uma
síndrome traduzida por muitos e variáveis sintomas somáticos ou ainda, pode
significar uma doença, caracterizada por marcantes alterações afetivas.
O público está certo ao estranhar a ostensiva e constante presença desta tal
Depressão em quase tudo que diz respeito à transtornos emocionais, e os
psiquiatras não estão menos certos ao procurarem descobrir uma ponta de
Depressão em quase tudo que lhes aparece pela frente.
Do ponto de vista clínico seria extremamente fácil e cômodo se a Depressão
fosse caracterizada, exclusivamente, por um rebaixamento do humor com
manifestação de tristeza, choro, abatimento moral, desinteresse, e tudo aquilo que
todos sabemos que uma pessoa deprimida apresenta. Desta forma até o amigo
íntimo, o vizinho ou o dono da bar da esquina poderiam diagnosticá-la. A parte mais
difícil e trabalhosa da psiquiatria está no diagnóstico dos muitos casos de Depressão
atípica, incaracterística ou mascaradas, bem como, perceber traços depressivos em
outras patologias emocionais, como por exemplo, nos casos de Pânico, Fobia, etc.
Entre as emoções, aquelas decorrentes do estado de humor são as mais
estudadas e, entre essas, a mais pesquisada é a Depressão.
A sintomatologia depressiva é muito variada e muito diferente entre as
diferentes pessoas. Para entendermos melhor essa diversidade de sintomas
depressivos, vamos considerar que, entre as pessoas, a Depressão seria como uma
bebedeira geral, onde cada pessoa alcoolizada ficasse de um jeito; uns alegres,
outros tristes, irritados, engraçados, dorminhocos, libertinos...
A única coisa que todos teriam em comum é o fato de estarem sob efeito do
álcool, todos estariam tontos, com os reflexos diminuídos, etc. Na Depressão
também; cada personalidade se manifestará de uma maneira.
A psicopatologia recomenda como válida a existência de três sintomas
depressivos básicos, os quais darão origem a variadíssimas manifestações desta
alteração afetiva. Essa tríade sintomática da Depressão seria:
1 - Sofrimento Moral,
2 - Inibição Global e,
3 - Estreitamento Vivencial.
Compete à sensibilidade do observador, relacionar um sentimento, um
comportamento, um pensamento ou sentimento, como a expressão individual de um
desses três sintomas básicos, como sendo a expressão pessoal e adequada da
personalidade de cada um diante da Depressão.
2
1.1. Depressão com Ansiedade ou Ansiedade com Depressão?
Alguns deprimidos podem apresentar sintomas somáticos (físicos), juntamente
ou ao invés dos sintomas emocionais de tristeza, angústia, medo, etc. Esses
sintomas físicos podem ser, por exemplo, dores vagas e imprecisas, tonturas,
cólicas, falta de ar, e outras queixas de caracterização clínica complicada. Para
estes pacientes somáticos, talvez seja mais fácil comunicar sua aflição e desespero
através dos órgãos do que do discurso. Também em crianças e adolescentes a
Depressão pode se dissimular sob a forma de um humor irritável ou rabugento,
revoltado e irrequieto, ao invés da tristeza e abatimento.
Outras pessoas podem manifestar sua Depressão com irritabilidade
aumentada, como por exemplo, crises de raiva, explosividade, sentimentos
exagerados de frustração, tendência para responder a eventos com ataques de ira
ou culpando os outros.
Na Depressão também é muito freqüente um certo prejuízo na capacidade de
pensar, de se concentrar ou de tomar decisões. Os depressivos podem se queixar
de enfraquecimento da memória ou mostrar-se facilmente distraídas. A produtividade
ocupacional costuma estar também prejudicada, notadamente nas profissões
intelectualmente exigentes. Em crianças deprimidas pode haver uma queda abrupta
no rendimento escolar, como resultado da dificuldade de concentração.
Freqüentemente existem pensamentos sobre a morte nos quadros
depressivos. Trata-se, não apenas da ideação suicida típica mas, sobretudo, da
preferência em estar morto a viver "desse jeito". Nos idosos as dificuldades de
memória podem ser a queixa principal e ser confundido com os sinais iniciais de
demência.
O prejuízo da memória e outros sinais que poderiam confundir a Depressão
com demência recebem o nome de Pseudodemência Depressiva. Nestes casos,
soma-se à lentidão dos processos psíquicos um exagerado desinteresse, dando a
falsa impressão de que a pessoa não está tendo consciência absoluta da realidade.
Na realidade, o que o idoso deprimido tem é um grande desinteresse em lembrar
fatos e em participar dos eventos cotidianos.
Para entender porque e como existem sintomas de Depressão atípica,
sintomas que sugerem apenas indiretamente a presença de Depressão, temos que
falar da coexistência da Depressão com a ansiedade, sabendo que essa última sim,
é pródiga em sintomatologia somática e emocional atípica.
Muito embora os atuais manuais de classificação de doenças mentais tratem
separadamente os quadros ansiosos dos afetivos, pesquisas e autores têm se
preocupado em estabelecer relações entre esses dois estados psíquicos. Kendell
(1974), ao longo de cinco anos de observação constatou que o diagnóstico de
Depressão passa para Ansiedade em 2% dos casos e, em sentido contrário, da
Ansiedade para a Depressão, em 24% dos casos. Pode-se constatar também que
antigos quadros ansiosos costumam evoluir no sentido da Depressão (Roth, 1972 e
1982). Lesse (1982) sustenta ainda a idéia da evolução do estresse para Ansiedade
e em seguida para Depressão.
3
São conhecidos os expressivos sintomas depressivos em doentes com
transtornos ansiosos, como aqueles observados por Fawcet (1983), que encontrou
sintomas de Depressão em 65% dos ansiosos e Roth (1972), que detectou em
grande número de pacientes, simultaneamente irritabilidade, agorafobia, ansiedade,
culpa e agitação. O medo, por exemplo, seja de características fóbica ou não, reflete
sempre uma grande insegurança e pode aparecer tanto nos transtornos da
ansiedade quanto nos transtornos de natureza depressiva. A associação da
Depressão com crises de pânico foi encontrada, inicialmente, em proporções que
variavam de 64 a 44% dos casos (Clancy, 1979).
O estudo de Stavrakaki e Vargo (1986), reavaliando pesquisas dos últimos 15
anos, sugeriu três tipos de reflexão sobre a questão Ansiedade versus Depressão:
1. Ansiedade e Depressão diferem qualitativamente;
2. Ansiedade e Depressão diferem quantitativamente e;
3. Ansiedade se associa à Depressão.
Atualmente tem-se enfatizado muito a teoria unitária, pela qual a Ansiedade e a
Depressão seriam duas modalidades sintomáticas da mesma afecção. As atuais
escalas internacionais de Hamilton para avaliação de Depressão e de Ansiedade,
não separaram nitidamente os dois tipos de manifestações. Outras escalas
anteriores também mostravam a mesma falta de clareza para diferenciação entre
esses dois quadros emocionais (Johnstone, 1986; Mendels, 1972).
A tendência unitária Ansiedade-Depressão se reforça ainda na eficácia do
tratamento com antidepressivos, tanto para quadros ansiosos, como é o caso do
Pânico, da Fobia Social, do Transtorno Obsessivo-compulsivo e mesmo da
Ansiedade Generalizada, quanto para os casos de Depressão, com ou sem
componente ansioso importante.
O número de autores que não acreditam na Ansiedade e Depressão como
sendo a mesma coisa, aos quais nos juntamos, é maioria expressiva, entretanto,
quase todos reconhecem existir alguma coisa em comum nesses dois fenômenos.
Acreditamos, pois, na necessidade imperiosa de um antecedente afetivo e de caráter
depressivo para que a ansiedade se manifeste patologicamente. O mesmo requisito
afetivo não se necessita para a ansiedade normal e fisiológica. Talvez seja por isso
que os quadros ansiosos respondem tão bem à terapêutica antidepressiva. Saber
com certeza se a Ansiedade pode ser uma das causas de Depressão ou se, ao
contrário, pode surgir como conseqüência desta ou, ainda, se uma nova entidade
clínica independente se constitui quando ambos fenômenos coexistem num mesmo
paciente tem sido uma questão aberta às pesquisas e reflexões.
Strian e Klicpera (1984) consideraram há tempos que Depressão e Ansiedade
formavam um quadro unitário. Clancy (1978), há mais tempo ainda constatou que o
humor depressivo antecedia com freqüência ao primeiro ataque de pânico. Existem
boas observações do transtorno ansioso aparecer em pessoas portadoras de caráter
predominantemente depressivo na personalidade (Lader, 1975), e alguns até
consideram o paciente ansioso como portador de um tipo de Depressão endógena
atípica (Salomon, 1978).
4
Ansiedade e Depressão também foram cogitadas como aspectos diferentes do
mesmo transtorno afetivo por Downing e Rikels (1974), entendendo-se os casos de
pânico, fobia, obsessões e somatizações como sendo reflexo de sintomas
depressivos que se manifestariam atipicamente (Gersh e Fowles, 1979).
De fato, a insegurança típica do estado fóbico-ansioso pode ser melhor
entendida à luz de uma autopercepção pessimista e de uma representação
temerosa da realidade, ambos de conotação depressiva. Monedero (1973) considera
a angústia como um temor de algo que vai acontecer e a ansiedade como um temor
atual, caracterizado pela procura e impaciência apressada, enfatizando um
componente humor-congruente depressivo da ansiedade.
Há ainda autores que admitem a Depressão como uma complicação freqüente
dos transtornos ansiosos ou que os sintomas ansiosos seriam comuns nas doenças
depressivas primárias, aceitando o fato de pacientes com Depressão primária
apresentarem estados ansiosos graves (Rodney, 1997; Cunningham, 1997). A
maioria dos autores, entretanto, afirma que pacientes com pânico primário, com
pânico complicado pela Depressão, com Depressão Primária complicada por pânico
ou com Depressão Primária, oferecem sérias dificuldades para se diferenciar
nitidamente os estados ansiosos dos depressivos.
Uma terceira posição, há tempos cogitada, é a ansiosa-depressiva como
transtorno unitário e emancipado, quer da Ansiedade Generalizada, quer da
Depressão Maior (Stavrakaki, 1986). Esta postura unitária, diferente daquela que
considera ansiedade e Depressão como sendo faces de uma mesma doença,
também era sustentada por Paykel (1971) e por Downing e Rikels (1974).
Schatzberg (1983) diz que os pacientes com quadros mistos de Ansiedade e
Depressão exigem terapias diferentes dos grupos de pacientes que apresentam
esses quadros isoladamente. Observa que quando as duas síndromes coexistem a
evolução é mais crônica, a resposta é menor às terapias convencionais e o
prognóstico é pior.
1.2. Hipotimia ou Depressão
Na Hipotimia (humor baixo) ou Depressão, verifica-se o aumento da reatividade
e sensibilidade para os sentimentos desagradáveis, podendo variar desde o simples
mal-estar, até o estupor melancólico, ou seja, uma apatia extrema por melancolia.
Esse estado de Hipotimia ou Depressão se caracteriza, essencialmente por
uma tristeza profunda, normalmente imotivada, que se acompanha de lentidão e
inibição de todos os processos psíquicos. Em suas formas leves a Depressão se
revela por um sentimento de mal-estar, de abatimento, de tristeza, de inutilidade e
de incapacidade para realizar qualquer atividade.
Os pacientes hipotímicos estão dominados por um profundo sentimento de
tristeza imotivada. No doente deprimido, as percepções são acompanhadas de uma
tonalidade afetiva desagradável: tudo Ihe parece negro. Os doentes perdem
5
completamente o interesse pela vida. Nada lhes interessa do presente nem do futuro
e, do passado, são rememorados apenas os acontecimentos desagradáveis.
6
As percepções são lentas, monótonas, descoloridas. Ao paciente parece que
os alimentos perderam o sabor habitual. Nos estados depressivos, as ilusões são
mais freqüentes do que as alucinações.
As idéias deliróides nos pacientes hipotímicos são comuns, expressando
geralmente idéias de culpa, de indignidade, ruína, pecado e de auto-acusação. O
pensamento é lento e o próprio ato de pensar é acompanhado de um sentimento
desagradável. O conteúdo do pensamento exprime motivações dolorosas. O
paciente é incapaz de livrar-se de suas idéias tristes pela simples ação de sua
vontade ou dos "pensamentos positivos", como se diz.
O quadro clínico do estado afetivo depressivo é caracterizado pela inibição
geral da pessoa, pela baixa performance global refletida pela lentidão e pobreza dos
movimentos, pela mímica apagada, pela linguagem lenta, monótona e pelas
dificuldades pragmáticas.
Os sintomas somáticos são bastante evidentes nos pacientes hipotímicos. Os
distúrbios vasomotores se traduzem em mãos frias, algumas vezes pálidas e
cianosadas, pela palidez dos lábios e hipotermia. São freqüentes os espasmos ou
dilatações vasculares, com conseqüente oscilação da pressão arterial. Os pacientes
deprimidos dão-nos a impressão de mais velhos. As perturbações digestivas
também são constantes, a língua pode se apresentar saburrosa, há alterações do
apetite, tanto com inapetência quanto com hiperfagia e constipação intestinal. Os
distúrbios circulatórios ocasionam um sentimento subjetivo de opressão na região
cardíaca, causando a chamada angústia precordial.
Em determinados casos, sob a influência de fatores externos ou em
conseqüência de causas internas temporárias, a Depressão pode aumentar de
modo considerável, determinando um estado de excitação ansiosa. Quando o
paciente, não encontra solução para seu sofrimento costuma pensar no suicídio.
A Depressão patológica é um dos sintomas fundamentais do Transtorno Afetivo
Bipolar, em sua fase depressiva. Estados depressivos também podem ser
observados em todas as psicoses e neuroses. No Transtorno Afetivo Bipolar,
entretanto, a Depressão tem uma origem ligada a fatores afetivos internos
(sentimentos vitais), que escapam à compreensão do doente e de seus familiares.
Nas Distimias, nas Reações Agudas ao Estresse e nas neuroses de modo
geral, a Depressão costuma ser mais reativa, isto é, mais psicogênica (mais anímica
que vital), originando-se de situações psicologicamente compreensíveis e de
experiências desagradáveis. A anormalidade do sentimento depressivo nesses
quadros psicogênicos está na intensidade e na duração desse afeto em comparação
às pessoas normais e não em sua qualidade, como acontece nos Transtornos
Afetivos Bipolares.
7
1.3. Tipos de Depressão; quanto à origem
Os afetos depressivos podem aparecer como uma resposta a situações reais,
através de uma Reação Vivencial depressiva, quando diante de fatos
desagradáveis, aborrecedores, frustrações e perdas. Trata-se, neste caso, de uma
resposta a conflitos íntimos e determinados por fatores vivenciais. Daí denominação
depressão reativa, ou seja, em reação a alguma coisa real e acontecida, à uma
fonte exógena que pode ser casualmente relacionada àquela reação.
Esta Depressão Reativa, embora compreensiva por tratar-se de uma reação
afetiva à uma vivência desagradável, não deve ser entendida como normal e
fisiológica mas apenas compreensível. Diante de fatos desagradáveis podemos
esperar, fisiologicamente, a tristeza e não a Depressão e, quanto à isso, não
devemos fazer nenhuma confusão. Esta última, a Depressão, deve ser uma
denominação reservada para as Reações Vivenciais Anormais proporcionadas por
circunstâncias vivenciais desagradáveis, ou seja, reações desproporcionais em
quantidade, qualidade e temporalmente ao agente causal. Os sentimentos de
tristeza que normalmente acompanham situações frustrantes são diferenciados da
Depressão por não comportarem a tríade sintomática de Inibição Psíquica,
Estreitamento de Campo Vivencial e Sofrimento Moral.
A Depressão pode aparecer ainda acompanhado, ou aparentemente motivada,
por situações anímicas. Neste caso, certas perspectivas futuras, certos anseios e
objetivos de vida estão representados intrapsiquicamente de maneira negativa. Há
um sentimento depressivo associado às conjecturas irreais de tal forma que o
panorama atual dos acontecimentos e a expectativa do porvir são funestamente
valorizados. Sofre-se por aquilo que não existe ainda ou, muito possivelmente, nem
existirá. Um exemplo disso é a Depressão experimentada diante da possibilidade da
perda de um emprego, ou da perspectiva de vir a sofrer de grave doença e assim
por diante. Evidentemente, não se trata aqui, de que tais perspectivas sombrias
estejam a alimentar a Depressão, mas muito pelo contrário, ou seja, a Depressão é
quem confere um significado lúgubre às possibilidades do futuro. Não se pode
acreditar que, neste caso, exista uma relação causal vivencial solidamente vinculada
à Depressão, pois, de qualquer forma, as situações referidas como promovedoras e
alimentadoras da Depressão não aconteceram ainda.
Em outros termos e de acordo com que se sabe sobre Reações Vivenciais
(vide adiante), falta o elemento estressor, o qual existe apenas na imaginação do
paciente. Portanto, é lícito pensar já numa Depressão mais profundamente arraigada
no ser, a qual, embora atrelada à personalidade, utiliza os elementos vivenciais
apenas para nutrir sua necessidade de sofrimento (uma vez que, ainda não
aconteceram concretamente).
Há, finalmente, casos de Depressão procedentes de um temperamento
francamente depressivo ou seja, a nível de sentimentos vitais. São, neste caso,
transtornos da afetividade emancipados dos elementos vivenciais quanto à
causalidade. Isso não impede que sejam desencadeados por vivências traumáticas.
Trata-se de uma Tonalidade Afetiva Básica rebaixada e, evidentemente, talhada à
reagir sempre depressivamente à vida.
8
As pessoas que se encontram depressivas durante uma fase de suas vidas,
cujo contexto vivencial sugere-nos uma circunstância sofrível, quer como
conseqüência de um fato único, quer como uma somatória de fatos traumáticos
sucessivos, sem que possamos detectar um temperamento depressivo prévio,
provavelmente estarão apresentando uma Depressão Reativa. Neste caso, esta
reação depressiva não pode ser tida como decorrência de uma Tonalidade Afetiva
Depressiva de Base, mas como uma resposta emocional à uma circunstância de
vida. Daí empregar-se, antigamente, a denominação de depressão exógena, ou
seja, dependente de fatores externos à personalidade da pessoa.
Depois de estabelecido nesta pessoa o estado depressivo, ainda que,
conseqüente a fatores reais e externos à sua personalidade, tudo mais em sua vida
parecerá depressivo, até que saia desta fase afetiva. Assim sendo, poderá também
ser pessimista quanto à sua situação futura, portanto, depressivo quanto à Situações
Imaginárias. Da mesma forma, os pacientes portadores de Tonalidade Afetiva
Depressiva de Base, por possuírem um temperamento previamente depressivo,
independentemente dos fatos vividos, sempre estarão tingindo de negro suas
perspectivas futuras. São portadores da, anteriormente denominada, depressão
endógena e, como se viu, relacionada não apenas ao Sentimentos Vitais como
também às Situações Imaginárias.
A questão em se saber a natureza endógena ou exógena do estado
depressivo, hoje em dia, parece não despertar o mesmo interesse de antes. Os
indivíduos com características afetivas depressivas (anteriormente denominados de
depressivos endógenos) reagirão sempre aos estímulos da vida de uma forma
consoante ao seu afeto depressivo, portanto, dando-nos a falsa impressão de
apresentarem Depressão Reativa: a maioria dos eventos, para eles, terá uma
conotação negativa. Por outro lado, a clínica tem mostrado, com freqüência,
determinadas vivências bastante suportáveis para alguns, ocasionando, em outros,
verdadeiras Reações Depressivas. Isso nos sugere que tal Reação Depressiva não
deve ser legada apenas aos elementos vivenciais.
No fundo, considerando o estado afetivo no qual o indivíduo se encontra no
momento, tem sido tarefa muito penosa estabelecer a natureza de sua Depressão.
Nestes casos, recorremos quase sempre à personalidade pregressa do paciente; se
a tonalidade afetiva era, anteriormente, depressiva, há possibilidade deste estado
depressivo atual ser de natureza endógena, mas mesmo assim não será uma
implicação obrigatória.
Outras vezes, também de acordo com exemplos cotidianos da prática clínica,
personalidades previamente bem adaptadas e sugerindo uma boa adequação
afetiva poderão, não obstante, apresentar fases de profunda Depressão sem
motivação vivencial. Procura-se, nestes casos de Depressão sem motivação
ambiental ou, talvez, em atenção a um conforto do terapeuta, justifica-la como
decorrência da eventual somatória de vivências passadas. Certeza disso, entretanto,
ninguém pode ter.
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2. SINTOMAS DA DEPRESSÃO
A sintomatologia depressiva é muito variada e muito diferente entre as
diferentes pessoas. Por isso a psicopatologia recomenda como válido a existência
de apenas três sintomas depressivos básicos e suficientes para sua detecção, no
entanto, estes sintomas básicos darão origem à infinitas manifestações desta
alteração afetiva. Trata-se, esta tríade, da:
1 - Inibição Psíquica,
2 - do Estreitamento do Campo Vivencial e,
3- do Sofrimento Moral.
Compete à sensibilidade do observador, relacionar um sentimento, um
comportamento, um pensamento ou um determinado sintoma como sendo a
apresentação pessoal e individual de um desses três sintomas básicos, tradução
esta adequada a disposição pessoal da personalidade de cada um.
Em crianças e adolescentes, por exemplo, o humor pode ser irritável ao invés
de triste. O adulto deprimido também pode experimentar sintomas adicionais durante
a Depressão. Estes incluem alterações no apetite ou peso, alterações do sono e da
atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa;
dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, ou pensamentos
recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio.
De qualquer forma, a Depressão deve ser acompanhada por sofrimento ou
prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou outras
áreas importantes da vida do indivíduo.
Para algumas pessoas com Depressão mais leves, o funcionamento pode
parecer normal, mas exige um esforço acentuadamente aumentado. O estado
depressivo freqüentemente é descrito pela pessoa com sentimentos de tristeza,
desesperança, falta de coragem ou como estando "na fossa" (DSM.IV).
Em alguns casos, a tristeza pode ser negada de início, mas subseqüentemente
pode ser revelada pela entrevista, por exemplo, quando a pessoa chora durante a
consulta ou pela fisionomia aborrecida e entristecida.
Outras pessoas, entretanto, podem se queixar de se sentirem indiferentes,
apáticos ou ansiosos ou, ainda, podem referir queixas somáticas sem
correspondência clínica mais do que sentimentos de tristeza. Muitos referem ou
demonstram irritabilidade aumentada, tendência para responder a eventos com
ataques de ira ou culpando outros, ou um sentimento exagerado de frustração por
questões menores.
10
2.1. Sofrimento Moral (autoestima baixa)
O Sofrimento Moral, ou sentimento de menos-valia, é um fenômeno marcante e
desagradável na trajetória depressiva. Trata-se de um sentimento de
autodepreciação, auto-acusação, inferioridade, incompetência, pecaminosidade,
culpa, rejeição, feiúra, fraqueza, fragilidade e mais um sem-número de adjetivos
pejorativos.
Dependendo do grau da depressão, o Sofrimento Moral aparece em graus
variados, desde uma sutil sensação de inferioridade até profundos sentimentos
depreciativos. Outro fator que complica o diagnóstico é o fato do Sofrimento Moral
nem sempre ser consciente e claro à pessoa que o sente. Muitas vezes a pessoa
com baixa autoestima recorre a mecanismos de defesa que ofuscam seus
verdadeiros sentimentos.
Por exemplo, nas pessoas com importante traço de irritabilidade e
agressividade na personalidade, o sentimento de baixa autoestima se manifesta com
agressividade, com comportamentos de superioridade ostensiva, com dificuldades
gritantes em lidar com as frustrações, com as filas, com ter de esperar, enfim, são
pessoas que manifestam essa sensação de estarem sendo "agredidas" de alguma
forma, portanto, revidam com mais agressividade.
Em pessoas naturalmente retraídas e introvertidas, a baixa autoestima se faz
sentir com mais retraimento ainda, com mutismo e quietude preocupante, com
isolamento e extrema dificuldade em expor sentimentos. Por isso, muitas vezes,
"preferem" a manifestação somática dessas emoções.
Em pessoas de personalidade ansiosa a baixa autoestima faz com que os
outros (notadamente, a opinião dos outros) pareçam inimigos em potencial, capazes
que são de depreciar, de julgar, de avaliar... Portanto, nada mais sensato que
apresentarem, esses pacientes, quadros fóbicos sociais, evitação, sintomas
autossômicos quando diante de outras pessoas, e assim por diante.
Quando a Depressão adquire características muito graves e psicóticas, o
Sofrimento Moral pode ser aparecer sob a forma de delírio. Nesse caso seria o
delírio humorcongruente. Um judeu, psicótico depressivo, durante uma de suas
crises de depressão profunda apresentava um pensamento francamente delirante, o
qual dava-lhe a certeza de ter parte de seu cérebro apodrecido. Outrossim, julgavase culpado por ter ingerido, contra sua crença religiosa, carne suína há mais de 15
anos. Uma espécie de punição divina aplicada ao pecador incauto.
O prejuízo da autoestima proporcionado pela Depressão Grave ou Psicótica,
pode ainda determinar uma ideação claramente paranóide, onde a culpa adquire
uma posição destacada. Para fins de diagnóstico, deve-se ter em mente que nas
psicoses esquizofrênicas, onde freqüentemente aparece a ideação paranóide, a
autoestima não se encontra perturbada como nos estados depressivos psicóticos.
Esta observação pode auxiliar o diagnóstico diferencial entre uma depressão com
sintomatologia psicótica (ideação deliróide) e uma psicose esquizofrênica (com
delírios).
11
O Sofrimento Moral deve ainda ser considerado o maior responsável pelo
desfecho suicida das depressões severas. Aparece como uma prova doentia da
incompetência do ser, de seu fracasso diante da vida e de sua falência existencial.
Enquanto nos estados eufóricos a autoestima se encontra patologicamente elevada
e as idéias de grandeza proporcionam uma aprazível sensação de bem-estar, na
Depressão a pessoa se coloca numa das posições mais inferiores entre seus
semelhantes.
Organicamente, uma pessoa com Sofrimento Moral, portanto, com tendência a
autodepreciar-se em todos os sentidos, pode entender uma simples dor de
estômago como prenúncios de um câncer gástrico, uma tontura trivial com indícios
de um derrame iminente, uma tosse frugal como sugestiva de câncer de pulmão ou
tuberculose, uma simples gripe como sinal de AIDS, etc.
2.2. Inibição Global (apatia e desinteresse)
A Inibição global do organismo é um dos sintomas básicos da Depressão e se
manifesta como uma espécie de freio ou lentificação dos processos físicos e
psíquicos em sua globalidade, uma lassidão e lerdeza generalizada de toda a
atividade corpórea. Em graus variáveis, esta inibição geral torna o indivíduo apático,
desinteressado, lerdo, desmotivado, com dificuldade em suportar tarefas
elementares do cotidiano e com grande perda na capacidade em tomar iniciativas.
Os campos da consciência e da motivação estão seriamente comprometidos,
advindo daí a dificuldade em manter um bom nível de memória, de rendimento
intelectual, da atividade sexual e até da agressividade necessária para tocar adiante
o dia-a-dia. Percebemos os reflexos desta Inibição Global em várias áreas da
atividade da pessoa, inclusive na diminuição da atividade motora e até na própria
expressão da mímica, fazendo com que o paciente tenha aparência de abatimento e
de desinteresse.
A Inibição Global tem sido a responsável pelo longo itinerário que muitos
pacientes percorrem antes de se acertarem com um tratamento psíquico. A primeira
idéia que os pacientes deprimidos têm, estimulados também pela família, é que seu
mal estar pode resultar de alguma anemia, fraqueza, problema circulatório..., depois
passam a tratamentos alternativos de macrobiótica, yoga, tai-chi-chuam...,
submetem-se a tediosos a passeios de gosto duvidoso, levados por amigos bem
intencionados e, muitas vezes, consultam até um neurologista. Este ponto costuma
ser o mais próximo que chegam do aparelho psíquico e, normalmente, a causa
psíquica é a última a ser questionada, embora seja a primeira que se faz sentir.
As pessoas que rodeiam o paciente com Inibição Global são solícitas em
lembrá-lo de que a vida é boa, ressaltam que nada lhes falta, que gozam de saúde,
que não são ricos mas tem gente em pior situação, que pertencem a uma família
decente e compreensiva... O paciente, por outro lado, não sendo um retardado
mental, sabe de tudo isso e as palavras estimulantes apenas aumentam sua
perplexidade, sua culpa e seu aborrecimento consigo próprio.
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A Inibição Global é secundária à Depressão, é um sintoma decorrente da
Depressão e não uma doença que corrompe o juízo crítico, tornando os pacientes
completamente desorientados em relação às condições de sua vida ou de sua
família. Outro conceito importantíssimo, é que a Inibição Global é conseqüência da
depressão e não o contrário. Essa colocação é importante porque, comumente, o
público leigo costuma recomendar à pessoa deprimida para que se esforce e se
mobilize para melhorar da depressão, quando na realidade seria o contrário, ou seja,
deve melhorar da depressão (tratar) para mobilizar-se normalmente e sem ninguém
para pedir.
2.3. Estreitamento Vivencial (perda de prazer)
Estreitamento Vivencial é a expressão mais adequada para representar a
perda progressiva da pessoa deprimida em sentir prazer. A palavra para designar o
ponto mais alto desse fenômeno de perda do prazer é Anedonia, ou seja, a
incapacidade em sentir prazer por todas as coisas. No Estreitamento Vivencial o
universo de interesses e de prazeres pelas coisas da vida vai sendo cada vez menor
e mais restrito. De fato, o interesse humano está indissoluvelmente ligado ao prazer;
nos interessamos por aquilo quer nos dá prazer, por aquilo com o qual temos
alguma ligação afetiva. Em situações normais a pessoa abre para si um leque de
interesses: interesse pelas notícias, pelos esportes, pela companhia de amigos e
pessoas queridas, pelo conhecimento em geral, pelos passeios, pelas novidades,
pelas compras, pelas artes, pelos filmes, pela comida, pelas revistas e jornais, enfim,
cada pessoa nutre um rol de interesses pessoais, evidentemente, interesses por
coisas que lhe dão prazer. Pois bem. No Estreitamento Vivencial da depressão esse
leque de interesses vai se fechando, aparecendo progressivamente um desinteresse
e desencanto pelas coisas. Há um momento onde a preocupação com o próprio
sofrimento toma conta de todo interesse vivencial do deprimido.
Não há ânimo suficiente para admirar um dia bonito, para se interessar na
realização ocupacional, para degustar uma boa bebida, para deleitar-se com um
filme interessante, para sorver uma boa companhia, para incrementar a discoteca,
visitar um amigo...
No rol de ocupações do deprimido com Estreitamento Vivencial acaba só
existindo a preocupação consigo próprio e com sua dor. Nada mais lhe dá prazer,
nada mais pode motivá-lo. Neste caso, o leque do campo vivencial fica tão estreito
que só cabe nele o próprio paciente com sua depressão, o restante de tudo que a
vida pode oferecer não interessa mais, a própria vida parece não interessar mais.
Enquanto a Inibição Global pode ser entendida como um aspecto exterior do
relacionamento do indivíduo com o mundo, como uma espécie de prejuízo em sua
performance, em seu rendimento pessoal e de relacionamento com as coisas, o
Estreitamento Vivencial, por sua vez, denota uma alteração mais interior, um
prejuízo nas impressões que o mundo e a vida causam no sujeito. Um é centrífugo o
outro centrípeto. Na Inibição Global as coisas são feitas com dificuldade e lerdeza,
com maior esforço físico e mental. No Estreitamento Vivencial as coisas nem sequer
serão feitas.
13
2.4. Como se manifesta a Depressão
Saber como, exatamente, a pessoa apresenta sua depressão é uma questão
complicada. Como dissemos, as manifestações depressivas são muito variadas e
extremamente dependentes da personalidade de cada um. Mas uma coisa é certa; a
Depressão costuma estar junto com a maioria dos transtornos emocionais, ora
aparecendo como um sintoma de determinado estado emocional, ora apenas
coexistindo com quadros ansiosos, outras vezes como causa de determinados
transtornos. Em muitas situações psíquicas a Depressão se encontra presente, às
vezes de forma típica outras vezes dissimulada.
A Depressão aparece como um sintoma associado e impregnando todo o viver
dos pacientes emocionais em geral, tanto sob sua forma típica, com tristeza, choro,
desinteresse, etc, quanto em sua forma atípica, com somatizações, pânico,
ansiedade, fobia, obsessões. De qualquer forma, o que encontramos mais
freqüentemente nos distúrbios depressivos são os sintomas atrelados a essa
afetividade alterada. Normalmente os sintomas afetivos não proporcionam prejuízo
significativo da crítica mas, apesar do juízo crítico estar conservado, as vivências do
deprimido terão representação alterada (veja o capítulo sobre a Representação do
Objeto), serão suportadas com grande sofrimento e com perspectivas pessimistas.
Assim sendo, a interpretação e valorização afetiva da realidade podem ter seu
caráter alterado, de acordo com a intensidade da Depressão: a pessoa deprimida
poderá simplesmente apresentar idéias falsas sobre a realidade, nos casos mais
leves ou, nos casos mais graves, poderá desenvolver delírio franco sobre a
realidade.
Em sua forma típica e clássica a manifestação da depressão depende sempre
da maneira (quadro clínico, freqüência, intensidade) com a qual se manifesta o
chamado Episódio Depressivo. Assim sendo, estudando o Episódio Depressivo
entenderemos as manifestações clínicas de todas as depressões típicas.
Enfatizando sempre o termo "típico".
Apesar de não ser bem o propósito dessa obra classificar doenças, estando
mais preocupados em fazer entender as emoções, mesmo assim vamos dar uma
pincelada em alguns aspectos classificatórios importantes para o entendimento
global. Saber se o estado depressivo é Leve, Moderado ou Grave é apenas uma
questão da intensidade com que se apresenta o Episódio Depressivo. Saber se
esse estado depressivo é uma ocorrência única na vida da pessoa ou se é repetitivo,
dependerá da freqüência com que os Episódios Depressivos se apresentam. Saber
se o Transtorno Afetivo em pauta é simplesmente um quadro depressivo ou se é
bipolar, dependerá do fato dos Episódios Depressivos serem a única ocorrência
afetiva ou se coexistem com episódios de euforia. Enfim, como se vê, estudando o
Episódio Depressivo, sua intensidade, freqüência e apresentação, podemos
classificar o tipo de Transtorno Afetivo.
Devido ao fato dos estados depressivos se acompanharem, com assiduidade,
de sintomas somáticos, a existência ou não destes sintomas também acaba fazendo
parte da classificação. Da mesma forma, a presença concomitante ao Episódio
Depressivo com sintomas psicóticos determinará diferentes classificações.
14
Cumprindo apenas um propósito acadêmico, e aproveitando para mostrar que
a classificação dos Transtornos Afetivos (ou do Humor) é relativamente fácil,
relacionamos abaixo a classificação formal, de acordo com a CID.10 (Classificação
Internacional das Doenças).
2.5. Delírio na depressão
O Delírio Depressivo aparece só nos quadros muito graves. Normalmente
surge sob a forma de Delírio de Pecado, quando a idéia principal é de culpa, ou
quando o problema é a saúde, sob a forma de Delírio de Doença. Se o medo diz
respeito à fortuna, surgirá o Delírio de Ruína ou de Empobrecimento.
Percebe-se claramente que todos esses 3 tipos de delírios depressivos dizem
respeito à severo prejuízo da auto-estima.
O doente com Delírio Pecaminoso crê, sem razão, ter cometido os piores
crimes e pecados ou aumenta pequenas transgressões reais e tentações, mesmo
apenas em pensamentos, para um pecado imperdoável. Por este motivo não apenas
o próprio paciente, nesta vida e na vida além da morte, como também todos os seus
parentes e até todo o mundo será castigado de forma indescritível.
O Delírio de Empobrecimento ou o castigo muitas vezes é pensado de forma
contaminante; não é apenas o doente a ser castigado por suas dívidas ou irá morrer
de fome, mas também seus parentes terão igual destino.
O Delírio de Doença depressivo é a crença de ter determinadas doenças,
sempre especialmente graves. Devemos estabelecer uma distinção entre este delírio
da depressão, do Delírio Hipocondríaco, que surge na Esquizofrenia ou na Psicose
Delirante Persistente, sem necessária existência de depressão.
Via de regra existe também uma diferença no fato de que o Delírio de Doença
depressivo transfere para o futuro o pior que poderá acontecer, ao passo que o
hipocondríaco se preocupa com o presente. O depressivo crê sofrer de obstrução
intestinal e que irá morrer de forma especialmente horrenda; o hipocondríaco sofre,
neste momento atual, em função de constipação intestinal e exige e espera ajuda.
2.7. Interesse, apetite e sono na depressão
A perda de interesse ou prazer quase sempre está presente, pelo menos em
algum grau nas pessoas com Depressão. Os pacientes podem relatar menor
interesse por passatempos, "não se importar mais", ou a falta de prazer com
qualquer atividade antes considerada agradável. Os membros da família
freqüentemente percebem um certo retraimento social ou descaso para atividades
agradáveis, como por exemplo, jogar, assistir tv, ler revistas, reunir-se com amigos,
brincar com netos e/ou com colegas, etc. Em muitos casos há uma redução
significativa nos níveis de interesse ou do desejo sexual.
15
O apetite geralmente está reduzido, sendo que muitos indivíduos sentem que
precisam se forçar a comer. Outros, por outro lado, podem ter uma incômoda avidez
por alimentos específicos, como por exemplo, chocolates, doces, etc. Quando as
alterações no apetite são severas, seja por diminuição ou aumento, pode haver uma
perda ou ganho significativos de peso.
A perturbação do sono mais comumente associada com um Episódio
Depressivo é a insônia, tipicamente intermediária, ou seja, com despertar durante a
noite e dificuldade para voltar a dormir. Menos freqüente é a insônia terminal, isto é,
despertar muito cedo, com incapacidade de conciliar o sono novamente. A insônia
inicial, isto é, a dificuldade para adormecer, embora menos freqüente, também pode
ocorrer. Além disso, alguns pacientes apresentam, curiosamente, uma sonolência
excessiva (hipersonia), na forma de episódios prolongados de sono noturno ou de
sono durante o dia.
16
3. FORMAS CLÍNICAS DA DEPRESSÃO
As várias classificações dos Transtornos Afetivos do tipo depressivo, que na
realidade são as várias maneiras da Depressão se manifestar clinicamente,
dependem sempre da maneira (existência, freqüência e intensidade) com a qual se
manifesta o Episódio Depressivo ou, também, quando a Depressão se manifesta
sem a ocorrência de Episódio Depressivo (atípica). Assim sendo, estudando-se o
Episódio Depressivo entenderemos todos os tipos de Depressão típica.
A grosso modo e bem didaticamente, gostaria de dividir as manifestações
clínicas da Depressão apenas de duas maneiras: Típica e Atípica. As Depressões
Típicas seriam aquelas que se apresentam através dos Episódios Depressivos e, de
acordo com as classificações internacionais (DSM.IV e CID.10). As Depressões
Atípicas são aquelas que se manifestam, predominantemente através de sintomas
ansiosos (Pânico, Fobia...) e somatiformes.
Saber se um estado depressivo típico está se apresentando de forma Leve,
Moderada ou Grave é apenas uma questão da intensidade com a qual se
apresentam os Episódios Depressivos. Saber se o estado depressivo é uma
ocorrência única na vida da pessoa ou se é recidivante (repetitivo), dependerá da
freqüência com que se apresentam esses Episódios Depressivos. Saber se o
Transtorno Afetivo em pauta é simplesmente um quadro depressivo ou se é bipolar,
dependerá do fato dos Episódios Depressivos serem a única ocorrência afetiva ou
se coexistem com outros episódios de euforia. Enfim, como se vê, sabendo-se os
Episódios Depressivos, sua intensidade, freqüência e apresentação saberemos
classificar o tipo de Transtorno Afetivo depressivo típico.
Embora o juízo crítico esteja freqüentemente conservado, as vivências do
deprimido são suportadas com grande sofrimento e com perspectivas pessimistas. A
interpretação da realidade assume caráter alterado, de acordo com a intensidade da
Depressão: poderá simplesmente se apresentar como idéias falsas, nos casos mais
leves ou, nos casos mais graves como delírio franco.
Na psicomotricidade do deprimido percebemos inibição geral das funções,
lentidão, pobreza da fala e dos movimentos, ombros caídos e andar com sacrifício,
desleixo nos cuidados com a higiene pessoal, abandono de si próprio. Nos casos
mais graves podemos ter posturas de negativismo, como se a pessoa estivesse
numa espécie de catatonia (apatia intensa e até paralisação psicomotora). Alguns
deprimidos podem salientar apenas sintomas somáticos (físicos) ao invés de
sentimentos de tristeza, como por exemplo, dores vagas e imprecisas, tonturas,
cólicas, falta de ar, e outras queixas somatomorfas. Para estes, talvez, seja mais
fácil comunicar sua aflição e desespero através dos órgãos que do discurso.
Também em crianças e adolescentes a depressão pode dissimular-se sob a forma
de um humor irritável ou rabugento, ao invés de triste e abatido. Outros pacientes
podem apresentar irritabilidade aumentada, como por exemplo, crises de raiva,
explosividade, sentimentos exagerados de frustração, tendência para responder a
eventos com ataques de ira ou culpando os outros. O que encontramos mais
freqüentemente
nos
distúrbios
depressivos
são
sintomas
atrelados
predominantemente à afetividade, normalmente sem severo prejuízo da crítica.
17
A perda de interesse ou do prazer está quase sempre presente em algum grau.
Os pacientes podem relatar menor interesse por passatempos, não se importam
mais com coisas antes importantes, enfim, falta-lhes prazer para atividades
anteriormente consideradas agradáveis, incluindo a atividade sexual.
Aproximadamente 50% dos pacientes com Distúrbio Depressivo Maior têm seu
primeiro Episódio Depressivo antes dos 40 anos e a maioria destes surtos não
tratados duram de 6 a 13 meses. Tratados, a maioria dos episódios dura cerca de 3
meses.
3.1. Episódio depressivo
Devido ao fato dos estados depressivos se acompanharem, com muita
assiduidade, de sintomas somáticos, a existência ou não destes sintomas faz parte
da classificação, assim como também a presença de sintomas psicóticos, como
vimos acima. Segundo a CID.10 a classificação dos Episódios Depressivos ficaria
assim:









F32 - EPISÓDIO DEPRESSIVO
F32.0 - Episódio Depressivo Leve
F32.00 - ... sem Sintomas Somáticos
F32.01 - ... com Sintomas Somáticos
F32.1 - Episódio Depressivo Moderado
F32.10 - ... sem Sintomas Somáticos
F32.11 - ... com Sintomas Somáticos
F32.2 - Episódio Depressivo Grave sem Sintomas Psicóticos
F32.3 ... com Sintomas Psicóticos
Os Episódios Depressivos podem proporcionar perturbações do sono.
Comumente, estas se manifestam sob a forma de insônia. A insônia da depressão
costuma ser intermediária, caracterizada por despertar durante a noite com
dificuldade para voltar a dormir. No caso da insônia ser terminal há um despertar
muito cedo, com incapacidade de conciliar o sono novamente.
A insônia inicial, quando há dificuldade para adormecer, é a mais incomum na
depressão pura (sem ansiedade). Menos freqüentemente alguns pacientes reagem
à depressão com sonolência excessiva (hipersonia), na forma de episódios
prolongados de sono noturno ou de sono durante o dia. Ocasionalmente a razão
pela qual o indivíduo busca tratamento pode ser esta perturbação do sono. Muito
marcante também é a apatia durante a crise depressiva. A diminuição da energia
física e mental é comum e se traduz por cansaço e fadiga crônicos, muitas vezes
responsáveis por inúmeros exames de sangue a que se submetem os pacientes. O
deprimido pode relatar fadiga persistente sem esforço físico compatível e as tarefas
mais leves parecem exigir mais esforço que o habitual.
Também pode haver diminuição na eficiência para realizar tarefas. A pessoa
deprimida pode queixar-se, por exemplo, de que as coisas levam o dobro do tempo
habitual para serem feitas.
18
Na depressão também é muito freqüente um certo prejuízo na capacidade de
pensar, de concentrar-se ou de tomar decisões. Os depressivos podem se queixar
de enfraquecimento de memória ou mostrar-se facilmente distraídas.
A produtividade ocupacional costuma estar também prejudicada, notadamente
nas pessoas com atividades acadêmicas ou profissionais intelectualmente exigentes.
Em crianças deprimidas pode haver uma queda abrupta no rendimento escolar como
resultado da dificuldade de concentração.
Freqüentemente existem pensamentos sobre morte durante o Episódio
Depressivo. Trata-se, não apenas da ideação suicida típica mas também da
preferência em estar morto ainda que não propositadamente. Em pessoas menos
gravemente deprimidas, tais pensamentos costumam ser uma crença de que seria
preferível estar morto à conviver com este sofrimento e, nos casos mais severos,
pensamentos recorrentes sobre cometer suicídio.
Nos idosos as dificuldades de memória podem ser a queixa principal e ser
confundido com os sinais iniciais da demência. Este quadro de prejuízo da memória
e outros sinais que poderiam confundir a depressão com demência recebe o nome
de Pseudo Demência Depressiva. Nestes casos, soma-se à lentidão dos processos
psíquicos um exagerado desinteresse, dando a falsa impressão de que a pessoa
não está tendo consciência absoluta da realidade. Na realidade, o que o idoso
deprimido tem é um grande desinteresse em lembrar fatos e em participar dos
eventos cotidianos.
Uma porção significativa das mulheres relata uma piora dos sintomas
depressivos alguns dias antes do início do período menstrual. O sucesso do
tratamento da chamada Tensão Pré-Menstrual (TPM) com antidepressivos é hoje
um indício da labilidade afetivas de parte expressiva dessas pacientes.
A duração de um Episódio Depressivo Maior é variável. Quando não-tratado o
Episódio Depressivo costuma durar 6 meses ou mais, não importando a idade de
início. Na maioria dos casos, existe a remissão completa dos sintomas, retornando o
funcionamento ao nível normal, mas não sem severo sofrimento e/ou outros
prejuízos vivenciais.
3.2. Critérios DSM-IV para Episódio Depressivo Maior
A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o
mesmo período de 2 semanas e representam uma alteração a partir do
funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas é:


humor deprimido ou;
perda do interesse ou prazer.
Nota: Não incluir sintomas nitidamente devidos a uma condição médica geral
ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor.
19
(1) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por
relato subjetivo (por ex., sente-se triste ou vazio) ou observação feita por outros (por
ex., chora muito).
Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável
(2) interesse ou prazer acentuadamente diminuídos por todas ou quase todas
as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato
subjetivo ou observação feita por outros)
(3) perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (por ex., mais de
5% do peso corporal em 1 mês), ou diminuição ou aumento do apetite quase todos
os dias.
Nota: Em crianças, considerar falha em apresentar os ganhos de peso
esperados
(4) insônia ou hipersonia quase todos os dias
(5) agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por
outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento)
(6) fadiga ou perda de energia quase todos os dias
(7) sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser
delirante), quase todos os dias (não meramente auto-recriminação ou culpa por estar
doente)
(8) capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase
todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outros)
(9) pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação
suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico
para cometer suicídio
B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo.
C. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma
substância (por ex., droga de abuso ou medicamento) ou de uma condição médica
geral (por ex., hipotiroidismo).
D. Os sintomas não são melhor explicados por Luto, ou seja, após a perda de
um ente querido, os sintomas persistem por mais de 2 meses ou são caracterizados
por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação
suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor.Veja ilustração do tema
20
3.3. Transtorno Depressivo Recorrente
Com esse nome a CID.10 classifica os transtornos depressivos que se
caracterizam pela ocorrência repetida de Episódios Depressivos correspondentes à
descrição supra-citada de um Episódio Depressivo. Esse transtorno pode, contudo,
comportar breves episódios caracterizados por um ligeiro aumento de humor e da
atividade (hipomania), sucedendo imediatamente a um Episódio Depressivo, e por
vezes, podem ser precipitados por um tratamento com medicamentos
antidepressivos.
As formas mais graves do Transtorno Depressivo Recorrente apresentam
numerosos pontos comuns com os conceitos da fase depressiva de um transtorno
que era chamado, antigamente, de Psicose Maníaco-Depressiva (PMD), ou de
Melancolia, assim como de Depressão Vital ou Depressão Endógena por outros
autores. Assim sendo, repetindo apenas com finalidade didática, aquilo que a CID.10
chama de Transtorno Depressivo Recorrente Grave é sinônimo de Psicose ManíacoDepressiva (PMD) fase depressiva, Melancolia, Depressão Vital ou Depressão
Endógena.
O primeiro Episódio Depressivo do Transtorno Depressivo Recorrente pode
ocorrer em qualquer idade, da infância à senilidade, podendo ter um início agudo ou
insidioso, durando de algumas semanas a alguns meses. O risco de ocorrência de
um episódio de euforia (maníaco) não pode jamais ser completamente descartado
em um paciente com um transtorno depressivo recorrente, qualquer que seja o
número de Episódios Depressivos apresentados. Entretanto, em caso de ocorrência
de algum Episódio Maníaco em portadores de Transtorno Depressivo Recorrente,
autoriza a mudar o diagnóstico para Transtorno Afetivo Bipolar.
As subclassificações do Transtorno Depressivo Recorrente são:










Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve
Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado
Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas
psicóticos
Psicose maníaco-depressiva, forma depressiva sem sintomas psicóticos
Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas
psicóticos
Psicose maníaco-depressiva, forma depressiva, com sintomas psicóticos
Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão
Outros transtornos depressivos recorrentes
Transtorno depressivo recorrente sem especificação
Depressão unipolar SOE
A Depressão costuma estar junto com a maioria dos transtornos emocionais.
Ora a Depressão aparece como um sintoma de determinada doença, ora apenas
coexiste junto com outros estados emocionais, outras vezes aparece como causa
desses transtornos. Para entender a Depressão "doença", devemos antes entender
a Afetividade e, em seguida os Transtornos Afetivos. Em muitas outras situações a
Depressão se encontra presente, às vezes de forma típica outras vezes dissimulada.
21
A Depressão aparece como um sintoma associado e permeando todo o viver
dos neuróticos em geral, tanto sob sua forma típica com tristeza, choro,
desinteresse, etc., quanto em sua forma atípica com somatizações, pânico,
ansiedade, etc. As neuroses, apesar de apresentarem uma sintomatologia variada e
característica de cada tipo, apresentam todas elas os sintomas neuróticos em geral
e em graus variados. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo, por exemplo, além de
poder apresentar todos os sintomas neuróticos (ansiedade, angústia, depressão,
fobias, etc.) apresenta em grau predominante os pensamentos obsessivos e/ou
atitudes compulsivas (de evitação, etc.), fato que justifica sua classificação.
O Transtorno Afetivo (ou Depressivo) da Personalidade era uma classificação
mais antiga, hoje não se fala mais assim, embora deva-se ter em mente o conceito
deste transtorno. Para facilitar o entendimento desse antigo Transtorno Depressivo
da Personalidade, digamos que dele fazem parte as pessoas com um traço de
personalidade de característica afetiva mais melancólica e depressiva. Esse conceito
se identifica perfeitamente com aquilo que chamamos hoje de Distimia. Trata-se,
como dissemos, de uma maneira de sentir a realidade com tonalidade afetiva
depressiva e melancólica sem que, necessariamente, seja considerado uma doença
franca continuada. Portanto, não há aqui um severo prejuízo das qualidades de vida
social ou ocupacional em um grau suficiente para atribuir um caráter patológico, mas
a depressão aparece como uma característica existencial dessas pessoas. Hoje, a
denominação mais correta para esta afetividade depressiva solidamente atrelada à
personalidade e sem características limitantes da vida é o chamado Transtorno
Afetivo Persisistente do tipo Distimia.
3.4. Distimia
Conceitualmente entende-se como DISTIMIA uma depressão crônica, com
sintomatologia não suficientemente grave para podermos classificá-la como
EPISÓDIO DEPRESSIVO OU TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE. A
característica essencial do Transtorno Distímico é um humor cronicamente
deprimido que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos dias e por pelo menos 2
anos. Na Distimia as pessoas se auto-definem como tristes ou "na fossa". Em
crianças e em alguns adolescentes o humor, originariamente deprimido, pode ser
irritável, rebelde ou opositor. Na Distimia há, comumente, alterações do apetite, o
qual tanto pode estar diminuído quanto aumentado (hiperfagia), alterações do sono,
tanto insônia quanto hipersonia, baixa energia ou fadiga, redução da auto-estima,
fraca concentração, dificuldade em tomar decisões e sentimentos de desesperança.
Há acentuada redução do interesse e a autocrítica é sempre desfavorável. O
paciente freqüentemente vê a si mesmo como desinteressante ou incapaz.
Os pacientes distímicos experimentam períodos de dias ou semanas de
normalidade afetiva, durante os quais referem como estando bem mas, na quase
maioria do tempo queixam-se de fadiga, desânimo, desinteresse e apatia, tendência
à tristeza e dificuldade no relacionamento e na adaptação ambiental. Os Transtornos
de Ajustamento com características depressivas prolongadas freqüentemente estão
associadas à este tipo de personalidade.
22
É comum que este transtorno (neurótico) seja marcado por uma depressão
desproporcional que se apresenta depois de alguma experiência dolorosa, embora
essa experiência prévia não seja obrigatória. A distinção entre este transtorno e
outros quadros depressivos mais incisivos, como é o caso da EPISÓDIO
DEPRESSIVO ou da DEPRESSÃO RECORRENTE, não deve se basear apenas no
grau da depressão mas, principalmente, na constatação de outras características
neuróticas, assim como na vigência de perturbações que afetam o comportamento e
a performance sócio-ocupacional do paciente.
Para os distímicos os fatos da vida são percebidos com muita amargura e são
mais difíceis de suportar, de forma que as vivências desagradáveis são ruminadas
por muito tempo e revividas com intensidade, sofrimento e emoção. Já as vivências
mais agradáveis passam quase desapercebidas, são fugazes e esquecidas com
rapidez.
Na Distimia as sensações de doenças graves ou enfermidades mortais
dificilmente são removíveis pela argumentação médica mas, por outro lado, as
opiniões leigas depreciativas são enormemente valorizadas. Ao serem medicados,
tais pacientes, normalmente "preferem" perceber os efeitos colaterais dos
medicamentos aos efeitos terapêuticos pretendidos. O prejuízo no funcionamento
social e profissional é a razão que normalmente leva o paciente a procurar ajuda: há
desinteresse, perda da iniciativa, capacidade de concentração diminuída, perda da
libido, memória prejudicada, fadiga e cansaço constante, vulnerabilidade a outras
doenças, diminuição da auto-estima, inibição psíquica generalizada, perda da
capacidade de sentir prazer pelas coisas da vida, insegurança, pessimismo,
retraimento social, tendência ao isolamento, choro fácil, insônia, ansiedade e
angústia.
Em crianças, nas quais, como sempre, os fenômenos depressivos apresentamse de forma atípica, o Transtorno Distímico pode estar associado com Transtorno de
Déficit de Atenção por Hiperatividade (antiga Hipercinesia), Transtornos de
Ansiedade e Transtornos de Aprendizagem. A Distimia infantil acarreta um
comprometimento do desempenho escolar e na interação social. Na prática clínica
encontramos, muitas vezes, apenas a Hiperatividade, o baixo rendimento escolar e a
rebeldia como sinais da Distimia. Geralmente, tanto as crianças quanto os
adolescentes com Transtorno Distímico, mostram-se irritáveis, ranzinzas,
pessimistas, deprimidos e podem ter redução da auto-estima e fraco desempenho
social. Na idade adulta, as mulheres estão duas a três vezes mais propensas a
desenvolver Transtorno Distímico do que os homens.
O Transtorno Distímico é mais comum entre os parentes biológicos em primeiro
grau de pessoas com Transtorno Depressivo Maior do que na população geral. O
Transtorno Distímico tem um curso crônico, insidioso e precoce, iniciando-se
comumente na infância, adolescência ou início da idade adulta. As pessoas com
Transtorno Distímico em geral têm uma probabilidade maior para desenvolver um
Transtorno Depressivo Maior sobreposto à Distimia.Veja ilustração do tema
O DSM-IV aponta os seguintes critérios para o diagnóstico da Distimia:
23
A. Humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, indicado por
relato subjetivo ou observação feita por outros, por pelo menos 2 anos. Nota.: Em
crianças e adolescentes, o humor pode ser irritável, e a duração deve ser de no
mínimo 1 ano.
B. Presença, enquanto deprimido, de duas (ou mais) das seguintes
características:
(1) apetite diminuído ou hiperfagia
(2) insônia ou hipersonia
(3) baixa energia ou fadiga
(4) baixa auto-estima
(5) fraca concentração ou dificuldade em tomar decisões
C. Durante o período de 2 anos (1 ano, para crianças ou adolescentes) de
perturbação, jamais a pessoa esteve sem os sintomas dos Critérios A e B por mais
de 2 meses a cada vez.
D. Ausência de Episódio Depressivo Maior durante os primeiros 2 anos de
perturbação (1 ano para crianças e adolescentes); isto é, a perturbação não é
melhor explicada por um Transtorno Depressivo Maior crônico ou Transtorno
Depressivo Maior, Em Remissão Parcial.
Nota: Pode ter ocorrido um Episódio Depressivo Maior anterior, desde que tenha
havido remissão completa (ausência de sinais ou sintomas significativos por 2 meses) antes
do desenvolvimento do Transtorno Distímico. Além disso, após os 2 anos iniciais (1 ano
para crianças e adolescentes) de Transtorno Distímico, pode haver episódios sobrepostos
de Transtorno Depressivo Maior e, neste caso, ambos os diagnósticos podem ser dados
quando são satisfeitos os critérios para um Episódio Depressivo Maior.
E. Jamais houve um Episódio Maníaco, um Episódio Misto ou um Episódio
Hipomaníaco e jamais foram satisfeitos os critérios para Transtorno Ciclotímico.
F. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um Transtorno
Psicótico crônico, como Esquizofrenia ou Transtorno Delirante.
G. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma
substância (por ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica
geral (por ex., hipotiroidismo).
H. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo.
Especificar se:
Início Precoce: se o início ocorreu antes dos 21 anos.
Início Tardio: se o início ocorreu aos 21 anos ou mais.
Com Características Atípicas.
24
4. CAUSAS DA DEPRESSÃO
Segundo o último relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), a
Depressão é mais comum no sexo feminino, estimando-se uma prevalência do
episódio depressivo em 1,9% no sexo masculino e 3,2% no feminino. Ainda sobre
prevalência, esse órgão da ONU reporta que 5,8% dos homens e 9,5% das
mulheres passarão por um Episódio Depressivo num período de 12 meses. Essas
cifras de prevalência variam entre diferentes populações e podem ser mais altas em
algumas delas.
Embora a Depressão possa afetar as pessoas em qualquer fase da vida, a
incidência seja mais alta é nas idades médias e, infelizmente, há crescente
reconhecimento da Depressão durante a adolescência e início da vida adulta.
A Depressão é, essencialmente, uma doença que se manifesta por episódios
recorrentes e cada episódio geralmente dura de alguns meses a alguns anos, com
um período normal entre eles. Em cerca de 20% dos casos, porém, a Depressão
segue um curso crônico e sem remissão, ou seja, continuamente (OMS),
especialmente quando não há tratamento adequado disponível.
Alguns outros dados estatísticos mostram que a Depressão, agora não mais o
Episódio Depressivo visto acima, mas a Depressão em geral, afeta de 15% a 20%
das mulheres e de 5% a 10% dos homens. Aproximadamente 2/3 das pessoas com
Depressão não fazem tratamento e dos pacientes que procuram o clínico geral
apenas 50% são diagnosticados corretamente.
A maioria dos pacientes deprimidos que não é tratada irá tentar suicídio pelo
menos uma vez e 17% deles conseguem se matar. Com o tratamento correto, 70% a
90% dos pacientes recuperam-se da Depressão. A doença pode surgir a qualquer
idade, ainda que os sintomas apareçam mais freqüentemente entre os 20 e 50
anos.
4.1. A Depressão vem de dentro ou de fora?
Embora esses termos sejam antigos, são bastante didáticos:
Falamos em Depressão Endógena, para aquela Depressão devida a fatores
constitucionais, internos, de origem biológica e de predisposição hereditária. Este
tipo de Depressão tem uma causa fundamentalmente biológica e não existe relação
palpável com a história de vida da pessoa, não há motivos vivenciais para estar triste
ou melancólico, nem se percebem causas externas.
Estas pessoas tendem a se sentir melhor no período da tarde e sua doença
costuma se relacionar com as mudanças de estação, havendo um aumento de
sintomas na primavera e outono. Esses casos podem ser hereditários. Por outro
lado, a Depressão Exógena seria devida a fatores que se encontram no ambiente,
como por exemplo, o estresse, circunstâncias adversas profissionais, familiares, de
perda, ruptura, etc, ou seja, trata-se de uma Depressão causada fundamentalmente
por fatores ambientais externos.
25
Esse tipo também se denomina Depressão Reativa, pois se produz como
reação ou resposta a um evento traumático, como por exemplo, uma perda, um
desengano, uma tensão ou outros acontecimentos incômodos.
Os fatores exógenos são inespecíficos, ou seja, não nos é possível associar
um evento a um quadro depressivo, obrigatoriamente. Isso quer dizer que alguns
acontecimentos podem ser depressores para algumas pessoas e não para outras.
Existe uma ampla literatura sobre eventuais relações entre a tensão, a separação, a
perda e outros acontecimentos vitais, com síndromes de Depressão Reativa.
Porém, dificilmente poderíamos atribuir à doença uma responsabilidade
exclusiva do ambiente ou da constituição, antes disso, uma terceira postura é a que
considera estar implicados ambos fatores, tanto endógenos como exógenos, em
distintas proporções em os distintos pacientes.
Realmente é difícil encontrar uma alteração física que não afete ao estado de
ânimo e vice-versa, pois o estado de ânimo e o organismo físico costumam estar
indissoluvelmente atrelados. E também podemos dizer que não seriam os fatores
ambientais, propriamente ditos, os responsáveis pela Depressão, senão,
desencadeadores. Isso quer dizer que as agruras da vida desencadeiam a
Depressão principalmente nas pessoas que vivem e reagem com sensibilidade
acentuada.
Depois de muita polêmica sobre as causas da Depressão, esse mal que assola
impiedosamente boa parcela da população, parece que a maioria dos
pesquisadores, e das mais diversas tendências ideológicas e científicas, finalmente
fala num consenso; a Depressão teria uma origem bio-psico-social.
De fato, pela extensão do complexo termo - bio-psico-social - sobra pouco
espaço para os polêmicos. Traduzindo, isso quer dizer que a Depressão teria uma
origem tríplice; biológica, psicológica e, evidentemente, social.
Essa posição conciliatória satisfaz os pruridos dos pesquisadores mais
organicistas, para os quais tudo o que sentimos não ultrapassa a esfera dos
neurotransmissores e neuroreceptores, satisfaz também o discurso político dos
antropólogos e sociólogos que consideram a doença de natureza sócio-cultural e,
finalmente, agrada aos psicologistas, com o malabarismo intelectual que lhes é
próprio, acerca dos complexos, traumas e frustrações.
4.2. Fatores Biológicos
A biologia tenta buscar a origem da Depressão tanto na pessoa, quanto nos
ascendentes biológicos, ou seja, na fisiopatologia e na genética.
De fato, o último relatório da OMS enfatiza que, na Depressão, o risco da
doença pode ser devido a variações nas respostas dos circuitos neurais e estas, por
sua vez, podem refletir alterações quase imperceptíveis na estrutura, na localização
ou nos níveis de proteínas críticas para a função psíquica normal.
26
As pessoas com Depressão clínica podem ter alterações na quantidade de
algumas substâncias no cérebro, os chamados "neurotransmissores", bem como no
número e sensibilidade de estruturas funcionais situadas nas paredes de neurônios,
os "neuroreceptores". Em nosso cérebro há mensageiros químicos chamados
neurotransmissores, os quais ajudam a controlar as emoções. Os dois mensageiros
principais são a serotonina e a norepinefrina.
Paralelamente aos progressos na neurociência, ocorreram também avanços na
genética. Quase todos os Transtornos Mentais e Comportamentais estão associados
com um significativo componente de risco genético.
O componente genético das doenças costuma ser avaliado através de estudos
realizados em gêmeos. Esses estudos são feitos comparando-se a similaridade
entre gêmeos idênticos e gêmeos não idênticos. Estudam-se os modos de
transmissão de Transtornos Mentais entre diversas gerações de famílias e se
comparam os riscos de Transtornos Mentais em gêmeos monozigóticos (idênticos),
em oposição a gêmeos dizigóticos (fraternos).
Todos os estudos deste tipo mostram que os gêmeos geneticamente idênticos
têm mais possibilidades que os gêmeos fraternos de compartilhar a doença. Para os
gêmeos idênticos, as possibilidades de compartir o transtorno depressivo são de 50
a 80%, enquanto que em os gêmeos fraternais são de entre 15 e 25%. Isto significa
que nesta doença há algo muito importante relacionado com a genética. Apesar
disso, deve ficar claro que existem importantes influências não genéticas, embora
não saibamos quais. Pois, mesmo sendo alta a concordância entre gêmeos
idênticos, ela não é de 100%, logo, os genes não são o único fator.
O mais sensato em se dizer atualmente, é que os Transtornos Mentais e
Comportamentais devem-se, predominantemente, à interação de múltiplos genes
com fatores ambientais. Ademais, é possível que a predisposição genética ao
desenvolvimento de determinado distúrbio mental ou comportamental se manifeste
somente em pessoas sujeitas a certos estressores que desencadeariam a patologia.
Resumindo, voltamos à fórmula original e centenária: Fenótipo = Genótipo +
Ambiente.
Uma das principais falsa crença sobre essa doença é que as pessoas que têm
um padrão de pensamento negativo desenvolvem a Depressão. Mentira. As pessoas
deprimidas é que são pessimistas, que se preocupam excessivamente, que tem uma
autoestima baixa ou sentem que tem pouco controle sobre os acontecimentos da
vida. Portanto, ao invés de acreditarmos que para não ter Depressão a pessoa deve
ter "pensamentos positivos", devemos pensar bem ao contrário, ou seja, para ter
"pensamentos positivos" a pessoa não deve ter Depressão.
4.3. Fatores Agravantes e Desencadeantes
Há uma série de circunstâncias "fora" da constituição da pessoa que poderiam
predispor ao desenvolvimento da Depressão. Estas circunstâncias são chamadas de
fatores de risco depressivo ou, como se diz modernamente, preditores de
27
Depressão. Os principais fatores de risco identificados pela maioria das pesquisas
seriam:
4.3.1. Vida Urbana
Este fator, como todos os demais, deve ser tido apenas como fator de risco.
Aliás, como fator de risco de desencadear Depressão e não de cria-la, como alguns
poderiam pensar.
Ainda que o meio urbano seja por demais competitivo, agressivo e exigente, a
medicina não pode aceitar isso como CAUSA de Depressão porque ela funciona na
base das relações causais. Exemplo: a medicina sabe que o meningocóco causa
meningite porque, injetados na meninge de animais, todos eles desenvolvem
meningite. Sabemos, assim, que nem todas as pessoas submetidas ao meio urbano
desenvolvem Depressão, logo, a Depressão não pode simplesmente ser atribuída á
vida urbana. Há pessoas que participam da vida urbana com muita alegria e prazer.
4.3.2. Desemprego
Vale o mesmo raciocínio do caso anterior. Se todos os desempregados
ficassem deprimidos estaríamos descobrindo uma relação causal direta
desemprego-depressão. Mas, embora seja um forte fator desencadeante e
agravante, o desemprego não cria a Depressão por si só.
Vejamos que tipo aproximado de pessoa teria maior probabilidade de ficar
deprimido com o desemprego imediato (disse MAIOR PROBABILIDADE):






Os pessimistas, porque acham que nunca mais arranjarão outro emprego.
Os inseguros, porque acham que outros conseguirão emprego e eles não.
Os inferiores (auto-estima baixa) porque os outros são melhores e serão
preferidos.
Os muito responsáveis, porque sobre seus ombros pesa o dever de prover.
Os muito submissos à opinião dos demais, porque os outros estarão
comentando sobre sua ociosidade.
Os melancólicos, porque o desemprego justifica sua infelicidade.
Ora, todos esses traços caracterizam pessoas com tonalidade afetiva
rebaixada, ou seja, com certa predisposição a sentir o mundo com mais seriedade e
amargura, enfim, pessoas que já teriam maior probabilidade de se deprimirem diante
de adversidades.
Vejamos que tipo aproximado de pessoa teria maior probabilidade de ficar
deprimido com o desemprego em médio prazo (disse MAIOR PROBABILIDADE):
Os ansiosos, que têm muito maior probabilidade de passarem para o
esgotamento depois de algum tempo diante de um estressor capaz de mantê-los
ansiosos.
28
Vejamos que tipo aproximado de pessoa teria maior probabilidade de ficar
ansioso, portanto, potencialmente esgotado com o desemprego (disse MAIOR
PROBABILIDADE):
Os inseguros, porque acham que outros conseguirão emprego antes deles.
Os inferiores (auto-estima baixa) porque os outros são mais rápidos e espertos e
serão preferidos.
Os muito responsáveis, dinâmicos e ativos, porque sobre seus ombros pesa o
dever de prover e eles não se dobrarão diante dessas "pequenas" adversidades.
Os muito preocupados com a opinião dos demais, porque os outros estarão
comentando sobre seu insucesso, sua ociosidade e, pior, sobre sua fraqueza.
Pois é, voltamos ao ponto inicial: são pessoas predispostas a reagir dessa
forma diante das adversidades.
4.3.3. Doença Física
A Depressão freqüentemente ocorre junto com certas doenças orgânicas,
como por exemplo, o derrame ou Acidente Vascular Cerebral (AVC), doença
cardíaca, esclerose múltipla, câncer, doença de Parkinson, doença de Alzheimer e
diabetes.
Este tipo de Depressão é chamado de Depressão Co-ocorrente ou Depressão
Comórbida e é importante que ela seja tratada juntamente com a doença física, pois,
se observa com freqüência a formação de um círculo vicioso: doença-depressãodemora para sarar-depressão-piora da doença.
Doenças graves e deteriorantes também podem levar à Depressão na medida
em que são dolorosas ou que oferecem perspectivas sombrias.
Alterações dos hormônios também podem predispor à Depressão. Se os níveis
de alguns hormônios entrarem em desequilíbrio, como por exemplo os hormônios
tiroideanos, a Depressão pode surgir, o mesmo se diz em relação aos hormônios
supra-renais, etc.
4.3.4. Alteração Afetiva Prévia e Outras Doenças Emocionais
Quem já teve um quadro depressivo tem muito maior probabilidade de
desenvolver uma segundo episódio. A probabilidade de um segundo episódio
depressivo é de 35%, de um terceiro é de 65% e de um quarto episódio, 90%.
Assim sendo, um dos fatores preditores de depressão é a própria biografia
afetiva da pessoa. Em não havendo antecedentes francos de depressão ou de
episódio depressivo, também importam as ocorrências afetivas marcantemente
difíceis, como por exemplo, a adaptação ao primeiro dia na escola, às mudanças de
domicílio, de escola, a primeira menstruação, às rupturas de namoro, etc.
29
A Depressão clínica pode "co-ocorrer" em pessoas com outros transtornos
mentais, tais como os transtornos alimentares, transtornos de ansiedade, incluindo a
Síndrome do Pânico, Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Síndrome de Estresse
Pós-Traumático. Veja Onde Ocorre a Depressão
4.3.5. Histórico Familiar de Depressão
Existem vários estados psicopatológicos com inegáveis componentes
hereditários e/ou familiares. A transmissão genética diz respeito à probabilidade e
não à certezas. Assim sendo, a pessoa pode ser portadora de uma probabilidade
maior de desenvolver um transtorno ansioso, ou do humor, embora não haja certeza
de que terá esses quadros.
Quanto maior o número de antecedentes deprimidos entre familiares, maior
será a probabilidade do de desenvolver uma Depressão de natureza constitucional.
Há uma significativa porcentagem de filhos de pais deprimidos que desenvolve a
doença e, mais marcante ainda, uma expressiva porcentagem quando os dois pais
são deprimidos, mesmo que o filho tenha sido criado por outra família nãodeprimida.
Suicídios em membros da família também devem ser investigados, tendo em
vista a maior probabilidade dessa atitude repetir-se em descendentes.
4.3.6. Adolescência
Muitas pessoas apresentam uma primeira crise de Depressão durante a
adolescência, apesar de nem sempre essa crise ser reconhecida ou diagnosticada.
Segundo pesquisas, a Depressão comumente aparece pela primeira vez em
pessoas com idade entre 15 e 19 anos, embora costume ser diagnosticada em
pessoas mais velhas.
Durante muitos anos acreditou-se que os adolescentes, assim como as
crianças, não eram afetadas pela Depressão, já que, supostamente, esse grupo
etário não tinha problemas vivenciais. Como se acreditava que a Depressão era
exclusivamente uma resposta emocional à problemática existencial, então quem não
tinha problemas não deveria ter Depressão.
Atualmente sabemos que os adolescentes são tão susceptíveis à Depressão
quanto adultos, devendo ser encarada seriamente em todas as faixas etárias. A
Depressão pode interferir de maneira significativa na vida diária, nas relações sociais
e no bem-estar geral do adolescente, podendo até levar ao suicídio.
Hoje em dia é comum pais se orgulharem ao ver seu filhinho/a lidando
perfeitamente bem com o computador, com o vídeo cassete, com aparelho de DVD
e outras parafernálias da tecnologia, muitas vezes quando eles próprios não sabem
fazê-lo tão bem.
30
Essa admiração pela versatilidade tecnológica das crianças é, às vezes,
acompanhada de hipóteses familiares (notadamente de avós orgulhosos) sobre "as
crianças de hoje serem mais inteligentes e espertas do que as crianças de antes".
Na realidade, o que tem acontecido é que as crianças de hoje deixam de ser
subordinadas na medida em que detém mais saber ou experiência, deixam de
submeter-se à supervisão dos mais velhos, como foi durante muitas eras.
O conflito do adolescente é fator de risco para desencadear a Depressão, e
este conflito surge quando a criança se percebe diante de posições contraditórias;
ela é, ao mesmo tempo, aquela que não sabe por não ser adulta ainda, portanto,
tendo que obedecer ao protocolo cultural de freqüentar a escola, cursos cada vez
mais sofisticados e esportes que nada têm de lúdico e, por outro lado, ela já não
pode se comportar com a agitação e inconseqüência da infância. Veja Depressão na
Adolescência
4.3.7. Eventos estressantes ou perdas
É normal sentir-se triste após uma perda, como a morte de um ente querido ou
o rompimento de uma relação. Às vezes essa tristeza pode se transformar em
Depressão, em pessoas que têm tendência depressiva. Problemas de dinheiro,
trabalho ou outros problemas pessoais podem também desencadear a Depressão
ou são tidos como fatores de risco, na medida em que oferecem possibilidades
favorecedoras ao estresse e, conseqüentemente, ao esgotamento.
Toda a fisiologia e a patologia do estresse é inseparável da emoção, da
angustia e da Depressão, sobretudo enquanto representam os esforços adaptativos
do organismo para afrontar uma situação de alarme. Nesses casos, a Depressão
apareceria como conseqüência de um estado de esgotamento, onde estariam
esgotadas as capacidades adaptativas por excesso de estresse.
Avaliar a cronologia das vivências traumáticas, as circunstâncias em que
ocorreram e a proporcionalidade entre estas e o estado emocional é importantíssimo
para privilegiar as condutas psicoterapêuticas. Verificar "negligência ou abandono
infantil", institucionalização, orfandade e outras vivências precoces tornam o quadro
mais atrelado à personalidade que as experiências recentes.
Quanto mais importante for o fator ou estresse desencadeante da Depressão,
menos atrelada à constituição é a doença. A pessoa que apresenta depressão
depois de perder a mãe, terá muito melhor prognóstico do que aquele que manifesta
o mesmo quadro sem perder a mãe.
4.3.8. Personalidade Prévia
É importante, para qualquer contacto com a psicopatologia clínica, que antes
se tenha um contacto com o tema Desenvolvimento da Personalidade e,
principalmente, com os Transtornos de Personalidade.
31
O conceito de "personalidade pré-mórbida" é indispensável para o
entendimento dos quadros atuais de Depressão. A pessoa portadora de Transtorno
Anancástico (Obsessivo-compulsivo) da Personalidade terá, obviamente, uma
propensão a desenvolver o Transtorno Obsessivo-Compulsivo franco. Da mesma
forma ocorre no Transtorno Ansioso da Personalidade, Histriônico, Esquizóide,
Paranóide, etc.
A avaliação dos traços de personalidade e da sensibilidade afetiva exagerada
em fase pré-mórbida também é importante para avaliarmos a possibilidade da
Depressão.
Um paciente que esteja apresentando um quadro Obsessivo-compulsivo mas,
não obstante, mostra em seus antecedentes pessoais uma sensibilidade afetiva
aumentada será, sem dúvida, portadora de um quadro depressivo atípico ou com
características predominantemente ansiosas.
Outra pessoa que atravessa um Episódio Depressivo pós-rompimento conjugal,
mas sem nenhum antecedente emocional pessoal ou traço afetivo hipersensível de
personalidade, está mais provavelmente apresentando uma Depressão Reativa.
4.3.9. Medicamentos, drogas ou álcool
Alguns medicamentos, como por exemplo os anti-hipertensivos,
antituberculosos, medicamentos para "labirintite", etc, podem causar Depressão. O
álcool e algumas drogas ilegais podem piorar a Depressão. Não é bom que os
deprimidos
usem
essas
substancias,
mesmo
que
pareçam
ajudar
momentaneamente.
32
5. FISIOPATOLOGIA DA DEPRESSÃO
5.1. Modelo Biológico-Bioquímico
A bioquímica tem sido um dos campos mais frutíferos no estudo da biologia da
depressão, ainda que os achados não permitam grandes conclusões. As primeiras
hipóteses biológicas da fisiopatologia dos Transtornos Afetivos nasceram juntamente
com o estudo dos possíveis mecanismos de ação dos antidepressivos.
As primeiras hipóteses biológicas foram da deficiência de catecolaminas, logo
seguida pelas hipóteses da deficiência de indolaminas. Esta hipótese postulava, em
síntese, que a depressão seria o resultado de um déficit central de noradrenalina, e
que a mania poderia dever-se a um excesso cerebral desse neurotransmissor.
Acreditava-se e, ainda tem muita gente acreditando, que a depressão estaria
relacionada ao hipofuncionamento bioquímico da atividade de neurotransmissores,
notadamente da serotonina, noradrenalina e dopamina. E de fato, a hipótese de
hipofuncionamento dos sistemas de neurotransmissores passou a ser muito
questionada depois que alguns produtos, incluindo os antidepressivos, agiam
melhorando a depressão, concomitante ao aumento desses neurotransmissores que
produziam. Entretanto, estas hipóteses não explicavam a falta de eficácia imediata
dos tratamentos antidepressivos, apesar dos rápidos efeitos dos antidepressivos no
aumento das concentrações sinápticas de serotonina e de noradrenalina.
Realmente, hoje aceita-se verdadeira a idéia de que o aumento da
disponibilidade de neurotransmissores melhora o quadro depressivo, que é o que
fazem os antidepressivos. Isso parece indiscutível. Mas, cada vez mais, parece
também verdadeira a idéia de que a depressão não pode ser atribuída
exclusivamente ao hipofuncionamento desses neurotransmissores ou à diminuição
de seus níveis no cérebro. Pode tratar-se de uma fisiopatologia multifatorial.
5.2. Neurotransmissores ou Neuroreceptores? Eis a questão...
A idéia de que outros mecanismos podem estar envolvidos na origem da
Depressão começou a ser melhor pensada depois de se constatar que os níveis dos
neurotransmissores aumentam 3 horas depois de tomados os antidepressivos, mas
a melhora da depressão só acontece de 2 a 3 semanas depois. Porque essa
discrepância entre aumento de neurotransmissores e melhora da depressão? Isso
não sabemos ao certo.
Outro achado que suscitava dúvidas sobre a causa exclusiva da hipofunção de
neurotransmissores, foi que a deficiência de noradrenalina e/ou de serotonina, assim
como de seus metabólitos no líquido cefalorraquidiano (LCR), no sangue ou na
urina, nunca foi consistentemente demonstrada em pacientes depressivos, apesar
dos múltiplos esforços nesse sentido. Os trabalhos que atestavam eventual
deficiência de catecolaminas e metabólitos em pacientes deprimidos não eram
confirmadas por outros estudos.
33
Os avanços recentes no conhecimento da complexa regulação da síntese dos
neurotransmissores e de sua liberação a nível sináptico, os conhecimentos e
determinações dos neuroreceptores pré e pós-sinápticos, juntamente com as
interações desses neuroreceptores com os sistemas de segundos e terceiros
mensageiros, assim como as relações dos diferentes neurotransmissores entre si e
com outras substâncias, entre muitos outros achados, obrigam a modificar as
hipóteses biológicas mais antigas sobre a fisiopatologia dos Transtornos
Afetivos. Mas, apesar dessas novas e esperançosas hipóteses mais modernas,
vários neurotransmissores (serotonina, noradrenalina, dopamina, GABA, acetilcolina)
e neuropeptídeos (somatostatina, vasopresina, colecistocinina, opióides endógenos,
etc) continuam se relacionando atualmente, de uma forma direta ou indireta, na
patogenia dos Transtornos Afetivos. Entre esses, as substâncias que parecem
continuar mais implicadas em investigações são os neurotransmissores
noradrenérgicos e, sobretudo, a serotonina, ainda que o modelo baseado na
carência dessas substâncias tenha cedido terreno a teorias baseadas no
desequilíbrio entre os sistemas de neurotransmissão e na desregulação dos
neuroreceptores que regulam a atividade desses neurotransmissores. Portanto, hoje
em dia a tônica das hipóteses recai sobre os neuroreceptores, os quais, ao invés de
estruturas rígidas, passam a ser considerados estruturas plásticas que se adaptam e
respondem à homeostasia orgânica e às alterações dos neurotransmissores.
Existem dados sugestivos de que as alterações do sistema de
neurotransmissores podem ocorrer como conseqüência de mudanças no número
e/ou na sensibilidade dos neuroreceptores pré e pós-sinápticos no Sistema Nervoso
Central, sem que haja, obrigatoriamente, uma alteração na quantidade do próprio
neurotransmissor. As hipóteses baseadas na "deficiência" de neurotransmissores
têm sido, pois, substituídas por hipóteses mais enfocadas nos neuroreceptores.
Estas novas hipóteses sugerem que a Depressão poderia estar relacionada
mais à uma desregulação da sensibilidade do neuroreceptor do que com
deficiências do neurotransmissor, e que a demora dos efeitos terapêuticos do
tratamento antidepressivo estaria relacionado com alterações na sensibilidade dos
neuroreceptores dependentes do tempo de uso dos medicamentos. Outra idéia é a
de que os neuroreceptores, por serem proteínas, têm sua quantidade aumentada ou
diminuída apenas por síntese ou degradação e, ao tratar-se de um processo que
consome tempo, este poderia ser a causa da lenta ação terapêutica dos
antidepressivos.
Os neuroreceptores têm como missão, receber mensagens químicas
específicas e traduzi-las nas correspondentes respostas neuronais pós-sinápticas.
Acredita-se que a superfície externa do neuroreceptor serve para reconhecer e unirse ao neurotransmissor, enquanto a superfície interna efetua as alterações
intracelulares esperadas.
Cada neuroreceptor tem no mínimo dois componentes, um de reconhecimento
e outro efetor (superfície externa e interna, respectivamente), e existe um conjunto
mais o menos complexo de componentes intermediários em dependência do tipo de
neuroreceptor. Seriam os neuroreceptores, mais que os neurotransmissores, que
determinariam qual neurotransmissor atuará sobre a célula e, curiosamente, se essa
ação será excitatória ou inibitória.
34
Ainda sobre neuroreceptores e ação dos antidepressivos, tem-se suposto que
os antidepressivos tricíclicos inibem imediatamente o mecanismo de recaptação de
noradrenalina e/ou de serotonina pelo neurônio pré-sináptico, o que originaria um
aumento da disponibilidade desses neurotransmissores (noradrenalina e serotonina)
para serem captados pelos neuroreceptores pós-sinápticos. Como resposta, estes
neurônios pós-sinápticos acabam por reduzir o número de seus neuroreceptores e,
muito possivelmente, também da sensibilidade e atividade deles (dowm regulation).
A correlação encontrada entre a dowm regulatiom dos neuroreceptores póssinápticos e a resposta clínica aos antidepressivos é provavelmente um dos poucos
dados que sugerem um papel direto do sistema noradrenérgico na depressão.
Descobriu-se também a existência de auto-receptores inibidores no neurônio
pré-sináptico, o qual se estimularia com o aumento na concentração do
neurotransmissor no espaço intersináptico e inibiria a liberação do mesmo
neurotransmissor pelo neurônio pré-sináptico (dai o nome 'auto-receptor').
Enfim, as hipóteses da desregulação no número e na sensibilidade do
neuroreceptor sugerem que, em síntese, as deficiências funcionais na
neurotransmissão
podem
ocorrer
mesmo
com
níveis
normais
de
neurotransmissores, e não têm sido conclusivos os estudos para identificar uma
clara evidência entre as deficiências catecolaminas e indolaminas nos pacientes
depressivos.
5.3. Modelo Neuro-Anatômico
Pensando no modelo neuroanatômico da depressão, que considera as
estruturas cerebrais envolvidas na depressão, teríamos a amígdala como uma das
regiões primárias para avaliação e processamento do estímulo emocional. O
envolvimento do córtex pré-frontal, que possui conexões abrangentes com outras
estruturas igualmente participantes do comportamento emocional e das respostas
autonômicas e neuroendócrinas a estressores tem sido constatado por recentes
exames da função cerebral. Essas estruturas incluem a amígdala, hipotálamo,
núcleo accumbens, e núcleos serotoninérgicos, noradrenérgicos e dopaminérgicos
do tronco cerebral.
A tomografia computadorizada (TC), a Ressonância Magnética (RM) e a
Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) deram grande impulso ao estudo das
doenças neuropsiquiátricas. Hoje muito se sabe sobre a função cerebral através
desses exames funcionais computadorizados do cérebro.
Utilizando a PET, têm sido realizados estudos em voluntários normais durante
várias situações emocionais,incluindo: imaginação ou recordação de eventos
pessoais que despertam tristeza e outros sentimentos, indução de emoções por
filme ou fotografias e reconhecimento de faces expressando estados emocionais.
Esses estudos têm demonstrado ativação de áreas cerebrais tradicionalmente
implicadas na regulação de afetos, como por exemplo, o córtex pré-frontal e orbitofrontal, cíngulo e amígdala.
35
36
Foram avaliados pacientes com depressão unipolar grave e voluntários
normais durante um estado de tristeza induzido por filme de forte conteúdo
emocional em comparação com filmes sem conotação emotiva. Durante o filme
indutor de tristeza, áreas cerebrais previsivelmente envolvidas na mediação de
afetos foram ativadas tanto em voluntários normais como pacientes com depressão
maior. Essas áreas são os gânglios da base e as áreas pré-frontais, consideradas
áreas para-límbicas, incluindo córtex pré-frontal inferior e medial, cíngulo e córtex
temporal medial.
No entanto, a ativação do córtex pré-frontal medial e giro do cíngulo foi
significativamente maior em pacientes deprimidos. Esses achados sugerem o
envolvimento dos mesmos circuitos cerebrais na indução de tristeza tanto em
pessoas normais como em pacientes com transtornos do humor. Porém, por outro
lado, as diferenças obtidas nos padrões de ativação para-límbica sugerem um
possível componente quantitativo de estimulação nessas áreas, na evocação
emocional de pacientes deprimidos (Geraldo Busatto Filho).
37
6. CURSO E EVOLUÇÃO DA DEPRESSÃO
A Depressão é essencialmente um transtorno episódico e recorrente, isto é,
que se repete. Cada Episódio Depressivo dura, geralmente, alguns meses seguido
de um período normal entre os episódios. Em cerca de 20% dos casos, porém a
Depressão segue um curso crônico e sem remissão, ou seja, é contínua,
especialmente quando não há tratamento adequado disponível.
A taxa de recorrência para aqueles que se recuperam do primeiro episódio fica
ao redor de 35%, dentro de 2 anos, e cerca de 60% dentro de 12 anos. A taxa de
recaídas é mais alta nas pessoas com mais de 45 anos de idade.
Um dos resultados particularmente trágicos desse distúrbio é o suicídio. Cerca
de 15 a 20% dos pacientes depressivos põem termo à vida cometendo suicídio. O
suicídio continua sendo um dos resultados freqüentes e evitáveis da depressão.
O Transtorno Afetivo Bipolar é caracterizado por Episódios Depressivos
acompanhados de episódios de mania (euforia), quando então o humor fica
expansivo, aumenta muito a atividade, autoconfiança é excessiva e há deterioração
da concentração. Em suma, a Depressão é um transtorno mental comum, capaz de
gerar um ônus de doença muito elevado e deverá mostrar uma tendência
ascendente nos próximos 20 anos.
O Curso e a Evolução das doenças vêem à tona sempre que os pacientes e
familiares perguntam; "... e aí doutor: como será minha doença, tem cura? posso
voltar a apresentá-la?".
Na questão da Depressão é importantíssimo saber qual o tipo de transtorno e
de pessoa em questão. Devemos estabelecer um diagnóstico o mais preciso
possível e saber se o problema é apenas um Episódio Depressivo (único), se é
recorrência, se é o 1o., 2o. ou mais recaídas do quadro, saber se é crônico e vem se
arrastando há tempo, enfim, devemos saber como é a doença e quem é o doente
em questão.
Na questão paciente, é importante saber desde o início, se a pessoa ESTÁ ou
É doente. Cada qual evoluirá diferentemente, portanto, algumas circunstâncias
devem ser valorizadas:



Como era a personalidade pré-mórbida do paciente?
Há antecedentes familiares de transtornos emocionais?
Que intercorrências vivenciais podem ser associadas ao desenvolvimento
do quadro mórbido e da personalidade?
Como era a personalidade do paciente antes da doença (pré-mórbida)?:
O conceito de Personalidade Pré-Mórbida é indispensável para o entendimento e
avaliação do quadro atual. A pessoa portadora de traços melancólicos, sensibilidade
excessiva terá maior probabilidade de desenvolver uma quadro depressivo mais
crônico e mais atrelado à personalidade, portanto, terá uma evolução mais
desfavorável.
38
Por outro lado, uma outra pessoa que apresenta um Episódio Depressivo
depois de um rompimento conjugal, mas não tem antecedentes emocionais ou
traços afetivos hipersensíveis de personalidade, sem dúvida terá um curso mais
benigno e mais breve.
Há antecedentes familiares de transtornos emocionais?: Existem vários
quadros psicopatológicos com inegáveis componentes hereditários e familiares. Na
Depressão, assim como nas demais patologias, a transmissão genética diz respeito
à probabilidade e não à certeza. Havendo antecedentes familiares de transtornos
depressivos, , embora não tenha certeza de que terá esses quadros, a pessoa pode
ter uma probabilidade maior de desenvolver um transtorno do humor. Quanto maior
o número de antecedentes familiares, maior será a probabilidade do quadro atual ter
forte componente constitucional, logo, maior probabilidade de ser crônico e
recidivante. Suicídios em membros da família também devem ser investigados,
tendo em vista a maior probabilidade dessa atitude repetir-se em descendentes.
Que vivências podem ser associadas ao desenvolvimento da Depressão?:
Avaliar a cronologia das vivências traumáticas, as circunstâncias em que ocorreram
e a proporcionalidade entre estas e o estado depressivo é importantíssimo para
estimar o curso do quadro atual. A ocorrência de negligência ou abandono infantil,
de precoce institucionalização, orfandade e outras vivências em tenra idade, tornam
o quadro mais atrelado à personalidade que experiências recentes.
A Depressão que aparece como reação À alguma vivência traumática terá,
muito possivelmente, um prognóstico melhor do que as depressões que surgem sem
motivo aparente. Quanto mais significativo for o fator vivencial que desencadeou o
quadro, menos provável de ser a doença atrelada à constituição. Grosseiramente
exemplificando, a pessoa que apresenta depressão, transtorno de ajustamento,
episódio depressivo agudo, etc, mediata ou imediatamente depois de perder sua
mãe, terá muito melhor prognóstico do que aquele que manifesta o mesmo quadro
sem uma vivência causadora.
Na questão doença, a CID.10 (Classificação Internacional de Doenças)
considera os Transtornos Depressivos da seguinte maneira:





Episódios Depressivos
Transtorno Depressivo Recorrente
Distimia
Transtorno Afetivo Bipolar
Ciclotimia
6.1. Episódios Depressivos
Um Episódio Depressivo geralmente se desenvolve ao longo de dias ou
semanas. Um período prodrômico (sinais que antecedem o quadro) pode existir
meses antes do início de um Episódio Depressivo e inclui sintomas de ansiedade e
depressivos leves.
39
Ao lado, figura representando um
Episódio Depressivo único e a volta à
completa normalidade depois de
passado.
A duração de um Episódio Depressivo é muito variável. Um episódio não
tratado dura tipicamente 6 meses ou mais, não importando a idade da pessoa. Na
maioria dos casos, seja tratado ou não tratado, existe a remissão completa dos
sintomas, voltando a pessoa à um funcionamento normal e sem seqüelas. É claro
que os casos tratados melhoram de uma a três semanas.
Em não se tratando, uma porção significativa dos casos, em torno de 20 a
30%, continua apresentando alguns sintomas depressivos leves ou moderados por
meses ou até anos. A persistência de algum sintoma depressivo depois de passado
o Episódio Depressivo agudo sugere uma forte possibilidade de episódios
subseqüentes. É relativamente grande o número de pessoas que tem Transtorno
Distímico anterior ao início de um Episódio Depressivo Grave e Único.
6.2. Transtorno Depressivo Recorrente
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o risco para desenvolver
um Transtorno Depressivo Recorrente (ou Transtorno Depressivo Maior, se a
classificação for o DSM.IV) durante a vida tem variado de 10 a 25% para as
mulheres e de 5 a 12% para os homens.
O Transtorno Depressivo Maior pode começar em qualquer idade, situando-se
a média em torno dos 25 anos. Dados sugerem que a idade de início está baixando
atualmente. O curso do Transtorno Depressivo Maior ou Recorrente, é variável.
Alguns indivíduos têm episódios isolados separados por muitos anos sem quaisquer
sintomas depressivos, enquanto outros têm agrupamentos de episódios e outros,
ainda, têm episódios progressivamente freqüentes à medida que envelhecem.
Na figura ao lado, esquema ilustrativo
do Transtorno Depressivo Recorrente,
onde
se
sucedem
Episódios
Depressivos. No exemplo, com volta à
normalidade entre os episódios.
Existem algumas evidências de que os períodos de remissão, ou seja, entre os
episódios, em geral duram mais tempo no início do transtorno. O número de
episódios anteriores é que prediz a probabilidade de desenvolver um novo episódio
subseqüente.
Aproximadamente 50 a 60% das pessoas com Episódio Depressivo Grave e
único terá um segundo episódio. Mas, para ter um terceiro episódio essa
probabilidade aumenta muito, chegando à 70 a 80% e a 90% o risco de ter um
quarto episódio.
40
Alguns pacientes que tiveram um Episódio Depressivo Grave e único (cerca de
10%) desenvolvem, subseqüentemente, Recorrente (ou Maior) é 1,5 a 3 vezes mais
comum em parentes de pessoas com este transtorno do que na população geral.
Também existem evidências de haver uma incidência maior de Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade nos filhos de adultos com este transtorno.
É relativamente grande o número de pessoas que tem Transtorno Distímico
anterior ao início de um Transtorno Depressivo Recorrente. As evidências sugerem
que esses portadores de Transtorno Distímico têm maior propensão a desenvolver
Episódios Depressivos adicionais, têm recuperação pior entre os episódios e podem
necessitar de tratamento por um período maior e continuado.
Aproximadamente 40% dos pacientes que tiveram Episódio Depressivo
evoluem para o Transtorno Depressivo Maior (ou Recorrente) e a gravidade do
Episódio Depressivo Maior inicial parece predizer a evolução desfavorável para
Transtorno Depressivo Maior.
É comum que os episódios de Transtorno Depressivo Recorrente se
manifestem depois de um estressor psicossocial severo, como por exemplo a morte
de um ente querido, demissão ou separação conjugal.
É difícil prever se o primeiro episódio de um Transtorno Depressivo Recorrente
evoluirá para um Transtorno Afetivo Bipolar mas, alguns autores sugerem que o
início agudo de uma depressão severa, especialmente se tiver como sintomas
alguns aspectos psicóticos, notadamente se for em uma pessoa jovem, estará mais
propenso a evoluir para um Transtorno Afetivo Bipolar. Uma história familiar de
Transtorno Bipolar também pode sugerir o desenvolvimento subseqüente de um
Transtorno Bipolar.
6.3. Distimia
O Transtorno Distímico tem, freqüentemente, um curso precoce e lento, isto é,
começa na infância, adolescência ou início da idade adulta, além de ser crônico. Nos
contextos clínicos, os indivíduos com Transtorno Distímico em geral têm um
Transtorno Depressivo Maior sobreposto, que freqüentemente é a razão para a
busca de tratamento médico.
Na figura ao lado, exemplo do Transtorno
Distímico, onde não existem Episódios
Depressivos mas há um rebaixamento do
humor por longo período.
Se o Transtorno Distímico precede o início do Transtorno Depressivo
Recorrente ou Maior, há uma menor probabilidade de ocorrer uma recuperação
completa e espontânea entre os Episódios Depressivos e uma maior probabilidade
de episódios futuros mais freqüentes.
41
A evolução da Distimia é crônica, provavelmente para a vida toda, e pode
mesmo fazer parte de um traço melancólico da personalidade. Aliás, o próprio
conceito de Distimia engloba tanto a idéia anterior da Neurose Depressiva quanto de
um Transtorno Melancólico da Personalidade.
O Transtorno Distímico também é mais comum entre os parentes biológicos em
primeiro grau de pessoas com Transtorno Depressivo Recorrente ou Maior, do que
na população geral.
6.3. Transtorno Afetivo Bipolar
O Transtorno Afetivo Bipolar é também um transtorno recorrente e,
infelizmente, mais de 90% das pessoas que têm um Episódio Maníaco Único terão
outros episódios futuros. Aproximadamente 60 a 70% dos Episódios Maníacos
freqüentemente precedem ou se seguem a Episódios Depressivos Maiores.
O número de episódios durante a vida, sejam Depressivos ou Maníacos, tende
a ser mais numerosos que os episódios do Transtorno Depressivo Recorrente.
Alguns trabalhos calculam uma média de quatro episódios durante 10 anos.
O A figura ao lado representa o Transtorno
Afetivo
Bipolar,
onde
Episódios
Depressivos coexistem com Episódio ou
Episódios Eufóricos. Entre os episódios a
grande maioria volta ao normal. O intervalo
entre os episódios tende a diminuir com a
idade.
Existem algumas evidências de que alterações no ciclo de sono/vigília, tais
como as que ocorrem durante as mudanças de fuso horário ou privação do sono,
podem precipitar ou exacerbar um Episódio Maníaco. Aproximadamente 5 a 15%
das pessoas com Transtorno Bipolar têm múltiplos episódios de alteração do humor,
seja Episódio Depressivo ou Maníaco durante um ano.
Embora a maioria das pessoas com Transtorno Bipolar retorne a um
funcionamento plenamente normal entre os episódios, infelizmente alguns (de 20 a
30%) continuam apresentando instabilidade do humor e dificuldades interpessoais
ou ocupacionais mesmo fora das crises.
Sintomas psicóticos podem desenvolver-se dentro de dias ou semanas quando
o episódio é grave e, quando ocorrem esses aspectos psicóticos, os episódios
subseqüentes tendem mais a ser mais graves. A recuperação incompleta entre os
episódios é mais comum quando o episódio atual é acompanhado por sintomas
psicóticos.
42
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