trans Tudo o que você sabe está errado 44 Mulher trans, pesquisadora em Teoria Queer na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira e transfeminista texto Gabriela Loureiro e Helena Vieira design fernanda didini e rafael quick foto julia rodrigues V 46 sobre o tema na imprensa), respeito ao tipo de atração, que pode de para o tema, por outro cresce a ria terceiro gênero nos documen- ma de xingamentos e ataques. Não é por acaso Valentim não quer saber ser por pessoas do mesmo sexo, do polêmica: a palavra “gênero” virou tos oficiais e as cotas de emprego que essa é a primeira pergunta feita a respeito de de classificações homem x sexo oposto, os dois ou nenhum (ve- sinônimo de maldição para grupos e de educação para o grupo. As hi- um ser humano, e também uma das mais impor- mulher ou gay x hétero. E ja quadro na pág. XX). Ou seja, uma religiosos conservadores. No Brasil, jras são uma prova de que gênero tantes. Mesmo quando não se fala abertamente ele não está sozinho: segun- pessoa transexual não é necessaria- nunca se falou tanto no assunto co- tem muito mais a ver com a socie- sobre isso, é como se só existissem dois grupos do pesquisa do instituto nor- mente homossexual. Na verdade, mo nos últimos meses, depois que dade na qual vivemos do que com de pessoas: o dos homens e o das mulheres. Ao o Plano Nacional de Educação en- nossa identidade em si. E trazem à nascer, você é automaticamente colocado num dos dois, baseado nos seus órgãos genitais. Se te-americano YouGov, 46% transgênero é um termo que abriga dos jovens entre 18 e 24 anos todos que não se identificam com o trou em votação e o termo “gênero” tona o debate: só há uma forma de se definem heterossexuais, e gênero atribuído a eles no nascimen- foi banido do texto após discussões ser homem ou mulher? Ou há uma tiver um pênis é menino, se tiver uma vagina, outros 6% se dizem homosse- to e também quem não se identifica acaloradas no Congresso. multiplicidade de masculinidades menina. Dali em diante, sentirá a pressão para e feminilidades possíveis? se conformar com as características designadas xuais. Isso significa que 48% com gênero de forma alguma, que é das pessoas estão fora desse es- neutro, fluido. Como Valentim. “Não Corpos binários pectro. É que a identidade de gê- nasci no corpo errado, a sociedade é nero é um pouco mais complexa que tem uma leitura errada dele”, diz. do que nos ensinaram: diz respeito “É menino ou menina?” costu- a você. Meninos gostam de azul, jogam videoga- Durante milhares de anos, as hijras ma ser a primeira pergunta depois me e são agressivos, enquanto meninas gostam — o terceiro gênero, composto por do anúncio de uma gravidez. Se a de rosa, brincam de boneca e são naturalmente Bruce Jenner era um jogador transgêneros, eunucos e interse- criança não se adaptar ao que é es- passivas e emotivas. Duas categorias para toda a sobre quem somos, mas é regulada de futebol universitário quando xos — foram líderes espirituais e perado do comportamento de uma raça humana. Será o bastante? De acordo com os por instituições sociais e por nossa seu treinador o convenceu a tentar políticos que celebravam casamen- menina ou menino, é provável que estudos de gênero, um campo de pesquisa acadê- Valentim* nasceu em Colorado, no interior do Paraná, há 16 anos. Des- necessidade de categorizar indiví- o atletismo. Depois de muito trei- tos, abençoavam crianças e ocupa- passe o resto da sua vida ouvindo a mica que surgiu dos estudos feministas e pós-es- duos e suas atividades. namento, competiu pelos Estados vam posições de prestígio na jus- mesma pergunta — só que em for- truturalistas dos anos 1960, a resposta é não. O conceito de transgênero ainda Unidos nos Jogos Olímpicos de tiça indiana. Elas de pequeno, seu comportamento fugia do padrão é muito complexo para a maioria 1976, quando ganhou a medalha de estão esperado para um menino: gostava de brincar de das pessoas, que não entendem o ouro na prova de decatlo. O último em textos sagra- bonecas, preferia andar com garotas e às vezes que isso tem a ver com identidade. atleta a levar o título, quatro anos dos do hinduísmo, vestia as roupas de suas tias. Não pegou muito Muitos acreditam que transexuais antes, era um soviético. Em meio como bem na família. Era comum Valentim ouvir coisas são apenas pessoas que nasceram à Guerra Fria, Jenner foi aclamado bharata e o Kama como “vira homem” e “viadinho” durante a infân- no corpo errado, um homem preso como o grande herói norte-ameri- Sutra. Foi assim cia. O assédio machucava, mas, ao mesmo tempo, presentes o Maha- no corpo de uma mulher ou vice-ver- cano. Foi convidado a dar palestras até que a Grã-Bre- deixava-o confuso. Como ele poderia ser gay se sa. Outros acham que para ser con- motivacionais para inspirar seus tanha também se sentia atraído por meninas? Como só siderado transgênero é preciso ter compatriotas durante o conflito. a Índia e adotou tinha referências de homo e heterossexualidade, feito cirurgia de mudança de sexo. Mas o maior símbolo vivo do sonho uma lei, em 1897, Valentim acabou se definindo como gay. Até que Quando se fala em transexualidade norte-americano era só uma ence- que a modelo transgênera Andreja Pejic veio ao Brasil há uma imensa confusão entre iden- nação. Jenner, na verdade, sempre que ser hijra era para um desfile e foi entrevistada por uma rede de tidade de gênero e orientação se- foi uma mulher presa no corpo de um crime. Desde TV aberta. Na época, ela se apresentava como um xual. É comum pensar que mulheres um homem — no caso, o de um então elas foram menino andrógino. A identificação foi imediata, trans e travestis são “tão gays que vi- atleta famoso no mundo inteiro. marginalizadas e e Andreja tornou-se sua grande referência. Valen- raram mulher” — o que, obviamen- Apenas recentemente ele anunciou obrigadas a men- tim começou a pesquisar sobre a modelo na inter- te, não é verdade. Sexo biológico é que é transexual e, na capa da edi- digar ou se pros- net e conheceu a página Travesti Reflexiva, no Fa- diferente de gênero e orientação se- ção de julho da revista Vanity Fair, tituir para sobrevi- cebook. Foi quando entendeu o que é gênero e a xual. O primeiro é referente ao órgão declarou: “Me chame de Caitlyn”. ver — só voltaram diferença entre este e a orientação sexual. Entrou sexual do corpo humano. O gênero Em várias partes do mundo, tran- a conquistar seus em contato com outras pessoas trans nas redes é a identidade do que é considerado sexuais ganham espaço na mídia, direitos no ano sociais e descobriu sua identidade: não binário e feminino ou masculino, que não é como a modelo brasileira Lea T e passado, quando bissexual. Assim como a cantora Miley Cyrus e universal e pode variar ao longo do a ex-BBB Ariadna. Se por um lado o governo indiano a atriz Kristen Stewart (que têm falado bastante tempo. Já a orientação sexual diz isso ajuda a aumentar a visibilida- instituiu a catego- *Nome fictício para proteger a identidade do personagem ABC do gênero As palavras usadas nas discussões sobre gênero podem ser incompreensíveis. Em caso de dúvida, recorra a este glossário: colonizou estabelecia AssexuaDO Pessoa que não sente atração sexual por ninguém nem vontade de fazer sexo Cisgênero Pessoa que se identifica com o gênero designado a ela no nascimento. Exemplo: nasceu com vagina, foi designada mulher e assim se identifica Cissexismo Ideias e discursos segundo os quais o gênero é definido pelo corpo, não pela identidade Crossdresser Pessoa que usa roupas associadas ao gênero diferente daquele designado a ela na hora do nascimento Drag queen e drag king Artista performático(a) que se veste com roupas femininas (queen) ou masculinas (king) para apresentações, independentemente do gênero Homofobia Repulsa e preconceito contra pessoas homossexuais Intersexual Pessoa que nasceu com genitália ambígua, antigamente chamada de hermafrodita (essa palavra não se aplica à espécie humana) NB Não binária, ou seja, neutra — não se identifica com o gênero masculino nem com o feminino Pansexual Aquele que sente atração sexual por pessoas, independentemente do gênero Queer Originalmente era uma ofensa, já que em inglês significa “estranho”, mas passou a ser um termo de afirmação política de todos os “dissidentes” — isto é, aqueles que não se encaixam na categoria “heterossexual e cisgênero” Transgênero / transexual Pessoa que não se identifica com o gênero determinado no nascimento. Exemplo: foi designada como homem, mas se identifica como mulher Transfobia Preconceito e discriminação contra pessoas trans, aversão Travesti Definição em disputa. É sinônimo de transexual, mas marginalizado. Ou um terceiro gênero. O termo é usado como afirmação política em razão do estigma enfrentado pelos travestis no país As desvantagens de ser invisível Como é a discriminação de pessoas trans nos EUA, onde há pesquisa sobre o tema: pessoas que não se reconhecem próprio pai. Ele não foi o único. Em proteção aos cidadãos — família, em nenhum extremo (veja o dicio- 2014, 326 pessoas foram assassina- hospitais, prisões e escolas — foram das no Brasil por não se encaixarem consolidadas como mecanismos de controle. nessas regras, segundo relatório Mas o filósofo não acreditava que o poder de do Grupo Gay da Bahia (GGB). É coerção tinha uma só origem, como o Estado, Alex era um menino de 8 anos da um número 4% maior do que o re- e sim que surgia de diversas fontes: são os mi- Ainda periferia do Rio de Janeiro que gos- gistrado no ano anterior. Entre as cropoderes que transformam as condutas das nário na página anterior). Gênero e disciplina 48 ligamos tava de dança do ventre e de lavar vítimas, 134 gays, 134 travestis, 14 pessoas. Uma das formas de exercer poder é por gênero ao se- louça. Seu pai, Alex André Moraes lésbicas, 3 bissexuais, 7 amantes de meio de discursos. Assim, as piadas, o modo co- xo biológico e Soeiro, de 34 anos, não aprovava o travestis e 7 heterossexuais confun- mo nos referimos a alguém e até os xingamentos nos acostumamos jeito afeminado da criança e tentava didos com homossexuais. A men- contribuem para normalizar alguns comporta- a pensar que isso é na- corrigi-lo. As surras eram recorren- sagem que essas estatísticas sobre mentos e estigmatizar outros — exemplo: usar a tural. No âmbito da pato- tes e tinham como objetivo ensi- violência contra a população LGBT expressão “que gay!” quando alguém demonstra logia , os indivíduos que fu- nar o filho a andar como homem. passa é clara: se você desobedecer seus sentimentos ou a palavra “viado” ou “traves- giam dessa naturalidade foram Como o pequeno não chorava en- às regras de gênero vai sofrer uma ti” como xingamento. Judith utiliza essa premis- chamados de “transexuais” — ou seja, desvian- quanto apanhava, o pai batia ainda punição física e pode até morrer. É sa do discurso para tentar dissolver a dicotomia tes. Recentemente, com os estudos de gênero, mais. Um dia, a criança se recusou o poder coercitivo de gênero como sexo versus gênero. Para ela, vivemos numa or- começaram a pensar que essa designação inicial a cortar o cabelo para ir à escola e forma de policiar as pessoas, de dem compulsória que exige coerência total entre e tida como “natural” é também arbitrária. Não o pai resolveu acabar com sexo, gênero e desejo sexual, que são obrigatoria- há uma naturalidade exclusiva na relação gêne- aquela desobediência. De mente heterossexuais. A autora sugere, então, a ro-genital. O que existe é uma identidade, uma tanto apanhar, o fígado de contestação das expressões de gênero, já que a forma de se reconhecer. Ela pode ser um senti- Alex foi perfurado e ele so- identidade é formada com base na repetição de mento de pertencimento, no caso da pessoa cis- freu uma hemorragia in- atos performativos, ou seja, atitudes e gestos que gênero (aquela que se reconhece com o gênero terna. Chegou ao hospital que lhe foi atribuído ao nascer), ou uma identi- morto, com hematomas ficação diferente, no caso da trans, que pode se pelo corpo todo e sinais reconhecer com o gênero oposto, com nenhum de desnutrição. Alex pa- gênero ou com uma experiência de si que esca- gou com a vida o preço de pa ao sistema binário homem/mulher. Mas nem não se adequar às normas toda pessoa que não se reconhece como cisgê- de gênero impostas pe- nero é trans, já que existem nuances e variações la sociedade e aplicadas de pertencimento. É o caso da “queer”, classe de de forma implacável pelo Aos 8 anos, Alex morreu por não se adequar às normas de gêneros 57% foram rejeitados ou abandonados pela família Entre 0,25% e 1% da população norte-americana se declara transgênera 69% já ficaram desabrigados 70% 30% Violência sofreram física ou sexual da polícia 3 em cada 4 transgêneros sofrem abuso sexual na escola 45% das pessoas trans tentaram o suicídio antes de completar 24 anos Fontes: Fundação Americana para Prevenção de Suicídio. Instituto Williams (Ucla) constroem o que é feminino e masculino. Fora dos livros Vergonha nacional Por mais que a diferenciação de gêneros pareça natural, ela não é. Boa parte dessa explicação está no papel da medicina na Europa no final do século 18. Com a Revolução Industrial, a população europeia começou a se concentrar em áreas urbanas, migrando do campo para as cidades. A concentração de pessoas de diferentes regiões num mesmo acordo com Judith Butler, uma lugar provocou surtos e doenças, que alavancaram das mais respeitadas filósofas a importância e o desenvolvimento da medicina. de gênero da atualidade. Áreas como psiquiatria, sexologia e psicanálise Judith parte das premis- viram nisso a oportunidade de categorizar doen- sas do filósofo francês Michel ças para atrair mais pacientes aos consultórios. Foucault para explicar como Assim, os especialistas substituíram os padres as regras de gênero são per- no papel de guardiões das práticas sexuais e de- formáticas e não passam de terminaram os comportamentos aceitáveis e os fenômenos repetidos para patológicos. Tudo que não tinha fins reprodutivos simular uma ideia de natura- foi considerado degeneração: homossexualidade, lidade. Foucault disse que a transexualidade, masturbação, prostituição. Ainda disciplina é um instrumento hoje, a transexualidade é considerada um trans- de dominação e controle torno mental pela medicina, como era a homos- para domesticar comporta- sexualidade até os anos 1970. “Os critérios ditos mentos divergentes. Com biológicos (anatomia, hormônios, cromossomos, o Iluminismo, várias ins- glândulas) são contraditórios, às vezes incoeren- tituições de assistência e tes. É só ver como os endocrinologistas forçam O Brasil é o país mais violento para pessoas trans, segundo a ONG TransGender Europe: 1.731 pessoas trans foram mortas entre 2008 e 2015 1.350 dos assassinatos aconteceram na América Latina Brasil 689 foram no *As pesquisas foram feitas com dados de assassinatos reportados à polícia. Não se sabe quantos assassinatos aconteceram até agora no total no restante da América Latina, 60% dos assassinatos de pessoas trans* 49 Mais ou menos no mesmo período, cientis- são descartáveis, desconstrução claro, mas é interessante questionar principalmente jovens, que ainda entre homens e mulheres com base no conhe- qual é o interesse por trás dessas estão em período de descoberta e cimento da época, que era fortemente marcado pesquisas e suas influências históri- querem trocar experiências sobre pelas políticas de gênero — ou seja, a dominação cas. A produção de categorias biná- corpo e identidade. “Ninguém con- do feminino pelo masculino. Não é por acaso rias e estáveis consolida relações de trata travesti, e às vezes nem sequer que a primeira figura de um esqueleto feminino poder entre elas: homem sobre mu- estudo elas têm, mas precisam de só apareceu em um livro em 1759, com o objeti- lher, heterossexual sobre homosse- um emprego cada vez mais cedo pa- vo de deixar evidente a diferença entre homens xual etc. O binário é uma projeção ra ajudar ou sustentar a família, cus- (fortes e com o crânio maior que o feminino) e arbitrária do “dimorfismo” corpo- tear o mínimo que puder para fugir mulheres (muito mais frágeis). Pouco mais de ral, ou seja, a ideia de que existem do iminente futuro de prostituição”, um século mais tarde, o biólogo escocês Patrick dois organismos distintos na espé- disse Liége a GALILEU. Segundo a Geddes usou a fisiologia celular para explicar cie humana, um com pênis, outro Associação Nacional das Travestis que mulheres são mais passivas e conservado- com vagina. Mas essa taxonomia (Antra), 90% das travestis e tran- ras do que os homens, que seriam mais ativos biológica é falha, pois ela é incapaz sexuais brasileiras se prostituem. Há e passionais. Segundo Thomas Laqueur, conhe- de dar conta dos corpos intersexos, quem pense que essa é uma escolha cido sexólogo norte-americano, não há dúvidas aqueles que nascem com pênis e quando, na verdade, a comunidade de que a criação de teorias vagina, ou com genitália ambígua/ TT (Travestis e Transexuais) sofre sem embasamento so- indefinida. Enquadrar as pessoas imensa discriminação no mercado bre diferenças entre em gêneros, desejos e categorias de trabalho — o que resta é a prosti- os sexos influenciou estáveis é também uma forma de tuição e empregos como atendentes o progresso cientí- castração. Quando nos limitamos de telemarketing ou cabeleireiras. fico, bem como as a isso, reduzimos e aniquilamos as Bernardo Mota foi designado interpretações dos possibilidades múltiplas de vivência menina quando nasceu, mas desde experimentos. Ainda do prazer e do desejo. E, claro, mar- pequeno fugia dos papéis ditos femi- ginalizamos os desviantes. ninos ao jogar bola e empinar pipa. Vida de desviante Expressão A forma como nos comportamos é influenciada pelo que sempre foi considerado “feminino” e “masculino”, mas essas características são mais fluidas do que parecem In te rs ex a o Va Expressão movimentos Orientação coração Andrógino Sexo Nem mesmo os órgãos sexuais do ser humano, extensivamente estudados pela biologia, são tão binários assim e Qu de casa mesmo sem ninguém tê-lo em segredo um tratamento hormo- mandado embora. Sofreu crises de- nal. Cresceu com a mãe e a irmã, pressivas por ser ridicularizado e, de- com quem dividia as brincadeiras samparado, tentou suicídio. Rompeu sem estereótipos de gênero. Tem relações com a família e mudou-se dificuldades para sobreviver em de Brasília, onde seus pais moram um ambiente tão hostil e escasso até hoje, para Uberlândia, uma das de possibilidades como a periferia poucas cidades do Brasil que dispo- carioca. Por isso, criou um grupo no nibilizavam acompanhamento para Facebook chamado Cismitério, que transição hormonal. Assim que che- reúne milhares de pessoas trans, gou à cidade, esse ambulatório foi o insultos verbais. Sentiu-se expulso favela no Rio de Janeiro e iniciou in xual de 19 anos que mora em uma Orientação sexual Nascer com determinado órgão sexual e identificar-se com certo gênero não define por quem nos sentimos atraídos ul ram reprimi-lo, foi alvo de piadas e Heterossexual Ho er sc Liége Martins é uma jovem transe- a Identidade cérebro Quando se descobriu trans, contou à família e foi massacrado: tenta- gin Sexo genitais Ma Rodrigo Zanini, 22 anos, não é modelo. Trabalha com moda, é homossexual e se veste de forma andrógina: seu visual é feminino, mas ele procura mesclar com roupas masculinas Identidade de gênero Ainda hoje persiste a ideia de que só podemos ser “homem” ou “mulher”. Mas essas são apenas duas categorias, e há uma variação enorme entre elas, que pode ser entendida como “queer” l / tc ua E ex l / s s ua Bi sex n Pa tas começaram a definir as principais diferenças i no neira. Nem todos r ni determinada ma- ricas queer da França. á mi se comportam de Universidade de Lille II e uma das principais teó- n Fe mens e mulheres GALILEU Marie-Hélène Bourcier, professora da i Mulher origem biológica da heterossexualidade”, disse a B Pênis plicar por que ho- l que garantem ex- suas mães. E não estamos preocupados com a ua mente científicos nios como os fetos estão grudados ao ventre de ex estudos suposta- transexualidade estão impregnadas de hormô- ss hoje transbordam estrogênio que não existe. Essas explicações de mo um antagonismo hormonal entre testosterona e Ho 50 Sexo, gênero, sexualidade e identidade são coisas diferentes e podem variar num espectro bastante amplo. Entenda: Fonte: It’s Pronounced Metrosexual.com Ícone: LVIS / The Noun Project me m como lidamos Não existe uma forma correta de ajudar pessoas trans* na família, no grupo de suspenso, o que o fez se hormonizar por conta própria, com base em informações encontradas na internet e com medicamentos clandestinos. Ativista trans bissexual e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrata), Mota tem sofrido para conseguir uma vaga no mercado de trabalho. “Desde que saí de casa fiz entrevistas para todo tipo de emprego, levava meu currículo com meu nome social e passava em todas as fases, até mostrar meus documentos, onde consta o nome de regis- Davi nasceu menina, mas aos 7 anos molhou todas as suas roupas cor-de-rosa para não ter de usá-las. Hoje é bem andrógino e gosta de pessoas, não importa se homens ou mulheres tro. A vaga desaparecia. Passei por no mínimo dez entrevistas em que fui dispensado quando souberam que sou transgênero”, conta. O que aconteceu com Bernardo no mercado de trabalho e na família é chamado de transfobia — aversão à transexualidade e preconceito. Infelizmente, no Brasil não há legislação que a e o tratamento de acordo com sua identidade pessoal. Outro projeto de lei, o PL 8.032/2014, da deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), prevê a aplicação da Lei Maria da Penha às pessoas transexuais que se identifiquem como mulheres. É possível citar também outros avanços, como a alteração de nome conforme o gênero sem a obrigação de cirurgia de transgenitalização, burocracia imposta anteriormente, e a publicação 52 da Resolução 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos conforme a mudança, causando grande cons- rios e sistemas de informação de trangimento”, diz Wilker Cerqueira, cientista escolas e universidades, além da jurídico especializado em direitos humanos. utilização de banheiros, vestiários e No final do século 19, o biólogo Patrick uniformes, segundo a identidade de Geddes disse que “o que foi decidido entre gênero. Ainda assim, sem um de- protozoários pré-históricos não pode ser anu- bate amplo sobre discriminação de lado por leis do Parlamento”. Será mesmo que gênero, o tabu continua impedindo o ser humano, única espécie conhecida capaz que esses avanços saiam do papel de criar o fogo e desenvolver tecnologias de no Brasil. “O grande problema nes- exploração espacial, é escravo de protozoá- se processo é que as instituições rios? Ou de definições biológicas e religiosas educacionais pouco investem na de anos atrás, focadas na diferença e não na educação e orientação sobre o real semelhança? Se a espécie humana tem um objetivo do nome social. Tal afirma- cérebro altamente desenvolvido, com capaci- ção é corroborada com os diversos dades como raciocínio abstrato, linguagem e casos que introspecção, não faz muito sentido continuar e tentando decifrar o código dos comportamen- em tos sexuais com base em pesquisas de la- sistir que só existe preto e branco, legislação específica que reconheça a identidade nhece a identidade de gênero como um direito social em documentos, formulá- pessoas funcionam na média. Ou in- indivíduos trans é precária no país. Não existe deputada Érika Kokay (PT/DF). O projeto reco- rados para atender e orientar outros alunos boratório que tentam explicar como as preconceito. Em geral, a situação de direitos de federal Jean Willys (PSOL/RJ) em parceria com a instituições educacionais não estavam prepa- reconhecimento do uso de nome servidores de pode tomar nenhuma medida judicial contra o ra isso: a Lei João Nery, de autoria do deputado Direitos LGBT, que determinou o professores criminalize, o que significa que Bernardo não de gênero, apesar de haver um projeto de lei pa- amigos ou na relação amorosa, mas algumas dicas podem ajudá-lo a ser mais empático: e não nuances de tudo. Se é ape- Autora das fotos desta matéria, Julia Rodrigues criou o #mamilolivre, projeto que promove a discussão sobre igualdade de gênero nas um gene a cada 100 mil que diferencia homens de mulheres, por que ainda focamos as diferenças? A natureza humana pode ser muito mais fluida e flexível do que nos acostumamos a pensar. Não abandone. Pode ser difícil de entender o que é transgênero no início, mas acredite: a transição para a pessoa trans* é muito mais. Respeite-a incondicionalmente 1 Se você não entende as necessidades dela, busque informações a respeito e, se possível, procure profissionais aliados à causa 2 Pergunte como a pessoa prefere ser chamada — ou seja, seu nome social — e quais pronomes usar (por exemplo “seu” ou “sua”, “ele” ou “ela”). E passe a se referir a ela assim 3 Não faça suposições sobre a orientação sexual da pessoa trans*. Gênero diz respeito a identidade; orientação sexual trata-se de por quem a pessoa se sente atraída 4 Jamais pergunte se ela fez cirurgia de mudança de sexo. É indelicado. Se a pessoa se sentir confortável, falará a respeito. Entenda que terapia de hormônios e cirurgia não são algo necessário para a transição de todos 5 Apoie iniciativas de inclusão, como banheiro neutro, escolha de nome em documentos oficiais, escolha de tipo de uniforme etc. E passe as informações que aprendeu adiante, quando o assunto for transexualidade 6