“priscilla, rainha do deserto” (2012)

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Tradução & Comunicação
Revista Brasileira de Tradutores
Nº. 27, Ano 2013
VERSÃO NACIONAL: A ADAPTAÇÃO DE
MUSICAIS DA BROADWAY NO BRASIL E O CASO
“PRISCILLA, RAINHA DO DESERTO” (2012)
National version: the adaptation of Broadway musicals
in Brazil and the study case of “Priscilla, Queen of the
Desert” (2012)
Yuri Jivago Amorim Caribé
Universidade Nove de Julho - Uninove
[email protected]
Bruno Alves Massineli de Maio
Universidade Nove de Julho - Uninove
[email protected]
RESUMO
Este trabalho trata da adaptação da obra “Priscilla, Rainha do Deserto”
no Brasil (2012), realizada a partir do musical da Broadway de 2011.
Inicia com um breve estudo teórico sobre tradução e sobre o conceito
mais recente de adaptação, que melhor se aplica ao trabalho em
discussão. Em seguida, apresentamos um panorama dos principais
musicais da Broadway adaptados no Brasil e introduzimos a questão
do trabalho dos adaptadores Cláudio Botelho e Flávio Marinho, este
último responsável pelo texto da montagem brasileira do musical
“Priscilla” (2012). Apresentamos ainda uma análise da adaptação desse
roteiro para o contexto brasileiro. Essa tarefa se mostrou bastante
desafiadora porque o texto-primeiro mostra diversas peculiaridades da
cultura australiana. Essa parte traz exemplos de nomes de personagens,
citações e outras referências do texto-primeiro que foram substituídas
por outras mais facilmente reconhecíveis no texto de chegada.
Concluímos que Marinho (2013) optou pela domesticação de alguns
nomes, conforme conceito difundido por Venuti (2000) e Eco (2007). Os
estudos de Lefevere (1992) sobre patronagem e de Hutcheon (2006) e
Sanders (2006) sobre adaptação também embasaram nossa discussão.
Essas ideias nos levaram a refletir sobre os fatores que interferem
diretamente no processo de elaboração de uma adaptação.
Palavras-Chave: musical; tradução; adaptação; cultura; teatro.
ABSTRACT
Anhanguera Educacional Ltda.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 4266
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 10/01/2014
Avaliado em: 18/03/2014
Publicação: 30 de abril de 2014
This paper is on the adaptation of the musical “Priscilla, Queen of
Desert” (2012) in Brazil from the Broadway musical of 2011. It starts
with a brief theoretical study about translation and the more recent idea
of adaptation. Then we presented an overview on the main Broadway
musicals adapted in Brazil. Later, we introduced the issue on the work
of the adapters Cláudio Botelho and Flávio Marinho, this last one who
adapted the script to the Brazilian version of “Priscilla” (2012). We also
presented an analysis on the adaptation of that script to the Brazilian
context. This task turned to be challenging, due to several Australian
peculiarities present on the source text. This part points out some
examples of characters‟names and references that were adapted to
other easier ones, better to recognize in the target text. We concluded
that Marinho (2013) preferred to domesticate some terms, according to
Venuti‟s (2000) and Eco‟s concept (2007). The works from Lefevere
(1992) on patronage and Hutcheon (2006) and Sanders (2006) ideas on
adaptation also supported our discussion. Those ideas made us think
on the factors that directly interfere on the process of elaborating an
adaptation.
Keywords: musical; translation; adaptation; culture; theater.
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Versão nacional: a adaptação de musicais da Broadway no Brasil e o caso “Priscilla, rainha do deserto” (2012)
1.
INTRODUÇÃO
Ao falarmos de tradução literária e dos trabalhos acadêmicos relacionados a esse tema,
logo nos vem à mente as discussões de caráter interlingual, conforme conceito de
Jakobson (1959/2000), especialmente aquelas que apontam semelhanças e diferenças entre
um texto fonte e sua respectiva tradução (texto de chegada). Ocorre que, atualmente,
outras pautas têm merecido a atenção de pesquisadores da área dos Estudos da Tradução
por suas especificidades que desafiam não apenas o profissional envolvido com a
tradução direta de um texto literário escrito, mas vários outros. Soma-se a isso a já
conhecida questão do contexto que envolve a apresentação de uma obra estrangeira
traduzida em outro país. Essas novas pautas de discussão estão relacionadas ao
entendimento desses formatos para os quais um texto-primeiro será traduzido, conforme
explicaremos a seguir.
Sabemos que a tradução é uma área em constante desenvolvimento e que
acompanha o surgimento de diferentes mídias. Foi assim que os pesquisadores dos
Estudos da Tradução começaram a investigar de forma mais aprofundada a partir dos
anos 90 a tradução e a dublagem de filmes, além de músicas, quadrinhos e peças teatrais
traduzidas interlingualmente e para outros meios. O mesmo Jakobson (1959/2000) já
adiantava esse processo quando se referiu pela primeira vez ao termo tradução
intersemiótica, por exemplo, no ano de 1959. O autor falava da passagem de um romance
escrito para um filme, o que seria também, segundo explica, uma espécie de tradução.
Refletindo sobre esse conceito pensamos em vários outros gêneros que também foram
traduzidos de forma intersemiótica, não apenas os filmes advindos de um romance.
É fato que, até a década de 90, questões como essa eram vistas apenas nas
discussões acadêmicas dos congressos e pesquisas das áreas de Literatura e Semiótica. Foi
então que, muitos anos depois da apresentação do conceito de tradução intersemiótica de
Jakobson, surgiu por volta do ano de 2008, conforme podemos conferir em Allen (2011) e
em Milton (2009), a ideia de adaptação. Ocorre uma adaptação especialmente quando
traduzimos um texto de um meio de comunicação para outro, mesmo que não haja uma
transposição de idiomas.
Citamos, como exemplo, o caso de algumas das primeiras peças adaptadas para
um determinando público em outro trabalho de nossa autoria (CARIBÉ, 2011). É a história
dos irmãos Lamb, que adaptaram em conto algumas peças de Shakespeare para crianças
ainda no século XIX. Essa tradução foi feita mantendo o mesmo idioma (inglês), mas é
fato que essas peças sofreram alterações inevitáveis na linguagem para que fossem
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adequadas a certo gênero (conto) e ao público pré-estabelecido pelos adaptadores
(crianças). A palavra adaptação sugere, então, o condicionamento de uma obra a um
determinado objetivo. No caso dos irmãos Lamb, a questão principal era adaptar a
linguagem (texto) ao público infantil.
Sendo assim, ousamos dizer que adaptação é um tipo de tradução investigada na
contemporaneidade. É também uma espécie de gênero literário que evoca a ideia de um
texto anterior completamente retextualizado ou que apenas utilizou elementos já citados
em outra obra, não importando se houve mudança de idioma ou não. Até mesmo as
editoras colocam o rótulo de adaptação em uma obra literária quando querem se justificar
quanto a alterações mais drásticas na forma e/ou no conteúdo da obra-primeira. É como
se o termo preenchesse uma lacuna, porque durante anos muitos pesquisadores se
ocuparam em discutir a fidelidade na tradução de determinadas obras estrangeiras. Agora
parece mais simples: basta usar o termo adaptação ou tradução adaptada que o público
vai procurar entender melhor a proposta da editora, sem antes acusá-la de publicar algo
que ofende o original em termos de fidelidade.
Então, é fato que sempre há alguma forma de retextualização da linguagem da
obra-primeira de acordo com as variáveis indicadas pela proposta de adaptação. Por
exemplo: se a proposta é adaptar um romance escrito para o cinema, sabemos que –
enquanto livro – os únicos recursos de que dispõe o leitor para concretizar sua leitura é o
texto e sua própria imaginação. Ao ser adaptada para o cinema, dois outros recursos serão
desenvolvidos na apresentação dessa obra: a imagem e o som. Entendemos, assim, que
cada meio privilegia a utilização de um ou mais recursos peculiares. Na sequência,
quando alguém propõe uma passagem para outro meio, outros recursos são necessários.
Quando falamos de adaptação, logo pensamos nos filmes adaptados de obras
literárias. Sem dúvida esse é o tipo mais comum de adaptação, e até mesmo o tema mais
discutido nos congressos acadêmicos da área dos Estudos da Tradução. E mesmo com o
crescimento de adaptações da literatura contemporânea, William Shakespeare, Charles
Dickens e Edgar Allan Poe ainda são três dos autores mais adaptados na história do
cinema.
Mas a gama de adaptações é bastante heterogênea, visto que há romances em
inglês que foram adaptados, por exemplo, em um musical da Broadway em vários países
de língua inglesa. Temos ainda as peças de teatro não canônicas que são montadas em
outros países, peças musicais que viraram filme e filmes que foram adaptados a musicais
para o teatro. Em todos esses casos há questões de tradução/adaptação a serem
analisadas.
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Para o estudo das conexões tradução/adaptação, estabelecemos as mesmas
conexões que Sanders (2006) e Hutcheon (2006), em seus estudos pioneiros sobre o tema,
mas preferimos adotar neste trabalho o termo mais recente e o mais amplamente
reconhecido na área dos Estudos da Tradução, qual seja, adaptação. Ele será, então, o
termo usado para tratar dos musicais da Broadway adaptados no Brasil e de outros
gêneros que foram retextualizados em novos formatos. Lembramos que nossa proposta é
estabelecer uma discussão voltada aos Estudos da Tradução, portanto, trataremos cada
adaptação citada neste trabalho como uma tradução da obra-primeira.
Retomando nossa discussão: e se alguém considera complicado adaptar uma
peça comum dentro do mesmo idioma, porém para outro contexto – como quando uma
peça que fala de personalidades do Estado do Amazonas é montada em São Paulo –,
imagine montar essa mesma peça em um país de cultura bem diferenciada... Imagine
ainda quando há letras de canções, nomes de personagens e referências diversas a uma
cultura estrangeira. Se fosse o caso da tradução literária de uma obra escrita teríamos o
recuso da nota de rodapé. Porém, no caso de uma obra audiovisual como a peça de teatro
musical não há espaço para texto escrito. Tudo deve ser narrado diretamente pelas
personagens ou por um narrador externo ao palco, considerando que tudo é feito ao vivo.
O exemplo que mais nos chama a atenção é o da adaptação de um filme musical
em um musical para o teatro (primeiro intralingualmente) e depois sua montagem em
terras brasileiras. Aliás, esse fato vem ocorrendo com uma frequência cada vez maior a
partir dos anos 2000, retrato de um mundo globalizado que deseja conhecer mais as novas
criações artísticas de autores estrangeiros. O roteiro de uma peça musical compreende
canções e falas de personagens que precisarão passar por diversas transformações, ainda
que nomes e até algumas canções dessa peça sejam apresentadas em inglês (na maioria
dos musicais as canções são adaptadas em língua portuguesa). Acrescente-se a isso a
questão das referências culturais, por vezes muito específicas. Assim, profissionais
envolvidos com a montagem brasileira de um musical originalmente estrangeiro se veem
diante de questões de tradução textual e contextual que despertam nossa curiosidade.
O presente trabalho apresenta, então, um panorama das principais adaptações de
musicais no Brasil e também discute – à luz de alguns conceitos importantes dos Estudos
da Tradução – as principais questões relacionadas à adaptação desse gênero (musical) ao
cenário teatral brasileiro. Embora muitas vezes não sendo adaptado por um profissional
da tradução, é certo que o responsável pela passagem do roteiro estrangeiro (que contém
as falas das personagens, as narrações e as canções) enfrenta vários desafios ao longo do
processo de montagem da obra no contexto de chegada. Apontaremos alguns desses
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desafios baseados em exemplos retirados do roteiro adaptado de “Priscilla, Rainha do
Deserto” (2012). Dessa maneira, também vamos apresentar e discutir algumas declarações
de Flávio Marinho (2013), responsável por adaptar o musical da Broadway “Priscilla,
Queen of the Dessert” (2011) ao cenário brasileiro.
2.
PANORAMA DA ADAPTAÇÃO DE MUSICAIS DA BRODWAY NO BRASIL
As peças musicais da Broadway adaptadas para o cenário brasileiro são normalmente
montadas nas cidades de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) a um custo bastante elevado
e que envolve vários contextos de adaptação. É que a maioria desses espetáculos obedece
a padrões internacionais de equivalência ao musical da Broadway e isso demanda um
grande investimento quanto à compra dos direitos autorais da obra-primeira, tradução do
roteiro da peça e das canções, transporte e hospedagem de alguns profissionais da
Broadway para trabalhar na franquia estrangeira, material publicitário padrão a ser
adaptado em língua portuguesa por agências de publicidade brasileiras, contratação de
atores-cantores-dançarinos (um perfil profissional ainda raro...), músicos, iluminador,
cenógrafo, figurinista, aluguel do teatro, etc. É por isso que alguns sites jornalísticos
chamam as adaptações realizadas em outros países do mundo de “franquias da
Broadway”.
A maioria dos recursos utilizados para produzir as adaptações brasileiras vem de
patrocinadores, mas a produção espera, obviamente, conseguir lucro através da
arrecadação das bilheterias. O resultado disso é um espetáculo prioritariamente voltado
para públicos de alta renda – se levamos em conta o alto preço dos ingressos cobrados – e
o retorno financeiro é garantido, conforme podemos conferir em uma matéria da Folha on
line (2009) que afirma que o musical “A Bela e a Fera” foi visto por mais de 500 mil
pessoas em sua primeira montagem no Brasil (2002-2003).
Em uma segunda reportagem do Jornal O Globo (2013), podemos ver que o custo
de produção desses espetáculos é, de fato, cada vez maior, como no caso da recente
adaptação “A Família Addams” (2012,2013), que custou 25 milhões de reais. Essa mesma
matéria (2013) destaca ainda a fala de outro reconhecido profissional, frequentemente
envolvido com essas adaptações que nos interessam: é Cláudio Botelho, que já adaptou
mais de 30 musicais para o cenário brasileiro. Ele é responsável pela tradução das letras e
canções e, nesse texto, falou um pouco a respeito da liberdade que recebeu do diretor
Jerry Jacks para adaptar as canções estrangeiras do musical “A Família Addams” (2012,
2013) no Brasil conforme suas escolhas: “‟A Família Addams‟ não é um enlatado. Os
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Versão nacional: a adaptação de musicais da Broadway no Brasil e o caso “Priscilla, rainha do deserto” (2012)
criadores permitiram uma adaptação total. O processo foi muito rico e a peça permite essa
liberdade” (2013).
Em outro momento do mesmo texto (ABOS, 2013), a repórter destaca uma
colocação da diretora Fernanda Chamma sobre as adaptações necessárias à montagem
mais recente no Rio de Janeiro em 2013: “Rio e São Paulo têm costumes e gostos
diferentes. Portanto, há trechos da peça que foram mudados para trazer o humor e o
timing cariocas” (2013). Essas declarações, de profissionais envolvidos com a tradução e a
adaptação de musicais no Brasil, apenas reafirmam nossa proposta de evidenciar que há
uma gama de questões a serem discutidas em pesquisas acadêmicas sobre esse tema.
É bastante comum ver vários profissionais da Broadway trabalhando nas
franquias de outros países. Eles querem com isso garantir a melhor projeção possível do
musical americano nesses países. Querem, em outras palavras, que a franquia fique muito
parecida com a da Broadway, embora todos entendam, talvez não em forma de teorias de
tradução e adaptação, que o resultado final será um texto novo, uma adaptação.
O dia a dia das adaptações da Broadway tem o bilinguismo como marca
registrada, dada a miscelânea de profissionais brasileiros e americanos envolvidos e
também a frequente consulta a textos em inglês ou às traduções desses textos em língua
portuguesa. A comunicação oral e escrita nos ensaios e nos bastidores também é realizada
muitas vezes em inglês e português.
“A Bela e a Fera” (2002-2003, 2009), “A Família Addams” (2012, 2013), “O Rei
Leão” (2013-2014) e “Priscilla, A Rainha do Deserto” (2012) são exemplos de musicais da
Broadway adaptados no Brasil a partir dos anos 2000 e que partiram de obras fílmicas. As
tabelas abaixo ilustram a história dessas adaptações:
Filme
Broadway (musical)
Brasil (musical)
A Bela e a Fera
(1991)
Beauty and the Beast
(1994-1999)
A Bela e a Fera
(SP, 2002-2003, 2009)
A Família Addams
(1991)
The Addams Family
(2004)
A Família Addams
(SP, 2012, RJ, 2013)
O Rei Leão
(1994)
The Lion King
(1997)
O Rei Leão
(SP, 2013-2014)
Priscilla, A Rainha do Deserto
(1991)
Priscilla, Queen of the Desert
(2011)
Priscilla, A Rainha do Deserto
(SP, 2012)
Há também o caso de espetáculos como “Evita” (1979), “Grease” (1972),
“Chicago” (1975) e “Mamma Mia” (2001) que foram adaptados para o cinema e só então
montados no Brasil.
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Yuri Jivago Amorim Caribé, Bruno Alves Massineli de Maio
Broadway (musical)
Filme
Brasil (musical)
Evita (1979)
Evita (1996)
Evita (SP, 2011)
Grease (1972)
Grease (1978)
Grease (SP, 2003)
Chicago (1975)
Chicago (2002)
Chicago (SP, 2004)
Mamma Mia! (2001)
Mamma Mia! (2008)
Mamma Mia! (SP, 2010)
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Essas adaptações não são as únicas relacionadas aos títulos citados. Por exemplo:
se investigarmos mais a fundo, veremos que “A Família Addams” (2002-2003, 2009) foi
adaptada do musical da Broadway (2004), que por sua vez foi inspirado no filme
homônimo de 1995. Na sequência, descobrimos que o filme de 1995 advém dos desenhos
do cartunista Claudio Addams, primeiramente adaptados em desenho animado por volta
dos anos 30 e, por volta dos anos 60, em uma série de TV americana.
Veja-se ainda o caso do romance “Les Misérables”, do francês Victor Hugo,
publicado em 1862 e considerado um dos grandes clássicos da literatura mundial do
século XIX. Essa obra já foi adaptada para diversos meios como rádio, televisão e teatro, e
não seguiu uma sequência lógica de adaptação. Aliás, essa sequência não existe. As obras
são revisitadas por motivos diversos. As editoras, produtoras de filmes e demais
empresas adaptadoras (aquelas que resgatam a obra...) aproveitam a comemoração pelo
aniversário de nascimento ou de morte de determinado escritor, ou simplesmente
aproveitam que um tema está em discussão no atual cenário social/político /artístico do
país e relançam a obra.
Voltando a “Les Misérables” (1862): esse romance já foi adaptado para diversos
meios. Temos uma adaptação em filme de 1935, dirigida por Richard Boleslawski, e outra
mais recente em 2012, com direção de Tom Hooper. Além das películas, temos o musical
da Broadway (1987) e a versão1 brasileira (2001).
Em outras palavras: essas não foram as únicas adaptações teatrais ou fílmicas dos
títulos citados. Certamente outros grupos fizeram e ainda farão outras montagens teatrais
dessas obras. O texto artístico se renova quanto mais lido, mais assistido ou mais
adaptado ele é. Esse tema (da adaptação) é inesgotável, e dizemos isso porque
consideramos que as adaptações reconhecem a longevidade ou a perenidade da obraprimeira. É como se cada adaptação feita a partir de um texto-primeiro servisse de
homenagem a ele ou de convite a conhecê-lo.
O termo “versão” é mais empregado na área musical para se referir às adaptações das canções (letra e música) e do roteiro
das peças teatrais. O compositor das versões é o “versionista”, como Cládio Botelho e Flávio Marinho. Nos Estudos da
Tradução os termos empregados seriam adaptação e adaptador.
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Versão nacional: a adaptação de musicais da Broadway no Brasil e o caso “Priscilla, rainha do deserto” (2012)
3.
ADAPTADORES DE MUSICAIS
Os adaptadores de peças musicais, como Cláudio Botelho (2009, 2013, etc.) e Flávio
Marinho, este último adaptador do musical “Priscilla, Rainha do Deserto” (2012),
principal corpus desta pesquisa, executam um trabalho bastante complexo. Como ofício,
eles devem não apenas adaptar o texto-primeiro (roteiro) para um público de idioma e
cultura diferentes, mas também trabalhar na questão de letra e música (composição), para
fazer com que as canções da peça soem como escritas originalmente no idioma de
chegada. Tendo em vista o fato de que cada musical abrange diferentes temas e culturas,
conclui-se que cada pesquisa sobre determinando musical trará diferentes resultados.
Então, assim como as pesquisas em torno de obras adaptadas a partir de um
mesmo texto chegam a resultados diversos – por conta dos fatores que nortearam o
trabalho do adaptador –, é também compreensível que o tema adaptação cause conflitos
entre leitores de uma obra-primeira e de suas adaptações. Estudos recentes, como os de
Hutcheon (2006) e Sanders (2006), apontam diversos fatores que envolvem o processo de
adaptação – tais como tempo, ironia, ambiguidade, metáforas, intertextualidade. Esses
fatores explicam o fato de, muitas vezes, nos depararmos com uma obra-primeira e várias
adaptações diferentes.
Huctheon diz ainda (2006, p. 7) que a recriação desses itens na obra adaptada
pode ser aceita ou não pelo público de ambos os textos e afirma que “a adaptação é uma
forma de repetição sem replicação”, portanto “mudanças são inevitáveis, mesmo quando
não há nenhuma atualização ou alteração consciente da ambientação” (tradução nossa).
Nesta pesquisa, justificaremos essa última citação através de alguns aspectos envolvidos
no processo de adaptação do musical “Priscilla, Rainha do Deserto” (2012) para o Brasil.
Diferente o que acontece com a grande maioria dos musicais adaptados, 90% das canções
da peça não foi traduzida para a língua portuguesa. Pretendemos ainda justificar esse fato
– o da não tradução das canções – através de alguns trechos de uma entrevista com o
adaptador Flávio Marinho (2013).
4.
“PRISCILLA, RAINHA DO DESERTO” (2012) EM VERSÃO BRASILEIRA
O musical “Priscilla, Rainha do Deserto” (2012) teve sua estreia no Brasil no dia 16 de
março de 2012, apenas um ano após sua estreia na Broadway (2011). A conquista dos
palcos da Broadway aconteceu alguns anos após o sucesso da montagem em 2006 no Lyric
Theater, em Sydney, Austrália. A peça, que conta a historia de três drag queens que viajam
juntas em um ônibus cor-de-rosa (batizado de Priscilla) em busca de seus sonhos, é uma
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adaptação do filme “The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert”, dirigido pelo
australiano Stephan Elliott (1994). As três amigas cruzam a Austrália nesse ônibus e
seguem contando histórias, conhecendo pessoas e arrumando muita confusão.
A história de “Priscilla” se passa na Austrália e o texto apresenta muitas
peculiaridades da cultura daquele país, o que torna o trabalho do adaptador ainda mais
complicado. A peça também conta com 25 números musicais e trilha sonora com canções
da disco music. Alguns números musicais remetem diretamente ao filme de 1994, como
“Go West”, “Shake Your Groove Thing”, “I Love The Night Life”, e a marcante “I Will Survive”,
enquanto outros como “It’s Raining Men”, “Hot Stuff”, “Say a Little Prayer” e “True Colors”,
ganham vida pela primeira vez nos palcos do teatro.
Depois da estreia em Sydney (2006) e nos palcos da Broadway (2011), a peça
“Priscilla” viajou em turnê para outros países, visitando cidades como Toronto, Londres e
mais recentemente, São Paulo, acumulando um total de 2,5 milhões de espectadores. Em
cada uma dessas montagens foram feitas pequenas adaptações no texto e em algumas
canções para que a peça se aproximasse ainda mais do público que iria assisti-la.
Esse fato nos leva a perceber três níveis de adaptação da obra que
apresentaremos a seguir. Primeiro tivemos o filme (1994) que foi adaptado para os palcos
da Austrália (2006), procurando manter as características culturais do local, já que a
história se passa no mesmo país. Em um segundo momento, a peça original da Austrália
foi adaptada para os palcos de outros países falantes do mesmo idioma (no caso, a língua
inglesa). Por fim, a peça foi adaptada para a língua portuguesa no Brasil (2012). Nesse
último caso, tratamos de um idioma e de um país completamente diferentes do primeiro.
Uma adaptação da tela do cinema para os palcos não se baseia apenas em
adaptar seu texto, mas também a interpretação dos atores para cada personagem. Assim,
no caso de uma adaptação teatral ou fílmica, os atores também são considerados
adaptadores. É dessa forma que uma personagem pode ganhar um ar mais exagerado,
dramático e até espalhafatoso. Por se tratar de uma peça de teatro (realizada ao vivo),
algumas falas tornam-se, mesmo que textualmente idênticas às dos filmes, muito mais
enfáticas. Os atores usam diferentes tons de voz, gestos, ritmos e movimentos para tentar
prender a atenção dos espectadores.
Outro momento de adaptação acontece quando as canções são cantadas e
dançadas. No teatro isso acontece ao vivo e no cinema é exibida uma base pré-gravada, na
qual o ator dubla a música durante as filmagens. Hutcheon (2006, p. 128) chama esse fator
de “mode of engagement”, que acontece quando uma adaptação se utiliza de diferentes
focos para que uma obra seja transferida para outro formato. Existem diversas formas de
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Versão nacional: a adaptação de musicais da Broadway no Brasil e o caso “Priscilla, rainha do deserto” (2012)
transmitir histórias ao público, e elas podem ser contadas através de livros, mostradas em
filmes ou peças e musicais, e em alguns casos, como nos vídeo games, existe a interação
com a história.
No caso do filme (1994) e do musical “Priscilla” (2012), a mesma história é
contada, até mesmo com algumas das mesmas músicas e figurinos. O que difere uma obra
da outra são as adaptações realizadas. Em um palco de teatro, por exemplo, existem
limitações quanto à troca de cenários e figurinos, pois não há tempo e espaço suficiente. A
música é cantada ao vivo e, muitas vezes, ocorre interação com o público. Mais ainda: as
cenas são apresentadas em sequência. No cinema, a locação (cenário) tende a ser mais
realista, pois basta que o elenco e a produção viajem para gravar nos locais determinados
pelo diretor. Há tempo para a troca de roupas (figurinos) e muitas cenas são gravadas em
intervalos diferentes.
Para o caso de “Priscilla” (2012) temos, além das especificidades de um filme
adaptadas para uma peça, a questão da adaptação do roteiro. É interessante notarmos
como a palavra tradução nem sempre se refere à transferência de um texto de um idioma
para o outro. Em “Priscilla” observamos casos de nomes de personagens e canções que
foram substituídas por outras ainda em língua inglesa (porém mais conhecidas). O
objetivo de Marinho (2013), nesse caso, foi apenas aproximar o texto do público brasileiro.
Nos palcos de Sydney (2006) e de Londres (2009), o texto narra a história de
Adam, um rapaz que tem o sonho de atravessar uma montanha vestido de mulher, e lá
cantar um medley de canções da cantora australiana Kylie Minogue. Essa cantora é citada
não só nessa cena, mas durante boa parte do espetáculo. Isto acontece porque Kylie é uma
cantora internacionalmente conhecida, mas de forma mais direta na Austrália e Reino
Unido. Já nos palcos da Broadway (2011) e em São Paulo (2012) toda e qualquer citação
referente a Kylie Minogue foi adaptada para o nome da cantora Madonna, que, segundo o
adaptador Flávio Marinho (2013), goza de um maior reconhecimento nesses países.
Tal interferência não acontece somente nas falas, mas também nas canções da
peça. Por exemplo: na peça original (2006) e na montagem britânica (2009), ao final da
história, quando a personagem Adam finalmente realiza seu sonho, entoa o clássico
“Confide in Me”, de Kylie Minogue. Já em outros países, a música apresentada é “Like a
Prayer”, interpretada por Madonna.
Esses casos nos remetem ao que Venuti (2000) e Eco (2007) chamam de
domesticação, que ocorre quando tradutores/adaptadores decidem que, ao invés de
aproximar o público do texto, vão preferir aproximar o texto do público. Em outras
palavras, em “Priscilla” (2012), embora o espectador brasileiro seja informado de que a
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história se passa na Austrália, o adaptador decidiu substituir alguns termos por outros de
reconhecimento mais imediato. Notemos que em alguns diálogos da peça o critério citado
anteriormente se repete, veja:
Exemplo 1
Texto-primeiro (Broadway)
MARION: Places, girls!
The word‟s out.
It‟s the biggest crowd we‟ve had since David
Hasselhoff.
Texto adaptado (montagem brasileira)
MARION: Oi meninas!
O boca-a-boca já começou!
Não tivemos tanto público assim desde a
Olivia Newton-John!
Exemplo 2
Texto-primeiro (Broadway)
BERNADETTE: Madonna! Madonna! Don‟t
you know anything by Rosemary Clooney?
TICK: Shut up, Bernice.
Madonna is an icon.
BERNADETTE: So‟s Mt Rushmore.
Except Mt. Rushmore‟s a better actor.
No
texto-primeiro
dos
diálogos
Texto adaptado (montagem brasileira)
BERNADETTE: Madonna… Madonna…
Vocês nunca ouviram falar em Judy
Garland?
TICK: Cala a boca, Dette!
A Madonna é um ícone.
BERNADETTE: O Cristo Redentor também.
Só que é melhor ator...
anteriores
foram
citadas
nomes
de
personalidades pouco conhecidas no Brasil, o que levou Flávio Marinho (2013) a adaptálos para nomes mais familiares ao público brasileiro. No primeiro diálogo o personagem
citado é o ator e cantor americano David Hasselhoff, que atuou na série de TV americana
“Baywatch”. Ocorre que Hasselhoff é praticamente desconhecido no Brasil, o que levou
Marinho a fazer opção pelo nome de Olivia Newton-John, grande nome do cinema e da
música mundial. No segundo trecho, o nome de Rosemary Clooney, cantora e atriz norteamericana, foi adaptado para Judy Garland, também cantora e atriz americana. Sabemos
que Garland é bem mais popular que Clooney no Brasil, certamente por sua atuação em
“The Wizard of Oz”, filme musical de 1939 dirigido por Victor Flamming. Ainda no
segundo trecho, temos a presença do nome Mt Rushmore, famoso monte em Keystone
(Dakota do Sul, E.UA.) onde foram esculpidos os rostos de quatro ex-presidentes do país.
O nome foi alterado para “O Cristo Redentor”, outro monumento situado no Rio de Janeiro
(Brasil) que retrata Jesus Cristo e que é bem conhecido pelo público brasileiro.
Percebemos que as adaptações presentes nessa obra confirmam a fala de Venuti
(2000, p. 468) quando diz que o processo de domesticação é totalizante, mesmo que nunca
por completo. Então Marinho (2013) optou por fazer adaptações domesticadoras não
apenas nesses trechos, mas cada vez que percebeu que o nome citado no texto-primeiro
poderia inviabilizar o entendimento do público brasileiro e, dessa forma, a piada, o
reconhecimento. Em “Priscilla” (2012), temos também casos em que títulos de séries,
filmes ou músicas citados precisaram ser domesticados na versão brasileira, como a
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Versão nacional: a adaptação de musicais da Broadway no Brasil e o caso “Priscilla, rainha do deserto” (2012)
substituição das séries “Baywatch” (1989-1999) e “Crime Watch” (1984-2012), pelos filmes
“Pretty Woman” (1990) e “Pulp Fiction” (1994), respectivamente. Notamos que as séries
citadas no texto-primeiro não seriam facilmente reconhecidas no Brasil, portanto foram
substituídas pelos nomes de dois filmes mais populares.
Um fato importante a analisar é que, apesar da preferência por nomes mais
conhecidos do público brasileiro, os títulos usados na adaptação brasileira permaneceram
em seu idioma de origem (inglês). Sabemos que esses filmes receberam no Brasil os nomes
de “Uma Linda Mulher” e “Pulp Fiction: tempo de violência”. Marinho (2013) diz que
manteve os nomes em inglês porque esses filmes são tão ou mais conhecidos pelo nomeprimeiro, o que dispensaria o uso dos nomes brasileiros. O autor descreve esse critério
como o de “reconhecimento mais imediato do público” e diz que se tivesse usado o título
“Tempo de Violência” talvez o público sequer reconhecesse a obra. Esse fato confirma sua
preferência pela domesticação (VENUTI, 2000 e ECO, 2007), fazendo com que o público
brasileiro se identifique com a cultura inserida no texto, ao invés de estrangeirizá-lo e
tentar levar o brasileiro até a cultura australiana.
Marinho (2013) ainda nos relata que sua maior dificuldade na adaptação de
“Priscilla” (2012) foi encontrar equivalentes para os termos australianos. O texto da peça é
repleto de termos bastante específicos do local e, por vezes, sem um equivalente mais
conhecido do público brasileiro. Algumas opções foram bem interessantes. A palavra
“dingo”, por exemplo, refere-se a uma sub-espécie de lobo, animal bastante perigoso, mas
que existe apenas na Austrália e no sudeste asiático. No texto em português a opção foi
pelo termo “cão feroz”. Em outro trecho, temos a expressão “Woop Woop”, uma gíria em
inglês australiano usada para se referir a um lugar qualquer, no meio do nada. Em
português o termo utilizado foi “fim do mundo”.
Em todos os exemplos citados anteriormente, podemos concluir que a ideia
principal do adaptador Marinho (2013) foi de trazer o texto para perto do público, mais
precisamente, trazer a peça para o Brasil, e não levar o público à Austrália. Para tornar
isso possível, o recurso à domesticação foi necessário, segundo justificativa de Marinho
(2013), para que houvesse uma compensação em relação a algumas perdas que o texto
adaptado veio a sofrer. Isso aconteceu, segundo o adaptador, devido à falta de liberdade
para adaptar determinados pontos do roteiro. É que produtores e autores do textoprimeiro não permitiram que certas peculiaridades fossem adaptadas. Não permitiram
também que as canções fossem traduzidas.
Podemos, a partir daí, introduzir nesta pesquisa a ideia de patronagem de
Lefevere (1992), ou seja, uma provável manipulação do texto traduzido, a partir de certas
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ideologias que podem colaborar ou não para o resultado final da tradução de uma
determinada obra. Lefevere (1992, p. 41) diz que essas ideologias refletem a forma como o
tradutor lida com os objetos, conceitos e costumes pertencentes ao mundo familiar ao
escritor do texto-primeiro. Durante a adaptação do musical “Priscilla” (2012), Flávio
Marinho se deparou com os dois lados do conceito de patronagem. O tradutor obteve
permissão para adaptar alguns nomes de personagens e termos mais específicos para um
equivalente na língua de chegada, mas foi impedido de adaptar as canções do musical, o
que, segundo ele, dificultou a compreensão plena do espetáculo por espectadores nãofluentes em língua inglesa.
Para exemplificar esses dois lados, vale citar a adaptação de outros nomes de
personagens para o português. Na cena que abre o espetáculo, que se passa na “Cockatoo
Club” (que em português virou a boate “Peru-Ação”), temos uma apresentadora chamada
“Miss Understanding”. No texto em português, o nome da drag queen, espalhafatosa e
abusada, foi genialmente traduzido por “Miss Segura”, um termo que reflete exatamente a
personalidade da personagem, sem perder o jogo de palavras criado em inglês. Em
português o nome também traz a palavra Miss para representar uma figura feminina. Em
cima de um palco, a expressão soa como “me segura”. Esses foram momentos do textoprimeiro em que parece ter havido uma permissão total ao trabalho de adaptação
realizado por Marinho (2013). O resultado foi bem interessante em termos dramatúrgicos.
Por outro lado, ele não obteve autorização para traduzir as canções do musical e
desabafou:
Eu preferiria ter traduzido todas as letras, mas não consegui convencer os australianos
sobre isso. Do jeito que ficou o espetáculo por vezes ganha um clima de show de navio.
Acontece que se eles aceitassem as letras brasileiras (que nunca são idênticas ao original)
teriam que mexer nas coreografias e eles queriam uma montagem o mais próxima
possível da que foi originalmente criada. Acho uma pena essa falta de jogo de cintura.
Em outro momento, por exemplo, uma personagem canta uma canção que não faz muito
sentido nem no original, ela diz “I left the cupcakes out in the rain” (deixei os cupcakes na
chuva), um dos versos mais doidos da música pop. Eu sugeri outra coisa (que não
lembro mais), mas eles queriam que as personagens, nesse momento, entrassem vestidas
de cupcake. E foi o que aconteceu. Lamentavelmente, porque ninguém na plateia
entendia o que estava acontecendo. Criou-se um corpo estranho na comunicação palcoplateia.
A declaração de Marinho (2013) parece concordar com o trabalho de Eco (2007, p.
109) ao afirmar que em toda tradução há “perdas e compensações” e que algumas perdas
são absolutas. Portanto, antes de se apegar a conceitos de natureza estrangeirizadora, que
podem até mesmo confundir o público, os detentores dos direitos autorais das obrasprimeiras, que muitas vezes tolhem o trabalho criativo dos adaptadores, deveriam pensar
no resultado final desse processo. Enfim, deveriam ter como objetivo receber das mãos do
adaptador um texto que comunicasse de forma clara, simples e divertida.
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Versão nacional: a adaptação de musicais da Broadway no Brasil e o caso “Priscilla, rainha do deserto” (2012)
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que o trabalho de adaptação de um musical da Broadway ao contexto de
outros países e idiomas – não somente no caso do Brasil – esbarra em uma série de
entraves, relacionados ao excessivo apego que muitos diretores, produtores e roteiristas
das primeiras versões costumam ter ao lidar com as adaptações que se fazem necessárias
no texto de chegada. E como o trabalho de adaptação envolve vários profissionais,
inclusive o adaptador do texto narrativo e das letras das canções, a cooperação entre eles é
fundamental para a produção de um resultado (texto) mais assertivo em termos de
humor, entretenimento e troca. Dizemos isso porque cada adaptação segue uma proposta,
e em “Priscilla” (2012) parece-nos que a proposta é alinhar público-alvo, linguagem e
texto. Dentre esses três aspectos, destacamos o público como o ponto mais importante,
conforme pesquisa anterior (CARIBÉ, p. 10, 2011).
Também não se deve adaptar uma obra estrangeira pensando somente no
público que conhece o idioma e nas especificidades da cultura do texto-fonte, até porque a
obra adaptada poderá servir de convite a conhecê-la. Hutcheon (2006, p. 121) confirma
isso quando diz que “adaptações bem sucedidas são feitas para ambos os públicos: os que
conhecem e não conhecem os textos-fonte”. Aprovamos, então, a proposta de Marinho
(2013) de aproximar o texto do público, mesmo encontrando diversos obstáculos. O
adaptador reafirma a importância da tradução das canções dos musicais da Broadway em
língua portuguesa, inclusive com o intuito de congregar outros públicos, conforme disse
Hutcheon (2006, p. 121). Sobre o resultado final, diz que sua satisfação só não foi total
porque não concordou com o fato de a maioria esmagadora das canções de “Priscilla”
(2012) terem sido cantadas em inglês.
Também aproveitamos este trabalho para apresentar outras vertentes de
tradução mais recentemente discutidas, como o caso da adaptação de musicais para o
público brasileiro. Podemos notar que em um trabalho dessa natureza não se traduz
apenas o roteiro, usamos diversas formas de adaptação. Percebemos, em suma, que o
adaptador ora opta pela domesticação ora pela estrangeirização. Sim, pois é fato que os
problemas de tradução vão aparecer. Nesse caso, concluímos que, quando não é possível
adaptar em um dado momento, o adaptador poderá fazê-lo em outros pontos do texto.
Assim procedeu Marinho (2013) na adaptação “Priscilla, A Rainha do Deserto” (2012). Sua
intenção foi fazer com que a obra se apresentasse ao público brasileiro da forma mais
natural e convincente possível, sem deixar de lado a cultura australiana e, ao mesmo
tempo, introduzindo um pouco da cultura brasileira.
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Em resumo, é como se o processo de adaptação de “Priscilla” (2012) por Marinho
(2013) resultasse em uma história em que o ônibus cor-de-rosa do texto-primeiro sai do
deserto australiano e parte rumo ao Brasil, trazendo em seu bagageiro diversas malas
carregadas da cultura australiana. E, devido a alguns problemas durante a viagem, parte
dessa bagagem se perdesse, algumas malas fossem trocadas, porém outras chegassem
intactas ao seu destino final.
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EVITA (musical adaptado no Brasil). Diretor: Jorge Takla (2011), Maurício Sherman (1983, 1986).
Letras e canções: Victor Berbara (1983,1986), Cláudio Botelho e Vânia Pajares (2011). Teatro João
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GREASE (filme). Direção: Randal Kleiser. Produção: Robert Stigwood e Allan Carr. RSO Records,
1978. 1 DVD (110 minutos).
GREASE (musical adaptado no Brasil). Direção: Cristina Trevisan . Direção musical, roteiro, letras
e canções: Rudy Arnaut. Teatro Sérgio Cardoso, São Paulo (SP), 2003.
LES MISÉRABLES (filme). Direção: Richard Boleslawski. Produção: Darryl F. Zanuck. 20th Century
Pictures, 1935. 1 DVD (108 minutos).
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LES MISÉRABLES (musical da Broadway). Direção: Laurence Connor e James Powell (2014).
Roteiro adaptado por: Trevor Nunn e John Caird. Letras e canções: Claude-Michel Schönberg e
Alain Boublil. Broadway, Nova Iorque (E.U.A.), 1987. Disponível em:
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LES MISÉRABLES (musical adaptado no Brasil). Direção: Ken Caswell e Billy Bond. Letras e
canções: Cláudio Botelho. Teatro Abril, São Paulo (SP), 2001.
LES MISÉRABLES (filme). Direção: Tom Hooper. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Debra
Hayward e Cameron Mackintosh. Roteiro, letras e canções: Claude-Michel Schönberg. Working
Title Films, 2012. 1 DVD (158 minutos).
MAMMA MIA! (musical da Broadway). Direção: Phyllida Lloyd. Roteiro: Catherine Johnson.
Letras e canções: Bjorn Ulvaeus e Benny Andersson (Grupo Abba). Broadway, Nova Iorque
(E.U.A.), 2001. Disponível em: <http://www.mamma-mia.com>. Acesso em: 26 ago. 2013.
MAMMA MIA! (filme). Direção: Phyllida Lloyd. Produção: Judy Cramer e Gary Goetzman.
Roteiro: Catherine Johnson. Letras e canções: Bjorn Ulvaeus e Benny Andersson (Grupo Abba).
Playstone, 2008. 1 DVD (109 minutos).
MAMMA MIA! (musical adaptado no Brasil). Direção: Robert McQueen. Letras e canções: Cláudio
Botelho. Teatro Abril, São Paulo (SP), 2010-2011.
THE WIZARD OF OZ (filme). Direção: Victor Fleming. Metro-Goldwyn-Mayer, 1939. 1 DVD (101
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Outros
BAYWATCH. Série de TV americana. Criadores: Michael Berk et al. 1989-1999. Título no Brasil:
S.O.S. Malibu.
CRIME WATCH. Série de TV inglesa criada e exibida pela BBC (UK). 1984-2012.
PRETTY WOMAN (filme). Direção: Gary Marshall. Dimension, 1990. 1 DVD (119 minutos). Título
no Brasil: Uma linda mulher.
PULP FICTION (filme). Direção: Quentin Tarantino. A Band Apart / Miramax Films, 1994. 1 DVD
(168 minutos). Título no Brasil: Pulp Fiction: tempo de violência.
Yuri Jivago Amorim Caribé
Mestre em Comunicação e Semiótica pela
PUC/SP, doutorando em Estudos Linguísticos e
Literários do Inglês, subárea Tradução pela USP,
professor do Bacharelado em Tradutor e Intérprete
da Universidade Nove de Julho (Uninove/SP).
Trabalha com Teoria e Prática de Tradução
(literária e técnica) e Literaturas de Língua Inglesa.
Bruno Alves Massineli de Maio
Bacharel em Tradutor e Intérprete e especialista
em Tradução Inglês/Português, ambos pela
Universidade Nove de Julho (Uninove).
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