Dengue: diagnóstico clínico e laboratorial Autor: Dr. Robério Dias Leite A infecção pelo vírus da Dengue causa uma doença de amplo espectro clínico. Na forma sintomática clássica, a primeira manifestação é a febre alta de início abrupto, associada à cefaleia, adinamia, mialgias, artralgias, dor retro-orbitária. A febre costuma durar de dois a sete dias, podendo ter um padrão bifásico nas formas graves 1, 2. Exantema do tipo macular ou maculo-papular confluente (Figura 1) ocorre em cerca de 50% dos casos, surgindo por volta do terceiro dia e persistindo por dois ou três dias, acompanhado ou não de prurido ou de petéquias 1, 2. É uma doença sistêmica e muito dinâmica, com desfecho imprevisível. Pode ser dividida em três fases: febril, crítica e de recuperação (Figura 2). A queda da temperatura entre o 3º e 7º dia do início da doença pode indicar o prenúncio de um processo de aumento da permeabilidade capilar e elevação do hematócrito. Isso marca o início da fase crítica da doença, quando podem ocorrer sinais de extravasamento plasmático significativos por 24 a 48 horas 3, 4. Também prenuncia essa fase crítica o surgimento de sinais de alarme: vômitos frequentes, dor abdominal intensa e contínua, hepatomegalia dolorosa, desconforto respiratório, sonolência ou irritabilidade excessiva, hipotermia, sangramento de mucosas, diminuição da sudorese e derrames cavitários (pleural, pericárdico e ascite) 1, 2. Leucopenia progressiva e queda abrupta das plaquetas precedem essa fase 5. Manifestações hemorrágicas como epistaxe, gengivorragia, metrorragia, hematêmese, melena e hematúria são também consideradas sinais de alarme 2. Ocorrendo extravasamento capilar importante, a albumina cai e a radiografia ou a ultrassonografia do tórax podem mostrar derrame pleural, mais comum à direita, além de ascite e espessamento da parede da vesícula biliar na ultrassonografia abdominal 2. Quanto menor a criança, mais inespecíficos os sinais e sintomas, como adinamia, sonolência, recusa da alimentação e de líquidos, vômitos e diarreia. O agravamento pode ser súbito, sem obedecer ao padrão descrito anteriormente1, 2. Mesmo na ausência de alterações hemodinâmicas formas graves podem ocorrer, manifestando-se com sinais de disfunção de órgãos como coração, pulmões, rins, fígado e sistema nervoso central. Elevação transitória das enzimas hepáticas de pequena monta ocorre em até 50% dos pacientes1, 2. Nos primeiros cinco dias do início da febre (viremia) o diagnóstico em amostra sanguínea pode ser feito por cultivo viral, pela reação em cadeia da polimerase (RT-PCR), pesquisa do Antígeno NS1 do vírus da Dengue ou teste rápido de detecção de IgA para Dengue 6, 7. Pesquisa de anticorpos IgM e IgG por ELISA é ainda o método mais usado rotineiramente. Anticorpos IgM podem ser detectados a partir do 5º dia da doença nas infecções primárias e um pouco mais tarde nas infecções subsequentes, persistindo por 139 a 179 dias 9. Anticorpos IgG surgem após o 10º dia da doença nas infecções primárias e nas secundárias começam a se elevar já a partir do 4º dia da doença 10 (Figura 2). Caso Clínico – Criança de 5 anos, feminina, procedente de Fortaleza-CE, apresentando febre alta não medida há 4 dias. Informaram que era uma "virose", mas a febre cessou e, no entanto, aparenta pior, queixando-se de dor abdominal e vômitos persistentes. Exame físico: Estado geral regular, afebril, acianótica, anictérica, com discreto desconforto respiratório. FC = 100, Pressão arterial: 100 x 70 mmHg deitada e 90 x 60mmHg sentada. Ausculta cardíaca: fisiológica. Ausculta pulmonar: murmúrio vesicular diminuído na base do pulmão direito. Abdome: plano, difusamente doloroso. Extremidades: boa perfusão. Hemograma: Hb = 13 g/dL, Ht = 44%, leucócitos 3600/mm3 (segmentados = 30%, eosinófilos = 4%, linfócitos = 60%, monócitos = 6%), plaquetas 90.000/mm3. Radiografia de tórax (Figura 3). Perguntas 1) Qual dos exames abaixo seria o mais indicado para confirmação do diagnóstico rápido de Dengue nesse momento? - IgM para Dengue - Cultivo viral - IgG para Dengue - Antígeno NS1 - (resposta correta) - IgE para Dengue 2) Supondo IgG positivo para Dengue nesse momento, podemos concluir que: - Paciente apresenta infecção primária pelo Vírus da Dengue - Paciente apresenta infecção secundária por um novo sorotipo viral do Vírus da Dengue - (resposta correta) - Paciente apresenta infecção secundária pelo mesmo sorotipo viral do Vírus da Dengue de uma infecção pregressa - Paciente pode estar desenvolvendo infecção primária ou secundária pelo Vírus da Dengue - Paciente já adquiriu imunidade natural para todos os sorotipos do Vírus da Dengue 3) Em qual fase clínica da Dengue a criança se encontra? - Prodrômica - Febril - Crítica - (resposta correta) - Recuperação - Convalescença 4) Quantos sinais de alarme da Dengue a criança apresentou? -1 -2 -3 - 4 - (resposta correta) -5 5) A observação de que o murmúrio vesicular estava diminuído na base do pulmão direito provavelmente se explica por: - Pneumonia pelo vírus da Dengue - Pneumonia bacteriana associada à Dengue - Aumento das dimensões do fígado - Hidrotórax - (resposta correta) - Hemotórax Referências Bibliográficas 1)WHO. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention and control -- New edition. 2009. ISBN 978 92 4 154787 1. Geneva, Switzerland. 147p. 2)Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue: diagnóstico e manejo clínico – adulto e criança / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Diretoria Técnica de Gestão. – 4. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2011. 80 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). 3)Srikiatkhachorn A, Krautrachue A, Ratanaprakarn W, et al. Natural history of plasma leakage in dengue hemorrhagic fever: a serial ultrasonic study. Ped Infect Dis Journal. 2007, 26(4): 283-90. 4)Nimmannitya S, Halstead SB, Cohen SN, Margiotta MR. Dengue and chikungunya virus infection in man in Thailand, 1962–64. Observations on hospitalized patients with haemorrhagic fever. Am J Trop Med Hyg. 1969; 18(6): 954-71. 5)Kalayanarooj S, Vaughn DW, NimmannityaS et al. Early clinical and laboratory indicators of acute dengue illness. J Infect Dis. 1997; 176: 313-21. 6)Hirayama T, Mizuno Y, Takeshita N et al. Detection of dengue virus genome in urine by real-time reverse transcriptase PCR: a laboratory diagnostic method useful after disappearance of the genome in serum. J Clin Microbiol. 2012; 50(6): 2047–52 7)Poloni TR, Oliveira AS, Alfonso HL et al. Detection of dengue virus in saliva and urine by real-time RT-PCR. Virol J. 2010; 7: 22. 8)Hernandez SIC, Mateos SG, Aguilar HC et al. Evaluation of a novel commercial rapid test for dengue diagnosis based on specific IgA detection. Diagnostic Microbiology and Infectious Disease 72 (2012) 150–5. 9)Prince HE, Matud JL. Estimation of dengue virus IgM persistence using regression analysis. Clin. Vaccine Immunol. 2011; 18(12): 2183–5. 10)Tang KF, Ooi EE. Diagnosis of Dengue: an update. Expert Rev Anti Infect Ther. 2012; 10(8); 895–907.