A história da Cardiologia inicia-se com o interesse em aprofundar os conhecimentos sobre a circulação sanguínea. No Egito Antigo, temos uma breve descrição no papiro de Smith (3.000 a.C), atribuído a Imhotep, médico elevado à categoria de deus, além de outros de valor secundário. Eles atestavam a existência do coração, que estaria ligado a 22 canais (vasos) distribuídos pelo corpo, e que assinalavam a existência do pulso. Na China (1.200 a.C), observamos descrições semelhantes, porém com informações sobre o movimento do sangue nos vasos. Na Grécia, Platão ensina que o coração é um órgão central e que o sangue está em constante movimento, circulando e assegurando calor para todo o corpo. Hipócrates ensina que o coração tem cavidades, umas com sangue escuro e outras vermelho, e que entre elas existem válvulas, as atrioventriculares. Segundo ele, as veias estão cheias de sangue enquanto que as artérias só contêm ar, e que o coração é um órgão essencial, que não pode adoecer. Aristóteles, no século IV a.C, fala sobre a aorta e afirma que o coração é o último órgão a morrer, quando cessam suas batidas. Todos conhecem o pulso e o relaciona a contração cardíaca. Avanços extraordinários acontecem no século III a.C. Herófilo nomeia a artéria pulmonar, identifica a sístole e a diástole, estuda o pulso e fixa quatro caracteres fundamentais (frequência, ritmo, amplitude e força), sendo o primeiro a estudar as arritmias. Erasístrato, no mesmo século, identifica as válvulas pulmonar e aórtica e descreve a presença de sangue nas artérias dos animais vivos, além de uma informação fundamental: as artérias e veias se comunicam. A medicina romana recebeu muitas influências gregas, mas admitia também práticas advindas de regiões longínquas do Império. Contudo, foi um profissional que chegou a ocupar o cargo de médico pessoal do imperador Marco Aurélio o responsável pelo maior desenvolvimento dos conhecimentos sobre anatomia em geral e, também, sobre a anatomia do coração. Trata-se de Cláudio Galeno. Ele angariou a maior parte de seus conhecimentos a partir da prática diária de dissecções em animais. Todavia, a contribuição mais conhecida de Galeno foi descrever a existência e a fisiologia de três “espíritos” no corpo: o "natural", que se forma no fígado; o "animal", no cérebro, e o "vital", no coração. Durante a Idade Média quase não houve avanços no conhecimento médico. Foi com o advento da Renascença que avanços científicos voltaram a acontecer. Não seria possível, nesse contexto, desprezar os conhecimentos trazidos por Leonardo da Vinci, que trabalhou com sistemática na investigação da anatomia humana. Seus esquemas e desenhos trouxeram ao conhecimento da humanidade a existência do endocárdio e do aparato valvular, incluindo os músculos papilares e o saco pericárdico. Da Vinci caracterizou o músculo cardíaco como sendo o mais potente do corpo humano e, por ter examinado cadáveres de pessoas jovens e idosas, fez descrição pioneira da aterosclerose, relatando e desenhando muitas modificações que comprometem os vasos arteriais com o passar do tempo. As publicações de Andreas Vesalius foram, ainda durante o Renascimento, as que mais impulsionaram o conhecimento da anatomia humana. Seu livro De Humani Corporis Fabrica, de 1543, é a pedra fundamental da Medicina Moderna. É o primeiro tratado de anatomia do homem com dados integralmente obtidos de cadáveres de seres humanos, e não de animais. No século XVII, Willian Harvey descobriu e demonstrou a circulação do sangue. Publicou, em 1628, o livro Exercitatio Anatomica De Motu Cordis et Sanguinis in Animalibu (Exercício Anatômico Relacionado ao Coração e à Circulação em Animais), em que expõe e prova sua doutrina da circulação do sangue: existe uma transferência de sangue das veias às artérias, graças a ação de uma potente bomba no coração e a volta da mesma massa de sangue ao ponto de partida, depois de haver circulado por todo o organismo. Ainda no século XVII, Marcelo Malpighi descreve os vasos capilares, ao observar os glóbulos vermelhos através de vasos minúsculos no peritônio. No século XVIII destacamos Giovanni Battista Morgagni, professor na Universidade de Pádua, na Itália, que publicou De sedibus et causis morborum, em que faz a confrontação dos achados de autópsias com dados clínicos em vida. Ali estão os primeiros relatos sobre rupturas do coração, lesões poliposas, aneurismas de aorta e angina. Ainda no século XVIII, Raymond de Vieussens aperfeiçoou os conhecimentos sobre a anatomia cardíaca, em especial, descobrindo bandas musculares e peculiaridades da circulação arterial e venosa coronária. No século XIX, René Theophile Laennec inventou o estetoscópio. A medida indireta da pressão arterial só se tornou possível a partir de 1880, quando Samuel Siegfried Karl Ritter von Basch, na Alemanha, idealizou o esfigmomanômetro anaeróide, que nada mais era que uma bolsa de borracha cheia de água e ligada a uma coluna de mercúrio ou a um manômetro. Comprimindo-se a bolsa de borracha sobre a artéria até o desaparecimento do pulso obtinha-se a pressão sistólica. Em 1896, um médico italiano, Riva-Rocci, substituiu a bolsa por um manguito de borracha e a água pelo ar. A medida da pressão diastólica teve de esperar por mais nove anos, até que um jovem médico russo, Nikolai Korotkov, descobrisse os sons produzidos durante a descompressão da artéria. Cirurgias cardíacas No início do século XX, Willem Einthoven introduziu o eletrocardiograma, método propedêutico que revolucionou o exame do coração. Neste século, fizeram-se muitos progressos na área, tais como a realização da primeira cirurgia cardíaca pelo americano Robert E. Gross e a criação de próteses sintéticas para a substituição da válvula aórtica por Charles Hufnagel. As cirurgias cardíacas começaram com o coração fechado, sendo chamadas de "operações cardíacas a céu fechado". Só anos mais tarde, com o desenvolvimento das "Bombas de Circulação Extracorpórea" e dos "Oxigenadores", que os cirurgiões puderam abrir o coração, iniciando o que se chamou de "operações cardíacas a céu aberto". A primeira cirurgia cardíaca a céu aberto foi feita por F. John Lewis que, em 1953, realizou o fechamento de uma comunicação interatrial. O desenvolvimento da máquina coração-pulmão, por John H. Gibbon, permitiu que fosse realizada, mais uma vez, o fechamento de uma comunicação interatrial. As técnicas cirúrgicas de tratamento da doença coronária têm seus princípios no trabalho de dois pioneiros. Claude Beck, que em 1939 sugeriu que um segmento do músculo peitoral aplicado sobre o coração pudesse aprimorar a oferta de sangue para o miocárdio isquêmico, e Arthur Vinenberg, que em 1946 realizou o implante direto da artéria torácica interna numa região do miocárdio comprometida pela redução do fluxo de sangue. Mais tarde, Vasilii Kolessov e Robert Goetz realizaram anastomoses da artéria mamária interna com a artéria descendente anterior, o primeiro fazendo a ligação entre os vasos por meio de suturas tradicionais e o segundo por meio de um anel metálico especialmente desenhado para este fim. René Favaloro descreveu a técnica da revascularização cirúrgica com ponte de veia safena para tratar uma obstrução na artéria coronária direita e Dudley Johnson ampliou o uso desta técnica também para o território da artéria coronária esquerda. Cateterismo Em 1929 o cateterismo das câmaras cardíacas foi realizado em seres humanos vivos por Werner Forssman. Mason Sones, um cardiologista pediátrico, logrou opacificar as artérias coronárias in vivo, utilizando contraste iodado. Paralelamente, Charles Dotter, em 1964, obteve sucesso no tratamento percutâneo de artérias obstruídas por ateromatose, nos membros inferiores. Baseado no trabalho destes pioneiros, Andréas Gruentzig, um angiologista suíço, levou a técnica de tratamento percutâneo até as artérias coronárias e apresentou, no congresso do American Heart de 1976, o relato de seus primeiros casos em animais. Esta técnica foi aplicada pela primeira vez, com sucesso, em um ser humano vivo em setembro de 1977. Em 1986 e 1987, Sigwart U., Puel J., Palmaz-Schatz e J. Eduardo Sousa introduzem um novo sistema de tratamento percutâneo, os stents coronários. Em 1999, J. Eduardo Sousa realizou, no Brasil, o primeiro implante de stents farmacológicos, os quais liberam medicamentos após seu implante nas artérias coronárias. Transplante A realização do primeiro transplante cardíaco no mundo, em 1967, pelo cirurgião sul-africano Christian Barnard, trouxe nova perspectiva e esperança aos portadores de insuficiência cardíaca avançada, representando um importante recurso terapêutico. O tratamento das arritmias passou a ser abordado de modo mais efetivo, com a introdução dos marcapassos e dos desfibriladores automáticos. Cardiologia no Brasil Em 1909, Carlos Chagas e seus colaboradores, entre eles Gaspar Vianna, Eurico Villela e Margarino Torres, diagnosticaram a cardiopatia chagásica, primeiro grande estudo científico de uma doença cardíaca no Brasil. Em 1941, Dante Pazzanese organizou o primeiro serviço especificamente voltado para o diagnóstico e tratamento das doenças do coração e, ao mesmo tempo, passou a ministrar cursos para a formação de profissionais. A instituição fundada por Pazzanese transformou-se no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Em 1943, alunos do 3º Curso do Serviço de Cardiologia do Hospital Municipal de São Paulo, liderados por Dante Pazzanese, fundaram a Sociedade Brasileira de Cardiologia, 5ª Sociedade Nacional no Continente Americano e 13ª no mundo, que, desde, então, congregou e conduziu os cardiologistas do Brasil. Bibliografia - JÚNIOR, Lybio. História da Medicina - Curiosidades & Fatos. Editora Astúrias, 2004. - Benchimol, A. B.; Schlesinger, P. (ed) - Cardiologia. Enciclopédia Médica Brasileira, vols. I a 2 - Rio, Livro Médico Ltda., 1978. - Murad Netto, S. - Evolução e avanços em cardiologia no Brasil. J. B. M. 46: 70, 1984.