Investigação

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Investigação. 2011;11:33-38
Investigação
ISSN 2177-4080 (on-line)
http://publicacoes.unifran.br
ARTIGO ORIGINAL
Bactérias multidroga resistentes isoladas de formigas hospitalares
Multidrug resistant bacteria isolated from hospital ants
Gilberto Gilson Alves, Eliana Silva Costa, Carlos Henrique Gomes Martins, Maria Gorete Mendes
de Souza, Regina Helena Pires*
Laboratório de Pesquisa em Microbiologia Aplicada da Universidade de Franca, Franca, São Paulo, Brasil.
■
Recebido em: 14/2/11 | Revisado em: 27/7/11 | Aceito em: 22/8/11 | Disponível online em: 27/10/11
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RESUMO
As infecções hospitalares são as mais frequentes e importantes complicações ocorridas em pacientes hospitalizados, pois estão relacionadas com o aumento das taxas de morbimortalidade e ainda apresentam dificuldades de um tratamento eficaz. As pragas, em
especial as formigas, são vetores que podem aumentar o risco de infecções devido a sua alta mobilidade e adaptação. Os objetivos
deste estudo foram isolar e identificar bactérias presentes em formigas capturadas no ambiente hospitalar e verificar seu perfil de
sensibilidade frente aos antimicrobianos. A pesquisa ocorreu em um hospital na região Sudeste do Estado de Minas Gerais no período de março de 2010, onde foram coletados 30 espécimes em diferentes unidades do hospital. Cada formiga foi coletada com swab
estéril umedecido em solução fisiológica, transferida para um tubo de ensaio contendo caldo BHI e incubada em estufa a 35 °C por
48 horas. A partir dos tubos que apresentaram crescimento, foi realizada semeadura por esgotamento em placas de meios de cultura
seletivos e diferenciais, seguindo-se com o antibiograma. Foram recuperados 20 isolados bacterianos, entre cocos Gram-positivos
(45%) e bacilos Gram-negativos (55%), os quais se constituíram de Staphylococcus coagulase-negativa, Flavimonas oryzihabitans,
Pseudomonas aeruginosa e Stenotrophomonas maltophilia. A interpretação do antibiograma evidenciou a resistência tanto de cepas
bacterianas Gram-positivas como de cepas Gram-negativas. Demonstrou-se no presente estudo que formigas alocadas em ambiente
hospitalar podem carrear múltiplas espécies bacterianas, inclusive cepas que apresentam perfil multidroga resistente, fazendo-se
necessário o controle sanitário de tais vetores.
Palavras-chave:
infecção hospitalar; formigas; vetores; multirresistência.
ABST R AC T
Hospital infections are the most frequent and important complications occurring in hospitalized patients because they are related
to increased rates of morbidity, and mortality still present difficulties for effective treatment. Pests, especially ants, are vectors that
can increase the risk of infections because of their high mobility and adaptability. The aims of this study were to isolate and identify
bacteria from ants captured in the hospital and determine sensitivity profile to antibiotics. The study occurred in a hospital in the
southeastern state of Minas Gerais in the period from March 2010, where 30 specimens were collected in different hospital units.
Each ant was collected using a swab moistened with sterile saline, transferred to a test tube containing BHI and incubated at 35 °C
for 48 hours. Aliquots of the contents of the tubes that showed growth were then spread onto selective and differential medium plates, followed by the antibiogram. We recovered 20 bacterial isolates, including Gram-positive cocci (45%) and Gram-negative bacilli
(55%), which consisted of Coagulase-negative staphylococci, Flavimons oryzihabitans, Pseudomonas aeruginosa, and Stenotrophomonas
maltophilia. The interpretation of antimicrobial susceptibility testing showed resistance of strains of gram-positive and gram-negative
bacteria. This study showed that ants placed in the hospital environment can carry multiple bacterial species, including strains that
have multidrug resistant profile, making it necessary sanitary control of these vectors.
Keywords:
hospital infection; ants; vectors, multiresistance.
*AUTOR CORRESPONDENTE
Endereço: Av. Dr. Armando Salles de Oliveira, 201, Caixa Postal 82, 14.404-600, Parque Universitário, Franca, São Paulo, Brasil.
Telefone: (16) 3711-8756 | E-mail: [email protected]
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Introdução
A infecção hospitalar tem despertado grande interesse no meio
científico devido a elevadas taxas de morbimortalidade apresentadas pelos pacientes hospitalizados. Por definição, é qualquer
infecção adquirida após a internação do paciente e que se manifesta durante a internação ou mesmo após a alta, quando puder
ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares
se enquadram como infecção hospitalar (1). Tais infecções têm
crescido na proporção direta do desenvolvimento de tecnologias
invasivas (sondas, cateteres, dentre outras), do maior contingente
de pessoas imunodeficientes, da adaptação evolutiva de novos
microrganismos aos seres humanos e da diminuição da sensibilidade microbiana aos quimioterápicos (2) e sua ocorrência
é dependente das condições sanitárias dos serviços de saúde e
da presença de vetores de microrganismos patogênicos (3). De
modo geral, sabe-se que as mais frequentes são as infecções de
vias urinárias, sítios cirúrgicos e vias respiratórias (1), sendo as
bactérias os principais microrganismos responsáveis pelas infecções hospitalares, seguidas pelos fungos e vírus (4).
Os organismos que causam a maioria das infecções hospitalares provêm geralmente do próprio paciente (microbiota endógena), embora possam vir também de contato com profissionais
hospitalares (contaminação cruzada), instrumentos e agulhas
contaminadas e do ambiente (microbiota exógena). Sendo os pacientes altamente móveis, devido às internações hospitalares cada
vez mais curtas, muitas vezes a infecção não se torna aparente
(sintomática). Uma grande parcela das infecções hospitalares
em pacientes internados e ambulatoriais torna-se sintomática
somente depois da liberação dos mesmos (1). Segundo Fernandes
(2), muitas vezes é difícil determinar se a fonte do organismo causador da infecção é endógena ou exógena e, ainda, a transmissão
de microrganismos no ambiente hospitalar pode ocorrer de forma
direta, aérea ou indireta. Dentre as formas de transmissão de
microrganismos associados a infecções hospitalares, a veiculação
de agentes patogênicos através de formigas, possibilidade essa
primeiramente investigada na Inglaterra (5), tem despertado
interesse na literatura científica.
As formigas são insetos dotados de grande mobilidade podendo percorrer três centímetros por segundo; também se adaptam a
vários ambientes, dentre os quais, domiciliares, silvestres e hospitalares (3, 6). Os fatores que influenciam a presença de formigas
em hospitais são: a) a estrutura arquitetônica; b) a proximidade a residências (que estimula a migração desses insetos); c) as
embalagens de alguns medicamentos tais como caixas de soros
e materiais hospitalares, que podem trazer ninhos de formigas
para o ambiente interno; d) a circulação de grande número de
pessoas com roupas e objetos que podem conter formigas; e) pessoas portando alimentos que funcionam como atrativo extra (7).
Estudo prévio (8) relata que algumas espécies de formigas
veiculam em ambiente hospitalar agentes patogênicos como:
Serratia marcescens, Citrobacter freundii, Klebsiella ozaenae, Enterobacter aerogenes, Proteus mirabilis, Sthapylococcus aureus e
Yersinia pestis, contribuindo com o aumento do risco de infecção
hospitalar. Outros gêneros de relevância clínica também já foram identificados, como os Staphylococcus coagulase-negativos,
Pseudomonas sp., Enterococcus sp., Acinetobacter sp., Streptococcus
sp. e Escherichia coli.
Devido aos diferentes mecanismos de patogenicidade, uma
infecção pode ser tratada por diversos antimicrobianos, devendo
ser escolhido aquele ao qual a bactéria apresente sensibilidade (9).
Entretanto, apesar da grande diversidade de estruturas químicas
e diferentes mecanismos de ação dos antibióticos, o tratamento
de infecções tem sido cada vez mais difícil devido ao surgimento
de cepas bacterianas multidroga resistente e da ocorrência de
resistência entre as diferentes espécies de bactérias (10, 11).
Em vista do exposto e aliado ao relato de que as formigas têm
sido apontadas como vetores de infecções hospitalares (3, 12),
este trabalho teve como objetivos identificar as bactérias veiculadas por formigas e determinar o perfil de resistência frente
aos antimicrobianos usualmente utilizados no hospital onde se
procedeu a coleta dos espécimes.
Material e Métodos
Amostragem
A coleta das formigas foi realizada em seis setores de um hospital
localizado na região sudeste do Estado de Minas Gerais no período de março de 2010. Swabs estéreis umedecidos em solução fisiológica foram utilizados para coletar as formigas individualmente.
Foram coletadas 30 formigas, sendo cinco espécimes por setor,
os quais compreenderam: UTI adulto, UTI neonatal, farmácia,
pediatria, maternidade e enfermaria, locais onde a frequência
de trilhas de formigas, no piso e/ou parede, era alta em relação a
outros setores do hospital.
Cada formiga foi mergulhada em caldo Brain Heart Infunsion
(BHI - Difco, Sparks, MD, USA) estéril, distribuído em tubos,
incubando-se em estufa a 35 °C por 24 horas (13).
Ensaio microbiológico
A partir dos tubos que apresentaram crescimento, foi realizada
semeadura por esgotamento em placas contendo meios de cultura seletivos e diferenciais, seguindo-se incubação em estufa
bacteriológica a 35 °C por 24 h. Os meios utilizados foram agar
MacConkey, agar Manitol e agar Cetrimide (Difco). Após isolamento dos microrganismos, procedeu-se a coloração de Gram
e de acordo com as características morfotintoriais realizou-se a
identificação específica.
As colônias foram submetidas a provas bioquímicas, objetivando-se a identificação de espécie. Para a identificação dos
estafilococos coagulase-negativos, foram seguidos os critérios
propostos por Kloos & Bannerman (14), conforme esquema simplificado de provas bioquímicas, os quais estabelecem a realização
de testes de utilização de açúcares: xilose, arabinose, sacarose,
trealose, manitol, maltose, lactose, xilitol, ribose e frutose, bem
como caracterização de hemolisinas, redução de nitrato, urea­
se, ornitina decarboxilase e resistência a novobiocina. Para a
identificação dos bacilos Gram-negativos fermentadores e não
fermentadores de glicose utilizaram-se provas bioquímicas convencionais (15) e o sistema comercial BBL Crystal Identification
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Systems Enteric/ Nonfermenters ID Kit (Becton e Dickinson,
Sparks, MD, USA).
fermaria. Na Tabela 1, estão relacionadas as espécies bacterianas
isoladas das formigas segundo o local coletado.
Avaliação da atividade antimicrobiana in vitro
Tabela 1 - Distribuição de espécies bacterianas quanto ao local de isolamento.
O teste de sensibilidade às drogas antimicrobianas foi realizado
pela técnica de difusão em agar, conforme critérios recomendados pelo Clinical and Laboratory Standards Institute – CLSI
(16). O inóculo foi preparado em solução salina e a densidade
da suspensão foi ajustada a 108 UFC/mL, comparando sua turvação com o padrão 0,5 da escala de MacFarland, e distribuído,
utilizando-se swab estéril, na superfície de placas contendo agar
Müeller-Hinton (Difco). Após a aposição dos discos, as placas
foram invertidas e incubadas a 36 °C por 24 horas. Decorrido
este período prosseguiu-se a análise das placas através da medida
dos halos de inibição do crescimento do microrganismo frente à
droga testada, segundo os critérios preconizados pelo CLSI (16).
Frente às bactérias Gram-negativas, foram testados os antimicrobianos: ampicilina+sulbactam (10+10 µg), ciprofloxacina (5 µg), trimetoprim+sulfametoxazol (1,25 µg + 23,75 µg),
aztreonam (30 µg), amicacina (30 µg) e ceftazidima (30 µg),
levofloxacino (5 µg), imipenem (10 µg), cefotaxima (30 µg),
piperacilina+tazobactam (100+10 µg), polimixina B (300 UI)
e tobramicina (10 µg). Para as bactérias Gram-positivas, foram
utilizados: oxacilina (1 µg), vancomicina (30 µg), clindamicina
(2 µg), ciprofloxacina (5 µg), trimetoprim+sulfametoxazol (1,25
µg + 23,75 µg), eritromicina (15 µg), linezolida (30 µg), mupirocina (5 µg), teicoplanina (30 µg), penicilina (10 U), tetraciclina
(30 µg) e gentamicina (10 µg). Todos os discos utilizados foram
adquiridos do Centro de Controle e Produtos para Diagnóstico
(CECON, São Paulo, Brasil). As cepas E. coli ATCC 25922 e P.
aeruginosa ATCC 27853 foram usadas como controle.
Resultados
Foram coletadas cinco amostras de cada local avaliado, perfazendo o total de 30 amostras, sendo que 18 (60%) apresentaram
crescimento de microrganismos. Isolaram-se 20 cepas bacterianas constituídas de cocos Gram-positivos (9/20 ou 45%) e bacilos
Gram-negativos (11/20 ou 55%).
A identificação bacteriana revelou serem os isolados constituídos por bacilos Gram-negativos, os quais eram constituídos
por Flavimonas oryzihabitans (5/20), Pseudomonas aeruginosa
(5/20) e Stenotrophomonas maltophilia (1/20) e cocos Gram-positivos classificados como Staphylococcus coagulase-negativa,
os quais compreenderam: S. warneri (6/20), S. hyicus (1/20), S.
haemolitycus (1/20) e S. saprophyticus (1/20). A espécie S. warneri predominou entre as bactérias Gram-positivas enquanto as
espécies F. oryzihabitans e P. aeruginosa, equitativamente, entre
as bactérias Gram-negativas.
Quanto aos locais de coleta, na UTI neonatal foi onde se recuperou maior diversidade de isolados, ao passo que tanto na
farmácia como na maternidade recuperou-se apenas um isolado
microbiano de cada local. S. warneri, que representou 30% do
total de isolados, foi recuperado na pediatria, UTI adulto e en-
Setores
hospitalares
Farmácia
UTI neonatal
Pediatria
Espécies isoladas
Número de
isolados
Staphylococcus saprophyticus
01
Flavimonas oryzihabitans
03
Pseudomonas aeruginosa
03
Staphylococcus haemolyticus
01
Stenotrophomonas
maltophilia
01
Staphylococcus warneri
02
Maternidade
Pseudomonas aeruginosa
01
UTI adulto
Staphylococcus warneri
02
Enfermaria
Flavimonas oryzihabitans
01
Pseudomonas aeruginosa
01
Staphylococcus warneri
02
Staphylococcus hyicus
01
Flavimonas oryzihabitans
01
Quanto à resistência bacteriana aos antimicrobianos (Tabela 2 e 3), pode-se observar o perfil multidroga resistente de
várias espécies, tanto entre cocos Gram-positivos quanto entre os bacilos Gram-negativos. As amostras coletadas na UTI
adulto e UTI neonatal apresentaram uma maior quantidade de
espécies bacterianas resistentes, contudo, amostras provenientes da pediatria e enfermaria também apresentaram resultados
relevantes. Na Tabela 2 observa-se a percentagem de resistência
(quantidade de espécie bacteriana resistente ao antimicrobiano
testado por quantidade coletada da mesma espécie) das cepas de
S. warneri a diversos antimicrobianos, dentre eles: eritromicina,
oxacilina (meticilina), penicilina, tetraciclina, e algumas cepas
resistentes a clindamicina. A cepa de S. haemolyticus isolada de
uma amostra coletada na UTI neonatal apresentou resistência
simultânea a eritromicina, gentamicina, oxacilina e penicilina.
Dentre os bacilos Gram-negativos (Tabela 3) pode-se observar
elevada percentagem de resistência das cepas de F. oryzihabitans
a ampicilina+sulbactam, aztreonam, cefotaxima, ceftazidima e
piperacilina+tazobactam.
Discussão
Formigas são insetos que caminham nas mais diversas superfícies, sendo considerados vetores potenciais de propagação
bacteriana, fato descrito neste estudo e igualmente em estudos
anteriores relatados por Pesquero et al. (6), Zarzuela et al. (7),
Boursaux-Eude & Gross (8) e Campos-Farinha et al. (17). O
resultado de 60% (18/30) de formigas portadoras de microrganismos, encontrado neste estudo, está em acordo com os relatos de
Araújo et al. (18), que ao realizarem estudo semelhante, em uma
maternidade pública da cidade de Recife, relataram que 54,5%
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Tabela 2 - Distribuição da percentagem de resistência das cepas de Staphylococcus coagulase-negativos frente aos antimicrobianos testados.
Espécies
Bacterianas
Antimicrobianos
CIP
CLI
ERI
GEN
LIZ
MUP
OXA
PEN
SFT
TEC
TET
VAN
S. warneri
0
33
66
0
0
16
66
66
0
0
66
0
S. haemolyticus
0
0
100
100
0
0
100
100
0
0
0
0
S. saprophyticus
0
0
100
0
0
0
0
0
0
0
0
0
S. hyicus
0
0
100
0
0
0
100
0
0
0
0
0
CIP: ciprofloxacino; CLI: clindamicina; ERI: eritromicina; GEN: gentamicina; LIZ: linezolida; MUP: mupirocina; OXA: oxacilina; PEN: penicilina; SFT: trimetoprim+sulfametoxazol; TEC:
teicoplanina; TET: tetraciclina; VAN: vancomicina.
Tabela 3 - Distribuição da percentagem de resistência (%) a antimicrobianos dos bacilos Gram-negativos isolados.
Espécies
Bacterianas
Antimicrobianos
AMI
SBA
ATM
CTX
CAZ
CIP
IPM
LVX
PPT
POL
SFT
TOB
F. oryzihabitans
0
100
100
100
100
P. aeruginosa
0
100
40
20
20
0
0
0
100
0
0
0
40
60
0
60
0
0
0
S. maltophilia
-
-
-
-
-
-
-
0
-
0
0
-
AMI: amicacina; SBA: ampicilina+sulbactam; ATM: aztreonam; CTX: cefotaxima; CAZ: ceftazidima; CIP: ciprofloxacino; IPM: imipenem; LVX: levofloxacino; PPT: piperacilina+tazobactam;
POL: polimixina B; SFT: trimetropim+sulfametaxazol; TOB: tobramicina. - não testado para o microrganismo.
das amostras analisadas apresentaram crescimento bacteriano.
Apesar de todos os Staphylococcus sp. recuperados neste estudo
serem sensíveis a vancomicina, encontrou-se grande percentual
de cepas de Staphylococcus coagulase-negativa resistentes aos
antibióticos, de rotina em uso hospitalar. Esses resultados são
concordantes com os trabalhos de Mohan et al. (19), que ao
avaliarem o perfil de sensibilidade de 192 cepas verificaram que
90% eram resistentes à penicilina; mais que 50%, à cefalexina
e ciprofloxacina e 20%, à meticilina. Também os estudos de
Turkyilmaz & Esklizmitliler (20), os quais avaliaram 90 cepas de
Staphylococcus coagulase-negativa, relatam que o percentual de
resistência contra penicilina, meticilina, ampicilina, e gentamicina foi 49.0%, 24.5%, 23.6%, e 13.6%, respectivamente.
A literatura tem relatado aumento e emergência de cepas
Staphylococcus coagulase-negativa resistentes a oxacilina, principalmente em hospitais (12, 21). O encontro também, na presente
pesquisa, de cepas Staphylococcus coagulase-negativa resistentes a
oxacilina (Tabela 2), são semelhantes aos encontros de Barberis
et al. (22), que ao analisarem 120 cepas constituídas de S. epidermidis (21.6%), S. haemolyticus (40.0%), S. saprophyticus (33.4%)
e S. simulans (5%) relatam que 48% destas eram resistentes à
oxacilina.
O encontro também, na presente pesquisa, de cepas Staphylococcus coagulase-negativa resistentes a eritromicina (Tabela 2),
são concordantes com Bernardi et al. (23), que estudaram 27
cepas de Staphylococcus, das quais 4 eram de S. haemolyticus,
sendo que 100% foram resistentes a eritromicina, gentamicina,
penicilina G e 75,0% a oxacilina. A resistência aos macrolídeos
em Staphylococcus sp. pode ser devido à modificação do alvo ribossomal, e pode ser ainda constitutiva ou induzida após a exposição
a esta classe de antimicrobiano (24).
O relato de bacilos Gram-negativos multidroga resistente
encontrado neste estudo, são coerentes aos descritos por Moreira
et al. (25), que avaliaram a resistência aos antimicrobianos de espécies bacterianas isoladas a partir de formigas em ambiente hospitalar e encontraram cepas multirresistentes tanto de bactérias
Gram- -negativas (Acinetobacter, Gemella, Klebsiella) quanto de
bactérias Gram-positivas (Enterococcus faecalis e Streptococcus sp.).
Os gêneros Stenotrophomonas e Flavimonas constituem-se de
microrganismos aeróbios, não esporulados e não fermentadores
que apesar de produzirem infecções oportunistas em certas ocasiões, estão emergindo como importantes patógenos adquiridos
no ambiente hospitalar (26). Segundo Morrison et al. (27), que
estudaram o espectro de doenças clínicas em pacientes infectados
por S. maltophilia adquirida em hospital, a taxa bruta de mortalidade era de 43% entre os pacientes em que o microrganismo
fora isolado. Além disso, conforme relata Fernandes (2), em pacientes com câncer, este microrganismo também pode produzir
enfermidades, nas quais se incluem pneumonia, bacteremia,
endocardite, colangite, infecções do trato urinário, meningite e
infecções graves de feridas.
A espécie F. oryzihabitans também já foi isolada de uma variedade de amostras, tais como as de feridas, escarros, ouvido, olhos,
urina, líquido peritoneal, equipamentos de terapia de inalação
e sangue (28). A utilização de cateteres intravasculares permanentes, enxertos artificiais, uso abusivo de drogas endovenosas,
traumatismos cranianos graves e transplante de medula óssea são
fatores predisponentes para a infecção de F. oryzihabitans (26).
Além disso, neste estudo, o encontro de P. aeruginosa resistente ao carbapenem sugere que a cepa pode ser produtora de
metalo-betalactamase (MBL), enzima com atividade sobre vários
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betalactâmicos, incluindo cefamicinas e carbapenens, e ainda
sobre os inibidores de betalactâmicos, como ácido clavulânico e
sulbactam (29), embora seja uma das limitações desse trabalho,
a indisponibilidade de detecção de tais enzimas, a qual utiliza
como método padrão a técnica de amplificação do DNA com
iniciadores específicos (30). São poucos os estudos com essa
nova classe de betalactâmicos, na literatura nacional (31, 32,
33, 34) e internacional (35, 36) sendo que as primeiras amostras
no Brasil foram isoladas a partir de Pseudomonas sp. no Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (32). Os carbapenens são antimicrobianos usados
geralmente como drogas de reservas no tratamento de infecções
causadas por bactérias Gram-negativas resistentes a outros agentes betalactâmicos, fato que restringe o uso de cefalosporinas e
de carbapenens como medida de prevenção da disseminação de
bactérias Gram-negativas do tipo P. aeruginosa com capacidade
de produzir MBLs (33).
Em conclusão, as formigas podem contribuir com o aumento
do risco de infecções hospitalares, em decorrência da possibilidade de disseminação de cepas bacterianas multidroga resistente de
um local para outro, porém seriam necessários novos estudos relacionando as espécies encontradas nos locais avaliados e o índice
de contaminação pela mesma espécie bacteriana. O surgimento
de novas resistências aos antimicrobianos de amplo espectro nos
atenta cada vez mais a medidas profiláticas, sendo o controle de
tais vetores uma atitude fundamental.
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Agradecimentos
Os autores agradecem à equipe do Laboratório de Pesquisa em
Microbiologia Aplicada (LAPEMA) e à Universidade de Franca
(UNIFRAN) a colaboração e apoio financeiro, respectivamente.
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