parte do dia o paciente manter-se-ia em tratamento dentro da instituição; e a outra, dentro de casa. Essa inversão do modelo assistencial apresentou uma proposta que dependia de uma participação mais efetiva da família. Isto porque, nessa nova acepção, o tratamento ou boa parte dele seria, ou pelo menos deveria ser, realizado dentro do ambiente doméstico. Em sendo assim, a família passou a constituir-se como um dos importantes pontos da rede de atendimentos ao portador de sofrimento mental. Entre as positividades identificadas nesse percurso, destaque sensível deve ser dado a um dos serviços integrantes da rede de saúde mental: os Centros de Atenção Psicossocial. Isto porque eles são, como se sabe, a proposta mais eficaz de substituição do hospital psiquiátrico. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial criado no Brasil foi inaugurado no bojo das transformações que vinham ocorrendo na política de saúde mental brasileira, ainda na década de 1980. Esse primeiro CAPS foi inaugurado na cidade de São Paulo e ficou conhecido como CAPS da rua Itapeva (BRASIL, 2004b). Oficialmente, isto é, como parte integrante da política de saúde mental nacional, os CAPS foram criados em 1992, através da Portaria GM 224/92 3. Esta portaria definia os CAPS como “unidades de saúde locais/ regionalizadas que contam com uma população adstrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, [...], por equipe multiprofissional” (BRASIL, 2004a, p. 244). Assim, os CAPS propõem cuidar do portador de sofrimento mental em seu território de origem. Nesse sentido, como já vimos em nota feita anteriormente, a acepção de território adotada pelo Ministério da Saúde abarca todos os aspectos da vida comunitária, tais como a cultura, os afetos, a economia, o direito, a educação, a convivência comunitária e a família. Nestes termos, para os CAPS oferecerem assistência ao portador de sofrimento mental de forma articulada ao seu território, eles devem “estar articulados na rede de serviços de saúde e necessitam permanentemente de outras redes sociais, de outros setores afins, para fazer face à complexidade das demandas de inclusão daqueles que estão excluídos da sociedade por transtornos mentais” (BRASIL, 2004b, p. 11). No entanto, a despeito de ser considerada por muitos uma das apostas das ações contemporâneas em favor do portador de sofrimento mental, os CAPS não estão isentos de conflitos em sua materialização. Um primeiro aspecto a ser pensado na materialização dos CAPS está relacionado à seguinte questão: como articular uma rede de serviços de atenção à saúde mental, se a realidade nos mostra uma escassez desses serviços? Configura-se assim um dos grandes desafios do movimento antimanicomial: é preciso não se limitar à mera abertura de CAPS. Nesse sentido, urge que seja construída uma rede de serviços que possa propiciar ao usuário a oportunidade de vivenciar uma nova forma de lidar com a loucura na sociedade. Essas lacunas existentes na rede de atenção em saúde mental podem acarretar problemas. Sendo um deles a ocorrência da substituição do controle através de correntes e muros altos, tão comuns ao modelo hospitalar, por um controle químico baseado na medicalização excessiva do portador de sofrimento mental. Além do exposto, um outro problema é a persistência da existência de uma cultura manicomiocêntrica no trato do portador de sofrimento mental. Nesse sentido, não tem sido incomum a disseminação dessa cultura dentro dos próprios CAPS, quando estes serviços desenvolvem seus trabalhos de forma previsível, repetitiva e condicionadora, gerando, nos pacientes, uma dependência dos serviços de saúde mental. Dependência esta que pode torná-los acometidos por uma nova 3 Atualmente os “Centros de Atenção Psicossocial e outros tipos de serviços substitutivos que têm surgido no país são regulamentados pela Portaria n.º 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002” (BRASIL, 2004b, p.12).