MÉTODOS PARA DIAGNÓSTICO DA TRICOMONÍASE: COMPARAÇÃO DO DA MICROSCOPIA DE MONTAGEM MOLHADA COM O MÉTODO DE CULTURA CONVENCIONAL Renato Ribeiro Nogueira Ferraz1, Elaine Regiane Maia Neves2, Demétrius Paiva Arçari2, Anderson Sena Barnabé2, João Victor Fornari2 . 1 Programa de Mestrado Profissional em Administração – Gestão em Sistemas de Saúde (PMPA-GSS) – Universidade Nove de Julho (UNINOVE) - SP. 2Departamento de Saúde – UNINOVE – SP. Endereço para correspondência: Renato Ribeiro Nogueira Ferraz. Av. Francisco Matarazzo, 612 - 1o. andar - Prédio C Barra Funda 01156050 São Paulo, SP – Brasil Telefone: (11) 36659321 e-mail: [email protected] RESUMO Introdução: O trichomonas vaginalis tem de vencer a resposta imune do hospedeiro para instalar a infecção, desenvolver resposta celular local com inflamação e acúmulo de leucócitos, incluindo células alvo do HIV. A tricomoníase tem sido associada à complicações no trato genital, infertilidade e ainda na aquisição e disseminação do HIV. Atualmente, vários métodos laboratoriais têm sido utilizados para o seu diagnóstico. Objetivo: Realizar uma revisão sistemática sobre dois métodos de diagnóstico da tricomoníase, comparando suas eficácias. Resultados: Foram encontrados oito artigos, dos quais dois foram excluídos, pois não comparavam a microscopia da montagem molhada com a cultura. Conclusão: A cultura demonstrou melhor resultado para o diagnóstico da tricomoníase com sensibilidade significativa, todavia com o inconveniente do maior custo e da demora para obter o resultado. Palavras-Chave: Trichomonas vaginalis. Montagem molhada. Cultura. Diagnóstico. INTRODUÇÃO O trichomonas é um protozoário eucariótico flagelado de forma globular amebóide com cinco flagelos móveis, sendo quatro livres e um aderido à parede (membranas ondulantes). Como parasita extracelular residente da mucosa urogenital, a energia é obtida dos carboidratos, é tolerante ao oxigênio e sobrevive sobre várias condições de O211. O Trichomonas vaginalis tem que vencer várias barreiras e ainda a resposta imune do hospedeiro para instalar a infecção, sendo necessário reconhecer o hospedeiro, colonizar o sítio-alvo, vencer a competição com outros microorganismos presentes e sobreviver às adversidades do ambiente. A citoaderência é necessária para a colonização e permanência do patógeno. A tricomoníase desenvolve uma resposta celular local com inflamação da mucosa vaginal, ocorrendo grande acúmulo de leucócitos, incluindo as células alvo do HIV, como os linfócitos T CD4+ e macrófagos, causando também pontos hemorrágicos na mucosa, facilitando o acesso do vírus à corrente sanguínea. O T. vaginalis consegue 40 degradar o inibidor da protease leucocitária secretória, responsável por bloquear o ataque viral à celula9. É uma célula polimorfa, tanto no hospedeiro natural como em meios de cultura. As condições físico-químicas (pH, temperatura, oxigênio, etc.) afetam o aspecto dos trichomonas. No entanto, tendem a se tornar mais uniformes entre os flagelados que crescem nos meios de cultura do que entre aqueles observados na secreção vaginal e na urina10. Normalmente, a infecção é transmitida durante a relação sexual, embora, em alguns casos, não seja assim. O patógeno pode sobreviver por mais de uma semana no prepúcio de um homem, sendo o vetor da doença. O período de incubação antes de desenvolver sintomas é de 4 a 28 dias9. Na mulher, os sintomas mais comuns são corrimento vaginal de cor amarelo-esverdeado bolhoso, de odor fétido, sendo acompanhado de prurido ou irritação vulvovaginal. No homem é geralmente assintomático, podendo apresentar-se como uma uretrite com fluxo leitoso ou purulento e uma leve sensação de prurido na uretra10. A tricomoníase tem sido associada a complicações no trato genital, incluindo parto pré-termo, neoplasia cervical, infecções pós-histerectomia, doença inflamatória pélvica atípica e infertilidade (muitas vezes pela diminuição da motilidade dos espermatozóides)11. É proposto que a tricomoníase facilitaria um maior risco de infecção pelo HIV9. A cultura é considerada o padrão clássico para estabelecer o diagnóstico, sendo necessários meios específicos e incubação de 2 a 7 dias. O método mais simples e rápido de diagnóstico é uma preparação úmida obtida por swab do fórnix vaginal posterior, colocada numa gota de solução salina a 0,9%. A amostra não pode ser colhida do endocérvice, pois o patógeno possui predileção pela exocérvice, raramente atingindo o endocérvice. Existem ainda outros métodos para diagnosticar o T. vaginalis diferindo-se na sensibilidade e na especificidade, como o papanicolaou e o exame microscópico do sedimento urinário, onde é diagnosticado de forma casual. Os trichomonas imóveis tornam-se redondos, dificultando a diferenciação dos leucócitos ou de pequenas células epiteliais no sedimento urinário ou em preparações úmidas. Há ainda kits de imunoensaio fluorescente, que podem ser aplicados à lâminas preparadas e métodos de imunoensaio enzimático (EIA), que também são aplicados à lâminas preparadas e métodos com sonda de ácido nucleico12. METODOLOGIA Uma revisão sistemática foi realizada tomando como base de dados o Pubmed / Medline, com acesso à busca avançada, e utilizando-se os seguintes descritores: trichomonas vaginalis / diagnosis/ wet mount / culture. A estratégia utilizada na busca foi: (((trichomonas vaginalis) AND wet mount) AND culture). Foram utilizados filtros para artigos com o texto completo livre, publicados nos últimos cinco anos e realizados em seres humanos. RESULTADOS A revisão da literatura foi finalizada no dia 10 de Outubro de 2013. Os artigos encontrados compreendem publicações entre 2009 e 2012. Foram selecionados oito artigos. Destes, quatro foram excluídos pois não se tratavam da comparação entre o método da microscopia da montagem molhada e o método da cultura para o diagnóstico da tricomoníase, ou mesmo não revelaram o desempenho dos métodos diagnósticos em questão, apenas citando resultados de literatura anterior. Os quatro artigos restantes 41 analisaram vários métodos diagnósticos para a tricomoníase e, dentre eles, estavam os métodos referentes ao presente estudo. Paul et al1, em seu estudo realizado com 198 mulheres com idade média 21-52 anos infectadas pelo HIV, coletou amostras de secreção vaginal, swabs do fundo de saco vaginal posterior, sendo um swab utilizado para preparação da montagem molhada, analisando a motilidade do parasita por técnicos treinados de 5-8 minutos após coleta da amostra. Outro swab foi inoculado em meios modificados de diamante para cultura, incubada a 37o, sendo verificada por 10 dias. Os resultados mostraram que pela montagem molhada apenas uma (0,51%) foi considerada positiva para T. vaginalis e 6 (3,03%) apresentaram cultura positiva. Ertabaklar et al3, em seu estudo com 102 pacientes utilizando coleta de fundo de saco vaginal posterior durante o exame ginecológico, comparou o método diagnóstico da montagem molhada e da cultura. O resultado mostrou que a cultura, considerada padrãoouro da microscopia direta, apresentou sensibilidade 60% e especificidade calculada como 100%, enquanto a microscopia direta apresentou sensibilidade de 40% e especificidade 96,9%. Zaki et al4, em seu estudo com 110 pacientes com idades variando entre 25 e 55 anos, sintomáticas, avaliou os métodos laboratoriais da microscopia da montagem molhada e da cultura utilizando amostras de secreção vaginal à partir do fundo de saco posterior, sendo examinados no mínimo 20 campos da montagem molhada por um observador. Esfregaços vaginais foram inoculados para a cultura em meio de diamante, incubadas a 37o durante 7 dias, e examinadas usando o método da montagem molhada diariamente para detectar a motilidade de trofozoítos de T.vaginalis. No presente estudo os autores concluíram que os métodos laboratoriais utilizados no diagnóstico da tricomoníase têm vantagens e falhas. O exame microscópico da montagem molhada foi o primeiro a ser descoberto e mantêm-se como o mais utilizado. Mostrou razoável sensibilidade (75,8%), sendo um método rápido. Já a cultura, considerada o padrão ouro (com 100% de sensibilidade), necessita de meios especiais e um período maior para obtenção do resultado. Pattullo et al8, em seu estudo com 345 mulheres com idades entre 14 e 21 anos, com e sem sintomas do trato geniturinário, realizou testes com a montagem molhada e a cultura, sendo a montagem molhada mais amplamente utilizada e a cultura recomendada quando T.vaginalis era suspeito, mas não visto em montagem molhada, como teste secundário. Neste estudo transversal foram utilizados swabs vaginais para a montagem molhada com técnicos de laboratório treinados para lê-los em busca da presença de motilidade de trichomonas e cultura In Pouch de T.vaginalis. O resultado mostrou que, das 345 mulheres, 307 eram montagem molhada negativa, apenas 38 foram montagem molhada positiva com sensibilidade 58,5%, e a cultura revelou 50 amostras positivas com sensibilidade 76,9%. SÍNTESE DE EVIDÊNCIA A literatura consultada mantém a cultura como padrão-ouro utilizado para diagnóstico de tricomoníase, apesar da existência de outros métodos mais modernos e amplamente estudados. A montagem molhada é um método rápido, de baixo custo, e que requer profissionais treinados e um microscópio em bom estado, mas com sensibilidade sempre inferior quando comparada à cultura convencional, com a desvantagem de pacientes infectadas pelo Trichomonas vaginalis receberem um diagnóstico falso-negativo, o que pode resultar em complicações a curto e médio prazo. 42 A cultura, no entanto requer meios especiais, custo mais elevado e os resultados só estão disponíveis após 2-7 dias, que são necessários para o crescimento dos organismos. O tamanho mínimo necessário para obter um resultado positivo é de cerca de 102 organismos/ml. Os estudos revelaram também que diferentes amostras podem ser utilizadas no diagnóstico de pacientes com tricomoníase. Sensibilidades e especificidades diferentes dos testes utilizados variam de acordo com a amostra utilizada. A diferença estatística da sensibilidade da microscopia da montagem molhada e da cultura foi significativa, afirmando a importância da escolha pela cultura no diagnóstico da tricomoníase, a despeito do seu maior custo e do tempo mais longo para se chegar ao resultado. REFERÊNCIAS 1. Paul H, Peter D, Pulimood SA, Abraham OC, Mathai E, Prasad JH, Kannangai R. Role of polymerase chain reaction in the diagnosis of Trichomonas vaginalis infection in human immunodeficiency vírus-infected individuals from Índia (South). Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2012; 78 (3): 323-7. 2. Schwebke JR, Hobbs MM, Taylor SN, Sena AC, Catania MG, Weinbaum BS, Johnson AD, Getman DK, Gaydos CA. Molecular testing for Trichomonas vaginalis in women: results from a prospective U.S. clinical trial. J Clin Microbiol. 2011; 49 (12): 4106-11. 3. Ertabaklar H, Caner A, Doskaya M, Demirtas LO, Toz SO, Ertug S, Guruz Y. 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Hong Kong Med J. 2009; 15 (2): 90-3. 8. Pattullo L, Griffeth S, Ding L, Mortensen J, Reed J, Kahn J, Huppert J. Stepwise diagnosis of Trichomonas vaginalis infection in adolescent women. J Clin Microbiol. 2009; 47 (1): 59-63. 9. Bravo RS, Giraldo PC, Carvalho NS, Gabiatti JRE, Val ICC, Giraldo HPD Passos MDL. Tricomoníase Vaginal: o que se Passa? DST – J Bras Doenças Sex Transm. 2010; 22 (2): 73-80. 10. Carli GA. Trichomonas. In: Neves DP. Parasitologia Humana. 10.ed. São Paulo: Atheneu; 2000. p. 101-6. 11. Junior MFQS, Siqueira LFG. Tricomoníase. In: Cimerman B, Cimerman S. Parasitologia humana e seus fundamentos gerais. 2.ed. São Paulo: Atheneu; 2001. p. 34-8. 12. Parasitologia Médica. In: Ravel R. Laboratório Clínico aplicações Clínicas dos Dados Laboratoriais. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. p.250-8. 43