Síndrome metabólica e envelhecimento. Papel da restrição calórica

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SÍNDROME METABÓLICA
E ENVELHECIMENTO
PAPEL DA RESTRIÇÃO CALÓRICA E DA ACTIVAÇÃO DAS SIRTUÍNAS
Com o envelhecimento e doenças associadas à idade
as vias metabólicas são profundamente alteradas pelos
nutrientes e hormonas. A síndroma metabólica pode ser
considerada uma dessas doenças relacionadas com o
avançar da idade.
Verifica-se na síndrome metabólica o oposto do que se
encontra na restrição calórica, que pode ser definida como
a diminuição em cerca de 20% daquilo que uma célula ou
organismo utilizarão em condições normais de utilização
livre de nutrientes. Na síndrome metabólica há um
aumento da gordura corporal, nomeadamente da gordura
abdominal, uma redução da tolerância à glicose, aumento
das concentrações de triglicerídeos e diminuição dos níveis
de HDL-colesterol. Todas estas alterações são também
aquelas que se verificam no processo de envelhecimento.
A restrição calórica está associada a redução da gordura
corporal, aumento da tolerância à glicose, diminuição
das concentrações de LDL-colesterol, aumento de HDL-colesterol e diminuição dos níveis de triglicerídeos.
A restrição calórica tem sido amplamente estudada
nomeadamente o facto de estar associada a protecção
contra a doença e de poder aumentar o tempo médio de
vida. É a única intervenção que comprovadamente leva
a aumento da longevidade. Provou-se, na levedura da
cerveja, que a restrição calórica aumenta a sobrevida. A
restrição calórica na levedura de cerveja induz um aumento
das enzimas do grupo das sirtuínas, nomeadamente
a SIR2 (silent information regulator 2), através do
aumento da respiração e da relação NAD+/NADH e de
uma diminuição da nicotinamida (figura 1). A SIR2 é uma
deacetilase das histonas NAD±dependente, essencial
para o processo de silenciamento de genes e importante
para vários processos como a regulação do ciclo celular,
metabolismo dos ácidos gordos e extensão do tempo
médio de vida. O silenciamento transcritor envolve a
modificação da cromatina em locais distintos do genoma.
Entre as modificações da cromatina mais bem estudadas
está a acetilação reversível das histonas. Sabe-se que na
levedura a SIR2 leva à repressão da instabilidade genómica
e diminuição da formação de círculos tóxicos do DNA, o
que contribui também para aumento da longevidade. O
resveratrol, uma isoflavona presente nas uvas, aumenta a
sirtuína 2 e consequentemente a sobrevida das células de
levedura de cerveja em 70% (Nature, 435,191-6, 2003).
Por outro lado, a repressão da SIR2 reduz a longevidade
para metade. Pensa-se que as sirtuínas são reguladores-chave de vias conservadas na evolução dos seres vivos
que permitem aos organismos lidar com a adversidade.
Pedro von Hafe
Professor de Medicina da Faculdade de Medicina
da Universidade do Porto. Assistente Graduado de
Medicina Interna do Hospital de S. João E.P.E.
Resumo do artigo
As sirtuínas são uma família de proteínas importantes
para muitos processos celulares, incluindo o silenciamento de genes, regulação de p53, metabolismo dos
ácidos gordos, homeostasia da glicose, regulação do
ciclo celular e extensão da longevidade. A activação da
sirtuína 2 (Sir2), tal como a restrição calórica, relacionou-se com o aumento do tempo médio de vida em várias
espécies. Sabe-se que a restrição calórica activa a Sir2.
As sirtuínas homólogas nos mamíferos consistem em
sete membros – SIRT1-SIRT7. A SIRT1 é a homóloga mais
próxima da Sir2 nos mamíferos e é activada pela restrição
calórica, resveratrol (polifenol encontrado no vinho).
Recentemente foram descritas pequenas moléculas
milhares de vezes mais potentes que o resveratrol na
activação das sirtuínas, com efeitos antidiabéticos e
que poderão constituir uma terapêutica de futuro nas
doenças relacionadas com o envelhecimento como a
síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e cancro e mesmo
no prolongamento da longevidade no ser humano.
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Revista Factores de Risco, Nº10 JUL-SET 2008 Pág. 44-48
Fazem parte de um sistema que permite aumentar a
sobrevida em situações de stress.
Restrição calórica
Restrição calórica
↑ respiração
↑ PCN1
↑ NAD+/NADH
↓ nicotinamida
↓ RPD3
↑ SIR2
↑ SIR2
↑ longevidade
↑ longevidade
Figura 1
Efeito da restrição calórica no aumento da longevidade
da levedura de cerveja através do aumento da sirtuína
SIR2 (silent information regulator 2).
Figura 2
Efeito da restrição calórica no aumento da longevidade
da drosófila através do aumento da sirtuína SIR2. RPD3:
deacetilase das histonas.
“A actividade física e a restrição
da ingestão calórica,
que são a base de tratamento
da síndroma metabólica,
aumentam
a actividade mitocondrial, e
sabe-se que nos estados
de insulinorresistência e
também no idoso há uma
redução significativa da função
mitocondrial.”
Na Drosophila a restrição calórica induz uma diminuição
da deacetilase das histonas RPD3 e um aumento da SIR2 e
da longevidade (figura 2). Nos roedores sob dieta rica em
gorduras o resveratrol, ao activar as sirtuínas, melhora a
sensibilidade à insulina, aumenta o conteúdo celular em
mitocôndrias e aumenta a sobrevida (Nature 444, 337-42,
2006).
Nos mamíferos a SIRT1 é a proteína ortóloga da SIR2
da levedura. A activação da SIRT1 tem sido estudada
principalmente em situações de jejum. Regula a actividade
de vários factores e co-reguladores de transcrição, nomea­
damente o p53 (supressor tumoral), proteínas FoxO
(família de proteínas sensoras das vias de sinalização da
insulina), factor de reparação do DNA Ku70 (que leva a
inibição da morte celular induzida por stress), do NF-KB,
dos PPARγ e do factor de transcrição p300. Actua também
no metabolismo lipídico e da glicose, inibe a adipogénese
em células precursoras, medeia a diferenciação muscular
e protege da degenerescência axonal. Ao actuar no
PGC1α, um co-activador de transcrição que regula o
metabolismo e a biogénese das mitocôndrias, modula um
dos mais versáteis co-activadores metabólicos, regulando
a termogénese adaptativa, gliconeogénese hepática e
glicólise.
Uma das teorias mais aceites sugere que o consumo de
oxigénio pelas mitocôndrias e a consequente formação de
espécies reactivas de oxigénio são promotores do processo
de envelhecimento. As sirtuínas têm vários efeitos a
nível das mitocôndrias. A activação das sirtuínas nos
mamíferos leva a aumento da proliferação mitocondrial,
reduz o consumo de oxigénio, diminui o potencial da
membrana e a génese de radicais de oxigénio, mantendo
a produção de ATP (PNAS, 103, nº6, 1768-73, 2006). A
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Síndroma metabólica e envelhecimento. Papel da restrição calórica e da activação das sirtuínas
CÉLULAS BETA
FÍGADO
MÚSCULO ESQUELÉTICO
SIRT1
SIRT1
SIRT1
deacetilação
ucp2
FoxO
↑ ATP
Resistência
stresse
↑ SECREÇÃO INSULINA
deacetilação
PGC1α
(co-activador PPAR-γ)
↑ GLICONEOGÉNESE
actividade física e a restrição da ingestão calórica, que
são a base de tratamento da síndroma metabólica,
aumentam a actividade mitocondrial, e sabe-se que
nos estados de insulinorresistência e também no idoso
há uma redução significativa da função mitocondrial. Os
animais de experiência com elevada capacidade aeróbia
apresentam no músculo esquelético níveis elevados de
PGC1α, PPARγ e outras proteínas que controlam a função
mitocondrial (Science 307, 418-20, 2005). Os defeitos
da função mitocondrial no músculo esquelético podem
contribuir indirectamente para a doença cardiovascular
pela promoção do aumento do peso e acumulação de
gordura visceral e pelos efeitos sistémicos na homeostase
da glicose e lipídeos.
Nos mamíferos, a activação das sirtuínas pela
restrição calórica induz, nas células beta pancreáticas,
um aumento da secreção de insulina por via das ucp e
proteínas FoxO. A expressão aumentada do PGC1α nas
células beta pancreáticas regula a activação dos genes
da gliconeogénese e repressão dos genes envolvidos na
captura da glicose e da glicólise nessas células, resultando
numa redução dos níveis de ATP e numa inibição marcada
da secreção de insulina estimulada pela glicose (figura 3).
No fígado, induz uma inibição da glicólise e um aumento
da gliconeogénese através de um co-activador dos PPARγ,
o PGC1α (figura3). No músculo esquelético, resulta num
aumento da biogénese e do metabolismo mitocondrial, com
aumento da oxidação dos ácidos gordos, por intermédio do
PGC1α e das proteínas FoxO (figura 3). Todas estas acções
são promovidas também pelo resveratrol.
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FoxO
PGC1α
↑ BIOGÉNESE E
METABOLISMO MITOCONDRIAL
↑ Oxidação AG
Figura 3
Efeito da restrição calórica nas células beta pancreáticas,
fígado e músculo esquelético nos mamíferos.
A restrição calórica origina também um aumento da
expressão dos genes da adiponectina via FoxO1 e C/EBPα
(The Journal of Biological Chemistry, 281,42, 38815-24,
2006). A adiponectina é uma hormona originada no tecido
adiposo que tem um papel importante na homeostase
energética, com propriedades antidiabéticas (melhoria da
sensibilidade à insulina, diminuição da produção hepática
de glicose e diminuição da acumulação de triglicerídeos
nas células musculares) e anti-ateroscleróticas (diminuição
da expressão das moléculas de adesão, da adesão dos
monócitos ao endotélio, da entrada na parede arterial de
partículas LDL oxidadas, da formação das células espumosas
e da proliferação e migração das células musculares lisas).
Sabe-se que a expressão dos genes da adiponectina está
diminuída na obesidade e na diabetes tipo 2. Estudos
realizados nos últimos anos mostraram claramente que
a adiponectina circulante tem um importante papel na
sensibilização à insulina das células hepáticas e musculares.
A expressão diminuída de SIRT1 poderá contribuir para
a redução da expressão do gene da adiponectina na
diabetes tipo 2 e obesidade. Há evidência de que a SIRT1
activa a lipólise em adipócitos diferenciados e diminui
o seu tamanho (Nature 429, 771-6, 2004). Pode-se
então afirmar que, sob restrição calórica, é induzida a
expressão de SIRT1 o que leva a mobilização das reservas
de gordura nos adipócitos e aumento da expressão dos
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genes da adiponectina. O aumento das concentrações
de adiponectina circulante aumenta a sensibilidade dos
tecidos à insulina e aumenta a oxidação de ácidos gordos.
A SIRT1 reprime a actividade do factor de transcrição
p300, e esta actividade tem sido implicada em várias
situações como o cancro, hipertrofia cardíaca e doença de
Huntington (The Journal of Biological Chemistry, 280,11,
10264-76, 2005). Relativamente ao supressor tumoral
p53 é possível que a sua regulação normal tenha impacto
na longevidade pela eliminação de lesões de DNA ou de
células contendo DNA alterado. Foi documentado que ratos
com expressão aumentada de p53 mostraram atraso no
processo de envelhecimento (Nature 448, 375-9, 2007).
O envelhecimento está associado a várias alterações
patológicas como a doença de Alzheimer. Sabe-se que
na doença de Alzheimer a activação das sirtuínas leva
a inibição da degeneração neuronal por diminuição da
acumulação de substância amilóide (figura 4). A SIRT1
expressa-se no cérebro adulto e em desenvolvimento. Dado
que a restrição calórica previne a neuropatologia amilóide
tipo doença de Alzheimer testou-se a hipótese de esta
intervenção poder reduzir essa neurodegeneração através
de mecanismos promovendo a activação da SIRT1 (The
Journal of Biological Chemistry, 281,31, 21745-54, 2006).
A SIRT1 liga-se a FoxO1 e a activação da FoxO1 contribui
para o atraso da morte celular após lesão isquémica.
Foram recentemente identificadas e caracterizadas
pequenas moléculas activadoras da SIRT1 que são
estruturalmente diferentes e 1000 vezes mais potentes
que o resveratrol (Nature 450, 712-16, 2007). Tal como
o resveratrol, estes compostos ligam-se directamente
ao complexo peptídico SIRT1-acetilado. Estes compostos
melhoraram a sensibilidade à insulina, diminuíram as
glicemias e aumentaram a capacidade mitocondrial em
ratos com obesidade genética ou induzida pela dieta. Em
animais Zucker fa/fa, estudos de clampagem euglicémica
hiperinsulinémica demonstraram que estes activadores da
SIRT1 melhoravam a homeostasia da glicose e sensibilidade
à insulina no tecido adiposo, músculo esquelético e fígado
(Nature 450, 712-16, 2007). Estes compostos mimetizam
os efeitos metabólicos benéficos da restrição calórica.
O envelhecimento e o cancro apresentam aspectos
comuns, entre os quais se pode referir a lesão do DNA. As
sirtuínas são essenciais para a manutenção da integridade
genómica e a sua desregulação pode eventualmente
predispor à formação de tumores. Em roedores de
laboratório a restrição calórica atrasou o aparecimento de
doenças associadas à idade, incluindo cancros da mama
e da próstata, além de nefropatia, cataratas, diabetes,
hipertensão arterial e dislipidemia. Num estudo realizado
em ratos predispostos geneticamente a cancro da
próstata foram avaliados dois grupos em que se permitiu
Ab
Resveratrol
Activação
microglial
SIRT1
NF-κB
Deacetilação de p65
Activação
astroglial
iNOs, Catepsina B, outros
NF-κB
Degeneração
neuronal
Figura 4
Efeito anti-degenerativo da activação da SIRT1 pelo
resveratrol a nível neuronal. Adaptado de J. Biol. Chem.,
Vol. 280, 48, 40364-74, 2005. Aβ: substância amilóide.
a ingestão da mesma quantidade exacta de calorias
(Cancer Res 2007;67(1):417–24). Num dos grupos a gaiola
encontrava-se à temperatura ambiente enquanto no outro
a gaiola estava arrefecida o que levava os animais de
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Síndroma metabólica e envelhecimento. Papel da restrição calórica e da activação das sirtuínas
experiência a queimar mais calorias. Após três semanas
este último grupo pesava menos que o primeiro, e teve
menos probabilidade de desenvolver cancro da próstata.
Numa segunda experiência ambos os grupos ingeriam as
calorias ad libitum. Os ratos da gaiola mais fria ingeriram
cerca de 30% mais calorias que os outros e ficaram com
o mesmo peso, tendo a taxa de desenvolvimento de
cancro da próstata sido semelhante, apesar do excesso de
calorias ingeridas. Estes resultados apontam para que seja
a quantidade de calorias armazenadas e não as calorias
ingeridas que possa estar relacionada com o excesso de
risco de neoplasia. No ser humano as calorias armazenadas
depositam-se principalmente no compartimento visceral.
Tivemos oportunidade de mostrar pela primeira vez que
a acumulação de gordura visceral constituía um potente
factor de risco de cancro da próstata, com um aumento de
risco de 14,5 vezes (Obesity Research: 1930-5, 2004).
Em conclusão, a activação da SIRT1 é uma abordagem
terapêutica muito promissora para o tratamento das doenças
relacionadas com a idade como a síndrome metabólica,
diabetes tipo 2 e cancro e poderá eventualmente no futuro
ser a chave para o prolongamento do tempo de vida no
ser humano.
Pedro von Hafe
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