1 A FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL E A QUESTÃO REGIONAL A sair no livro “50 anos da FEB”, em 2009, pela Ordem dos Economistas do Brasil Leonardo Guimarães Neto Carlos Antonio Brandão Introdução A dimensão continental do País; a unidade territorial construída na sua formação econômica e política sobre uma grande diversidade social; a grande heterogeneidade de sua economia; o tempo histórico diferenciado da formação, consolidação e declínio ou transformação dessas economias regionais, constituindo-se no “arquipélago regional (expressão de Francisco de Oliveira) que foi posteriormente articulado e integrado, constituem, certamente, campo propício para o surgimento de agudas “questões regionais” e, em decorrência, de estudos que buscam compreender a lógica do desenvolvimento e das relações entre essas várias economias espaciais que constituem uma só economia nacional. O poeta João Cabral de Melo Neto ao se referir a este contexto sintetizou, em uma frase, a problemática regional brasileira: “O Brasil é o Império britânico de si mesmo, e sem dispersão”. Está subjacente no poema Conversa em Londres, 1952 a percepção das diferenças econômicas, culturais e políticas, das revoltas que tinham como objetivo maior autonomia e até a independência das economias regionais, que marcaram a história do Brasil, bem como críticas às relações prevalecentes entre as regiões1. É sobre a influência dessa realidade heterogênea e complexa que no Brasil, antes e depois de Celso Furtado, consolidou-se uma enorme literatura sobre a questão regional que se desenvolveu nas mais variadas dimensões: política, geográfica, histórica, social, sociológica, econômica, cultural, etc. A contribuição de Celso Furtado constituiu um marco na produção de estudos sobre a questão regional brasileira, a partir do final dos anos 50, quando surgiram a Formação Econômica do Brasil, Uma Política para o Desenvolvimento Econômico do Nordeste e Operação Nordeste, todos os três em 1959. Além disso, deve-se considerar que, antes, em 1957, em conferências em curso de treinamento em problemas de desenvolvimento, publicado posteriormente no livro Perspectiva da Economia Brasileira, em diversas oportunidades, Celso Furtado aborda temas relacionados com a questão regional brasileira. O primeiro dos textos referidos, Formação Econômica do Brasil, a obra magna de Celso Furtado, permite várias leituras – a das raízes do subdesenvolvimento brasileiro e da sua industrialização, a da formação do mercado interno e do mercado de trabalho, a da análise comparativa da formação econômica brasileira e norte-americana, a das questões associadas aos problemas da industrialização e dos desequilíbrios externos da periferia, a do papel do Estado no processo de industrialização – entre as quais a leitura da gênese e consolidação das grandes diferenças regionais no desenvolvimento brasileiro, desde o período colonial. Os dois últimos trabalhos citados, Uma Política para o Desenvolvimento Econômico do Nordeste e Operação Nordeste constituem os textos básicos que muito influenciaram a criação do CODENO (Conselho de Desenvolvimento do Nordeste) e, posteriormente, da SUDENE que, dirigida por Celso Furtado, até 1964, deu início à implantação da política voltada para o desenvolvimento regional. Ainda durante a fase de superintendente da SUDENE, em dois trabalhos, 1 Celso Furtado, em uma das suas últimas obras, assinala que na primeira metade do século XIX, houve revoltas, abertas ou veladamente separatistas, em nove províncias incluídas entre elas as de maior contingente de população (Furtado, 1999: 105). 2 o referido autor centra suas preocupações na questão regional nordestina. Em 1962, com a Prérevolução Brasileira e, em 1964, com Dialética do Desenvolvimento. Durante o exílio e em fases posteriores, na sua volta ao país, Furtado retorna ao tema da questão regional, centrando, grande parte dos seus trabalhos, no exame das transformações ocorridas no Nordeste, numa avaliação críticas das políticas regionais e, ao mesmo tempo, revisitando, em livro de memória (Fantasia Desfeita), a sua experiência de estudo da questão nordestina e de criação e implantação da estrutura administrativa responsável pela implantação da política regional para o desenvolvimento do Nordeste. Esta retomada dos estudos regionais, posterior ao golpe militar que cassou seus diretos políticos, está presente em vários capítulos de livros publicados sobre a economia nacional, entre os quais (i) O Brasil Pós-“Milagre”, de 1981, em sua terceira parte (O Nordeste) com capítulos sobre Diretrizes de uma Política de Desenvolvimento e Alternativas Institucionais; (ii) A Nova Dependência, de 1982, com o capítulo O Nordeste: Novo Modelo de Desenvolvimento?; (iii) Cultura e Desenvolvimento em Época de Crise, de 1984, com um capítulo: Nordeste: Reflexões sobre uma Política Alternativa de Desenvolvimento; (iv) A Fantasia Desfeita, de 1989, que registro da experiência nordestina de concepção e implantação de políticas regional de desenvolvimento e (v) Seca e Poder – Entrevista com Celso Furtado, de 1998. Neste capítulo, após analisarmos as contribuições de Celso Furtado em seu texto mais conhecido de 1959 e nas partes de seus livros posteriores que trataram da questão regional brasileira, abordaremos as contribuições de outros autores que, entendemos, seguiram, mais direta ou indiretamente, as questões e problemáticas e/ou a base teórico-analítica concebidas e estruturadas por este grande cientista social. Formação Econômica do Brasil Começando pela Formação Econômica do Brasil2, de 1959, o que se deve assinalar é que na sua leitura sobre a questão regional, ao redefinir – como destaca Francisco de Oliveira – a tradicional periodização da histórica econômica brasileira a partir dos “ciclos” de produtos voltados para a exportação, Celso Furtado examina as diferentes fases da evolução econômica até a industrialização, e, simultaneamente, explicita as características fundamentais das economias regionais, em suas estruturas diferenciadas, em suas relações de produção e em sua dinâmica. Em outras palavras, o livro é trabalhado, simultaneamente, em uma (i) dimensão temporal na qual, ao passar pelos diferentes ciclos, é explicitado o gradativo aumento da complexidade e diversificação da economia, até a consolidação da industrialização, e em (ii) uma dimensão regional/espacial na qual são descritas para cada uma das mais relevantes economias regionais a sua estrutura e sua dinâmica. Assim são tratadas, entre outras, as chamadas “economia escravista de agricultura tropical”, a “economia escravista mineira” e a “economia cafeeira”. Em cada uma das economias regionais é explicada a sua evolução: gestação, o auge, a contração ou regressão e as saídas e transformações, com a superação da estrutura precedente. Desta forma é construído um painel no qual para as distintas economias regionais, cada vez mais articuladas, são explicitadas suas diferenças quanto à estrutura, quanto à capacidade de evoluir no sentido da industrialização e quando as formas de relacionamento que mantêm entre si. No que se refere à “economia escravista de agricultura tropical” vale o destaque para o significado da organização que está por trás da consolidação do grande empreendimento colonial de produção de açúcar que contou entre os determinantes do seu êxito desde a experiência técnica e 2 Furtado, (2000). As citações que seguem da Formação Econômica do Brasil referem-se à 27ª edição da Editora Nacional e Publifolha, publicada no ano 2000. 3 comercial dos portugueses nas ilhas do Atlântico, à contribuição comercial e financeira dos holandeses e ao conhecimento e domínio dos portugueses no mercado africano de escravos. Este empreendimento de grande êxito teve seu sucesso garantido enquanto permaneceu, da perspectiva econômica, o seu monopólio e, da perspectiva política, as relações de forças na Europa. Já na segunda metade do século XVII, a desorganização do mercado e a forte concorrência tiveram impactos negativos significativos que o induziram a longos períodos de estagnação embora com preservação de sua estrutura. A este respeito, afirma o autor que essa economia localizada no Nordeste e voltada para a exportação resistiu “mais de três séculos às mais prolongadas depressões, logrando recuperar-se sempre que o permitiam as condições do mercado externo, sem sofrer nenhuma modificação estrutural significativa” (p. 56). Os novos produtos de exportação que surgiram no decorrer da sua história econômica (algodão, cacau), o processo de urbanização e a maior complexidade da sua economia não mudaram os seus aspectos fundamentais. Para compreensão da estrutura dessa economia regional, que comporta o segmento exportador de alta produtividade e sua projeção numa atividade de subsistência centrada na pecuária, vale o destaque para a descrição do “complexo econômico nordestino”, na qual Celso Furtado, ao mostrar as estreitas relações que mantêm os dois sistemas – o açucareiro e o criatório –, ressalta, logo no início da sua análise, que “As formas que assumem os dois sistemas da economia nordestina .... no lento processo de decadência que se inicia na segunda metade do século XVII, constituem elementos fundamentais na formação do que no século XX viria a ser a economia brasileira” (p. 63). Essa idéia da permanência das estruturas, sobretudo em relação à economia nordestina, é retomada em 1989, na primeira parte do livro de memória Fantasia Desfeita, quando destaca (p. 15) que: “É difícil exagerar com respeito ao Nordeste do Brasil. Aí tudo escapa a explicações fáceis. A sociedade não é fruto nem de conquista nem de um projeto de colonização. Desde os seus primórdios, tudo se apresenta como definitivo, com os traços básicos que persistiriam por séculos” (Furtado, 1989). Segundo o referido autor, está na forma como a produção açucareira e a pecuária se articulam a explicação para o comportamento ou evolução no longo prazo da economia nordestina. Na faixa litorânea, a economia açucareira, estreitamente dependente dos fluxos e refluxos da demanda externa, nas fases de declínio, sem capacidade para amortizar seu capital – inclusive a mão-de-obra escrava considerada como tal – reduzia seus custos e liberava a mão-de-obra não escrava, alimentando o sistema de subsistência que a absorvia e continuava sua expansão a níveis extremamente baixos de produtividade. Deste modo, a dinâmica do complexo econômico nordestino ocorria a partir do sistema de menor produtividade. Ressalta Celso Furtado, a este respeito, na Fantasia Desfeita: “Assim, com o tempo, o segmento de mais baixa produtividade ia aumentado sua importância econômica relativa” (p. 16). A conjugação de um complexo econômico, com uma grande desigualdade de renda e com uma enorme capacidade de absorver, mesmo com estagnação ou redução da produtividade, o excedente da população, que não podia ser ocupada na produção voltada para a exportação, e o longo processo de atrofiamento da economia, consolidou uma estrutura produtiva cujos traços coloniais estiveram presente durante vários séculos, quase imunes às transformações econômicas, sociais e políticas pelas quais passou o Brasil desde a colônia à República.. Com relação à “economia mineira escravista”, cabem referências do autor a respeito do significado econômico – para a Metrópole e para a colônia, numa fase de “prostração e pobreza” pela qual passavam no final do século XVII – que teve a exploração do ouro numa vasta área que ia da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, à região de Cuiabá, no Mato Grosso, passando por Goiás. Além disso, assinala a importância do fato de que a atividade de mineração implicou o deslocamento espacial do centro econômico, possibilitando uma articulação das regiões e seu povoamento. Vale, neste particular, o destaque para o novo ciclo migratório europeu, dadas as oportunidades econômicas oferecidas para os que dispunham de poucos recursos, e para a grande 4 dependência que esta economia especializada tinha de fornecedores externos, sejam produtores de alimentos, seja de animais de transportes. Com relação à demanda de animais, seu impacto ocorreu em relação à pecuária do Sul, ao criatório do Nordeste que se desloca tendo em vista a proximidade do mercado representando pela nova atividade em expansão, e em relação ao gado do Mato Grosso. As distâncias das regiões de mineração do litoral teriam contribuído para profundas impactos econômicos nas regiões vizinhas, sobretudo em decorrência do complexo sistema de transporte exigido para atender a demanda das áreas de produção de ouro3. No que se refere à sua organização, embora tendo por base o trabalho escravo, essa economia se diferenciava da economia açucareira em razão da menor participação da dessa população no total da força de trabalho e do fato de que a sua forma de utilização permitiu maior iniciativa aos escravos. Por outro lado, as possibilidades que tinham os homens livres eram bem maiores que na economia nordestina, dada a menor necessidade de capitais para iniciar a atividade. Com relação ao seu dinamismo, cabe registrar que, iniciada nos primeiros anos do século XVIII, tal atividade alcança o seu apogeu entre 1750 e 1760, para vinte anos depois registrar declínio significativo do nível de exportação. Em razão de não haver criado formas permanentes de atividade econômica, a não ser alguma agricultura de subsistência, as regiões mineiras, com a redução da produção de ouro, entram em “uma rápida e geral decadência”. A desagregação das empresas, a impossibilidade de reposição da mão-de-obra escrava, a transformação dos empresários de lavras em simples faiscadores, a lenta destruição dos ativos dos que persistiam são os sintomas marcantes de um “sistema que se ia assim atrofiando, perdendo vitalidade, para finalmente desagregar-se numa economia de subsistência” (p. 89). Constata Furtado, ainda, que uma população que viria a se constituir o principal núcleo demográfico do país, expandir-se-á, em seguida, num contexto de atrofiamento da economia monetária, desarticuladamente, trabalhando a níveis baixos de produtividade. Conclui: “Em nenhuma parte do continente americano, houve um caso de involução tão rápida e tão completa de um sistema econômico constituído por população principalmente de origem européia” (p. 90) A “economia cafeeira” é examinada em capítulos que integram as duas partes da Formação Econômica do Brasil (Economia de Transição para o Trabalho Assalariado e Economia de Transição para um Sistema Industrial), considerando sua gestação, os problemas da mão-de-obra, a crise da economia cafeeira, os mecanismos de defesa e o deslocamento do centro dinâmico. Inicialmente trata das mudanças ocorridas na economia nacional – que vivia um processo de letargia a partir da regressão econômica da mineração –, provocadas pelo surgimento da economia cafeeira no final do século XVIII e início do século XIX. Destaca, então, que tal economia utiliza recursos pré-existentes e subutilizados, resultantes da desagregação da economia mineira, sobretudo mão-de-obra. Não obstante este fato, reconhece que essa economia foi montada sobre novas bases, notadamente pelo surgimento de uma nova classe empresarial que, diferentemente da classe que comandava a economia nordestina, era capaz de decidir sobre os aspectos fundamentais do processo econômico, notadamente o da comercialização. Com consciência clara dos seus próprios interesses, essa nova classe vai encaminhar soluções para viabilizar sua atividade, inclusive o problema da mão-de-obra, e utilizar o governo como instrumento de política para concretização dos seus interesses. Ao fazer essa afirmação o autor adverte que o que singulariza os produtores de café não 3 “A economia mineira abriu um novo ciclo de desenvolvimento para todas elas [refere-se a economia de subsistência de Piratininga, e à economia pecuária do Rio Grande do Sul e Mato Grosso]. Por um lado elevou substancialmente a rentabilidade da atividade pecuária, induzindo a uma utilização mais ampla das terras e dos rebanhos. Por outro lado, fez interdependentes as diferentes regiões, especializadas umas na criação, outras na engorda e distribuição e outras constituindo os principais mercados consumidores. É um equívoco supor que foi a criação que uniu essas regiões. Quem as uniu foi a procura de gado que se irradiava do centro dinâmico constituído pela economia mineira” (Furtado, 2000: 81). Essa idéia é enfatizada no resumo da Formação Econômica que o autor faz no seu livro de memória a Fantasia Organizada: “É graças a este núcleo de mercado interno, para onde aflui a produção de outras regiões, que começa a emergir a matriz de um economia nacional” (Furtado, 1985: 207). 5 é o fato de controlar o governo, mas o fato de saber utilizá-lo para alcançar fins bem definidos de uma política. Tendo solucionado o problema da mão-de-obra a partir do trabalho assalariado, em fase posterior de sua consolidação, do que decorre uma bem melhor distribuição de renda que nas atividades anteriores, a presença de um significativo mercado interno passa a ser uma característica marcante dessa nova atividade. Por essa razão, na Fantasia Organizada Celso Furtado volta a enfatizar esse aspecto ao afirmar que: “A emergência de um importante fluxo de renda sob a forma de salários traduzia uma mudança qualitativa na estrutura econômica existente. O antigo binômio economia de exportação–economia de subsistência era substituído por outro: economia de exportação–economia de mercado interno” (p. 211). É a partir da identificação dessa estrutura e organização produtiva que Celso Furtado explica, com base em um conjunto complexo de interações, como tem lugar o processo de industrialização e o “deslocamento do centro dinâmico” da economia nacional. Nessa explicação são destaques a política de defesa da produção cafeeira, os mecanismos de defesa da atividade produtiva na Grande Crise com as políticas que constituíram um “verdadeiro programa de fomento da renda nacional” (p. 205) por intermédio, sobretudo, da formação e destruição de estoques de café e o efeito multiplicador desses investimentos, o uso ativo da política cambial através da desvalorização da moeda nacional. Agregue-se a isto o desequilíbrio externo que tal política provoca numa economia, como a brasileira que não dispunha de divisas para atender as importações decorrentes da renda gerada na política de defesa da economia do café. Neste ponto Celso Furtado formula a indagação da maior relevância: “Que destino tomava essa renda, que, devendo ser despendida no exterior em importações, ficava represada dentro do país pelo mecanismo corretor da baixa no referido coeficiente [de importação]?” (p. 208). Sua resposta: pressionar os produtores internos, pois “grande parte da procura por importações se contraia com a alta relativa dos preços” (p. 209). Com isto é criado na economia nacional, através das melhores oportunidades oferecidas, o setor que produzia para o mercado interno que passa a ter a preponderância no processo de formação de capital. A agricultura e sobretudo a indústria voltadas para a demanda interna recuperam-se e registram avanços significativos após a Grande Crise, inclusive através da diversificação produtiva nas atividades industriais. Além do “deslocamento do centro dinâmico”, de grande significado para a economia nacional, há que considerar que o comportamento da região cafeeira, diferentemente das demais, não deu lugar a uma regressão ou involução, traduzida num retorno, relativo, à economia de subsistência, mas a um processo de diversificação produtiva4. Além dessas economias regionais e suas trajetórias, Celso Furtado, na Formação Econômica do Brasil apresenta análises específicas sobre o Maranhão, a Amazônia e destaca aspectos significativos da articulação comercial e da estrutura produtiva da economia porção meridional e do Centro-Oeste do país. No capítulo final, ao ressaltar o fato de que o desenvolvimento da economia brasileira, da perspectiva regional, apresenta-se como um processo de articulação das distintas regiões em um sistema com o mínimo de integração (p. 248), Furtado destaca, também, as desigualdades existentes, os impactos diferenciados da articulação ocorrida a partir da formação do mercado interno, e conclui que se, na metade do século XX, “a economia brasileira havia alcançado um certo grau de articulação entre as distintas regiões, por outro a disparidade de níveis regionais de renda havia aumentado notoriamente. Na medida que o desenvolvimento industrial se sucedia à prosperidade cafeeira, acentuava-se a tendência à concentração da renda” (p. 249). A evolução em fases distintas das economias regionais com os seus movimentos (formação, auge e crise) foi 4 “Assim como a segunda metade do século XIX se caracteriza pela transformação de uma economia escravista de grandes plantações em um sistema econômico baseado no trabalho assalariado, a primeira metade do século XX está marcada pela progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno” (Furtado, 2000: 245). 6 constituindo as “ilhas” do arquipélago brasileiro até que, através do processo de industrialização, elas se articulam num sistema, ainda, pouco integrado. Esta análise apresentada por Celso Furtado na Formação Econômica do Brasil constitui a matriz da concepção moderna da questão regional brasileira que influenciará inúmeros estudos, pesquisas e propostas de intervenção no ano de sua publicação e nos anos posteriores, como se verá mais adiante. Outras Contribuições de Celso Furtado antes do Exílio No mesmo ano em que aparece a Formação Econômica são publicados dois trabalhos de Celso Furtado que vão ter importância fundamental no aprofundamento do conhecimento sobre a questão regional nordestina e em uma das maiores intervenções governamentais de política regional: Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste5 e Operação Nordeste6. Antes porém, em estudos anteriores a 1959, Furtado examinou a questão regional do País. Cabe mencionar uma série de conferências realizadas no segundo semestre de 1957 em curso patrocinado pela CEPAL, pelo então BNDE, além de outras instituições, que foram publicadas no livro de sua autoria Perspectiva da Economia Brasileira, em 1958 e, em segunda edição, em 1960. Na Perspectiva da Economia Brasileira7, cujo objetivo é “equacionar o problema de desenvolvimento da economia brasileira em sua etapa atual”, há uma parte relacionada com um modelo interpretativa da economia e outra voltada para uma política sistemática de desenvolvimento. A questão regional é tratada, já no primeiro capítulo, a partir de uma regionalização que identifica um vazio econômico e demográfico (Amazônia) e dois sistemas econômicos autônomos: o nordestino (do Ceará à Bahia) e o sulino (de Minas Gerais ao Rio Grande do Sul). As características marcantes do sistema nordestino eram, na sua visão, os baixos níveis de renda, a descontinuidade de sua articulação econômica interna, a ausência de condições de gerar espontaneamente poupança necessária para crescer e uma classe capitalista (comerciantes em geral) com reduzida propensão a investir produtivamente na economia. O sistema sulino, relativamente integrado, com maior nível de renda, recebe seus dinamismo do núcleo ligado ao comércio internacional e do núcleo industrial. A sua produtividade média e as dimensões absolutas do mercado interno chegaram a nível elevado que permitia ao sistema condições para impulsionar o próprio crescimento. No capítulo específico sobre as disparidades regionais, o autor volta a insistir que a economia nacional é constituída de sistemas autônomos e com distintas potencialidades, e assinala que seria um equívoco pensar que tal problema seria resolvido espontaneamente ou concentrando recursos apenas nas regiões de maior potencialidades. Destaca a necessidade de amplo programa de colonização para ocupar os excedentes demográficos, notadamente do Nordeste, mas chama a atenção para o fato de que isto não é suficiente. É necessário que nas regiões de escassos recursos sejam definidas ações para que sua utilização seja mais eficiente. Aproveitar a dinâmica de regiões em expansão no interior do país seria um caminho a ser percorrido por economias regionais como a nordestina e para isto é necessário dar condições para sua implantação através da modernização da infra-estrutura. No entanto, ao lado dessas questões existe uma fundamental a ser considerada que é a relação com as demais regiões, pois o Nordeste não é uma economia independente, e está inserida num contexto de um único sistema monetário e fiscal. Sem poder proteger-se por tarifas, um processo de industrialização do Nordeste terá que tirar vantagens de sua mão-de-obra abundante e de reorganização da agricultura, sobretudo para abastecer o mercado local. Reside na escassez de terras e na deformação resultante da monocultura latifundiária o problema mais relevante para o 5 Esse trabalho, de autoria de Celso Furtado, conforme relato na Fantasia Desfeita, ficou conhecido como Relatório do GTDN . (Ver GTDN, 1967) 6 Furtado, 1959. 7 Furtado, 1960. 7 desenvolvimento da região. No caso da Amazônia assinala que o encaminhamento de sua solução está fora “do alcance de qualquer economia em nossos dias” (p. 62), no entanto, é necessário identificar nessa economia segmentos produtivos capazes de serem utilizados no curto e médio prazo. Muitos dos temas considerados nos capítulos referidos da Perspectiva da Economia Brasileira, voltaram a ser tratados nos textos que alimentaram a política de desenvolvimento do Nordeste, a partir do final dos anos 50, comandada pelo próprio Celso Furtado, na SUDENE. Neste particular, é importante lembrar as linhas básicas do diagnóstico e das propostas contidas no Relatório do GTDN. Nele, afirma a seu respeito Francisco de Oliveira, todas as “teses cepalinas estão de volta agora na moldura nordestina”8. Em quatro páginas na introdução, Furtado resume os traços básicos do diagnóstico e da proposta de ação a ser adotada na política regional. Vale lembrar que este texto teve influência marcante nos planos da SUDENE (quatro planos diretores aprovados pelo Congresso) e nos programas e estratégias que os sucederam, tanto no período anterior ao golpe de 1964, como no regime militar9. No que se refere ao diagnóstico, em primeiro lugar há o reconhecimento de que a disparidade de renda entre o Nordeste e o Centro-Sul constitui o mais grave problema a ser enfrentado. Some-se a isto o fato de o ritmo de crescimento nordestino ter sido inferior ao do Centro-Sul e o reconhecimento do caráter cumulativo e de difícil reversão de tal processo. Dessa diferença decorre o agravamento produzido pelas próprias políticas de desenvolvimento pois, às causas estruturais profundas do atraso nordestino – escassez de terras, irregularidade das chuvas, concentração da renda na economia açucareira e predomínio da agricultura de subsistência no interior – somam-se os efeitos decorrentes da política de industrialização, notadamente as medidas de controle das importações e aos impactos decorrentes das transferências de renda do Nordeste em relação ao Centro-Sul associados às relações inter-regionais e internacionais dessas regiões. Relativamente ao duplo fluxo de renda – o do setor público em favor do Nordeste e dos capitais privados desta região para o Centro-Sul – é importante considerar os diferentes efeitos econômicos: as transferências realizadas pelo setor público estavam voltadas para obras assistenciais e as do setor privado dirigidas para investimentos produtivos fora da região. Segue, ainda no diagnóstico, o reconhecimento de que a dinâmica do Nordeste decorria do setor exportador que não se tem mostrado capaz de induzir a economia a acompanhar a do CentroSul. Some-se a isto os prejuízos decorrentes da política cambial adotada. Há que considerar que o setor público gasta mais no Nordeste do que arrecada, não obstante, ao lado da natureza dos gastos, predominantemente, associados a objetivos assistenciais, deve-se levar em conta o caráter regressivo do sistema tributário nacional. Como nem sempre estão presentes oportunidades para dinamizar a economia através das exportações, o desenvolvimento só e factível através da diversificação da produção via industrialização. Sem prejuízo das exportações, esse é o caminho a ser seguido, sobretudo quando se considera o alto nível de desemprego e subemprego existente nos centros urbanos nordestinos. Há que considerar, além disso, a economia do semi-árido – um complexo de pecuária extensiva e agricultura de subsistência –, sujeita a colapso na sua produção de 8 Oliveira, 2003: 22. O autor se referia entre as teses cepalinas a da deterioração dos termos de intercâmbio entre o Nordeste e o Centro-Sul, a tese de que a política nacional de comércio exterior (cambial e tarifária) penalizava o Nordeste e a teses de que a região só sairia da situação de periferia e só venceria o subdesenvolvimento através de um processo de industrialização. 9 Algumas frases de Celso Furtado ajudam a compreender a sobrevivência do Relatório do GTDN: “O texto foi concebido e redigido por mim....Mas evitei assiná-lo ... Foi distribuído entre os presentes na reunião do Palácio do Catete... Está tática de apresentação foi providencial para sua sobrevivência quando caíram sobre nós os dias sombrios da ditadura militar e que me cassou os direitos e tornou “suspeito” tudo que contivesse o meu nome... Desligado do nome do seu autor, pôde ele continuar a exercer sua função de desvelador da realidade nordestina, enterrando as falácias que secularmente serviram para justificar a utilização de dinheiro publico na perpetuação de estruturas anacrônicas e antisociais” (Furtado, 1989: 56). 8 alimentos, com as secas que assumem a dimensão de uma calamidade social, por alcançar os segmentos sociais mais frágeis da região. Neste caso, as medidas devem considerar uma reavaliação das políticas que vêm sendo adotadas, que não mudaram os dados gerais do problema das secas e fixaram, em condições vulneráveis, excedentes demográficos crescentes no semi-árido10. No que se refere à proposta do Plano de Ação quatro foram os pontos fundamentais. Um primeiro associado à criação de centro autônomo de produção manufatureira através da intensificação dos investimentos industriais. Outro, à transformação da agricultura da “faixa úmida” orientando-a para a produção de alimentos para os centros urbanos nos quais deveria ocorrer a industrialização. O terceiro, voltado para o semi-árido, que contempla a transformação progressiva da sua economia através da elevação da produtividade e redução da sua vulnerabilidade ao impacto das secas. Finalmente, o quarto objetivo está associado ao conjunto de ações voltadas para o deslocamento da fronteira agrícola regional, notadamente nas terras úmidas maranhenses que absorveriam os excedentes populacionais decorrentes da reorganização do semi-árido. Muitos dos analistas que avaliaram o referido documento ressaltaram a relevância da visão fornecida sobre os problemas do semi-árido. O próprio Celso Furtado, na Fantasia Desfeita procede a uma avaliação ao assinalar que: “Um diagnóstico preciso da problemática da região semi-árida constitui um dos pontos fortes do documento. Complexo da pecuária extensiva e agricultura de subsistência, a economia dessa região opera como uma armadilha para reter um excesso de população que somente sobrevive porque o governo federal a assiste periodicamente” (p. 55). O texto que tem como título Operação Nordeste, também de 1959, é um documento que registra a exposição e o debate realizado (13-06-1959) na sede do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Começa assinalando que no país se repetem as relações e as diferenças encontradas entre os países industrializados e os produtores de produtos primários, que tendem a se institucionalizar e consolidar formas de exploração das quais resultem conflitos econômicos e políticos capazes de comprometer o desenvolvimento do país. Que a “Operação Nordeste” parte dessa perspectiva e da percepção de que há um agravamento das disparidades entre as regiões e que podem tornar-se irreversível e comprometer a unidade nacional a partir do antagonismo de grupos regionais. Descendo aos aspectos operacionais, ressalta a insuficiência administrativa atual e o encaminhamento que pretende dar através da SUDENE e do seu caráter renovador, e volta a explicitar a gênese do problema do Nordeste:é a mais extensa área de todo Hemisfério Ocidental de mais baixo desenvolvimento, sua organização produtiva permitiu crescimento da população mesmo com baixa produtividade, suas melhores terras foram apropriadas pela monocultura em atividade que favorece o latifúndio que determinaram a maneira como evoluiu a economia açucareira e sua baixa capacidade de absorção da mão-de-obra, num contexto de alta concentração de renda. O povoamento do seu interior, a partir da pecuária, ao saturar o agreste, expande-se cada vez mais na direção do semi-árido, região sujeito à incidência da seca, que passa a ser responsável pela produção de alimentos. “Em linhas gerais, foi este o processo de formação histórica da economia nordestina: quando as exportações do açúcar perderam o impulso de crescimento, esgotou-se toda força dinâmica do sistema que se revelou incapaz de propiciar a transição automática para a industrialização” (p. 24). No que se refere ao plano de ação, Celso Furtado faz referência ao Relatório do GTDN, e cita os pontos fundamentais, anteriormente resumidos. 10 Vale aqui registrar observação de Francisco de Oliveira a respeito do Relatório do GTDN: “... Furtado resolve de forma admirável a velha queixa regionalista do atraso do Nordeste em relação ao Centro-Sul emoldurando-a num quadro mais amplo e racionalizando-a: sim, os nordestinos tinham razão em suas queixas, mas eram outras as causas. A causa principal, desde logo, residia na arcaica estrutura agrária, que produzia simultaneamente excedentes populacionais que migravam para o Centro-Sul e uma economia extremamente vulnerável ... A economia do Nordeste era viável, seu permanente saldo de divisas utilizadas pelo Centro-Sul para pagar as importações o demonstravam. Reforçar a viabilidade da economia do Nordeste significa simultaneamente atacar a estrutura agrária e promover uma vigorosa política de industrialização ...” (Oliveira, 2003: 21). 9 Durante o período que passou como superintendente da SUDENE, Celso Furtado em duas oportunidades voltou a tratar, em livros, da questão regional nordestina. Uma no meio de sua gestão, em 1962, com a Pré-Revolução Brasileira, e outra, em 1964, nos meses finais à frente da referida instituição, com Dialética do Desenvolvimento. A Pré-revolução Brasileira (Furtado, 1962) constitui um livro dedicado aos universitários, numa fase em que o autor assinala que o país passa por transformações da maior relevância e que, em decorrência dessas modificações estruturais aumentou a exigência de maior eficácia das decisões no plano da política econômica do que resultam maiores responsabilidades na definição de objetivos e estratégias. Ao abordar as questões associadas à pré-revolução brasileira, às reformas de base, ao subdesenvolvimento, ao estado democrático, Celso Furtado reserva um capítulo para tratar do problema do Nordeste. Nele, retoma questões anteriormente consideradas nas suas análises que fundamentaram a política regional e incorpora experiência na direção da política de desenvolvimento voltada para o Nordeste. Refere-se inicialmente aos indicadores sociais extremamente baixos da região e ressalta a consciência do problema do subdesenvolvimento adquirida recentemente, centrando a análise na problemática regional na qual volta a enfatizar as relações inter-regionais: o fato de não ser um sistema econômico autônomo expões a região a uma intensa concorrência de mercados de produtos e capitais, muito desigual, tendendo a comportar-se, em relação com o Centro-Sul, como um país subdesenvolvido face às nações industrializadas. Decorre daí a necessidade de que sejam desenvolvidos esforços no sentido de criação de um centro dinâmico, capaz de garantir a continuidade de sua própria expansão econômica de forma diversificada. No entanto reconhece que isto não é suficiente, pois, somente seria concretizado caso consiga vencer a fragilidade de sua agropecuária, caracterizada por uma estrutura arcaica e pelo monopólio das terras úmidas e próximas aos maiores urbanos: pelo minifúndio e o desperdício da mão-de-obra nas regiões intermediárias; e pela instabilidade, baixo nível técnico e uma excedente estrutura de mão-de-obra no semi-árido. Enfatiza em seguida: “Na logística do desenvolvimento nordestino o problema agrário ocupa a posição central. Se não for possível dotar a região de uma agricultura moderna, tampouco será possível desenvolvê-la” (p. 53). Para isto a região necessita contar com recursos externo, pois nas condições atuais, sem o aporte de recursos de fora da região não seria possível realizar a tarefa de reconstruir, sob novas bases, a economia agropecuária da região11. O outro livro, que possui um capítulo sobre a problemática do Nordeste, escrito quando o autor comandava a política de desenvolvimento regional, Dialética do Desenvolvimento, prefaciado – em janeiro de 1964 – às vésperas do golpe militar, é considerado, pelo autor, em um dos seus livros de memória, o seu testamento intelectual12. A primeira parte do livro trata da Dialética do Desenvolvimento e a segunda, Diagnóstico da Crise Brasileira. Esta última tem um capítulo que trata do Nordeste. Desaparece o tom otimista do livro anterior e o capítulo referente à região é precedido de uma análise das “causas econômica da crise atual” que finaliza com o exame do aumento das tensões estruturais e do impasse e opções prováveis. O último capítulo, tem como 11 Neste trabalho, no que se refere ao Nordeste, Celso Furtado enfatiza mais que anteriormente as relações inter-regionais e com mais clareza destaca a questão agrária e suas formas diferenciadas nas zonas litorâneas, no Agreste e no semi-árido. Vale aqui assinalar um comentário de Francisco de Oliveira sobre o referido livro: “A pré-revolução brasileira é um dos mais brilhantes ensaios de Furtado, injustamente esquecido. Aqui ela abandona a postura de economista para alcançar as dimensões de um pensador político, numa linha que talvez nunca tenha retomado com o mesmo vigor. A pré-revolução é uma proposta de reforma de base” (Oliveira, 2003: 25). 12 “Sentindo que o horizonte se fechava, apressei-me a ordenar essas notas [de conferências, debates, mesas-redondas], com o propósito de colocar à disposição dos jovens um conjunto consistente de idéias capaz de dar respostas às perguntas que com mais freqüência me dirigiam. Certos conceitos eram utilizados de maneira confusa, a outros atribuia-se o poder de exorcizar os males sociais como num passe de mágica” (Furtado, 1985: 182). O item no qual é resumido o referido livro tem como título Testamento Intelectual. 10 título “o processo revolucionário no Nordeste”. Neste particular, Furtado é motivado pela consciência de que, vivendo processo sob vários aspectos revolucionário, considerava importante analisar a realidade nordestina, identificar as tendências mais prováveis e interferir a favor de soluções de menor custo social. A questão regional é examinada a partir das relações de trabalho e de poder, e da luta de classe, sobretudo no meio rural, nas três sub-regiões: zona úmida litorânea, as zonas intermediárias e a caatinga sertaneja. Na primeira, enfatiza o domínio político e econômico da classe proprietária voltada para a produção de açúcar sobre uma classe trabalhadora com baixo nível de organização. Ressalta o processo de conscientização que ocorrera recentemente, associado às transformações das relações de trabalho – a mudança do morador em assalariado – e econômicas, destacando as condições favoráveis de mercado. Assinala o acirramento das contradições num período extremamente curto13 e o seu arrefecimento quando algumas conquistas foram obtidas. Conclui esta parte, afirmando que a evolução dessa economia dependeria do comportamento da classe proprietária, pois o movimento camponês já se havia definido “em suas linhas básicas como um processo de consolidação do status de uma classe assalariada e de defesa dos benefícios contratuais. Resta saber se a atual classe proprietária, marcada por todas as taras de uma estrutura feudal que ainda não desencarnou poderá colocar a agroindústria em condições de sobreviver, ou se terá de abandoná-la como ferro velho e máquina de fazer déficit público” (p. 161 e 162). Com a relação às zonas intermediárias, assinala a sua grande capacidade de retenção da mão-de-obra, e sua atividade produtiva voltada para a agricultura de subsistência articulada à atividade pecuária e, temporariamente, vinculada aos latifúndios produtores de cana. Ressalta que a produção do algodão permitiu ampliação da renda do trabalhador vinculado à agricultura de subsistência e lembra que a presença do latifúndio e da pequena propriedade voltada para a subsistência permitiu uma forma de associação, através de qual os grandes proprietários permitiam ao agricultor o acesso às suas terras, sob a condição de abandoná-las toda vez que o proprietário necessitasse soltar o gado. Essa cessão ocorria, por vezes, condicionada à cobrança de dias de trabalho grátis da parte do agricultor. “O crescimento da população, por um lado, e a valorização a pecuária, por outro, colocaram os trabalhadores agrícolas do Agreste, no período recente, em situação cada vez mais precária. Na medida em que a unidade agrícola familiar era simples complemento da atividade pecuária na grande propriedade, inexistia a possibilidade de organizar a agricultura sob novas bases” (p. 166). Neste contexto de tensões crescentes, o fato de os agricultores viverem em comunidades colocava-os em melhores condições do que os da Zona da Mata para adquirir consciência coletiva do problema. Isto explica a grande propagação das ligas no Agreste. Sua luta estava voltada para a posse da terra que utilizavam, ameaçadas, também, pela expansão da cana. Na síntese que faz a respeito da situação do Agreste, Celso Furtado ressalta o impasse, constatado, de um lado, pelo fato de que as reivindicações dos trabalhadores exigiriam a reestruturação da agricultura local, e de outro lado, que essa reestruturação, de modo a permitir uma melhora das condições de vida, conflita com os interesses dos proprietários. “Os termos em que está colocada a luta social do Agreste levam, portanto, inexoravelmente, a uma definição de posição que somente encontrará solução em processos radicais” (p. 169). No que se refere ao Sertão, após descrever os aspectos físicos, ecológicos e as secas, o capítulo trata da ocupação do território e das relações de produção que se estabeleceram no interior de uma organização produtiva comandada pela pecuária extensiva associada à agricultura de 13 “Para compreender esse fenômeno inusitado que foi a formação de uma consciência de classe nos camponeses do açúcar, em um período que pouco excede de um qüinqüênio, é necessário ter em conta a tenacidade com que a classe proprietária pretendeu salvar a sua constelação de privilégios feudais até o presente momento” (p. 153) ..... “O movimento de organização da classe camponesa ... apresentou, até 1962, todas as características de uma arregimentação revolucionária do tipo clássico. Os líderes, fossem de formação marxista ou católica, tinham todos a preocupação de dizer bem alto que estavam lutando contra a ordem de coisas prevalecentes” (Furtado, 1964: 154). 11 subsistência e à produção do algodão. Ressalta a combinação da pecuária com o algodão que modificou a base da economia sertaneja e transformou a seca em um grande problema social, que alcança sobretudo a produção agrícola, em particular a de alimentos..A partir de então os programas governamentais de combate aos efeitos das estiagens se desdobram na construção de barragens e açudes que beneficia principalmente a pecuária e não modifica nem beneficia a agricultura, e, nas frentes de trabalho, em obras públicas, que absorvem os grandes contingentes da população na fase crítica da seca e é do interesses dos grandes proprietários como forma de manter uma força de trabalho disponível na sub-região. Confrontando o Sertão com as demais sub-regiões, mostra que os trabalhadores sertanejos se encontram em condições menos favoráveis para tomar consciência de sua situação e das modificações necessárias para melhoria das suas condições de vida. Não obstante, considera que as vitórias obtidas no Agreste, notadamente no que ser refere à redução da renda da terra, terão repercussão nas relações de produção do Sertão. E, dadas as condições de vida, a exigências de profundas transformações relacionadas com a concentração da propriedade, os baixos níveis de produtividade e a vulnerabilidade da economia sertaneja, os movimentos sociais podem assumir a forma de processos revolucionários. Conclui, assinalando, que a convergência da irracionalidade social do desenvolvimento agrícola nas sub-regiões examinadas e a politização de parte crescente dos trabalhadores rurais contribuíram para a formação de um potencial revolucionário no Nordeste. Agrega que a evolução desse potencial dependerá das condições históricas que venham prevalecer não somente na região, mas no conjunto do país. Contribuições Pós-1964 Em 1981, em O Brasil Pós-“Milagre”, Celso Furtado, após o exame da economia nacional na fase posterior à sua expansão durante o regime militar (na qual estuda a estrutura agrária, o seu centro dinâmico, as opções do decênio 60, a turbulência e desgoverno dos anos 70, os desafios para os anos 80 e o esboço de uma estratégia) investiga o quadro internacional e, posteriormente, o Nordeste. Nesta terceira e última parte propõe diretrizes de uma política de desenvolvimento regional e de alternativas institucionais. Antes do expor as diretrizes enfatiza a profundidade da questão nordestina14, ressaltando a grande rachadura entre regiões decorrentes do processo através do qual ocorreu a industrialização brasileira. O problema nordestino não é um problema entre outros, pois tal postura significa condenar um grande contingente da população à frustração e à miséria. Aponta para o processo de industrialização que está ocorrendo, a partir de um certo tipo de integração – produção de insumos para o Centro-Sul recebendo desta região equipamentos e outros insumos – que reduz progressivamente a autonomia regional. Com isto Furtado constata o avanço da integração regional, bem distinta da constatação da Formação Econômica, de 1959, quando no capítulo final destaca, como foi registrando anteriormente, que havia ocorrido a articulação das distintas regiões em um sistema com o mínimo de integração. Qualifica essa integração como uma nova dependência que reside em uma subordinação à lógica de uma industrialização do Centro-Sul e transforma o Nordeste num simples apêndice de um mercado dominado por uma clientela de nível mais alto de renda (p. 123 e 124)15. 14 “O Nordeste é, na verdade, a face do Brasil em que transparece com brutal nitidez o sofrimento do seu povo. Aí se mostram sem disfarces as malformações maiores de nosso desenvolvimento. Se não existir política adequada para o Nordeste pode-se dar por certo que os problemas maiores do país se estão agravando...” (Furtado, 1981: 119). 15 Neste ponto o autor faz uma espécie de avaliação da política de industrialização administrada pela SUDENE, nos seguintes termos: “É fora de dúvida que os incentivos criados pela SUDENE estão na origem do surto industrial dos anos 60 ...É também verdade que a partir de 1964 esse órgão limitou-se a criar facilidades, favorecendo os grandes grupos e punindo as pequenas empresas. Contudo, não se pode afirmar que, sem a participação da SUDENE, a industrialização houvesse tomado outra rumo na região. O máximo que se pode dizer é que essa agência se omitiu face às tendências perversas que se iam definindo, quando sua tarefa precípua era orientar os investimentos subsidiados pelo governo em função dos interesses da população nordestina” (Furtado, 1981: 125). 12 Com base nessas constatações, associadas a questões relacionadas com a estrutura agrária e a miséria da grande massa da população regional, Celso Furtado propõe três eixos básicos de ação: (i) o de transferência maciça de recursos para a região, voltada sobretudo para transformar as estruturas rurais, implantar infra-estruturas econômicas e sociais e dar vitalidade às pequenas e médias empresas; (ii) o de modificações estruturais que melhorem as condições de vida e a capacidade de iniciativa dos trabalhadores rurais; seu objetivo estratégico é eliminar o “latifúndio predatório e o minifúndio asfixiante que, conjugados, formam um sistema brutal de exploração do homem” (p. 129); (iii) e o terceiro eixo com ações voltadas para o aumento, de forma substancial, da participação do Nordeste nas atividades industriais do país, “numa forma complementar que não crie dependência e sim tenha em conta as particularidades sociais e ecológicas da região mais pobre” (p. 128). Enfatiza que tais eixos são complementares. O livro A Nova Dependência: dívida externa e monetarismo, de 1982, dedicado aos “economistas brasileiros da nova geração que não se deixaram embair pelo brilho falso do monetarismo” centra sua preocupação na dívida externa e no monetarismo da política adotada e tem um capítulo no qual são feitas considerações sobre o Nordeste e um novo modelo de desenvolvimento. Nesse capítulo, assinala que considera como problemas mais prementes do Brasil a reconstrução das instituições democráticas e a forma de enfrentar as mudanças que estão ocorrendo. No que se refere à redemocratização, retoma o tema da luta pela descentralização do poder político e o revigoramento do federalismo, inclusive com a consolidação de instâncias decisórias intermediárias, como foi a da experiência da SUDENE, no período inicial. Situa o Nordeste no modelo de desenvolvimento que vem sendo seguido, intrinsecamente desigualitário, do qual resulta um quadro social que não encontra justificativa no nível médio de renda da região. A questão central, segundo Furtado, “é menos de pobreza do que de mal-desenvolvimento, de agravação de tendências estruturais anti-sociais que se apresentam no conjunto do país” (p. 139). Para o autor, as características essenciais do modelo são: as escassas repercussões dos investimentos sobre o mercado de trabalho (emprego e salário), o fato de os investimentos subsidiados realizados na agropecuária terem agravado a polaridade minifúndio-latifúndio, de os recursos transferidos gerarem empregos no terciário reproduzindo os padrões do Centro-Sul e de o efeito demonstração, irradiado no terciário, ter operado como novo fator de concentração de renda. Chama a atenção “para a necessidade de nova reflexão sobre a situação do Nordeste nesta fase em que a perda de dinamismo da economia brasileira exigirá de uma ou de outro forma reajustamentos na região” (Furtado, 1982: 144). Há nesta avaliação que faz, o reconhecimento de que foram realizados esforços consideráveis para dotar a região de infra-estrutura de transporte e energia, e para o conhecimento do Nordeste no que se refere a solo, água, clima, secas, estrutura agrária e suas projeções no plano social e econômico. Acrescenta a respeito: “É a partir desse nível mais avançado de conhecimento que nos devemos perguntar: que lugar cabe no desenvolvimento do Brasil a essa região nordestina onde vivem mais de 30 milhões de brasileiros e onde tem raízes seculares uma das matrizes mais fecundas da cultura no nosso país?” (p. 145). Responde assinalando que isto só será positiva se a região estiver capacitada para gerar a vontade política necessária para modificar as tendências prevalecentes. Passa então a assinalar “os pontos que estão a exigir profundas mudanças de rumos” (p. 145). Em primeiro lugar o problema das secas que deverá contemplar a criação de uma economia agrícola ecologicamente adaptada que elimine a polaridade proprietário parceiro, com base na unidade familiar capaz de assimilar inovações técnicas e engendrar formas de solidariedade social. Em segundo lugar, a política econômica deve ser modificada para dar prioridade à criação de emprego e a vinculação da atividade produtiva ao mercado local, fortalecendo o tecido das pequenas e médias empresas e reduzindo os privilégios estabelecidos para os grandes empreendimentos desvinculados da iniciativa empresarial local. Finalmente, é importante considerar que a experiência tem mostrado que o verdadeiro desenvolvimento é “um processo de ativação e canalização de forças sociais, de avanço da capacidade associativa, de exercício da 13 iniciativa e da inventividade. Portanto, trata-se de um processo social e cultural e só ancilarmente econômico” (p. 149)16. Se no livro anteriormente considerado o objetivo era a dívida externa e o monetarismo, em Cultura e Desenvolvimento em Época de Crise, Celso Furtado (1984) centra sua atenção na crise, “vista como custo social e como desafio” (p. 9). Aborda a questão regional, com maior ênfase, nos capítulos referentes ao novo federalismo, ao papel da universidade no desenvolvimento do Nordeste e no capítulo de reflexões sobre uma política alternativa de desenvolvimento para a região. Sobre a universidade destaca o papel que ela deve desempenhar na dupla dependência que tem o Nordeste: a econômica e a cultural e sobre a políticas alternativas de desenvolvimento regional, re-visita questões que já haviam tratado anteriormente. Neste caso, a abordagem centra-se no desenvolvimento nordestino no contexto de uma crise nacional que já ultrapassara o seu quarto ano. Antes de descer às alternativas destaca o conhecimento bem maior que se tem da região, o reconhecimento de que não se pode confundir crescimento econômico com desenvolvimento e de que se reconhece que a crise pela qual passa o país tem múltiplas causas mas nenhuma tão importante como o desgoverno. Destaca que o primeiro passa para repensar o Nordeste é repensar o Brasil, suas relações com o sistema financeiro e suas exigências, o direito que tem o povo brasileiro de superar esse contexto de crise e a partir daí refletir sobre o que significa desenvolver a região. O problema regional fundamental, para Furtado, reside (i) na seca e na calamidade social que representa ao alcançar o segmento mais frágil da sociedade, na fragilidade do setor agrícola e as distorções de sua estrutura agrária; (ii) na redefinição do processo de industrialização regional enfatizando as atividades com vínculos mais significativos com a economia local e com a criação de emprego e que constitua um segmento capaz de gerar o seu próprio crescimento, sem constituir-se um mero prolongamento da indústria do Centro-Sul. Para isto, é necessária a participação de toda uma geração e a constituição de uma vontade política consciente de que os problemas regionais somente terão solução a partir da própria região. Na Fantasia Desfeita, de 1989, segundo livro de memória de Furtado, o autor rever, da perspectiva histórica, os alicerces do subdesenvolvimento do Nordeste, o quadro internacional e sua projeção no Brasil e, em seguida registra aspectos fundamentais dos esforços realizados para concepção e implantação da política de desenvolvimento regional (a operação Nordeste, o CODENO, a SUDENE e seus planos), a experiência do Plano Trienal e o final do seu mandato à frente da Sudene, quando ocorre o golpe militar e seu exílio. Considerações Adicionais Alguns pontos adicionais merecem destaques, após essas considerações sobre os estudos mais relevantes de Furtado a respeito da questão regional, no que se refere, particularmente, à importância da Formação Econômica do Brasil. Este estudo representa, no que se refere à análise da problemática regional brasileira, não só a matriz que influenciou os estudos de Celso Furtado a esse respeito e definiu os alicerces da sua visão, desdobrada posteriormente em vários estudos, como a matriz para grande parte dos estudos, de vários autores, que, após os anos 60, foram realizados em todo Brasil. Nos curtos capítulos da referida obra está não só a descrição da trajetória das regiões brasileiras, mas a explicitação da sua visão a respeito da gênese das desigualdades espaciais que caracterizam a economia nacional e sua evolução. É o livro ao qual os estudos da 16 Celso Furtado enfatiza, nesta fase de luta pela redemocratização, no final do livro que: “Uma verdadeira política de desenvolvimento terá que ser a expressão das preocupações e aspirações de grupos sociais que tomam consciência de seus problemas e se empenham em resolvê-los ... É necessário que a discussão desses problemas venha a ocupar um espaço central na vida política, se é nosso propósito que o povo tenha uma efetiva participação na definição de seu destino. Esse é o caminho da verdadeira redemocratização, pois é a maneira mais segura de instilar um conteúdo substantivo à prática política. É neste sentido que o processo de redemocratização é a via de acesso ao desenvolvimento. E que uma autêntica política de desenvolvimento constitui a forma mais segura de legitimar o poder” (Furtado, 1982: 149 e 150). 14 maioria dos analistas sobre as regiões brasileiras têm como referência, ora aceitando suas conclusões, ora revendo ou complementando-o e criticando-o. Formação Econômica do Brasil definiu uma abordagem que tem na história a sua fundamentação e este ponto influenciou, seguramente, os procedimentos metodológicos seguidos por grande número de economistas brasileiros. Numa análise que faz desse livro, Francisco de Oliveira chama a atenção para o fato de que em Celso Furtado, como em outros interpretes clássicos da sociedade brasileira, o que ocorre “é a construção de uma complexa relação entre a teoria e a história. Assim, não há uma teoria que se aplique à história, nem o contrário, uma história que seja explicada pela teoria: o andamento se faz tecendo os fios de uma construção auto-estruturante, em que a história é teoria e a teoria é história” (Oliveira, 2003: 84)17. Esta percepção traduz bem o que o próprio Celso Furtado assinala, em seu primeira livro de memórias, a Fantasia Organizada, quando se refere aos procedimentos adotados na elaboração da Formação Econômica do Brasil: “O método era o mesmo que utilizava em trabalhos anteriores: aproximar a História (visão global) da análise econômica; extrair desta perguntas precisas e obter respostas para a mesma na História” (p. 204 e 205). Examinando esses procedimentos – da teoria como perguntas ou premissas às quais a história deveria responder – em relação à questão regional, ficam evidentes os passos dados pelo autor na montagem da sua percepção a esse respeito. A questão regional examinada no livro Perspectiva da Economia Brasileira, é enriquecida com a análise da questão regional abordada na Formação Econômica (escrito entre novembro de 1957 e fevereiro de 1958) e toma a forma definitiva, em relação ao Nordeste, no Relatório do GTDN. E sua obra posterior, antes e depois do exílio, vai sempre incorporando elementos da realidade vividos e analisados por Furtado, no decorrer dos anos. Um exemplo é a integração, na Dialética do Desenvolvimento, na parte específica sobre o Nordeste, de uma analise profunda sobre as relações de produção e de poder nas áreas rurais nordestinas e os impasses gerados por uma estrutura fundiária das quais resultava a pobreza e alto grau de exploração da força de trabalho. No mesmo sentido, deve-se considerar a revisão que faz nos estudos realizados pós-1964, quando percebe a intensidade do processo de integração das regiões como momento de superação da situação constatada no final da Formação Econômica do Brasil de que a economia nacional se caracterizava como um sistema articulado de regiões com o mínimo de integração. É essa integração, que ocorre pós anos 60, percebida por Celso Furtado em livros posteriores, que põe por terra a proposta do Relatório do GTDN de montagem de um centro autônomo de produção manufatureira, no Nordeste, capaz de permitir a propagação do seu próprio dinamismo regional. Pelo menos duas grandes influências da obra de Celso Furtado podem ser assinaladas no que se refere à produção posterior sobre a questão regional brasileira. Neste particular cabe lembrar a produção de vários estudos sobre a evolução da economia nacional, obedecendo aos vários cortes regionais, a partir das várias fases pelas quais passou o país no seu processo de industrialização e de diversificação do processo produtivo, que, em geral, avançaram no tempo abrangendo fases que não haviam sido consideradas na da Formação Econômica do Brasil. Alguns desses trabalhos, como se verá, retomam o itinerário de Furtado, desde a gênese do processo de diferenciação espacial, e acompanham a construção de uma estrutura produtiva, cujo dinamismo passa a ser comandado por uma complexa economia industrial e seu do mercado interno. Em segundo lugar, deve-se levar em conta a influência de Celso Furtado na grande produção de estudos sobre regiões específicas do Brasil, sobretudo o Nordeste e Amazônia, e que tomaram a forma de duas abordagens marcantes: (i) a de análises regionais, que tinham como 17 No final do capítulo em que resume e analisa o livro Formação Econômica do Brasil e Celso Furtado, Francisco de Oliveira conclui: “O uso fecundo do método, tensionando teoria e história, havia dado seus frutos e, como no Evangelho, eles eram bons” (Oliveira, 2003: 102). 15 objetivo estudar e atualizar o conhecimento dos espaços regionais específicos, diante das transformações que estavam em curso na economia, notadamente no período posterior a 1960; (ii) a um conjunto de avaliações das políticas regionais voltadas para o Nordeste, de início, e para outras regiões, envolvendo não só o estudo dos impactos das políticas explicitamente regionais (caso do Nordeste e Amazônia) como o exame dos impactos regionais das políticas implicitamente regionais (comércio exterior, financiamento, políticas agrícolas e industriais, tributárias), abrangendo todas as regiões brasileiras. Alguns desses aspectos serão considerados a seguir. As contribuições das pesquisas de outros autores críticos a partir da obra de Celso Furtado A publicação da obra seminal de Furtado em 1959 instigou um amplo debate e orientou análises importantes das especificidades urbano-regionais brasileiras. Também a conjuntura política e acadêmica da época, a publicação das Contas Regionais, o processo objetivo de concentração espacial da riqueza, a criação da Sudene etc, determinaram a colocação dos desequilíbrios interregionais nas agendas acadêmica e pública do país. A quantidade e a diversidade de estudos nestas últimas cinco décadas é enorme. Há uma grande produção de estudos sobre a questão regional nas universidades (UNICAMP, USP, UFMG, UFRGS, UFPA, UFPE, UFRJ, UnB, dentre outras) e instituições de pesquisas (IPEA, IBGE, FUNDAJ e vários órgãos estaduais de estudos como a FEE, IPARDES, SEI etc) que vem ampliando significativamente o conhecimento sobre esta decisiva problemática. Neste sentido, optou-se aqui por construir nesta parte uma narrativa que segue uma trajetória pontuada pelas constribuições de autores, em alguma medida, herdeiros da tradição de pensamento crítico e histórico-estrutural de Celso Furtado. Esses autores, orientados pelas questões levantadas por este grande cientista social, lograram construir uma revisão crítica (bastante exitosa) da análise da estrutura e da dinâmica das economias regionais e dos espaços urbanos no Brasil. Dois caminhos foram seguidos pelos que, nas trilhas abertas por Celso Furtado, deram sua contribuição para o conhecimento das economias regionais brasileiras e suas relações. Aqueles que se voltaram para a visão conjunto do país e de sua heterogeneidade e disparidades regionais, interpretando sua evolução a partir de diferentes periodizações. E os que tentaram aprofundar o conhecimento sobre regiões específicas, sua forma de inserção da economia nacional e a avaliação dessa articulação e integração e das políticas regionais e nacionais que haviam sido implantadas. Paul Singer, em trabalho de 1968, desenvolveu importante reflexão sobre a estrutura e a dinâmica de cinco espaços urbano-regionais (São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife), em que sugere um interessante aporte analítico que busca tratar de forma articulada as cidades e seu hinterland nos diversos momentos históricos de suas trajetórias de desenvolvimento. Em 1971, Antonio Barros de Castro publicou o polêmico “A Herança Regional do Desenvolvimento Brasileiro” (Castro, 1971) em que discute as distintas histórias regionais e suas articulações, lançando argumentos que procuram negar a clássica idéia do isolamento entre os espaços regionais brasileiros e colocando a ênfase no momento cíclico de descenso exportador desses espaços, que segundo ele ensejariam impulsões para o estabelecimento dos nexos interregionais. As contribuições de Wilson Cano – a partir da defesa (1975) e publicação de sua tese de doutoramento “Raízes da Concentração Industrial em São Paulo” – são marcantes e decisivas para a estruturação do debate reginal brasileiro crítico. Ao contrário de algumas vertentes da literatura nesta temática, procura demonstrar que as desigualdades inter-regionais no Brasil foram originadas em processos regionais específicos anteriores ao processo de industrialização. Procurou, em ampla e aprofundada pesquisa histórica, apresentar a tese de que: “antes de 1930, a economia nacional não era integrada e cada uma de suas regiões havia tido uma história e uma trajetória econômica 16 específicas, que lhe deixaram uma herança cultural, demográfica e econômica – notadamente a da estrutura da propriedade e da renda – demarcadora de diferentes graus de pobreza absoluta e relativa e de diferentes estruturas produtivas” (Cano, 1981: 312). Neste sentido, Cano (1975), resgata a tradição de pensamento crítico furtadiana, em uma interpretação muito próxima do peso do passado, semelhante a importantes questões e aspectos que Furtado também tinha apontado em sua tese de doutoramento, defendida em 1948, sobre o nosso passado colonial e o ambiente construído herdado no Brasil. Peso18 de um passado de “reprodução simples” mercantil e unificadora de padrões fundiários perversos e excludentes, de amplas massas humanas, dos círculos de poder, propriedade e riqueza. Relações que se davam em um ambiente urbano restrito. Assim, em sua tese doutoral, Furtado defende que “o desenvolvimento da vida urbana se fará no Brasil à sombra do domínio patriarcal. Este tem primazia econômica, administrativa e religiosa. O núcleo urbano dele depende para tudo” (...) “O centro urbano, por si mesmo, nada representa. Sua população, constituída de pequenos artesãos, de comerciantes a retalho e de pequenos agricultores das proximidades, se anula diante do prestígio econômico e social do grande senhor dominial”. (...) “Entre os extremos da escala social flutua uma massa amorfa desligada da vida econômica da Nação” (Furtado, 1948: 166). Em síntese: grandes unidades produtoras (agrícola, mineradora e extrativista), rígida ordem escravocrata e senhorial, altíssima concentração de renda, riqueza e poder, orientação dos excedentes sociais para o exterior, ampla massa de deserdados, incipiente divisão social do trabalho, o “caudilhismo” local prevalecerá, embotando as possibilidades de constituição de uma sociedade menos autoritária, o que legará como herança formas atrasadas (que se perenizam) de convivência social19. A dimensão continental do Brasil, suas heterogeneidades estruturais e seu caráter dispersivo foram tratados por Furtado e outros autores. Becker e Egler (1993: 52) resumem assim este momento: “Na ‘marinha’ (litoral) estava a ‘civilização’, as plantations açucareiras, as cidades, os portos. No ‘sertão’, uma sociedade rude e um povoamento rarefeito e disperso, que dificultava qualquer controle, uma nebulosa de estabelecimentos isolados que se disseminavam por uma área de mais de dois milhões de km2”. Neste contexto, para analisar as experiências históricas de organização das atividades econômicas neste momento de dispersão do “arquipélago regional”, Cano (1975) propôs e desenvolveu o conceito de “complexos regionais”, como um “conjunto econômico integrado” que tem sua estrutura e dinâmica duplamente determinada: pela forma e natureza do engate de cada complexo econômico com o exterior; e pelo modo singular como o capital invade, conecta e atravessa as diferentes localidades e atividades produtivas regionalizadas. Neste sentido, Wilson Cano defende que a superioridade do complexo regional cafeeiro da economia paulista é a matriz das forças produtivas capitalistas mais modernas que se desenvolveram no Brasil. Suas mais avançadas relações sociais de produção e uma conjunção virtuosa de fatores alçará este complexo ao comando e à sobredeterminação de sua economia sobre as demais. Cano (1975) contrapõe esta forma superior e acabada de complexo regional com as outras experiências 18 “Pareceu-me ilusório imaginar que tínhamos condições de provocar uma mutação em nosso processo histórico (...) Temos de reconhecer que a matriz patrimonial e escravista que está na base da formação do Brasil continua presente na configuração do povo brasileiro (...) É preciso conhecer as forças internas e externas que condicionam o nosso evolver histórico…”. (Furtado, 1948: 6). 19 “Instituído o regime municipal como divisão política territorial, continuou a supremacia do domínio, que fará do município seu simples valet. Com efeito, o município brasileiro é uma divisão territorial mais ou menos arbitrária (...) Neste país, o domínio patriarcal perduraria como célula da sociedade. O município será uma expressão meramente exterior. Muitas vezes o senhor dominial achará conveniente fazer sentir a sua força na sede do município” (...) “A inexistência de interesses comuns que liguem os domínios semi-autônomos e a tendência ao mandonismo resultante da herança escravista dificultam qualquer entendimento ou colaboração entre os senhores patriarcais. Por outro lado, esse isolamento de grupos semi-autônomos fechará o caminho à formação de uma mentalidade política e de uma consciência de coletividade” Furtado (1948: 169). 17 regionais brasileiras: 1) Na Amazônia, a expansão da extração da borracha, baseada na economia do aviamento, gerou ponderável excedente, sobretudo entre 1890 e 1920, mas teve dificuldades de retê-lo e diferenciar sua economia. O capital comercial atravessador dos inúmeros produtores independentes pulverizou-se em aplicações que não se dirigiam para a sua metamorfose em capital produtivo; 2) No Nordeste, também com sua economia fundada em débeis relações capitalistas de produção, a concentradíssima estrutura de propriedade e de renda, a vulnerabilidade de sua inserção internacional etc acarretarão limites estruturais à sua diversificação; 3) No Extremo Sul, com sua estrutura fundiária bastante desconcentrada, e com estabelecimentos manufatureiros pequenos e médios, não conseguiria sustentar a contento sua histórica vocação de “celeiro” nacional, tendo crescentes dificuldades para diversificar sua “economia pulverizada”; 4) Na Guanabara, que se encontrava dominada e estrangulada por seu capital comercial e financeiro, que drenava o excedente da cafeicultura fluminense, capixaba e parte da mineira, mas não o direcionava para a acumulação reprodutiva; 5) Em Minas Gerais, além do café desenvolveu expressiva pecuária e uma ponderável agricultura de alimentos; 6) No Centro-Oeste estava pouco ocupado economicamente. Ficava patente que “os complexos regionais eram pouco integrados, tendo cada região sua ‘própria economia’ ” (Cano, 1981: 63). Enquanto em São Paulo, a profunda articulação de diversas frações do capital, garantiu a reprodução ampliada e o aprofundamento da divisão social do trabalho, baseada em economia urbana superior, pode forjar capacidade para uma expansão diversificada e concentradora, alargando recorrentemente seus horizontes de acumulação. O capital mercantil cafeeiro desdobrouse em múltiplas faces: café, ferrovias, bancos, comércio, indústria, infra-estrutura, etc. Esta reprodução exigirá um segmento urbano para sua ampliação e diversificação. O café plantará cidades. Novas funções urbanas serão impostas pela acumulação cafeeira. Todas estas faces serão sintetizadas no espaço urbano, cada vez mais diferenciado e dinâmico. Neste período anterior à integração do mercado nacional, havia uma grande precariedade de nexos mais permanentes entre as regiões. Lógicas oligárquicas locais/regionais, que não possuíam maiores interesses nacionais e tinham como um dos alicerces de seu poder o fechamento e o isolamento do “seu” espaço regional de acumulação circunscreviam e controlavam as regiões, bloqueando maiores articulações inter-regionais. Sobre esta questão, cabe lembrar que Francisco de Oliveira (1977a), na tradição furtadiana de pensar centros de decisão, elabora uma definição primorosa do que é uma região e de como ela é controlada e “fechada” pelo seu bloco de elite no poder: “O ‘fechamento’ de uma região pelas suas classes dominantes requer, exige e somente se dá, portanto, enquanto estas classes dominantes conseguem reproduzir a relação social de dominação, ou mais claramente as relações de produção. E nessa reprodução, obstaculizam e bloqueiam a penetração de formas diferenciadas de geração do valor e de novas relações de produção. A ‘abertura’ da região e a conseqüente ‘integração’ nacional, no longo caminho até a dissolução completa das regiões, ocorre quando a relação social não pode mais ser reproduzida, e por essa impossibilidade, percola a perda de hegemonia das classes dominantes locais e sua substituição por outras, de caráter nacional e internacional” (Oliveira, 1977a: 31-2). Ignácio Rangel (1968) já tinha apontado, de forma bastante perspicaz a natureza deste processo, ao afirmar que “a compartimentação do mercado nacional resultava de instituições que tentavam cristalizá-la e, conseqüentemente, a unificação do mesmo mercado teria que importar em mudanças institucionais que impedissem essa cristalização, pari passu com medidas econômicas com o mesmo endereço” (2000: 184). Em palestra no então BNDE, apresentou a correta perspectiva da reacomodação das estruturas produtivas regionais que o processo de integração coloca: “o problema da integração das economias regionais [processa-se...] no sentido de incorporá-las mais estreitamente a um esquema único de divisão nacional do trabalho”. 18 A partir dos impactos que foram sendo detectados com base na intervenção do Estado brasileiro sobre o Nordeste, antes e depois do regime militar, vários estudos começam a ser desenvolvidos sobre a questão regional nordestina. Destaque-se, por exemplo, Goodman e Albuquerque (1974) e Albuquerque e Cavalcanti (1976), dentre muitos outros. Em 1977, Francisco de Oliveira publicou “Elegia para uma re(li)gião”, procurando desenvolver uma “economia política” do planejamento regional para o Nordeste, em que analisa o processo de integração, citando Rangel (1968), e seus impactos no conflito político posto no Nordeste e intensificado na segunda metade dos anos 1950, a partir do qual foi deflagrado um padrão de intervenção planejada na região, cuja objetivo central, na concepção do autor, foi o de produzir uma forma transformada do conflito e sua ação pelo Estado, no seu relacionamento com a sociedade. Tânia Bacelar, em 1979, com sua tese de doutoramento, em Paris, na qual Celso Furtado participou da banca, analisa a “Divisão inter-regional do trabalho no país e o exemplo do Nordeste” e detecta ao lado da divisão inter-regional de trabalho em curso, o processo de integração produtiva que através da nova indústria estava ocorrendo a partir dos instrumentos da política econômica administrados pela SUDENE. Ao lado da influente tese de Raimundo Moreira (1976), “A política de industrialização do Nordeste”, que pesquisou o processo de integração regional e a expansão da indústria incentivada, estes e outros trabalhos aprofundaram a discussão sobre a questão regional nordestina. Wilson Cano, em sua tese de livre docência (1981), procura interpretar o sentido maior da formação e integração do mercado nacional. Apesenta uma periodização, que parte da consolidação da economia cafeeira (a partir de 1850) e vai até a “crise de 1929” - momento de constituição do mercado nacional. A partir da recuperação dessa crise, em 1933, discute como avança a articulação inter-regional em dois momentos distintos, com natureza e dinâmica diferenciadas do processo de integração do mercado nacional nos períodos: - de 1933 à 1955, a industrialização se encontrava restringida e a articulação inter-regional, a conquista e o alargamento dos mercados se deu via comércio de mercadorias (integração através de uma potente articulação mercantil entre as regiões, ou seja, “via dominação do mercado de mercadorias”); - de 1956/1962 em diante, sob as determinações da industrialização pesada, a integração do mercado nacional se processou “via acumulação de capital”, em um contexto em que “estabeleceram-se os determinantes da acumulação à escala nacional” e procedeu-se ao transplante do capital produtivo, entre as regiões, na direção da periferia (promovendo a integração produtiva), transformando totalmente o “padrão de dominação do mercado nacional” e imprimindo relações centro-periferia dentro do País. Naquele primeiro momento, a articulação comercial passa a comandar o processo de integração do mercado nacional, soldando os mercados regionais e engedrando complementaridades mercantis inter-regionais. Consolidado o processo de formação e integração do mercado nacional, as economias regionais periféricas foram impedidas de levar à frente qualquer projeto de replicar a trajetória da economia paulista. Restava integrar-se complementarmente à economia do pólo dinâmico da acumulação, submetendo-se e enquadrando-se à hierarquia comandada por aquele centro do processo de decisões atinentes ao processo de acumulação de capital que ditaria o ritmo e a natureza da incorporação de cada região no “ranking” nacional. Assim, após 1930 o avanço produtivo periférico passaria a ter natureza condicionada. Deveria buscar complementação, “passando a se submeter a um duplo condicionamento, do exterior e da economia paulista” (...) “impedindo um processo mais aberto de desenvolvimento”, de acordo com Cano (1981). As economias periféricas poderiam sofrer, durante o jogo da coerção da concorrência inter-capitalista nacional, efeitos de estímulo, inibição/bloqueio e destruição, sobre suas respectivas estruturas produtivas. Não obstante, é bom lembrar que ao longo do período 1930/70, se sobressariam os 19 efeitos de estímulo, do que decorreu que todas as economias das macrorregiões tiveram continuado processo de crescimento. Já no segundo momento, o período de 1956 à década de 1970, ocorre a integração industrial, durante o movimento da industrialização “pesada”. A integração do mercado nacional se processa via acumulação de capital. Desde a implementação do Plano de Metas da gestão de Juscelino Kubistschek (1956-60) promoveu-se uma verdadeira revolucionarização do aparelho produtivo (inclusive de seu suporte infra-estrutural). Assim, a partir do início da década de 60, sob a lógica da industrialização pesada, “estabeleceram-se os determinantes da acumulação de capital à escala nacional” e procedeu-se ao transplante do capital produtivo, entre as regiões, na direção da periferia (integração produtiva). Destacaram-se, neste processo, as políticas para o Nordeste e o Norte, subsidiando pesadamente os investimentos que se dirigiram para aquelas áreas. Neste período, a periferia nacional é, transformando totalmente o “padrão de dominação do mercado nacional, pois agora ele se processa via acumulação de capital. O pólo conduz a forma e o ritmo da acumulação” (Cano, 1981). Amplificam-se os fluxos de capital produtivo e as relações centro-periferia ganham nova forma e dinâmica. Esse novo momento deve ser visto como um processo de redefinição do modo de articulação entre as regiões brasileiras: “antes espaços distintos, integrantes de mesmo sistema comercial com sua individualidade, agora, partes de um único sistema de produção situados no interior de uma hierarquia”, como bem sintetizou Guimarães Neto (1989). No novo ambiente de relações à base do capital produtivo: “a indústria que neste período consolida seu padrão de indústria pesada, e o movimento cíclico da economia que em determinados momentos potencializa as condições objetivas que são capazes de redefinir as relações entre os diversos espaços nacionais” (...) [determinam que] (...) “tal acumulação tenda a ocorrer num ritmo que pouco tem a ver com os interesses imediatos e os limites estreitos do potencial de acumulação da região que se constitui o destino das transferências de capital produtivo” (Guimarães Neto, 1989: 11-18). As novas fronteiras abertas de valorização das diversas frações do capital eram amplas, mesmo para as regiões mais atrasadas. Constroi-se assim uma “convivência pacífica”, a soldagem de interesses de diversas frações mais modernas do capital com a persistência e até aprofundamento das relações de dominação de antigas formas do capital mercantil, aliança mantida graças à intocabilidade da questão da propriedade fundiária, rural e urbana. Wilson Cano (1981) “...a economia paulista, sendo o núcleo da acumulação do país, ao crescer imprimia também determinações (regionalmente diferenciadas, é claro) de crescimento aos seus complementos econômicos espaciais (as demais regiões). Assim, embora a dinâmica de acumulação fosse concentradora, em seus resultados concretos, articulava, entretanto, também o crescimento regional.” (Cano, 1981: 313). Francisco de Oliveira e Henri Reichstul (1973), em “mudanças na divisão inter-regional do trabalho no Brasil”, apontam que o processo de industrialização, a partir da região Sudeste, redefiniu a divisão social do trabalho, estreitando o raio de manobra e a autonomia das demais regiões. Em trabalho posterior Franscisco de Oliveira (1977b: 3) afirmaria que “é apenas quando surge uma forma de capital infinitamente superior às controladoras pelas burguesias regionais, no caso o capitalismo monopolista, que a integração ocorre; e essa integração é, em verdade, a consumação do processo de ‘nacionalização’ do capital”, isto é, logra invadir todos as porções do continental espaço nacional. Arremata sua análise com a célebre frase, que se tornaria a expressão síntese do processo de integração do mercado nacional brasileiro: “há a substituição de uma economia nacional formada por várias economias regionais por uma economia nacional localizada em diversas partes do território nacional”. 20 Também neste momento questões estruturais colocadas por Celso Furtado se manifestam, com destaque para a natureza extensiva (e predatória) do desenvolvimento capitalista brasileiro. A apropriação contínua de porções territoriais em (re)estruturação nas áreas das frentes de expansão permitia ganhos extraordinários, apesar dos baixos rendimentos físicos da terra em seu eterno deslocamento de fronteira. Furtado ressalta, por exemplo, a persistências da itinerância da agricultura pelo vasto território nacional20. A predação de terras também é ressaltada da agricultura itinerante reproduzia os padrões estruturais econômicos e políticos. “A dilatação da fronteira agrícola reproduzia o padrão de concentração da propriedade, da renda e do poder, a ‘oferta elástica’ de mão-de-obra, nesse caso excluída não só de propriedade, mas também de posse, mantendo a estrutura das relações sociais predominantes: patrimonialismo, submissão e marginalidade social” (Cano, 2002: 119). É uma história de marcha predatória de fuga para frente territorial. Vários autores na tradição de Furtado irão destacar os entraves estruturais que o legado histórico perverso (estrutura concentrada de propriedade e de renda, débeis relações capitalistas de produção, etc) colocava às suas diversas regiões, sobretudo às periféricas, impedindo a formação “mais natural” de espaços de produção manufatureira “regionalizados”. Isso porque “só se poderia imaginar desconcentração com uma efetiva distribuição de renda e de terra (…) [sem isso, no Brasil] o desenvolvimento destes mercados ficava restringido a algumas áreas e o restante do território nacional integrava-se, apenas parcialmente, aos circuitos mercantis que se formavam nas regiões mais atrasadas e mais pobres do país; praticamente obstaculizava-se a expansão industrial regionalizada” (Negri, 1994: 135). Ignácio Rangel ensinava, já em trabalhos da década de 1960, que a correta interpretação da questão dos desníveis regionais brasileiros deve ser realizada no âmbito da discussão do processo de integração das economias regionais inserido no contexto do desenvolvimento da economia nacional. “ao mesmo tempo que pugnava – com o apoio das massas progressistas do povo – pela consolidação das barreiras externas, delimitadoras do espaço econômico no qual se desenvolveria o capitalismo industrial brasileiro, a burguesia industrial pugnava pela supressão gradual das barreiras internas, que compartimentavam o mercado nacional de fatores e de produtos” [dirigindo suas forças política e econômica] “contra o complexo de interesses pré-capitalistas que tendia a dividir o mercado nacional numa constelação de mercados regionais...” (...). Assim, “a unificação do mercado interno, ao soldar, num único mercado nacional a constelação de mercados regionais e estaduais, ampliava a escala dos possíveis projetos substituidores de importações” (2000: 181-184). Furtado colocou nestes termos o dilema: “Num país de baixo nível de renda, a fragmentação regional do mercado interno constituía sério obstáculo à formação de um sistema industrial (...) Inexistia base econômica em que fundar a unidade política” (1999: 50). Não obstante, o processo de industrialização avançou – sem “homogeneização social” – arrastando e acicatando o conjunto das atividades econômicas terciárias, agropecuárias, de suporte infra-estrutural, etc. Transformações materiais abrangentes se processaram, porém nunca foram acompanhadas de habilitação ou maior acessibilidade, por parte da maioria da população, à propriedade, à terra rural ou urbana, à educação e saúde de qualidade, à moradia, aos serviços urbanos, à inserção formal no mercado de trabalho, à renda com permanência e segurança, ou seja, sem direitos à economia urbana moderna, etc. Contudo, avançou-se na construção de um espaço nacional, consolidando uma capacidade de dar coerência à valorização de uma ampla frente de capitais – bastante assimétricos, segundo os cortes setoriais, regionais, de porte, etc – mas agora integrados produtivamente, persistindo e até aumentando as desigualdades entre as regiões do país. O trabalho do PIMES (1984), “Desigualdades Regionais o Desenvolvimento Brasileiro”, em quatro volumes, se constitui em esforço de longo alcance procurando analisar as diversas facetas destes persistentes desequilíbrios regionais do país e as políticas públias implementadas para seu 20 Em capítulo neste livro, Wilson Cano destaca este aspecto das contribuições de Furtado. 21 enfrentamento. Investiga, sob diferentes prismas, tais desequilíbrios, adequadamente inseridos no contexto do movimento cíclico do ambiente macroeconômico e seus específicos impactos espaciais. Entre os variados aspectos aprofundadamente pesquisados, procura verificar como as estruturas econômicas regionais são transformadas a partir da integração com os centros hegemônicos, discutindo como a natureza destas articulações, se competitivas ou complementares, determinam, em parte, o dinamismo das mesmas. Para o período pós 1970 sugere ligeira tendência à desconcentração, quando a escala espacial de análise são as cinco macro-regiões, apontando, por outro lado, para o aumento das desigualdades intra-regionais. As pesquisas de Vilmar Faria (1991) demonstram que se consolidou no Brasil uma complexa sociedade urbano-industrial, que segundo, seria marcada pelas especificidades de ser “pobre, de consumo, heterogênea e desigual e erguida na periferia pobre do sistema capitalista, crescentemente desigual”. Preservou-se, recriou-se, e até amplificou-se os traços de atraso estrutural, exclusão social e de afirmação de estruturas de dominação arcaicas (de renda, da propriedade, de dominação política, de acesso ao Estado, etc.) (Cano, 1981). Mas, sobretudo, manteve-se sem resolução a dramática questão agrária. Vários fatores amortecedores do “caos social” foram criados e aperfeiçoados. Sobretudo conheceu-se uma enorme (talvez uma das maiores do mundo) mobilidade social e espacial. Dentre estes amortecedores cabe destaque às fronteiras agrícolas, que se constituíram em verdadeiras “válvulas de escape”. Todo este processo histórico de desenvolvimento econômico foi caracterizado, no período 1930/1970, por intenso processo de concentração econômica na região Sudeste, principalmente em São Paulo. O ano de 1970 apresentou o auge da concentração industrial. O Sudeste, naquele ano, respondia por 81% da produção industrial do país, sendo que São Paulo detinha 58% do total nacional. Outro dado ilustra a situação de região mais dinâmica do país concentradora não apenas da produção industrial mas também da agrícola e terciária: em 1970 o Sudeste contribuía com 2/3 do PIB brasileiro, sendo que São Paulo contribuía com 40% (Cano, 1981). Durante a década de 1970 esse quadro de grande concentração industrial começou a mudar, afirmando-se o processo de desconcentração econômica em direção ao interior de São Paulo e às demais regiões do país. Ocorreu a perda de importância da Região Metropolitana de São Paulo e a “interiorização da indústria paulista” foi bastante expressiva, ao mesmo tempo algumas subregiões da periferia nacional receberam investimentos. Assim, revela-se o processo de desconcentração industrial regional (1970/1985): na busca por novos horizontes de acumulação, a periferia é acionada e se torna mais complexa e urbanizada. Uma vasta literatura, desde o final da década de 1980 vem analisando em detalhes as diversas dimensões e dinâmicas que favoreceram esse processo de desenvolvimento interiorizado na economia paulista (Cano, 1988 e 1992) e a polêmica sobre os determinantes do processo de desconcentração produtiva (Azzoni, 1986); (Diniz, 1993); (Negri, 1994); (Cano, 1995); (Pacheco, 1996); (Guimarães Neto, 1995 e 1997), dentre outros. Carlos Azzoni (1986), em aprofundado trabalho, procurou contestar as teses do mainstream da economia regional sobre “reversão da polarização” da RMSP, discutindo o papel do “campo aglomerativo” (raio de 150Km a partir da cidade de São Paulo). Diniz (1993) apresentou a definição de um polígono, que segundo ele ampliaria o conceito anterior de campo aglomerativo, levando em consideração uma região mais ampla21. Negri (1994) questionou esse conceito por não contemplar as dinâmicas que estariam fora da área poligonal. Cano (1995) ponderou que a desconcentração 21 Que “tenderia a atingir as cidades do interior do próprio estado de São Paulo, o sul do triângulo de Minas Gerais e o norte do Paraná, podendo estender, no sentido sul para o estado de Santa Catarina e nordeste do Rio Grande do Sul e, no sentido norte, para a região central de Minas Gerais” (Diniz, 1993: 31). 22 apresentava também forte viés estatístico22. Pacheco (1996) apresentou a tese dos riscos de fragmentação da economia nacional, na medida em que “ilhas de dinamismo”, poderiam se inserir diretamente na economia globalizada, desfazendo os históricos os nexos de solidarização entre o núcleo e as periferias. Guimarães Neto (1995 e 1997) sintetizou o debate e apresentou as implicações sociais e no mercado de trabalho neste processo. Estes e outros autores contribuíram para a análise da dinâmica regional brasileira, ao apontarem como os principais determinantes do processo de descontração produtiva: o aumento das chamadas deseconomias de aglomeração da área metropolitana de São Paulo (preço dos aluguéis, das terras, dos salários relativos e também da pressão sindical etc), enquanto outras áreas do país, além do interior paulista, começaram a se tornar mais atrativas, induzidas e acicatadas por investimentos, incentivos e coordenação do papel estruturante do Estado; Destacaram ainda: a concorrência intercapitalista, a integração produtiva do mercado nacional, a expansão das fronteiras agrícola e mineral, a forma desconcentrada do sistema urbano brasileiro, as novas formas de organização empresariais, os efeitos da crise nas áreas mais industrializadas etc, dentre os fatores desconcentradores da atividade econômica por áreas seletivas do amplo território nacional. A ação estatal, sobretudo na periferia nacional, vinha reforçando, desde a implementação do bloco de investimentos do II PND, a infra-estrutura básica, promovendo investimentos diretos de suas estatais, antes de tudo, voltado para a expansão da indústria de insumos básicos e de bens de capital. A expansão do agribusiness, dos complexos agromercantis e agropecuários e agroindustriais, as diferentes formas de inserção das matrizes produtivas regionais nos específicos mercados internacionais, de acordo com suas “especializações” setoriais produtivas etc, determinaram que diversas porções periféricas lograssem dinamizar suas bases produtivas regionais, gerar inserção ocupacional para certas parcelas da população e diversificar algumas de suas cidades-pólo. Implantam-se equipamentos urbanos de porte e serviços sofisticados, com a expansão generalizada do terciário, introjetando novos estilos de vida, padrões de consumo, formas de morar, de se deslocar, etc que requereram a construção de um urbano moderno ao longo da rede urbana, que avança em extensividade e intensificação de porte e complexidade. Essa expansão beneficiou os ramos executores das obras públicas de porte, nas áreas de rodovias, saneamento (abastecimento de água), energia elétrica, etc representaram setores-chave da preferência do capital nacional pelas órbitas não-industriais, segundo Lessa e Dain (1982). Carlos Vainer (1990) tinha lançado a idéia, agora retomada em suas pesquisas, de que “não eram os planejadores regionais que planejavam a região, mas os planejadores e tomadores de decisão em cada um dos macro-setores de infra-estrutura: no setor elétrico, a Eletrobrás e suas coligadas (CHEFS, Eletronorte, Furnas, Eletrosul, Light), bem como algumas grandes empresas estaduais (Eletropaulo, Copel); no setor mínero-metalúrgico, a Companhia Vale do Rio Doce, as grandes companhias siderúrgicas estatais; no setor petroquímico, a Petrobrás” (Vainer, 2007: 83). O período autoritário e de tratamento tecnocrático da questão nacional, em geral, e das questões urbanas e regionais, em particular, contribuiu para soldar os interesses mercantis mais arcaicos em torno da expansão urbano-regional. Tal esquema expansivo urbano representará papel decisivo no “pacto de compromisso” das oligarquias regionais. Os espaços regionais e a cidade brasileira vão se enredando na malha desses interesses patrimonialistas e especulativos. No território se arma uma equação político-econômica eficaz entre os proprietários fundiários, o capital de incorporação, o capital de construção e o capital financeiro, que passam a desfrutar de condições 22 pois “a crise dos anos 80 parece ter afetado mais a economia de São Paulo, aumentando a desconcentração muito mais pelas quedas mais altas da produção paulista do que por ‘maiores altas’ na produção periférica, constituindo, talvez, uma desconcentração mais de caráter ‘estatístico’ ” (Cano, 1995). 23 vantajosas e a auferir ganhos extraordinários. Estas questões foram estudadas por Ermínia Maricato (2001), que afirma que o Brasil é marcado pelo gigantesco movimento de construção de cidades, mas, ao mesmo tempo, o processo de urbanização se apresenta como uma máquina de produzir favelas e depredar o meio ambiente. A rápida produção desse ambiente socialmente construído possibilitou a auferição de ganhos pecuniários e trocas políticas, sobretudo pelo papel central que a cidade ilegal desempenha nesse processo. A partir da crise da dívida dos periféricos, com a ruptura do circuito de financiamento externo, tivemos variados constrangimentos naquela trajetória histórica de “fuga para frente”. Uma conjugação de fatores determinou o esgotamento do padrão de crescimento e o desmonte dos mecanismos articuladores do processo de desenvolvimento. O Estado foi imobilizado em sua ação sistêmica, reguladora e estruturante. Este perde poder de coordenação, de orientar e promover frentes de expansão periféricas ou mesmo “dentro do núcleo central”. As relações dinâmicas entre as decisões públicas e privadas, que era amparado por ampla capacidade de coordenação, se perderam. Com esta perda de capacidade coordenadora do Estado brasileiro, grande parte do acionamento da periferia se deu seguindo os caminhos de menor resistência, convergindo para o processamento e/ou industrialização de commodities minerais, mínero-metarlúrgicas, siderúrgicas, agrícolas e agroindustriais. Sua competitividade esteve ancorada em economias de escala e em energia, mão-de-obra e recursos naturais baratos, ou seja, em vantagens competitivas espúrias, altamente favorecidas e amparadas por incentivos fiscais e apoiadas em políticas de atração de investimentos a qualquer custo, muitas vezes com débeis requisitos de integração intersetorial. Nos anos 1990 afirma-se a opção neoliberal no país, conhecido “Consenso de Washington”, avança-se na desregulamentação dos mercados, privatizando os serviços de utilidade pública, o setor produtivo estatal e os sistemas nacionais de infraestrutura. Sem direção e coordenação, “entregando aos mercados” as principais decisões estratégicas, o país viverá experiência de crescente falta de sustentação de sua trajetória de crescimento. Velhos impasses e recorrências históricas se repõem, com a marcante desarticulação econômica, social e política, desvelando os impasses estruturais da construção da nação brasileira. Furtado (1999) assim sintetizou este estado de coisas: “Em nenhum momento da nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”. A atração de inversões do capital estrangeiro se dará nos setores do patrimônio público privatizado e em processos de fusões e aquisições, sancionando a regressão produtiva, acentuando ainda mais nosso padrão rentista-patrimonialista, e confirmando os temores de Celso Furtado, desde décadas anteriores, de entrega dos principais centros de decisão às forças da transnacionalização. Em “Brasil: a construção interrompida”, Furtado (1992: 35) alerta para o fato de que : “em um país ainda em formação, como é o Brasil, a predominância da lógica das empresas transnacionais na ordenação das atividades econômicas conduzirá quase necessariamente a tensões inter-regionais, à exacerbação de rivalidades corporativas e à formação de bolsões de miséria, tudo apontando para a inviabilização do país como projeto nacional”. Vai-se perdendo ainda mais o comando sobre as possibilidades de rumos estratégicos que o país poderia trilhar. Os investimentos realizados têm baixa qualidade, com baixa capacidade de geração de encadeamentos, empregos e divisas, aprofundado ainda as marcas de estruturas produtivas heterogêneas e pouco diversificadas. Neste contexto, os estudos regionais críticos mais recentes passaram a averiguar a sensibilidade diferencial das regiões à crise, à política macroeconômica, à deterioração da infraestrutura econômica, à abertura comercial, aos novos determinantes empresariais e microeconômicos (sobretudo à “reestruturação produtiva” e organizacional) etc. Procuraram avaliar, em pesquisas minuciosas regionalizadas, como esses processos impactaram as distintas 24 porções do território nacional e o que representaram em termos de desmontagem e penalização seletiva, regional e setorialmente. Wilson Cano (2008) procura atualizar o debate sobre concentração e desconcentração regional, apontando os principais desafios da “questão regional brasileira”. Inserindo esta problemática no contexto nacional e macroeconômico, demonstra como as últimas quase três décadas de pífio crescimento, desemprego, valorização cambial e neoliberalismo, debilitaram fiscal e financeiramente o Estado, nos três níveis de governo, esvaziando suas instituições de planejamento e suas estruturas e instrumentos de desenvolvimento regional. Neste sentido periodiza a dimensão regional do processo de desconcentração produtiva no Brasil, sugerindo um primeiro momento de desconcentração virtuosa entre 1970/1980, advertindo que ao longo da década de 1980 a desconcentração industrial prosseguiu, porém em ritmo mais vagaroso, pois havia uma “tendência” desconcentradora entre 1970 e 1985, porém ela já não era tão clara ao se interpretar os dados do período 1985-1989. A partir daí, teríamos ingressado na era neoliberal (1989-2005), em que se consolida um momento de desconcentração espúria. Esclarece que este processo de desconcentração industrial, apenas analisado pelo prisma da simples redução da participação de São Paulo no total nacional, pode ter uma interpretação equivocada, pois pode esconder vários efeitos espúrios, sejam os estatísticos ou outros, como por exemplo a atração artificial por meio das disputas da guerra fiscal, com efeitos deletérios para o conjunto do país, não se constituindo em vantagem para nenhuma de suas partes23. Wilson Cano esclarece que a derrubada do investimento público e as disputas, em diversos rounds da Guerra Fiscal, debilitaram as articulações da periferia com a indústria paulista. Também aponta o risco de fragmentação e assume a tese da desindustrialização, afirmando que se não se estrutura um novo projeto de desenvolvimento nacional será impossível a formulação e execução de uma eficaz política de desenvolvimento regional. O tema do federalismo é uma constância nos debates críticos e em Celso Furtado. Segundo Furtado a história brasileira foi marcada pela “pulsação centralismo-federalismo” decorrente de dois marcos culturais do país: “a consciência de unidade nacional e o irredutível da identidade regional” (Furtado, 1999: 47). O Brasil vive o esgarçamento de seu pacto federativo e o enfraquecimento dos centros de decisão interna presentes no território nacional. A Guerra Fiscal vem sancionar a perda de poder de decisão do ente público, ao comprometer recursos governamentais escassos e transferir decisões estratégicas de localização produtiva para o espaço privado. O planejamento estadual se subordina aos interesses e decisões das grandes empresas. O aparato de coordenação da ação pública foi desmantelado em todos os níveis de governo. O recente trabalho de Aristides Monteiro Neto (2005: 4) sintetiza um conjunto importante de determinações da situação vivida pelo país nas últimas décadas: “As novas formas de coordenação do Estado erigidas nos anos 1990 (abertura comercial e financeira, privatizações etc) e as escolhas de política econômica (câmbio valorizado, juros elevados) agudizaram a crise fiscal e financeira do setor público ao invés de resolvê-la. No que respeita à questão regional, o ambiente decorrente das reformas institucionais cristalizadas tornou propício o acirramento da guerra fiscal entre unidades da federação; tornou, também, em certo sentido, obsoletos os principais instrumentos de desenvolvimento regional, e reduziu a capacidade de implementação de políticas setoriais importantes para o crescimento econômico nas regiões”. Conclui que “os elementos que 23 “A desconcentração no sentido São Paulo-restante do país, se mantida a política neoliberal, continuará tendo um alto componente espúrio, e padecerá, crescentemente, dos efeitos perversos que a desestruturação industrial está causando. Tais efeitos não só têm prejudicado ainda mais a economia paulista, como também, obviamente, afetam o parque industrial periférico, que é muito menos articulado que o de São Paulo” Cano (2008: 196). 25 caracterizaram um vetor articulado de coordenação estatal voltado para o desenvolvimento nacional – aí também se inscrevendo sua vertente regional – entre os anos 1960 e 1980, os quais amarravam concatenadamente a geração de fundos públicos a políticas de gastos visando a transformação e modernização das estruturas produtivas, não se encontram mais presentes no novo ciclo de reorganização da intervenção governamental dos anos 1990”. As tendências pontuais de concentração e reconcentração confirmaram uma divisão interregional do trabalho marcada por grandes desigualdades e heterogeneidades inter e intra-regionais e por alguns poucos focos localizados de maior dinamismo econômico relativo no interior de cada uma das cinco macrorregiões brasileiras. Após a “retirada da ação estatal sistêmica” esses processos ocorreram de maneira bastante desordenada e seletiva. Os impactos derivados das mudanças no cenário macroeconômico não foram capazes de determinar uma trajetória vigorosa de crescimento da economia brasileira, muito menos de combater os agudos desequilíbrios entre as suas regiões. As mudanças que ocorreram não alteraram radicalmente a configuração do padrão regional brasileiro anterior. Também a experiência recente de retomada do debate e a formulação de uma política nacional de desenvolvimento regional não logrou reunir forças políticas para sua efetiva implementação. Considerações Finais A obra magna de Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, a partir de sua publicação em 1959, viria a se constituir em matriz e em abordagem definitiva sobre a questão regional do país. Ou melhor, em fundamento último e agenda abrangente de qualquer análise séria que procure desvendar a natureza, a estrutura e a dinâmica de alguma de suas regiões específicas ou da articulação entre elas, e pensar o desenvolvimento nacional como um todo, devidamente inserido no contexto mundial. Todas as principais questões estruturais sobre o Brasil estão aí: sua dimensão continental; suas marcantes heterogeneidades internas; seu caráter de país subdesenvolvido (a precariedade dos centros internos autônomos de decisão com soberania) e nação em construção; sua natureza dependente do exterior; a difícil composição de uma unidade territorial, costurada lentamente sobre uma grande diversidade social, geográfica, cultural etc; a distinção da trajetória histórica de nossa formação econômica em relação a casos como o norte-americano; a análise aprofundada da gênese, constituição e consolidação das grandes diferenças regionais no desenvolvimento brasileiro, desde o período colonial; as marcadas assincronias do tempo histórico diferenciado da formação, movimento cíclico e transformações dessas economias regionais; as raízes de seus processos específicos de industrialização; a formação e articulação do mercado interno e do mercado de trabalho; as relações entre essas várias economias regionais, que instituirão posteriormente uma economia nacional integrada; a falta de “homogeneidade social”; os percalços da modernização cultural e do comportamento mimético de suas elites; os riscos latentes ou concretos de fragmentação, em razão da crise permanente do pacto federativo; a necessidade de presença decisiva, muita vezes não entendida, do Estado e do Planejamento para estruturar estratégias de desenvolvimento. Como corretamente afirmou Francisco de Oliveira, Celso Furtado é o pensamento militante vivo e permanente. Assim, “sua obra deve ser obrigatoriamente ponto de partida, não de chegada” (Oliveira, 2007). Neste sentido, buscamos nesse capítulo sistematizar algumas das principais contribuições de Furtado nesta sua obra seminal de 1959 e nos capítulos de seus livros posteriores que analisaram a questão regional. Em seguida foram pontuadas algumas contribuições de certos autores considerados herdeiros, em alguma medida, da tradição furtadiana. Certamente esta foi uma 26 amostra muito restrita e seletiva frente à riqueza das contribuições que investigaram a problemática regional brasileira. A produção científica voltada ao conhecimento da dimensão regional do processo de desenvolvimento brasileiro foi enorme neste meio século. Paralelamente a esse maior conhecimento que a sociedade tem da questão regional, ocorreu, nas três últimas décadas, um processo de deterioração do planejamento nacional, em particular do regional, no âmbito do Governo Federal, com o desmonte de um conjunto de instituições que tiveram, e poderiam ter, papel relevante no encaminhamento de soluções para nossos dramáticos problemas sociais e regionais. Entregue a décadas de conjunturalismo, o Brasil concretamente em seu dia-a-dia foi se afastando dos ensinamentos de Furtado no sentido de buscar conceber e concretizar um projeto nacional de desenvolvimento capaz de contemplar adequadamente os espaços diferenciados da rica heterogeneidade da economia e da sociedade brasileiras, criando instrumentos que permitissem acionar e mobilizar tal diversidade social, cultural e geográfica em favor de um desenvolvimento includente e soberano. Furtado denunciou, já no século XXI, que “entregaram uma nação em construção travada ao mercado”. Ele vinha sugerindo, durante cinco décadas, em sua vasta obra, estratégias concretas para que o Brasil: pudesse colocar em ação as potencialidades latentes de seu sistema de forças produtivas, constituindo um vigoroso “sistema econômico nacional”; desatasse as energias contidas da criatividade e valorizasse a riqueza cultural de nossa civilização nacional, dotada de alta diversidade, “abrindo espaço à realização das potencialidades de nossa cultura”; lograsse garantir “que o desenvolvimento material se difunda por todo o território nacional”; constituísse estruturas sociais habilitadas a gerar “forças preventivas e corretivas nos processos de excessiva concentração de poder”. Assim, ele nos deixa uma mensagem eterna e consistente de necessidade contínua de construção de cidadania, com radicalidade democrática, redistribuição de renda, riqueza, poder e acesso ao Estado. Esse grande mestre e cientista social também dedicou sua vida a divulgar sua aposta de que o Brasil poderá um dia, tendo por base a potência criativa e a inventividade de seu povo, enriquecer seu universo de valores e ampliar seus horizontes de possibilidades e sua capacidade de ação, superando a passividade e o imobilismo. Referências Bibliográficas AFFONSO, Rui B. A. e SILVA, Pedro L. B. (orgs.) (1995). Desigualdades regionais e desenvolvimento. São Paulo, Fundap. ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti e CAVALCANTI, Clóvis de Vasconcelos (1976). Desenvolvimento regional no Brasil. Brasília, IPEA/IPLAN. ARAÚJO, Tânia Bacelar (1979). La division interregionale du travail au Brésil et l’exemple du Nord-Est. Paris, Université de Paris. (tese de doutoramento). ARAÚJO, Tânia Bacelar (2000). Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro, Revan. AZZONI, Carlos R. (1986). Indústria e reversão da polarização no Brasil. 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