arranha-céu - Constructalia

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ARRANHA-CÉU
DOS CASTELOS AOS EDIFÍCIOS ALTOS, AS TORRES TRANSFORMARAM-SE EM ESTRUTURA E USO, MAS NA SUA
VERTICALIDADE MANTÊM A MATERIALIZAÇÃO DE ASPIRAÇÕES SECULARES DO HOMEM, COMO O DESAFIO À
GRAVIDADE, O DESEJO DE TOCAR O CÉU E A CELEBRAÇÃO DA VIRILIDADE E DO PODER
POR ENEIDA DE ALMEIDA,
YOPANAN C. P. REBELLO E MARTA BOGÉA
A figura do King Kong no topo do Empire
State Building (1931), em Nova York, trazendo
em suas imensas mãos a mocinha como
refém, configura-se como a imagem a um só
tempo de refúgio e domínio sobre a cidade. O
filme de 1933 utiliza a recém-construída torre
de 381 m de altura projetada por Richmond
Shreve, William Lamb e Arthur Harmon, com
projeto estrutural de H. G. Balcom. Na refil-
Reprodução de The Graphic work of M. C. Escher, editado por Meredith Press e Ballantine Books
Babel talvez seja a primeira referência ao
falarmos de torres e ascensão. Um fascínio
que extrapola o universo específico das construções e exprime a ousadia humana em
atingir o céu. Um desejo evidenciado no
mundo moderno na denominação dos primeiros edifícios altos, os chamados “arranhacéus”, que asseguram, na torre mais alta, o
domínio do homem.
A Torre de Babel é o primeiro símbolo registrado da ambição do ser humano em alcançar o céu e chegar ao topo do mundo. Desejo que na
sociedade atual se reflete na criação dos arranha-céus, que brincam com a gravidade, com a estabilidade e com a engenhosidade estrutural para se
transformarem em ícones de uma época. À esquerda, a Torre de Babel interpretada por Maurits Escher (1928) e, à direita, por Pieter Bruegel (1563)
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Reprodução de Vienna Kunsthistorisches Museum, de Gabriela Greco
A
ambição de alcançar o céu, o
desejo de tocar o transcendental. Desde a primitiva Torre de
Babel, ou até antes dela, essa
urgência em atingir a distante
abóbada celeste, ultrapassar as nuvens e olhar
as estrelas será perseguida das mais diversas
formas pelo homem, do início dos tempos até
os dias atuais.
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tural. Manter um corpo vertical estável,
sobretudo os muito altos, corresponde a uma
engenhosa solução. A estabilidade nessa tipologia depende sobretudo de um desenho que
permita rigidez do conjunto por contraventamentos que se estabelecem por meio de volume final, ou da resolução das plantas. A
seguir nos detemos sobre quatro soluções em
Cartaz da refilmagem (1976).
Em: www.amazon.com
Cena do filme original (1933). Reprodução de
Visions in Black & White, www.meredy.com
magem de King Kong, em 1976, o “topo do
mundo” são as torres gêmeas do WTC, símbolo de poder destituído pelo atentado de 11 de
setembro, imagem que remete à derrocada das
torres defensivas, gesto sempre repugnante,
mas recorrente na história da humanidade.
A estabilidade das torres, entretanto, é um
desafio não só simbólico, mas também estru-
Reprodução de 100 of the world's tallest buildings, de Ivan Zaknix e Matt Smith
King Kong: do alto
do Empire State em
1933 e do WTC em
1976, o topo do
mundo representa,
ao mesmo tempo,
local de refúgio
e domínio
Arquivo
No Bank of China, em
Hong Kong, I. M. Pei
usou o aço para compor
uma grande treliça
espacial que absorve as
forças dos tufões
presentes na região. À
direita, a torre da TV
Cultura, em São Paulo,
cujo efeito diamantado
usa solução estrutural
semelhante à do Bank of
China, ainda que em
escala distinta
Bank of China, em Hong Kong
Torre da TV Cultura, em São Paulo
que o contraventamento nos parece interessante e pertinente.
O Bank of China (1989), em Hong Kong, de
I. M. Pei, tem estrutura de concreto e aço e
altura de 368,5 m. O aço foi usado na composição de uma grande treliça espacial de forma
irregular que, além de transmitir as cargas verticais à fundação, apresenta principalmente a
função de absorver as forças provocadas pelos
grandes tufões da região. Nesse caso, o contraventamento ocorre no volume do edifício, mas
por conta da geometria de planos variáveis da
treliça – ou seja, de uma estrutura constituída
no corpo da arquitetura.
O interessante efeito diamantado da torre
para antena de transmissão da TV Cultura, em
São Paulo, projetada em 1991 pelo arquiteto
Osvaldo Jorge Caron e calculada pelo engenheiro Hugo Tedeschi, tem solução semelhante à utilizada no Bank of China, embora em
uma outra escala.
Outro elemento de contraventamento bastante usual são os pórticos, que se caracterizam por apresentar ligações rígidas entre vigas
e pilares. Um pórtico clássico é o do edifício
Lake Shore Drive Apartaments (1948/1951),
de 82 m de altura, obra de Mies van der Rohe
em Chicago, Estados Unidos.
Em alguns casos, o contraventamento fica a
cargo de elementos internos ao edifício pela
constituição dos núcleos de rigidez – em outras palavras, uma associação de paredes com
função de contraventamento. Nos projetos de
planta livre de Mies Van der Rohe podemos
observar a adoção desses núcleos sempre dispostos nos eixos do edifício e de forma simétrica em relação ao conjunto. O emprego de
um núcleo de rigidez assimétrico geraria torção no edifício, o que acarretaria aumento dos
esforços na estrutura.
O edifício Place Victoria (1962/1966), em
Montreal, no Canadá, projeto de Pier Luigi
Nervi, tem duas paredes centrais cruzadas
em ângulo reto, correndo diagonalmente
entre quatro colunas de concreto armado e
conectadas por vigas treliçadas. Dois pisos
mecânicos quebram visualmente a torre de
186 m em três a partir da base. Nesse projeto, Nervi cria um núcleo central de rigidez
formado por lâminas de concreto armado
cruzadas. O edifício também apresenta pilares na sua periferia, que são travados por
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Reprodução de Mies van der Rohe at work, de Peter Carter
Reprodução de Process Architecture no 23, de Pier Luigi Nervi
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Acima, o Lake Shore Drive Apartments, de Mies van der Rohe,
contraventado pela constituição de pórticos. Pier Luigi Nervi, no Place
Victoria (à direita), usa duas paredes centrais cruzadas em ângulo reto e
pilares na periferia, travados por vigas que os ligam ao núcleo, para
garantir rigidez em várias direções
Reproduzido de The Master Architect Series II: Norman Foster, selected
and current works of Foster and Partners, de Stephen Dobney
Núcleo de rigidez assimétrico gerando torção
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Reproduzido de Jean Nouvel, de Oliver Boissière
Reproduzido de The Master Architect Series II: Norman Foster, selected
and current works of Foster and Partners, de Stephen Dobney
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Crescer até se perder nas nuvens. É essa a idéia da Torre Millenium (à esquerda), de Norman Foster, e da Torre sem Fim, de Jean Nouvel. Na primeira,
o contraventamento é feito tanto pela malha treliçada externa que dá maior rigidez à construção, quanto por três lâminas de concreto armado que
formam uma cruz no corpo central da estrutura. Já na proposta de Nouvel, o edifício começa opaco, de concreto armado, e termina com a transparência
do vidro. Barras verticais e horizontais formam um tipo de tubo vazado com a função de contraventar o edifício
muito altos. Na Torre Sem Fim, o pseudotubo passa por várias alterações e, da parede de
concreto armado, maciça e propositadamente marcante, torna-se, no topo, uma parede
de vidro, sustentada por um conjunto de barras treliçadas.
A engenhosa solução estrutural faz com
que essa torre desapareça “entre as nuvens”
como a fantástica e orgânica torre de João no
clássico infantil João e o Pé de Feijão, cuja
metáfora conecta o mundo terreno e cotidiano de João ao mágico universo além das
nuvens do Gigante.
Reproduzido de João e o Pé de Feijão. Coleção Festival de Contos, da Editora Brasileira
vigas que os ligam ao núcleo formado pelas
lâminas. Como se sabe, a lâmina tem grande
rigidez em uma direção, e bem menor na
outra. Com o cruzamento consegue-se rigidez em várias direções, o que é desejável,
visto que o vento pode solicitar o edifício em
direções que não coincidam com as de maior
rigidez das lâminas.
A torre Millenium, de Norman Foster, está
nas disputas para ser a mais alta. Nos seus 840
m de altura, com base de aproximadamente
100 m de diâmetro, configura uma unidade de
vizinhança em um único edifício – uma espécie de cidadela vertical. O contraventamento
utilizado aqui é composto por elementos
externos e internos à obra: o corpo central é
formado por três lâminas de concreto armado
na forma de cruz. Externamente, uma grande
malha treliçada envolve a construção e propicia-lhe maior rigidez.
Dentre os projetos de edifícios muito altos,
um se destaca por retomar aquilo que parece
ser o genuíno encanto das torres: a incomensurabilidade que a faz desaparecer em meio às
nuvens. Um legítimo arranha-céu. A Torre
Sem Fim, de Jean Nouvel, distingue-se na sua
materialidade por nos devolver essa poética
próxima de um facho de luz que desvanece em
direção ao infinito.
Com 400 m de altura, a torre de Nouvel
Eneida de Almeida é arquiteta, doutoranda
pela FAUUSP, mestre pela Universidade La
Sapienza de Roma na área de restauro e professora do curso de graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Universidade São
Judas Tadeu.
Ilustração do conto infantil João e o Pé de Feijão
começa em uma base opaca e cresce para um
topo transparente. A solução adotada para
contraventamento é um sistema formado por
pseudotubo, composto por barras verticais
(pilares) e horizontais (vigas) dispostas de tal
maneira que o conjunto forma uma espécie
de tubo vazado. Essa é uma das mais econômicas soluções estruturais para edifícios
Yopanan C. P. Rebello é engenheiro civil,
doutor pela FAUUSP e professor nos cursos de
graduação e pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu,
além de diretor pedagógico da YCON
Formação Continuada.
Marta Bogéa é arquiteta, doutoranda pela
FAUUSP e professora nos cursos de graduação
e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade São Judas Tadeu.
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