Porque precisamos ensinar lógica e como devemos ensiná-la? Mária Bakó∗ Tradução parcial do texto: BAKÓ, Mária. Why we need to teach logic and how can we teach it? Disponível em: <http://www.cimt.plymouth.ac.uk/journal/bakom.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2009. Tradutora: Cibele Alves da Silva Reis (Turma S71-2009.1, Engenharia da Computação, DAINF-UTFPR) Revisão da tradução: Adolfo Gustavo Serra Seca Neto (DAINF-UTFPR) Data: 30 de junho de 2009 1. Introdução Em nossa opinião, ao ensinar matemática, pensar em algoritmos tem uma desvantagem em relação a pensar logicamente. Estudantes aprendem uma vasta quantidade de fórmulas e quando aplicar cada uma delas. Então se um estudante encontra problemas similares, ele pode facilmente resolvê-los, porém terá uma maior dificuldade para resolver problemas a ele desconhecidos, mesmo que possua todo o conhecimento necessário para resolvê-lo. Os problemas de geometria têm uma característica em comum: não podem ser resolvidos sempre da mesma maneira. Em casos como este, colocar os dados em fórmulas prontas não é o suficiente, é necessário combiná-los e aplicar alguns teoremas conhecidos. Isso é problemático para os alunos, portanto, eles podem ter resultados ruins em geometria mesmo que sejam bons em outras partes da matemática. Como sabemos, desde Euclides, a geometria é um sistema lógico: axiomas, teoremas e provas. Então, a resolução da geometria sem um prévio conhecimento lógico é um “acaso”. Ensinar lógica geralmente significa ensinar os conectivos, as tabelas da verdade e os diagramas de Venn. Logo ensinamos algoritmos e fórmulas novamente. Esses algoritmos não têm aplicação prática nos ensinamentos de matemática, portanto as escolas não ensinam todo o conteúdo de lógica. Precisamos ensinar lógica de uma maneira diferente, desenvolver nos alunos o pensamento lógico já existente e melhorálo pela prática de exercícios. Este artigo está organizado da seguinte maneira: primeiro mostramos exercícios que incluem lógica na matemática do ensino médio (seção 2). Após isso, nós fazemos um levantamento sobre os problemas que a negligência de ensinar lógica causa (seção 3). Então colocamos em tópicos o que nós achamos que é preciso ensinar (seção 4). E finalmente mostramos como melhorar a educação com jogos de computador (seção 5) e charadas (seção 6). (...) 5. Jogos de computador De acordo com Baron, é sempre problemático fazer com que os alunos se motivem, especialmente no caso da matemática. Por isso, é proveitoso fazer com que o ensino de matemática seja mais motivador pela escolha de bons jogos. Os resultados de pesquisas em diferentes países mostram que a utilização dos jogos nas lições de casa não são perda de tempo: com o ensino de xadrez os estudantes mostram maior desempenho em várias matérias. Durante essa e a próxima seção mostraremos quais jogos podem ser úteis no desenvolvimento do raciocínio lógico. O poder de compreensão dos estudantes e a velocidade de seus pensamentos variam muito, logo eles necessitam trabalhar sozinhos também. Em relação a isso, os computadores são ferramentas muito úteis. Nós recomendamos os jogos listados abaixo para alunos do ensino fundamental, e de acordo com nossas experiências, todos gostam de jogá-los. Nonogram: É preciso colorir algumas partes de um quadriculado para formar uma imagem. Os números de acordo com as linhas e colunas denotam partes contínuas dela. Sherlock: Este jogo é baseado na charada conhecida como o enigma de Einstein, ou a charada da Zebra. No enigma original havia cinco casas de cores diferentes, donos de nacionalidades distintas, animais de estimação diferentes, que bebiam bebidas diferentes e fumavam cigarros de marcas distintas. Há mais de uma dúzia de condições sobre as cores, nacionalidades, etc. e é preciso descobrir de quem é a Zebra. Sokoban: As caixas devem ser empurradas para os locais marcados. O problema é que os objetos só podem ser empurrados, e não puxados. A fase acaba quando todas as caixas estão em locais marcados. Campo minado (Minesweeper): As minas devem ser marcadas. Em alguns lugares você pode achar o número de minas vizinhas. O jogo acaba quando todas e somente as minas forem marcadas. Jogos de paciência: Se no começo a posição de todas as cartas é conhecida, então o jogo é baseado em lógica, e não sorte. Crianças gostam desse tipo de jogo e simultaneamente elas desenvolvem sua habilidade e pensamento lógico, pois é preciso fazer longas reflexões antes de cada passo. Quando nós mostramos esses jogos pela primeira vez, é comum mostrar alguns passos ou ainda explicá-los a elas. Após isso nós podemos deixá-las jogar (primeiro em nossa companhia) e perguntar o porquê de cada passo tomado. Estudantes necessitam colocar sua linha de raciocínio em palavras, e então entender as razões dos outros e achar eventuais erros. A resolução de problemas simples não só melhora a capacidade lógica, mas também a de debater. Certamente os alunos são diferentes, alguns deles podem resolver problemas rápida e facilmente, já outros levam um tempo maior. Na resolução de problemas simples, eles nem sempre obterão êxito, então, após certo tempo eles precisarão começar a trabalhar sozinhos. Os exemplos citados são excelentes para casa, mas durante as aulas o computador é melhor porque aponta imediatamente os erros. Se os avisos não forem suficientes, o professor pode ajudar. As características marcantes dos jogos de lógica são que para que estes sejam resolvidos, é necessário muito raciocínio, e todos os jogadores podem ter sucesso. 6. Charadas Charadas certamente são mais antigas que jogos de computador. Um jogo de palavras cruzadas, no qual palavras são dadas, mas suas posições são desconhecidas, é popular na Hungria. Cada edição do jornal Füles tem uma charada, e algumas vezes mais de uma. A revista matemática Abacus da Hungria freqüentemente tem enigmas em que algumas pessoas sempre falam a verdade e outras sempre mentem. Esse tipo de problema é bem conhecido, muitos livros de exercício contêm tais enigmas. O mais famoso desse gênero pertence à Smullyan. Ele escreveu inúmeros livros no mesmo estilo, mas os problemas dos outros livros são geralmente variantes do primeiro. Os primeiros exercícios do livro tratam de truques de macacos, mas ao decorrer das charadas, o leitor consegue entender o famoso teorema de Gödel, o qual é o matemático mais importante do século vinte. 6.1 Charadas simples Os primeiros problemas desse livro podem ser resolvidos por uma criança pequena: Um homem estava olhando para um retrato. Alguém perguntou a ele, “De quem é a foto que você está olhando?”, então ele respondeu: “irmãos e irmãs eu não tenho, mas o pai desse homem é filho de meu pai”. (“O pai desse homem” significa, certamente, o pai do homem no retrato.) De quem é o retrato que o homem estava olhando? [Smu78, Puzzle 4] A charada não é difícil, mas um número significativo de pessoas chega à resposta errada de que o homem está olhando seu próprio retrato. Assim como nos jogos de computador, é interessante discutir a resolução desse tipo de exercício. Com o enigma a seguir nós podemos começar um longo debate: Por bala irresistível de canhão, devemos entender uma bala de canhão que bate e passa por tudo que estiver em seu caminho. Por placa imóvel, devemos entender uma placa que não pode ser derrubada ou movida. Então o que acontece se uma bala irresistível de canhão bate em uma placa imóvel? [Smu78, Puzzle 6] O fato mais surpreendente é solução que diz que a existência de uma bala irresistível de canhão exclui a existência de uma placa imóvel e vice-versa. Com esse exemplo podemos introduzir o conceito de contradição, até mesmo mostramos o significado de um paradoxo. 6.2 Enigmas de trapaceiros e cavaleiros O livro de Smullyan tem vários enigmas de cavaleiros e trapaceiros, desde os simples até os mais complexos. Quase todos podem resolver esse aqui: Existe uma enorme variedade de enigmas sobre uma ilha em que alguns habitantes chamados de “cavaleiros” sempre contam a verdade, e os “trapaceiros” sempre mentem. Toma-se como verdade que todo habitante desta ilha é “cavaleiro” ou “trapaceiro”. Três dos habitantes, A, B e C estavam juntos em um jardim. Um estranho passou e perguntou a A, “Você é um cavaleiro ou um trapaceiro?”. A respondeu, mas de forma confusa, de tal modo que o estranho não entendeu o que ele disse. Então o estranho perguntou a B, “O que A disse?”. B respondeu, “A disse que ele era um trapaceiro.”. Nesse momento, C disse, “Não acredite em B, ele está mentindo!”. A pergunta é: o que B e C são? [Smu78, Puzzle 26] Esse tipo de charada é geralmente utilizado nos cursos introdutórios de lógica em faculdades. Em nossa opinião, eles também poderiam ser utilizados no ensino médio. Após resolver uma charada bem escolhida, podemos introduzir os operadores lógicos. Os fatos ensinados se tornarão familiares se ensinarmos como eles podem ser utilizados a formalizar e resolver charadas. Ao usar o método de Smullyan é possível formalizar os enigmas em lógica proposicional. Como exemplo o enigma anterior pode ser descrito com a seguinte fórmula: (A ≡ X) ∧ (B ≡ (A ≡ ¬ A)) ∧ (C ≡ ¬ B) Onde X corresponde à resposta de A. Baseado no conceito da tabela da verdade é possível introduzir conceitos de tautologia, leis lógicas e conseqüências lógicas. Nós podemos aplicar a conseqüência lógica imediatamente, uma vez que conseguiremos resolver o enigma anterior (B é cavaleiro ou trapaceiro) se soubermos que B ou ¬B é conseqüência lógica da fórmula anterior. Para resolver uma charada é necessário que surjam perguntas como: “O que eu devo dizer?” ou “O que eu devo perguntar?”. À primeira vista, algumas charadas não têm solução, como esta que segue: Você é habitante da ilha de cavaleiros, trapaceiros e normais. Você está apaixonado por Margozita, a filha do rei, e quer se casar com ela. Porém, o rei não quer que sua filha se case com um normal. Então ele diz a ela: “Querida, você realmente não devia se casar com um normal, você sabe. Os normais são muito caprichosos, imprevisíveis e não confiáveis. Com um normal você nunca saberá o que pensar; um dia ele fala a verdade, no outro ele mente. Como isso pode ser bom? Agora... Um cavaleiro é totalmente confiável, e com ele você sempre saberá como se posicionar, o que pensar. Um trapaceiro é tão bom quanto um cavaleiro, pois a única coisa que você deve fazer é acreditar exatamente no oposto do que ele dirá, logo você saberá o que realmente acontece sempre. Portanto, eu acredito que um homem deve manter seus princípios. Se ele prefere sempre falar a verdade, deixe-o falar somente a verdade. Se ele prefere mentir, deixe que ele ao menos seja consistente em relação a isso. Mas esses normais sem valor não minha querida, eles não são para você!”. Agora, suponha que você é de fato não-normal, portanto você tem uma chance. Entretanto, você deve convencer o rei de que você não é um normal, caso contrário ele não deixará que você se case com a filha dele. Você tem a permissão de uma audiência com o rei e você pode falar a ele quantas sentenças você quiser. O problema tem duas partes: (a) Qual é o menor número de sentenças verdadeiras que você pode falar para que o rei se convença de que você não é um normal? (b) Qual é o menor número de sentenças falsas que você pode falar para que o rei se convença de que você não é um normal? O primeiro enigma de trapaceiros e cavaleiros pode ser resolvido pela checagem de todos os casos. Nesse caso precisamos achar uma fórmula desconhecida. O que é um grande desafio para os estudantes. O fato é, que um exemplo como este tem poucas e igualmente boas soluções, e a questão é como nós podemos dar todas as soluções e mostrar que não existem outras? A prática em responder tal pergunta é rentável em outras partes da matemática. O artigo [Asz01] contém o algoritmo para resolver tais exemplos, o qual usa as tabelas da verdade. Os enigmas de Smullyan são interessantes, portanto o fato de podermos resolver todos eles com simples artifícios é conhecimento de valor. Com esses métodos, nós podemos chegar a soluções extras que não aparecem no livro, então os estudantes podem perceber que lógica não é algo abstrato, inútil, mas sim uma ferramenta muito útil. (...) REFERÊNCIAS [Asz01] ASZALÓS, László. Automated Solution of the Riddle of Dracula and Other Puzzles. In: GORÉ, Rajeev; LEITSCH, Alexander; NIPKOW, Tobias (eds.). Proc. Int. Joint Conf. on Automated Reasoning (IJCAR'01), pages 1-10, Siena, Junho de 2001. [Smu78] SMULLYAN, R. M. What is the name of this book? The riddle of Dracula and other logical puzzles. Prentice-Hall, Inc., 1978.