Introdução a Geomorfologia - C-Vist

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FUNDAMENTOS DE GEOMORFOLOGIA ILUSTRADOS COM PAISAGENS
DO RIO GRANDE DO SUL.
Capítulo I – Introdução à Geomorfologia.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Conceituação e campos da Geomorfologia.
Desenvolvimento histórico dos conceitos centrais.
Direções futuras.
História da Geomorfologia no Brasil.
História da Geomorfologia no Rio Grande do Sul.
O Rio Grande do Sul na América do Sul.
Escalas Espaço – Tempo e ramos da Geomorfologia
Capítulo I Introdução à Geomorfologia
1. Conceituação e Campos da Geomorfologia
A geomorfologia é a ciência que estuda as paisagens dos continentes, as rochas e os
processos que as formaram. Alguns autores também incluem feições submarinas e
planetárias.
Muitas paisagens não podem ser explicadas pelos processos hoje atuantes, torna-se
então necessário relacioná-las com processos do passado, através da Geomorfologia
Histórica.
Os principais campos da geomorfologia são: Geomorfologia Climática, estuda as
paisagens e os processos associados às diferentes zonas climáticas do Planeta;
Geomorfologia Quantitativa, quantifica os processos formadores das paisagens
(Geomorfometria), Geomorfologia Estrutural, estuda as paisagens determinadas por
diferentes tipos de rochas e estruturas que ocorrem na superfície da Terra;
Geomorfologia Global estuda as paisagens relacionadas à Tectônica de Placas;
Geomorfologia Histórica ou Geomorfogênese, estuda as paisagens determinadas por
processos do passado, procura estabelecer a cronologia denudacional das paisagens;
Geomorfologia Planetária, estuda as paisagens dos planetas e satélites do sistema
solar, bem com as produzidas por impacto de bólidos na superfície , em diferentes
épocas da história da Terra; Geomorfologia Aplicada, estuda as paisagens direcionadas
para auxiliar a resolução de problemas específicos, tais como mapeamento geológico,
mapeamento de solos, ocupação do solo, etc.
2. Desenvolvimento histórico dos conceitos centrais
Para não se correr o risco de assumir uma posição unilateral na análise e interpretação
das paisagens, é essencial o conhecimento do desenvolvimento histórico dos principais
conceitos e ramos da Geomorfologia.
Tales, filósofo pré socrático, observou o material detrítico depositado pelos rios e
concluiu que as rochas e as paisagens se originavam da água. Foi o precursor do
modo Neptunista de pensar.
Aristóteles, Heródoto, Sêneca e Strabo , entre outros filósofos gregos e romanos,
escreveram sobre fenômenos tais como a origem dos vales dos rios, deltas, as relações
entre os terremotos e as deformações da superfície da terra. Sêneca foi o primeiro a
afirmar que os rios eram capazes de abrir os seus vales. Leonardo da Vinci retomou esta
idéia no século dezessete, mas este evento fundamental em geomorfologia foi realmente
esmiuçado no século dezoito.
O termo geomorfologia foi introduzido em 1880, quando se deu atenção às paisagens
especulando-se sobre as forças e mecanismos que as criaram.
Em 1785, James Hutton argüiu que as paisagens foram modeladas pela lenta e contínua
ação erosiva da água, antes que por eventos catastróficos evocados pela Bíblia. Surgiu
então a escola Fluvialista ou Atualística em geomorfologia, cuja premissa fundamental
de pesquisa, válida até hoje é: As energias naturais gravitacional, magnética , solar, e
térmica interna da Terra, atuam desde a origem do Planeta. É nas ações da energia que
se deve procurar as causas dos processos que modelam as paisagens. Este é o princípio
do atualismo que, em síntese afirma – As leis da natureza hoje atuantes são as
mesmas que modelaram as paisagens do passado.
Contraposta à escola atualística surgiu a escola catastrofista, que atribui grande
significado a eventos raros, de grande magnitude (catástrofes) na gênese das
paisagens.
Todas estas idéias e conceitos foram desenvolvidos no velho mundo.
Do novo mundo, através dos geólogos americanos John Wesley Powels, e Groove Karl
Gilbert, que trabalharam no Oeste semi árido americano surgiu a observação da
estreita relação entre rochas –estruturas com as paisagens. Esta observação foi
favorecida pela escassa cobertura vegetal da região estudada. Criou-se então o ramo da
Geomorfologia Estrutural. Powels estabeleceu a classificação genética e estrutural das
montanhas, bem como a dos vales e sistemas de drenagem. O conceito chave que ele
extraiu de suas observações foi o de nível de base – o limite inferior da paisagem,
representado pelo nível do mar, abaixo do qual, os rios não têm capacidade de
erodir.
Gilbert fez a primeira análise sistemática entre a as forças erosivas e as forças de
resistência representadas pelas rochas e depósitos superficiais, a qual resultou no seu
conceito de equilíbrio dinâmico. Este conceito enfatiza o ajustamento entre as
formas e os processos que as modelaram.
William Morris Davis, no início do século XX fundou a escola de geomorfologia que se
baseia na progressão sistemática da mudança das formas através do tempo, as quais
ocorrem após rápido soerguimento da superfície da Terra. Seu conceito chave é o de
ciclo geomorfológico de erosão.
Voltando ao velho mundo, na Alemanha, Walter Penck, em meados do século XX,
rejeitou a idéia do soerguimento rápido, com grande estabilidade posterior e argüiu a
possibilidade que a paisagem depende principalmente da taxa de soerguimento que
pode ser crescente, decrescente ou constante. Seu conceito chave é o de
desenvolvimento não cíclico da paisagem.
A corrente de pensamento geomorfológico que derivou para o estudo detalhado dos
processos que modelam as paisagens, estabeleceu os fundamentos da Geomorfologia
Climática e com ela, a Geomorfologia Quantitativa. O primeiro termo foi empregado
originalmente por Emmanuel de Martonne em 1913. O conceito chave é o de Sistema
Morfoclimático, ou seja, as zonas bioclimáticas têm grande importância na
explicação das paisagens.
A corrente que enveredou para a quantificação em geomorfologia criou a
Geomorfologia quantitativa. O conceito chave é a medida de parâmetros
geomorfológicos.
Este ramo da geomorfologia teve como pioneiro Robert Horton que em 1945estudou o
desenvolvimento erosivo dos rios e de suas bacias de drenagem, através de hidrógrafos.
Na África do Sul, Alexandre Dutoit em 1927 e principalmente Lester C. King 1965,
foram os precursores da Geomorfologia Global, que associa as megaformas do relevo à
Tectônica Global, baseados na hipótese da Deriva dos Continentes de Wegner. O
conceito chave é que megaformas primitivas, por um lado, são criadas
principalmente pela ruptura dos continentes e, por outro, pelos processos
orogênicos modernos post ruptura. As formas primitivas são modeladas
principalmente pelo processo de recuo paralelo das escarpas nas suas bordas, onde
a erosão e os movimentos de massa são mais intensos. Nas margens de ruptura,
superfícies de erosão escalonadas acima das escarpas, denunciam o caráter cíclico
do desenvolvimento do relevo.
No fim do século XX em 1991 Michael Summerfield firmou este novo ramo da
geomorfologia, fundamentada na moderna Tectônica de Placas, cujos conceitos chave
são expansão do assoalho oceânico, ruptra continental, margens passivas
divergentes, transformantes, margens ativas e colisão de placas (Ciclo de Wilson).
A Geomorfologia Aplicada é o uso de todos os ramos da Geomorfologia na resolução
de problemas específicos da civilização.
3. Direções futuras
Embora o estudo detalhado dos processos de superfície tenha avançado bastante, estes
contribuem muito pouco para a compreensão de como extensas áreas da paisagem
mudam em grandes períodos de tempo.
Desde 1960, através de disciplinas aliadas à geomorfologia e pela aplicação de novas
técnicas, foi proporcionada a oportunidade de desenvolver uma perspectiva global em
geomorfologia, focando os processos geomorfológicos em grandes áreas e pequenas
escalas. Esta abordagem permite estabelecer um esquema tectônico para avaliar os
soerguimentos que acompanham o desenvolvimento das paisagens a longo prazo.
Avanços significativos das técnicas de datação permitem a estimativa de taxas de
soerguimento e denudação com relativa precisão. Um dos resultados desta aplicação é a
conclusão de que, em zonas relativamente estáveis, nas plataformas associadas aos
antigos Cratons, as paisagens podem sobreviver sem mudanças significativas pelos
processos erosivos, por muitas dezenas de milhões de anos.
O conhecimento de bacias de margens passivas através de perfurações e estudos
sísmicos para a localização de jazidas de petróleo produziram enorme quantidade de
dados sobre a espessura dos sedimentos depositados nestes ambientes em um período de
100 milhões de anos ou um pouco mais. Estas sequências sedimentares são um registro
inestimável para a avaliação das taxas de erosão que ocorreram nas áreas continentais
adjacentes.
O conhecimento de mudanças climáticas globais também são de grande valia para o
estabelecimento de modelos de desenvolvimento das paisagens a longo prazo.
As imagens orbitais planetárias e orbitais terrestres propiciaram o desenvolvimento da
Geomorfologia Planetária, com a identificação de feições geomorfológicas e o seu
significado, bem como o reconhecimento de feições da superfície associadas ao impacto
de bólidos extra terrestres que atingiram a Terra em diferentes épocas do registro
geológico. Atualmente são conhecidas 120 destas morfoestruturas (astroblemas).
4. A história da Geomorflogia no Brasil
A geomorfologia do Brasil desenvolveu-se a partir dos primeiros naturalistas viajantes,
participantes de viagens de exploração do território em vias de povoação.
Ab´ Saber (1958) distingue as seguintes fases de desenvolvimento: Período dos
predecessores, (1817 – 1910), período dos estudos pioneiros (1910 – 1940), período de
implementação de técnicas modernas (1940 –1949). A partir daí os estudos podem ser
enquadrados no período contemporâneo.
Período dos predecessores (1817 – 1910)
Grandes viajantes, em geral naturalistas que percorreram o Brasil na primeira metade do
século XIX e mais tarde os geólogos estrangeiros que dirigiram as primeiras comissões
geológicas oficiais criadas.
Destacam-se Charles Frederick Hartt, Orville Adalbert Derby e John Casper Branner.
Hartt , figura 1. 1, publicou a primeira Geologia e Geografia Física do Brasil, obra
baseada nas suas expedições de estudos no país, empregando conceitos de geologia e
geomorfogia vigentes na Europa e América do Norte, em torno da década de 1870. Os
conceitos chave que direcionam a sua obra são o princípio do atualismo, as relações
das rochas e estruturas com as paisagens e o conceito de nível de base.
Fig. 1. 1 – Charles Frederick Hartt
Orville A. Derby, figura 1. 2, foi o primeiro geólogo estrangeiro a fixar residência no
Brasil. Suas contribuições em geomorfologia também estão permeadas pela visão
atualista, pelas relações entre paisagens, rochas – estruturas e pelo conceito de nível de
base. Seus textos estão inseridos na Geographia do Império do Brasil de 1884.
Fig. 1. 2 – Orville A. Derby, ao lado vista panorâmica de front da Serra do Mar,
formada por inselbergues. Desenho do autor.
John C. Branner, figura 1. 3, publicou o primeiro compêndio de geologia destinado a
estudantes brasileiros, com muitas referências sobre a geologia do Brasil.
Fig. 1. 3 - John C. Branner, ao lado croquis modificado do autor, retrata paisagem típica
das escarpas litorâneas da Serra do Mar.
Período dos estudos pioneiros. (1910 – 1940).
Este segundo período se caracteriza pela geomorfologia permeada pelo conceito de
ciclo de erosão, concebido pelo geógrafo americano William Morris Davis.
Predominam pesquisadores estrangeiros, especialistas em geologia e geomorfologia,
mas já trabalhando com pesquisadores brasileiros.
Dentre outros estrangeiros cita-se Miguel Arrojado Lisboa, Preston James, Reinhard
Maak e Alexandre Du Toit.
De suma importância para o advento da moderna Tectônica de Placas e para os novos
conceitos de Geomorfologia Global, foi a estada no Brasil de Alexandre Du Toit,
pesquisador Sul Africano. Du Toit, figura 1. 4, baseado na então hipótese da deriva dos
continentes, proposta por Wegner em 1912, efetuou a pioneira comparação geológica e
geomorfológica entre as costas atlânticas do Brasil e da África, como prova da
existência do Continente Gondwana que se rompeu a 180 milhões de anos e originou o
Oceano Altântico, as atuais América do Sul e África.
Fig.1. 4 – Evidências geológicas à esquerda e geomorfológicas, à direita, da antiga
união de Brasil e África no antigo continente Gondwana. Modificado de Du Toit (1951)
e Wegener (1927). À direita, A. Wegener o precursor da Tectônica de Placas e da
Geomorfologia Global.
Os primeiros pesquisadores brasileiros.
Alberto Betim Paes Leme, tem como obra principal História Física da Terra, com mais
de mil páginas, muitos dados da geologia e geomorfologia do Brasil descritos conforme
os conceitos da época. Sofreu grande influência da escola francesa de geologia e
geomorfologia, pois lá teve a sua formação acadêmica.
Relativo às hipóteses de Wegner e Du Toit , mostrou-se contrário à deriva dos
continentes e a favor de “pontes continentais”, para explicar as semelhanças de paleo
floras e paleo faunas do Brasil e da África.
Alberto Ribeiro Lamego, figura 1. 5, com formação acadêmica no exterior,
Inglaterra,destacou-se no estudo da gênese das restingas do Estado do Rio de Janeiro.
Introduziu o uso de fotografias aéreas no Mapeamento Geológico e efetuou o
mapeamento geológico da Folha do Rio de Janeiro na escala 1:100 000. Foi pioneiro na
pesquisa de petróleo, chamou a atenção sobre a importância das bacias marginais, no
caso, a Bacia de Campos, como grandes reservatórios de Petróleo.
Fig. 1. 5 – Alberto Ribeiro Lamego, o maior expoente brasileiro da fase de estudos
pioneiros de geomorfologia no Brasil.
O terceiro período tem como marcos a criação das primeiras faculdades de filosofia no
Brasil e a fundação do Conselho Nacional de Geografia em 1937.
Os pesquisadores estrangeiros que mais marcaram esta fase foram Emmanuel
Demartonne e Francis Ruellan.
Demartonne publicou em 1940 “Os problemas morfológicos do Brasil tropical
atlântico” em que estabelece pioneiramente as principais superfícies de erosão da Serra
do Mar e sua cronologia de denudação, baseada no conceito de Davis do Ciclo de
Erosão.
Francis Ruellan, figura 1. 6 , geomorfólogo francês, à semelhança de Derby, fixou
residência no Brasil, foi professor da Universidade do Brasil e consultor do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), formou uma geração de geomorfólogos
brasileiros que atuaram principalmente no IBGE, em diversos campos da geografia
física. Seus trabalhos principais foram: Evolução geomorfológica da Baia da Guanabara
e Aplicações da fotogrametria em estudos geomorfológicos, esta incentivando o uso da
fotografia aérea em diversos estudos geomorfológicos.
Fig. 1. 6 – O professor Francis Ruellan introduziu no Brasil o uso rotineiro de
fotografias aéreas em pesquisas geomorfológicas.
O pesquisador brasileiro que mais se salientou nesta fase foi o geógrafo Aroldo de
Azevedo que publicou em 1949 “O Planalto Brasileiro e o problema da classificação de
suas formas do relevo.”
A realização do XVIII Congresso Internacional de Geografia realizado no Rio de
Janeiro em 1956 pode ser considerada como marco do início do período contemporâneo
de desenvolvimento da geomorfologia no Brasil, que coincidiu com a criação dos cursos
de geologia e expansão dos cursos de geografia no território brasileiro.Ampliou-se em
muito o número de pesquisadores na área de geomorfologia, as pesquisas passaram a
abordar áreas detalhadas e problemas específicos (oscilações paleoclimáticas,
formações quaternárias, mapeamentos geomorfológicos, processos morfogenéticos,
evolução das vertentes, etc.).Observa-se a tendência da passagem da Geomorfologia
Estrutural para a Geomorfologia Climática e desta para a Geomorfologia Quantitativa.
Dois troncos principais desta terceira fase, são o geógrafo Aziz Nacib Ab´ Saber e o
engenheiro civil Fernando Flávio Marques de Almeida com formação pós graduada em
geologia, figura 1. 7.
Fig.1. 7 – À esquerda o professor Aziz, à direita o professor Fernando de Almeida, os
dois baluartes da geomorfologia contemporânea no Brasil.
Obras de referência são : Regiões de circundesnudação pós cretácea do Planalto
Brasileiro, publicada por Ab´Saber em 1948 e o Planalto basáltico da Bacia do Paraná
publicado por Almeida em 1956.
A estes dois nomes estão associados os Cursos de Geologia e Geografia criados a partir
de 1956, de onde saíram os agentes contemporâneos da Geomorfologia do Brasil.
Nesta fase também deve ser mencionado o geólogo e pesquisador sul africano Lester C.
King, precursor da Geomorfologia Global , com a publicação em 1963 do livro The
Morphology of the Earth, baseado na hipótese da deriva dos continentes, hoje
consagrada pela moderna teoria da tectônica de placas, na qual se baseia a nova
Geomorfologia Global, Michael Summerfield (1991). Lester King visitou o Brasil em
1956, mapeou as principais superfícies de aplainamento que ocorrem junto à costa
brasileira e correlacionou-as com as existentes na África do Sul. Também correlacionou
estas superfícies com os depósitos sedimentares das bacias marginais costeiras, hoje
conhecidas pelas suas grandes reservas de petróleo, figura 1. 8.
Fig. 1. 8 – Ciclos de erosão no continente e depósitos correlativos na costa. Perfil
esquemático W- E, na Bahia, imediações de Feira de Santana. Modificado de Lester
King (1963)
Em 1974. foram publicados os dois primeiros livros texto de geomorfologia a nível
universitário no Brasil, Geomorfologia, de Antônio Cristofoletti e Fundamentos de
Geomorfologia por Margarida M. Penteado.Em 1966 foi fundada a União da
Geomorfologia do Brasil e em 1996 foi criada a Revista Brasileira de Geomorfologia,
veículo principal de divulgação da ciência geomorfológica no Brasil.
5. Breve história da Geomorfologia no Rio Grande do Sul
Para propósitos didáticos, pode-se subdividir a história da ciência geomorfológica no
Rio Grande do Sul em três épocas:1. Época das classificações em regiões fisiográficas,
a partir de 1930. 2.Época da fundamentação geomorfológica de 1930 a 1956; 3. Época
contemporânea, de 1956 até à atualidade.
Época das classificações em regiões fisiográficas.
A primeira classificação das unidades do relevo do Rio Grande do Sul se baseia no
conceito geográfico de Região Natural ou Fisiográfica, uma porção de um continente,
país, estado, município ou lugar diferenciada por suas características físicas gerais,
incluindo aspectos do relevo ,clima, vegetação .A geomorfologia tem estreitas relações,
mas não se confunde com a fisiografia que estuda amplamente o meio físico externo,
nem com a geologia que estuda amplamente o sistema Terra, figura 1. 9.
Fig. 1. 9 – Relação esquemática da geomorfologia com a fisiografia e geologia. No Rio
Grande do Sul, as primeiras unidades de relevo foram definidas através do conceito de
região fisiográfica.
Em 1930, o meteorologista Ladislau Coussirat de Araújo caracterizou 8 unidades
fisiográficas distintas das paisagens do Rio Grande do Sul: 1. Campanha; 2. Serra do
Sudeste; 3. Litoral; 4. Depressão Central; 5. Alto Vale do Uruguai; 6. Missões; 7.
Planalto; 8. Serra do Nordeste. Esta classificação vigorou até 1955, figura 1. 10.
Fig. 1. 10 – As oito regiões fisiográficas do Rio Grande do Sul, Araújo (1930).
Em 1942, surgiu a primeira classificação geral das paisagens do Rio Grande do Sul,
baseada em fundamentos geológicos - A fisionomia do Rio Grande do Sul - de
autoria do Padre Balduino Rambo. Este precursor da Geologia e Geomorfologia do
Estado apresenta com grande propriedade seus aspectos geológicos e geomorfológicos
gerais. Nesta obra o autor caracteriza originalmente as quatro principais unidades de
paisagens do Rio Grande do Sul: Planalto, Escudo, Depressão Central e Litoral, figura
1. 11.
Fig. 1. 11 – As quatro paisagens fundamentais do Rio Grande do Sul segundo Rambo
(1942): Planalto, Escudo, Depressão Cental e Litoral. Modificado de desenho de Edgar
Vasques. À direita o padre Balduino Rambo.
A obra de Balduino Rambo foi o marco de passagem da fase das classificações
fisiográficas das paisagens para a geomorfologia propriamente dita.
Fase contemporânea
Com a criação da Escola de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
em 1956 e a inclusão da disciplina obrigatória de Geomorfologia no currículo de
formação do geólogo, gerou-se a oportunidade da transferência do professor Aziz
Ab´Saber para responder pelas disciplinas de Geomorfologia e Aerofotogeologia do
curso de geologia. O professor Ab´Saber, no espaço de aproximadamente dois anos em
que permaneceu no Estado do Rio Grande do Sul, com o seu entusiasmo pela
geomorfologia, além de despertar o interesse para este campo do conhecimento em
muitos futuros geólogos, também pesquisou exaustivamente as paisagens do Rio
Grande do Sul. Suas pesquisas culminaram com o artigo seminal “Participação das
Superfícies de Aplainamento nas Paisagens do Rio Grande do Sul”, publicado na
Revista Brasileira de Geografia em 1969. Este artigo baseia –se na aplicação do
conceito de ciclo de erosão (pedimentação, pediplanação), na gênese das superfícies de
erosão do Rio Grande do Sul, figura 1. 12.
Fig 1. 12. – Corte esquemático, SW – NE, mostra as superfícies de erosão das paisagens
do Rio Grande do Sul. Superfícies de Cimeira, Vacaria e Caçapava, as mais antigas
superfícies embutidas, inter planálticas e inter montanas da Campanha Velha (Cerro da
Cadeia ) e Nova. Modificado de Ab´Saber (1969).
Neste artigo, além do esboço da geomorfogênese do Rio Grande do Sul, o autor
concebeu o Escudo e a Depressão Periférica como um gigantesco meio domo,
concepção esta que veio a ser confirmada pelos modernos conceitos de Geomorfologia ,
Global, o Domo Uruguai – Sudoeste da África, ver figura 1. 14.
Em 1986, o Instituto Brasileiro de Geografia e Etatística publicou o volume 33 do
levantamento de recursos naturais do Rio Grande do Sul. Um dos temas tratados foi
a Geomorfologia, com a publicação do mapa geomorfológico do Estado na escala 1:
1 000 000, a última e mais completa síntese da geomorfologia do Rio Grande do
Sul, figura 1. 13.
Fig. 1. 13 – Mapa geomorfológico do Rio Grande do Sul, e unidades
geomorfológicas, modificado de IBGE (1986).
Com a criação do Centro Estadual de Pesquisas em Sensoriamento e Meteorologia
em 1988 com Mestrado em Sensoriamento Remoto e da pós graduação em
Geografia, à nível de Mestrado e Doutorado, na Universidade do Rio Grande do
Sul, houve forte estímulo de pesquisas no campo da Geomorfologia. No Curso de
Pós Graduação em Geografia os trabalhos orientados por geógrafos em especial
pelos professores Dirce M. Suertegaray e Roberto Verdum são direcionados para o
estudo de processos atuais e sub atuais enfocados através da Geomorfologia
Climática e da Geomorfologia Quantitativa, , especialmente no campo da
morfometria. No mestrado em sensoriamento remoto, os estudos orientados por
geólogos, especialmente os professores Marisa T. G. de Oliveira e Nelson Amoretti
Lisboa, se direcionam principalmente paras a Geomorfologia Estrutural. Na década
de 1990 o professor Paul Edwin Potter da Universidade de Cincinnati atuou como
professor visitante do Curso de Pós Graduação em Geociências da Universidade do
Rio Grande do Sul. Além de outras disciplinas, ministrou pela primeira vez no Rio
Grande do Sul a disciplina de Geomorfologia Global, embasada na moderna
Tectônica de Placas, introduzindo este novo ramo do conhecimento no Rio Grande
do Sul. Dentre outros trabalhos, publicou em 1997 o artigo seminal em
geomorfologia global da América do Sul - “The Paleodrainage of South
América, A Natural History” - no Journal of South America Geology. Trata do
desenvolvimento dos sistemas de drenagem sul americanos a partir do Cretáceo,
aplicando de maneira consistente e lógica os modernos conceitos da Tectônica de
Placas à Geomorfologia, figura 1. 14.
Fig. 1. 14 – Soergimentos regionais, aulacóginos e sistemas de drenagen sinrift da
América do Sul: Sistemas de drenagem Amazonas, São Francisco, Paraná e
Uruguai. Soerguimentos do Uruguai –Sudeste da África, Mantiqueira-Angola,
Nordeste do Brasil – Níger e Guiana-Guiné. Potter (1997).
No campo da Geomorfologia Planetária foi identificado o primeiro Astroblema do
Rio Grande do Sul usando-se para tal critérios geomorfológicos e estruturais, O
Astroblema do Jarau, morfoestrutura circular com 12 KM de diâmetro figura 1. 15.
Fig. 1. 15 – Fotografia aérea pancromática preto e branco da região do Cerro do
Jarau ,demonstra estutura circular, cicatriz de impacto de bólido, Astroblema, Scuck
e Lisboa (1987) Philipp et al (2010) . O evento ocorreu a aproximadamente 140
milhões de anos na superfície escaldante do então Deserto Botucatu.
6. O Rio Grande do Sul na América do Sul
De modo geral, o mega relevo da América do Sul é dominado a Oeste pela Cordilheira
dos Andes, onde ocorre o ponto culminante do Continente, o pico Aconcágua com 6960
m de altitude.
A Leste ocorrem extensos Planaltos como o das Guianas à norte, Brasileiro no centro e
no extremo sul, o Planalto da Patagônia. No centro do Continente, margeando
paralelamente a cordilheira dos Andes, ocorrem terras baixas, Planícies como a Planície
Amazônica e Planície do Pampa.
Dentro deste amplo contexto, o relevo do Rio Grande do Sul situa-se no extremo sul do
Planalto Brasileiro. Os processos erosivos e deposicionais, segmentaram o relevo do
Estado em quatro compartimentos distintos: A norte ocorre o Planalto, formado por
rochas ígneas vulcânicas, no centro a Depressão periférica, formada por rochas
sedimentares, a sul, o Escudo, formado por rochas ígneas, metamórficas e sedimentares
e a leste, a maior planície costeira do Planeta.
, formada por sedimentos e rochas sedimentares fracamente consolidadas, figura 1. 16.
A América do Sul é rica em Bacias Hidrográficas, conseqüência da predominância de
climas quentes e úmidos neste Continente.
Fig. 1. 16 – Situação do Rio Grande do Sul em relação aos principais elementos
fisiográficos da América do Sul, no quadro vermelho. No Estado predominam terras
baixas, a Depressão Periférica, planícies, a Planície Costeira e baixos planaltos, o
Planalto e o Escudo. (Modificado de Azevedo (1950)
Grande parte da drenagem do Rio Grande do Sul pertence à Bacia Platina através da
Bacia do Rio Uruguai que flui de Leste para Oeste – Sul. O restante dos sistemas de
drenagem pertencem à Bacia Atlântica, com fluxo geral de Oeste para Leste, figura
1. 17.
Fig. 1. 17 – Os sistemas de drenagem do Rio Grande do Sul. Bacia do Uruguai - Platina
para Oeste – Sul, Bacia Atlântica para Leste. À esquerda, localização do Rio Grande do
Sul na América do Sul.
7. Escalas Espaço – Tempo e ramos da Geomorfologia
Há estreita relação entre as escalas temporal e espacial no desenvolvimento das
formas da Terra. A Geomorfologia estuda fenômenos que ocorrem em escalas temporais
e espaciais enormemente variadas. Em geral, quanto maior é a dimensão da forma,
maior é o lapso de tempo necessário para a sua escultura.
Abaixo segue quadro qualitativo simplificado que classifica as formas em relação
com suas dimensões e tempo de modelagem. Os métodos de estudo apropriados para
a pesquisa do desenvolvimento de uma ravina – bossoroca, figura,1.18 não são os
mesmos adotados para o entendimento do desmantelamento de uma cadeia de
montanhas como a dos Andes, figura, figura 1. 25.
Quadro I – Escalas das paisagens e ramos da Geomorfologia
Este quadro sintetiza os principais ramos da geomorfologia, cada um com os seus
métodos e técnicas específicas de pesquisa.
As megaformas são estudadas pela Geomorfologia Global, ou
Megageomorfologia, e pelas teorias geomorfogenéticas gerais, campo da
Geomorfogênese. As macroformas são pesquisadas pela Geomorfologia
Estrutural.
As mesoformas e microformas são abordadas pela Geomorfologia Climática.
A Geomorfologia Aplicada lida com todas as formas, classes, dimensões
espaciais e temporais das paisagens.
Os dois ramos clássicos da Geomorfologia são a Geomorfologia Estrutural (
predominância das rochas e estruturas, oriundas de processos endógenos no
modelamento das paisagens) e Geomorfologia Climática, predominância dos
processos exógenos no modelamento das paisagens, figura 1. 18.
Fig. 1. 18– O ciclo dos processos geológicos endógenos e exógenos e sua relação
com a escultura da paisagem, esquemático, modificado de Hugget (2007)
No desenvolvimento de uma ravina – bossoroca, microforma (0,5 Km), ( 100 – 1000
anos) (Geomorfologia Climática), devem ser levados em conta, agentes e processos de
origem externa atuais e sub atuais, tais como movimentos de água superficial –
subterrânea, movimentos de massa referidos como escorregamentos, deslizamentos,
etc., e ações antrópicas. Mesmo o curto espaço de tempo necessário para a formação de
uma ravina – bossoroca, deve levar em conta uma história no tempo. É válida, portanto,
a apresentação de esquema de estágios de sua formação, figura 1. 19.
Fig. 1. 19- Esquema do desenvolvimento de uma microforma, ravina, com escala
temporal de referência, 100 anos e espacial, comprimento de 0,5 Km. As curvas de
nível truncadas pelo ravinamento mostram o progressivo aumento por erosão
regressiva das cabeceiras e alargamento do vale principal. Domínio da Geomorfologia
Climática. (Modificado de Gorchkov e Yakouchova (1968).
A formação de bossorocas, (rasgo em tupi – guarani), as quais podem ser
consideradas um grande ravinamento, (centenas de anos) está condicionada ao tipo
de clima e à natureza do material do substrato. No Rio Grande do Sul, estas
feições da paisagem se desenvolvem principalmente em setores onde ocorrem
materiais friáveis de fraca consolidação, figura 1. 20. O seu desenvolvimento
natural pode ser acelerado por ações antrópicas, tais como construção de estradas
ou uso inapropriado do solo.
Fig. 1. 20– Desenvolvimento de bossorocas em rochas sedimentares friáveis, arenitos.
Neste caso as bossorocas estão se desenvolvendo nas cabeceiras da drenagem. Aceguá,
Rio Grande do Sul. Imagem Google Earth, ao lado. A foto mostra uma bossoroca no
detalhe. Foto Carlos Maciel (1997).
O desenvolvimento das mesoformas, (mais de mil anos), por exemplo, de um
meandro de rio, até à fase final da formação de um lago em ferradura, também está
dentro do domínio da geomorfologia climática, figura 1. 21.
Fig 21. Desenvolvimento de um meandro de rio – Em A , sinuosidade moderada, em B
e C aumenta, em D forma-se um pescoço, em E ocorre o rompimento do meandro e a
formação de um lago em ferradura, com retificação do curso do rio,( Modificado de
Holmes 1970)
No Rio Grande do Sul, principalmente em rios onde ocorrem canais aluviais,encontra-se
exemplos deste processo de desenvolvimento, figura 1. 22.
Fig. 1. 22 – Desenvolvimento de meandros com a formação de lago em ferradura.
Na imagem podem se observados diferentes estágios de migração do canal. Rio
Camaquã, Camaquã Rio Grande do Sul. Imagem Google Earth.
O desenvolvimento das macroformas, da ordem de 1 a 10 milhões de anos, por
exemplo, paisagens em planaltos, “cuestas,” é estudado pela Geomorfologia
Estrutural, onde a forma sofre grande influência dos tipos de rochas e estruturas
em que ela é modelada, figura 1. 23.
Fig. 23 - Esquema do desenvolvimento de uma macroforma tipo “cuesta” modelada
em rochas sedimentares fracamentre inclinadas. O recuo da escarpa se dá por erosão
regressiva , o processo se desenvolve na ordem máxima da dezena de milhões de anos,
( modificado de Bandat 1962)
No Rio Grande do Sul, a escarpa do Planalto e o seu recuo no tempo, pode ser
considerada como exemplo de macroforma da paisagem, figura 1. 24.
Fig. 1. 24 – Macroforma da paisagem, recuo da escarpa do Planalto. O maior recuo
coincide com o maior canal de drenagem, rio Taquari. Lageado, Rio Grande do Sul. A
linha indica qualitativamente a magnitude do recuo da escarpa. Imagem orbital, modelo
numérico do terreno, EMBRAPA.
O desenvolvimento e desmantelamento de uma cadeia de montanhas como a dos
Andes, se encontra no domínio da Geomorfologia Global ou Megageomorfologia.
Assumem importância a Tectônica de Placas, comandada por processos de origem
interna, tais como vulcanismo, terremotos, soerguimentos .Cabe papel subordinado aos
agentes e processos de origem externa, figura1. 25.
Fig. 1. 25– Esquema do desevolvimento de uma cadeia de montanhas (Andes), escala
temporal de referência > 10 milhões de anos. Na primeira fase forma-se um
Arco Vulcânico, a seguir duas cordilheiras separadas por um Altiplano.
Atualmente o conjunto se encontra em franca erosão. Domínio da
Geomorfologia Global ou Megageomorfologia, (baseado em Summerfield
1991, com modificações).
No Rio Grande do Sul o Escudo Sul Riograndense, Depressão Periférica e
Planalto podem ser considerados megaformas (meio domo Uruguai –Sudeste da
África. da paisagem, figura 1. 26.
Fig. 1. 26 - Megaformas da paisagem, Escudo Sul Rio Grandense e Planalto Meridional
Rio Grande do Sul. Imagem orbital, modelo numérico do terreno, EMBRAPA. Ver
também figura 1.14.
Sumariando, em escalas de tempo amplas, a meta principal é estabelecer uma
seqüência histórica de eventos em períodos de milhões de anos, que caracterizam a
Geomorfologia Global e a Geomorfologia Histórica. Situada em posição
intermediária está a Geomorfologia Estrutural que leva em conta aspectos,
históricos e climáticos, na modelagem das paisagens.
Em escalas de tempo curtas (independente do tempo) é importante o estudo
detalhado dos processos atuais que modelam as formas , trata-se da Geomorfologia
Climática.
A Geomorfologia Aplicada atua em todos os níveis de escalas, temporal e
espacial, consiste na utilização dos conceitos geomorfológicos para auxiliar na
resolução de questões relacionadas com o desenvolvimento social.
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