O novo pensamento: Franz Rosenzweig

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O novo pensamento:
Franz Rosenzweig
Sérgio Trombetta*
Franz Rosenzweig (Kasseel, 1886 – Frankfurt, 1929) representa a
primeira crítica consistente e radical ao pensamento idealista-totalitário
de Hegel e a consciência da necessidade de uma alternativa filosófica capaz de responder às inquietações existenciais da pessoa em sua experiência singular neste mundo. O autor se confronta com o desmoronamento
do pensamento categorial da essência com suas abstrações universalizantes e busca um novo pensamento que contemple a experiência pessoal em sua concretude. A filosofia do autor se caracteriza por uma crítica
à filosofia tradicional e a recusa da crença habitual no caráter inteligível
do Todo. O Novo Pensamento defende a experiência como o princípio
e limite do conhecimento. A experiência é o solo de onde brota todo o
nosso conhecimento.
Trata-se de uma revolução total do pensamento. Um movimento
intelectual que pretende pensar a dignidade humana a partir da singularidade e das experiências da pessoa com seus medos, angústias e inquietações frente à finitude. A experiência captada na concretude da existência; a experiência do tempo e seu ritmo é o ponto de partida desse Novo
Pensamento. A experiência corresponde ao pensamento que se dá no
tempo: a experiência do real que se expressa em cada instante. Defende-se a dignidade incondicional do indivíduo, do tempo presente com seu
dinamismo contra a história atemporal.
“Com esse novo pensamento, Rosenzweig visa a contrapor-se deliberadamente ao pensamento da identidade e da essência. A redução à identidade da essência é própria da filosofia grega, é o modo
peculiar com que historicamente se produziu a abordagem do
real. A razão filosófica que, desde o começo, manifestou-se como
princípio de identidade identificante, princípio lógico, deve, por
definição, renunciar a negar a estranheza, seja qual for o seu gênero. Assim, a essência é o pólo ontológico a que se mantém agar* Professor de filosofia na Unisinos. Doutorando em filosofia na PUCRS
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rado o princípio gnosiológico que a modernidade chamou de cogito, eu, espírito. Essência é o conceito segundo o qual se ordena
o mundo dos objetos; essência, o universal que abarca sob si todo
o particular, uma vez que antecede todo o particular” (BACCARINI, 1988, p. 277).
A primeira ruptura de Rosenzweig é com o pensamento político de
Hegel, especialmente com sua filosofia da história, cuja verdade trágica
pesava sobre os acontecimentos da guerra. Na ótica do autor, o Estado
hegeliano é perpassado pela força, pela potência. No acontecer da história, a guerra, a violência entre os Estados é inevitável.
A lógica da identidade a partir da auto-suficiência da razão constrói
o sistema da totalidade onde o que conta é o todo, a unidade, o universal.
O projeto Idealista parte da concepção que a razão, o pensamento é capaz de abarcar toda a realidade e a racionalidade é dotada de uma força
capaz de chegar ao núcleo, a essência do real não deixando nada de fora
do conceito. Toda a realidade encontra-se sintetizada no conceito.
A grande intuição presente na filosofia de Rosenzweig é a de que na
origem do pensamento nós temos a pluralidade, a diferença, a riqueza
do singular. Em contraponto à razão única, Rosenzweig descobre uma
razão plural. É a partir da pluralidade que o pensamento do autor pode
ser compreendido. A realidade só é concebível enquanto pluralidade.
Segundo Souza (2004, p. 63), o sentido da realidade se consubstancia,
se assim se pode dizer, exatamente na multiplicidade de sentidos que a
realidade desde sempre comporta; pensar seria: manter tal multiplicidade de sentidos à vista – e viver seria levar tal multiplicidade de sentido
efetivamente a sério.
Estas dimensões apontam para a impossibilidade de uma síntese absoluta. O real não é sintetizável em um conceito. O conceito não é suficientemente forte para dizer o sentido da realidade. A síntese conceitual
não é capaz de esgotar a profundidade da vida, a riqueza singular do real.
A realidade em sua multiplicidade é maior que o conceito. O Dito não
esgota o sentido do Dizer.
A História do Ocidente tem consistido, em suas linhas mais amplas, na história dos processos utilizados para neutralizar o poder
desagregador do Diferente; e a História da Filosofia ocidental tem
sido, quase sempre, a maneira de favorecer e legitimar intelectualmente esta busca da neutralização. A esta busca de neutrali152
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zação chamamos totalização, e à construção dialética, imanente
e com pretensão de auto-compreensão e auto-legitimação – em
que convergem os resultados deste esforço de totalização – temos
chamado de Totalidade. Com o Idealismo – especialmente com
Hegel – a Totalidade se auto-compreende e se auto-legitima de
forma acabada. A dialética é seu motor e sua vida, arte acabada de
transmutação do Diferente no Mesmo (SOUZA, 1996, p. 18, 22).
Na Totalidade, o excesso do Absoluto, de Universalidade é de tal
intensidade que asfixia a existência singular da pessoa. No dinamismo
do Mesmo a exterioridade é absorvida na unidade; a multiplicidade é
sacrificada no altar do Uno. Para o extremo monismo idealista a verdadeira realidade de todos os seres individuais está contida no universal,
em que todos os existentes particulares estão engolfados. O pensamento
está convencido que é capaz de abarcar toda a realidade no conceito.
No Idealismo, o particular, a contingência são desprezados ou são
um momento a ser superado. O que tem importância, valor é o Todo, o
Universal, o Absoluto. O Absoluto se encarna no conceito. A realidade, o
objeto perde sua vitalidade, seu dinamismo e se transforma em conceito.
O que conta é a realidade do conceito. A pluralidade, a multiplicidade do
real, a história singular de cada pessoa, dos povos desaparecem frente ao
Universal. Tudo é submetido ao conceito. O que fica de fora do conceito
não tem importância, é desprezado, é irrelevante. Nesta lógica, há povos,
grupos que encarnam a racionalidade do Espírito Universal. Estes têm o
direito a existir. Os que não alcançam esta condição podem ser aniquilados pela marcha racional da história. Nesta lógica justifica-se a violência
e a guerra. Muitos povos são esmagados pelos que se consideram mais
desenvolvidos.
O que é desprezado pelo Idealismo: a singularidade, o concreto, o
tempo presente se tornam os fundamentos do Novo Pensamento. É justamente o que fica fora do conceito que a filosofia deve tomar como seu
ponto de partida, pois estas dimensões representam a verdadeira realidade, enfim, a vida. Para Rosenzweig, a riqueza do singular, da multiplicidade não se deixa aprisionar nos labirintos construídos pela deusa Razão em seu desejo de recolher, unificar toda a realidade em um conceito
abstrato. O conceito pretende abarcar todas as experiências da vida. No
entanto, a filosofia não consegue exorcizar nossos medos. A síntese absoluta não é capaz de remover a experiência dramática da pessoa com suas
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angústias e sofrimentos. A filosofia Idealista não reconhece a angústia da
pessoa e o caráter dramático da existência, suas fragilidades. Frente ao
medo da morte toda filosofia é insuficiente e a Totalidade não se totaliza.
O eu de carne e osso resiste ao sistema; o eu empírico com suas experiências concretas de vida escapa a toda totalização. A verdade da pessoa é
estranha, exterior a toda ordem conceitual. Rosenzweig sentencia: “Após
ela [a filosofia] haver recolhido tudo em si [...] o ser humano descobre
que ele... ainda está aqui... Eu, pó e cinzas, eu ainda estou aqui” (apud
SOUZA, 1999, p. 21).
Para Rosenzweig, a realidade é constituída de sentido antes da definição, da síntese produzida pela razão, da explicação dada pelo cogito.
Não é necessário a realidade ser pensada, sintetizada para ter um sentido. Estamos frente a desarticulação ser (a realidade) é pensar (a essência
da realidade). Impossibilidade do pensamento recolher a riqueza do real
em uma unidade conceitual. A filosofia tradicional identifica pensar e
ser. Rosenzweig pretende apontar para aquilo que não necessita ser pensado para ser. “Pretende-se que cada realidade seja deixada a si mesma,
repouse em seu próprio peso, sem classificações sintéticas que culminam
em violências intelectuais. As coisas são o que são, antes de serem reunidas em uma síntese intelectual classificatória e hierárquica” (SOUZA,
2004, p. 71, 78).
No Novo Pensamento o que conta mesmo é a singularidade. O todo
não é mais conteúdo do sistema nem sinônimo de verdade. Em Rosenzweig o Todo é destroçado. Cada parte é um Todo. O Todo está rompido; cada fragmento é um todo para si. A Totalidade, a essência é a não
verdade, é a negação da realidade em sua multiplicidade, pois a filosofia
da essência exige a redução de uma coisa, a outra (oposta a ela). O particular, a multiplicidade desaparece no dinamismo do universal.
É a desagregação do Todo, da Totalidade fechada, da filosofia da essência que permite ao pensamento suportar, conviver com a pluralidade,
com o que resiste às lógicas totalizantes. A partir da implosão do Todo
fechado e da impossibilidade da Unidade do real, o pensamento volta-se para a originalidade da realidade plural, ao singular. O Novo Pensamento eleva a multiplicidade acima da unidade; a contingência acima da
necessidade. A atenção volta-se para a pluralidade, a particularidade, a
contingência. Em lugar da busca pelo universal e necessário se valoriza
a vida concreta, o instante. A verdade nasce em cada acontecimento, em
cada vivência. O olhar filosófico busca o ser humano inteiro com seu
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tempo de vida, suas experiências, seu rosto, seus sofrimentos. “É com
fatos – e não com teorias – que Rosenzweig se debaterá ao longo de toda
sua curta vida” (SOUZA, 1999, p. 50-51). A experiência, a existência singular deve ser o ponto de partida do nosso filosofar. O pensamento da
essência, a Totalidade substitui o indivíduo singular pelo homem em geral, não prestando atenção a pessoa e sua experiência singular de vida. O
humano desaparece, evapora no seio do Todo. O Novo Pensamento faz
da experiência pessoal, da existência temporal/concreta o ponto inicial
da filosofia. Antes de ser pensamento, o ser humano é um corpo singular
– no mundo. Portanto, para ser autêntica e escapar das armadilhas do
Idealismo, a filosofia deve radicar-se na experiência pessoal.
A filosofia tradicional não se limitava a transpor o verdadeiro ser
do homem para uma essência geral, que é a mesma para todos os
homens particulares, mas também asseverava que a meta da vida
humana está contida na manifestação dessa ideia geral do ser
humano. O Novo Pensamento protesta contra semelhante derrogação da dignidade do indivíduo. Atribui valor ao homem individualmente, não apenas originalidade de ser, mas valor primordial;
mantém que o valor da vida do indivíduo se encontra nesta vida,
e não em um princípio geral que o transcenda (GUTTMANN,
2003, p. 398).
A verdade não é mais o todo em sua unidade absoluta, mas a verdade singular, o pluralismo de sentido que marca a riqueza do real. A
posição assumida por Rozenzweig no Novo Pensamento é de
[...] oposição ao curso filosófico tradicional de Tales até Hegel, na
medida em que toda esta linha se baseia no pressuposto da unidade do mundo e de sua derivação de um princípio único, o de todo
ser, cujo correlato é o pressuposto da unidade de pensamento e de
seu poder de apreender, em todas as manifestações do ser, a sua
essência. Contra este essencialismo e monismo, construído sobre a
tríade Deus, mundo e homem, na qual é reconhecida a supremacia
de um e os outros são deduzidos deste fundamento, Rosenzweig argumenta que o pensamento pode descrever e analisar cada um dos
três elementos, que se lhe apresentam na experiência, mas nada
pode acrescentar à sua essência. Isto significa que os três elementos
são dados ao pensamento e que ele, ao reconhecê-los como tais,
reconhece o caráter independente da existência, à qual não pode
gerar, mas apenas entender como existente à parte, que o precede
e de que é um dos elementos (GUINSBURG, 1070, p. 507-508).
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Ao longo da história, o ser humano alimentou o desejo de explicar
todas as coisas, trazer tudo a luz do conceito. Não se aceita a realidade como ela se apresenta. Pretende-se dizer o que a coisa é; a essência.
Pretende-se encontrar uma essência capaz de abarcar o Todo. A riqueza
do real, com sua multiplicidade, é reduzida a um conceito. “A filosofia
nasce da vontade de chegar à arché, e esta arché não pode estar na coisas
mesmas – alvo dos enganos e ilusões dos sentidos – mas naquilo que
a racionalidade é capaz de, em penetrando, desnudar para si mesma: a
essência da realidade” (SOUZA, 2003, p. 66).
Para Rosenzweig, à pergunta sobre a essência existem apenas respostas tautológicas. Deus só é divino; o homem, só humano; o mundo,
só mundano e, por mais profundamente que se cave, em cada um sempre
só se encontrará a mesma coisa. A filosofia se recusa a aceitar o mundo
como mundo, Deus como Deus, o homem como homem. No seu esforço
de reduzir a essência de uma coisa à essência de uma outra, a filosofia
continua a elaborar todas as permutações possíveis. De um ponto de vista geral, este esforço caracterizou as três épocas da filosofia europeia: a
antiguidade cosmológica – tudo é explicado a partir do mundo; a Idade
Média – Deus é a causa de tudo; e a nossa era moderna antropológica –
tudo é explicado pela subjetividade do sujeito.
Desde o tempo de Tales, que considerava a água o princípio do
ser, até Hegel, que via no Espírito a única realidade verdadeira,
ninguém desafiou essa assunção, o que implica deduzir deste
princípio todos os modos de ser. A filosofia mantém que essa
concepção é evidente por si, que os três elementos que deparamos
na experiência – Deus, o mundo e o homem – têm uma essência, sendo um deles essencial e os outros dois vistos como suas
manifestações. A filosofia apenas pergunta qual dos três é o ser
essencial e quais são derivados dele. A filosofia antiga e muitas
tendências do ulterior naturalismo derivam geralmente Deus e o
homem do mundo; a teologia na Idade Média e o misticismo em
geral derivam o homem e o mundo de Deus; e o moderno idealismo assenta Deus e o mundo na consciência – e, portanto, em
última instância, no homem (GUTTMANN, 2003, p. 396-397).
A verdade é que estes três primeiros e últimos objetos de todo filosofar são como cebolas, e, descascando-as até o último fiapo, não se encontrará nada além de camada sobre camada, e nunca algo inteiramente
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diferente. Só o pensar é que é encurralado dentro de um labirinto através
do poder alienador da palavrinha “é”, que substitui uma coisa pela outra.
Mas a experiência, não importa quão fundo consiga chegar, encontrará apenas o humano no homem, o mundano no mundo, e o divino em
Deus. E encontrará o divino somente em Deus, o mundano somente no
mundo e o humano somente no homem. A indagação quanto à essência
das coisas nada pode produzir exceto respostas tautológicas. Escave cada
vez mais fundo, e Deus continuará sendo apenas divino, o homem apenas humano e o mundo apenas mundano.
Se a filosofia tradicional pensa o universal abstrato, Rosenzweig quer
resgatar o valor do singular, da experiência.
A individualidade pode apresentar uma forma plural; para o “eu”
existe apenas o singular. O ego, na sua orgulhosa condição de
“eu”, também determina seu destino, que é a solidão. As relações
entre os homens sempre permanescem na esfera da existência do
mundo, mas entre um eu e o outro não há ponte. Cada eu está só
na medida em que é um ego (GUTTMANN, 2003, p. 407).
A filosofia da essência é marcada pela lógica da identidade ou a filosofia do Mesmo. O novo pensamento leva em conta a diferença, a pluralidade e a experiência singular de cada pessoa com a temporalidade
do acontecimento. Valoriza-se o individual com suas experiências ante
o geral abstrato. O ser humano é pensado na plenitude de seu ser. Rosenzweig Valoriza as experiências do cotidiano, os acontecimentos do
dia a dia; resgate-se o mundo da vida com todas as suas experiências e
vivências.
Em lugar do pensar solitário, do pensamento sem tempo entra em
cena o falar, o diálogo que leva a sério o tempo e o outro. A diferença entre o pensamento velho e o novo, entre pensamento lógico e gramatical,
não consiste no exprimir-se em voz alta ou baixa, mas na necessidade
do outro ou, o que é o mesmo, no levar a sério o tempo; aqui, pensar
significa pensar para ninguém (e, se soar melhor para alguém, em vez de
ninguém se pode colocar também todos, a famosa coletividade), quando
falar significa, pelo contrário, falar a alguém, e esse alguém é sempre
muito preciso e não tem apenas orelhas, como a coletividade, mas também uma boca. Saímos do isolamento do sujeito abstrato e entramos na
correlação dialógica, no encontro em que a escuta é atenção à voz transFilosofazer. Passo Fundo, n. 35, jul./dez. 2009.
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cendente que interpela. Não sei de antemão, o que outra pessoa me dirá,
porque nem mesmo eu sei o que eu próprio vou dizer. Nem mesmo sei
se vou dizer alguma coisa. Talvez o outro diga as primeiras palavras, pois
numa conversação real é o que geralmente acontece.
O pensar da essência ou o velho pensamento é intemporal e quer ser
intemporal. O Novo Pensamento valoriza o tempo. Tudo o que fazemos
pressupõe o tempo. Não há diálogo independente do tempo. O falar é
algo ligado ao tempo. É o tempo que sustenta o diálogo. Sem tempo não
é possível haver diálogo. A temporalidade sustenta a conversação; sem o
tempo a conversação não existe. Segundo Rosenzweig, a diferença entre
o velho e o novo pensamento não consiste em falar alto ou baixo, mas em
necessitar do outro ou o que dá no mesmo, em levar a sério o tempo
Não se pode iniciar uma conversação pelo seu final, ou uma guerra
com um tratado de paz ou a vida com a morte. Querendo ou não, ativa
ou passivamente, deve-se esperar o tempo dado; não se pode saltar um
só momento. A cada instante, o conhecimento está atado àquele exato
instante e não pode tornar seu passado não-passado, ou seu futuro não-futuro. O falar está ligado ao tempo e é nutrido pelo tempo. Necessitar
do tempo significa que não nos podemos antecipar, que precisamos esperar por tudo, que aquilo que é nosso depende do que é do outro.
A diferença entre o pensamento velho e o novo, o lógico e o gramatical, não reside no fato de que um é silente e o outro é audível,
mas no fato de que o segundo necessita de outra pessoa e leva a
sério o tempo, na verdade, estas duas coisas são idênticas. Na velha filosofia, pensar significa pensar para ninguém mais e falar a
ninguém mais (e aqui, se preferis, podeis substituir ninguém por
todos ou pelo bem conhecido todo mundo). Mas falar significa
falar a alguém e pensar para alguém. E este alguém é sempre bem
definido, e tem não só ouvidos, como todo o mundo, mas também uma boca (GUINSBURG, 1970, p. 515).
A dignidade humana em Rosenzweig passa pela valorização das experiências singulares e pela valorização do tempo, pois a pessoa é tempo.
Nossa existência se dá no tempo. Tudo o que fazemos pressupõe, necessita do tempo. “É o tempo que permite a ética, e, sem tempo, não há ética”
(SOUZA, 2004, p. 76). A temporalidade é dimensão constituinte da realidade. As nossas experiências são possíveis a partir do tempo. “As coisas
não acontecem “no” tempo; é o tempo que acontece, e esse acontecer
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significa o acontecer das coisas” (SOUZA, 2004, p. 78). A essência nada
quer saber do tempo. Seu pensamento é atemporal ou é uma temporalidade marcada pela eternidade. O Novo Pensamento valoriza o tempo
oportuno, o instante presente, pois não podemos fazer nada sem contar
com o tempo. Nada acontece fora do tempo.
A racionalidade não se opõe ao tempo, mas é uma expressão dele.
O tempo não é alguma derivação da racionalidade, seja enquanto
medida do movimento, seja enquanto categoria a priori, seja em
sua dimensão subjetiva ou objetiva – mas, sim, o tempo é o que
sustém algo como a possibilidade de inteligibilidade do real – real
que é nada menos e nada mais que o tempo que efetivamente
decorre (SOUZA, 2004, p. 80).
Todo o esforço filosófico de Rosenzweig consiste em tentar dizer o
tempo no seu momento rico da experiência de cada ser humano; pensar
o tempo e seu instante presente que é o momento onde tudo se decide. O
outro é expectativa de justiça; é tempo a espera de atitude ética, de reconhecimento de sua dignidade. Pensar a dignidade a partir da racionalidade plural que no tempo oportuno busca a justiça para si e para o outro,
é fazer de cada momento uma oportunidade para avançar na conquista
de uma justiça mais justa. O tempo certo está aí. “No fundo, e antes de
tudo, está a realidade da vida, vida que é tempo e que somente pode ser
vivida no tempo. E viver no tempo significa exatamente: levar a sério o
tempo do Outro, ou seja, amar” (SOUZA, 1999, p. 124).
O Novo Pensamento pretende despertar para a experiência do tempo como dimensão constitutiva do nosso existir. O tempo e a experiência da temporalidade constituem elementos inseparáveis da vida humana. Eles pertencem ao núcleo de nossa experiência vital.
Rosenzweig é o artífice maior de uma passagem: da lógica do Mesmo à realidade do Outro – do estático, em si mesmo auto-referido
e auto-formulado, ao humanamente temporalizado. Esta é a medula de sua obra: quando fala em entendimento sadio e doente,
não tem em vista mais do que isso: da doença da solidão original
do ser feito fórmula à saúde do ser que só “é” em relação com o
Outro, ou seja, a saúde que relativiza definitivamente a ontologia
e alarga a possibilidade real de um encontro real. Vida: este é o
mundo cuja construção Rosenzweig propôs; que não seja, apesar
de tudo, tarde demais para que se possa, finalmente, assumi-la
em todas as suas conseqüências possíveis (SOUZA, 1999, p. 139).
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Referências bibliográficas
BACCARINI, Emílio. O novo pensamento como narração da experiência
de Deus. In: PENZO, Giorgio; GIBELLINI, Rosino (org.). Deus na
filosofia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998.
ROSENZWEIG, Franz. El nuevo pensamiento. Madrid: Visor, 1989.
GUINSBURG, J. O judeu e a modernidade: súmula do pensamento
judeu. São Paulo: Perspectiva, 1970.
GUTTMANN, Julius. A filosofia do judaísmo: a história da filosofia
judaica desde os tempos bíblicos até Franz Rosenzweig. São Paulo:
Perspectiva, 2003.
SOUZA, Ricardo Timm de. Totalidade & desagregação: sobre as fronteiras
do pensamento e sua alternativas. Porto Alegre: Edipucrs, 1996.
______. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de
Franz Rosenzweig. São Paulo: Perspectiva, 1999.
______. Razões plurais: itinerários da racionalidade no século XX:
Adorno, Bérgson, Derrida, Levinas, Rosenzweig. Porto Alegre: Edipucrs,
2004.
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