FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ECONOMIA A ASCENSÃO DA CHINA COMO POTÊNCIA MUNDIAL A PARTIR DA REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA INTRODUZIDA POR DENG XIAOPING MARIA CAROLINA KOCH ROSSI Monografia de Conclusão do Curso apresentada à Faculdade de Economia para obtenção do título de Graduação em Relações Internacionais, sob orientação do Prof. Marcus Vinicius de Freitas. São Paulo, 2011 ROSSI, Maria Carolina Koch. A ASCENSÃO DA CHINA COMO POTÊNCIA MUNDIAL A PARTIR DA REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA INTRODUZIDA POR DENG XIAOPING, São Paulo, FAAP, 2011, 68p. (Monografia Apresentada ao Curso de Graduação em Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado) Palavras- Chave: China - Crescimento Econômico - Deng Xiaoping Economia Chinesa - Economia Internacional - Partido Comunista Chinês Potência Mundial - Reformas Econômicas. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de mostrar minha sincera gratidão ao grande Orientador e amigo professor Marcus Vinicius, pessoa fundamental para a realização desse trabalho. Graças a ele, pude ter um amigo com quem conversar todo esse tempo sobre China e alguém que me pressionasse para dar o melhor de mim mesma. Obrigada pelos momentos de descontração, orientações e dicas indispensáveis, ajuda, dedicação e todo o apoio que me deu. Agradeço muito à minha mãe, Ilsen, e meu pai, Lourival, não somente por todos os ensinamentos, mas principalmente pelo amor e valores que formam a base mais sólida que eu poderia ter. Vocês são imprescindíveis na minha vida. Obrigada por confiarem em mim e me fazerem acreditar que sou capaz de atingir meus objetivos. Ao meu irmão, Rafael, por acreditar em mim, e à minha avó, Aparecida, pela companhia e compreensão. Obrigada infinitamente à minha família pelo amor, paciência, estimulação e ideias, fatores essenciais para a conclusão dessa etapa da minha vida. Ao querido Feng Yu, pelo incentivo, amor e paciência. Um agradecimento especial ao professor Luiz Alberto Machado, pela motivação, confiança, reconhecimento e por abrir portas para a minha formação acadêmica, profissional e pessoal. Obrigada por ter se tornado um valioso amigo e que você continue sempre enxergando o potencial dos alunos da Faculdade de Economia e criando oportunidades únicas para que os próximos internacionalistas e economistas tenham experiências, palestras e aprendizados tão importantes como os que eu tive para a minha formação. Também gostaria de agradecer ao querido professor Oscar Holme, pelas indicações de livros e sugestões de tema, mas principalmente pelo carinho e atenção com que sempre me recebeu. Meu sincero agradecimento a todos os professores da FAAP, por suas valiosas aulas e dedicação em cumprir seu papel. Agradeço aos funcionários da Faculdade de Economia e da Biblioteca da FAAP, sempre muito atenciosos e prestativos, e em especial à Danieli Domingues, que sempre me incentivou a lutar pelos meus objetivos. O curso de graduação se conclui, mas os ensinamentos e os amigos continuam pela vida. Aos amigos da faculdade e a todos os outros que me auxiliaram e apoiaram de qualquer maneira nesse momento tão importante. Um agradecimento ao amigo Li Jing, por sua disposição em ajudar e pelas importantes sugestões ao meu trabalho, bem como indicação de fontes e material para utilizar. Agradeço ainda ao meu chefe Eugenio Fuser, pela compreensão e pelas oportunidades concedidas, e aos colegas da Comexport, que calorosamente me acolheram e dividiram comigo tantos ensinamentos. Obrigada a todos que de alguma forma fizeram diferença nessa produção e aos que irão ler esse trabalho. Finalmente, gostaria de fazer um agradecimento sincero aos meus amigos chineses. Obrigada por sempre serem muito receptivos ao meu interesse pela China, tratarem-me de modo muito amável e atencioso e fazerem eu me sentir parte das transformações que seu país está realizando no mundo. Pela sua receptividade e boa vontade em ensinar e contar mais sobre a China e sua cultura, contribuíram para me motivar cada vez mais a estudar e buscar entender mais profundamente a China. “Grandes realizações são possíveis quando se dá importância aos pequenos começos.” (Lao Zi) “天下大事,必作于细。”(老子) RESUMO Esse trabalho apresenta o processo de ascensão da China como potência mundial a partir da reestruturação econômica promovida por Deng Xiaoping e a continuidade das reformas conduzida por seus sucessores, Jiang Zemin e Hu Jintao. As medidas econômicas introduzidas por Deng Xiaoping foram fundamentais para transformar a China e para a sua inserção na economia internacional, criando condições para que se tornasse uma potência mundial. Uma análise acerca das vulnerabilidades atuais do país também é feita, de modo a salientar a importância de solucionar essas questões para que o país possa manter a sua ascensão na economia mundial. ABSTRACT This paper presents the process of China's rise as a world power due to the economic restructuring promoted by Deng Xiaoping and the continuity of the reforms conducted by his successors, Jiang Zemin and Hu Jintao. The economic reforms introduced by Deng Xiaoping were essential for China‟s transformation and its integration into the international economy, creating conditions for the country to become a world power. An analysis about the current vulnerabilities of the country is also presented in order to emphasize the importance of resolving these issues, so that it can maintain its rise in the global economy. SUMÁRIO Lista de Gráficos Lista de Tabelas Lista de Siglas INTRODUÇÃO 1 1 A TRANSFORMAÇÃO DA CHINA E SUA INSERÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL 4 1.1 O Fim da Revolução Cultural e o Início da Era Deng Xiaoping 4 1.2 A Era Deng Xiaoping e a Introdução das Reformas Econômicas 6 1.3 A Abertura da Economia ao Capital Estrangeiro: Investimento Estrangeiro Direto na China 11 1.4 Políticas de IED na China 13 1.5 Atratividade da Economia Chinesa 16 1.6 Impacto do IED na China 17 2 A CHINA PÓS-DENG XIAOPING: CONTINUIDADE DAS REFORMAS ECONÔMICAS E ASPECTOS POLÍTICOS 20 2.1 Tiananmen e suas Repercussões 20 2.2 A Liderança de Jiang Zemin: Ascensão ao Poder 21 2.3 O Governo de Jiang Zemin: Desafios Enfrentados e Políticas Praticadas 26 2.4 O Retorno de Hong Kong e de Macau para a China 37 2.5 O Aprofundamento da Integração da China à Economia Internacional: a Entrada na Organização Mundial do Comércio 2.6 A Sucessão de Jiang Zemin 38 40 3 A ASCENSÃO DA CHINA COMO POTÊNCIA GLOBAL E SEUS DESAFIOS 42 3.1 Hu Jintao no Poder 42 3.2 Vulnerabilidades da China 43 3.2.1 Desigualdade social 43 3.2.2 Câmbio 45 3.2.3 Acúmulo de reservas internacionais 48 3.2.4 Bolha imobiliária 48 3.2.5 Inflação 49 3.2.6 Direitos humanos 51 3.2.7 Questão energética 52 3.2.8 Instabilidade regional 53 3.3 Perspectivas para a China como potência global 54 CONCLUSÃO 60 REFERÊNCIAS 63 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Balança comercial da China (em bilhões de dólares) 18 Gráfico 2 – Crescimento anual do PIB chinês 19 Gráfico 3 - Crescimento do PIB chinês comparado ao mundial 27 Gráfico 4 – PIB da China (em dólares) 28 Gráfico 5 – Confiança do consumidor chinês (janeiro de 2010 a outubro de 2011) 50 Gráfico 6 – Mudanças mensais nos preços ao consumidor (2010) 50 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Fluxos de IED contraídos e realizados na China (1979-2003) 12 LISTA DE SIGLAS CCTV – China Central Television EUA – Estados Unidos da América FMI – Fundo Monetário Internacional IED – Investimento estrangeiro direto OMC – Organização Mundial do Comércio ONU – Organização das Nações Unidas OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte PCCh – Partido Comunista Chinês PIB – Produto Interno Bruto RAE – Região Administrativa Especial RPC – República Popular da China SETC – Comissão Estatal de Economia e Comércio ZEE – Zona Econômica Especial INTRODUÇÃO A presente monografia trata do processo de ascensão da China como potência mundial a partir das reformas econômicas promovidas por Deng Xiaoping, bem como a importância da continuidade do processo de reestruturação econômica pelas lideranças posteriores. O problema analisado se refere à questão de como foi possível a China se projetar como uma potência mundial e a hipótese defendida é a de que a reestruturação econômica promovida por Deng Xiaoping e sua continuidade pelos líderes sucessores foram os fatores responsáveis pela transformação do país e consequente ascensão como potência global. As reformas econômicas e a abertura ao Exterior realizadas na China por Deng ao final da década de 1970, especialmente no que se refere aos esforços de atração de investimento estrangeiro para o país, somadas à continuidade das medidas favoráveis ao desenvolvimento econômico pelos governos sucessores de Jiang Zemin e Hu Jintao, conduziram a China à sua transformação em um ator de grande relevância no panorama econômico internacional. O tema escolhido tem como objetivo auxiliar na compreensão do contexto econômico internacional contemporâneo, no qual a China exerce papel de grande importância. Com a rápida expansão da China no cenário mundial, sobretudo na área do comércio internacional, torna-se necessário entender como esse país conseguiu passar por uma transformação tão acelerada que o permitiu emergir como potência mundial e alterar o cenário internacional dominado há muito tempo pelos Estados Unidos. Assiste-se atualmente a um gradual deslocamento do eixo econômico internacional do Atlântico para o Pacífico e a rápida recuperação da China após a crise financeira global de 2008 sinaliza como a economia desse país tem se fortalecido, apesar de enfrentar algumas vulnerabilidades. É importante entender quais as políticas adotadas que possibilitaram a formação de uma economia que mantém taxas consecutivas de crescimento elevadas, bem como quais foram os fatores envolvidos no processo decisório acerca de que caminho seguir para atingir o desenvolvimento econômico. Os resultados atingidos pela reestruturação econômica ao final da década de 1970, momento em que o país se encontrava estagnado, instável e majoritariamente rural, devem ser estudados também pelo fato de se observar, diferentemente dos domínios mundiais anteriores de Estados Unidos e Europa, um país que não é rico ter se tornado uma potência global. Além desses fatores, o projeto em questão também visa à contribuição acadêmica na área de estudos ligados à Ásia, Relações Internacionais e China, destacadamente. Para a realização do projeto, foram utilizados como fontes livros, publicações em revistas especializadas, documentos eletrônicos, relatórios de agências estatais e centros de pesquisa, artigos de jornais e dados de organismos internacionais, principalmente. O levantamento foi feito seguindo a ordem cronológica de desenvolvimento do processo histórico chinês. Os artigos de jornais recentes, no entanto, foram levantados gradualmente e simultaneamente às pesquisas realizadas a respeito do processo histórico, uma vez que se tornou necessária a observação dos acontecimentos e do panorama atual da China a fim de construir a trajetória do país em sua inserção internacional, assim como diagnosticar suas vulnerabilidades atuais. O primeiro capítulo aborda a transição do final da Revolução Cultural Chinesa, em 1976, para a era das reformas econômicas e abertura do país ao mundo, que se intensificariam na década de 1980. Deng Xiaoping se tornou o líder chinês que introduziu e disseminou as reformas econômicas nesse período, em diversos setores, destacando-se a criação de condições favoráveis ao ingresso de capital estrangeiro no país. Aspectos como as políticas para atração de IED e seu impacto no crescimento econômico chinês são abordados nesse capítulo. Já o segundo capítulo tem como proposta uma análise do governo do sucessor Jiang Zemin, discutindo aspectos políticos e econômicos do período. Sua ascensão ao poder e a dificuldade em se consolidar como um líder forte dentro do Partido Comunista Chinês, a continuidade das reformas econômicas iniciadas por Deng e a intensificação do processo de inserção internacional, destacadamente, são tópicos tratados em seguida. O terceiro capítulo, por sua vez, traz o governo de Hu Jintao e um panorama sobre a China atual, apontando principalmente para pontos cujas soluções representam um desafio à continuidade da ascensão chinesa no cenário internacional. Além disso, algumas projeções sobre o papel futuro desempenhado pela China são expostas. A partir do presente estudo, será possível compreender o gradual processo que conduziu a China à posição de destaque que possui atualmente no contexto econômico internacional, bem como seus desafios para se manter como potência mundial e, acima disso, fazer com que sua presença continue a crescer no cenário global. A conclusão apresentada defende que a reestruturação da economia liderada por Deng foi fundamental à ascensão da China como potência mundial e é responsável pela base do ambiente econômico no país. O prosseguimento, dirigido por Jiang e Hu, das reformas que impulsionaram a economia chinesa, foi também essencial no processo de emergência como potência global. Além disso, propõe-se a solução das vulnerabilidades atuais para que o país consiga continuar ascendendo internacionalmente. 1 A TRANSFORMAÇÃO DA CHINA E SUA INSERÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL 1.1 O Fim da Revolução Cultural e o Início da Era Deng Xiaoping Ao final de 1976, a República Popular da China (RPC) iniciou uma nova etapa de sua história que trouxe uma verdadeira transformação interna, que alteraria o papel internacional do país. Em setembro desse ano, membros do Partido Comunista Chinês (PCCh)1, que haviam participado da Longa Marcha 2 e retornavam ao poder após a morte de Mao Zedong 3 , particularmente Deng Xiaoping4, introduziriam reformas que transformariam a RPC. A partir das reformas e políticas adotadas no período pós-Mao, marcadas pela inserção chinesa na economia mundial e abertura ao capital estrangeiro, a China passou de um país fechado, politicamente instável e predominantemente rural para um país relativamente aberto, estável, modernizante e urbanizado (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p. 406). Após a morte de Mao, seguiu-se a prisão de sua esposa e do “Bando dos Quatro” 5, a mando de Hua Guofeng 6 , líder mais conservador que sucedeu Mao Zedong e pôs fim à Revolução Cultural7 (MEZZETTI, 2000, p. 25). Houve também, pouco depois, a reabilitação 1 O PCCh é o partido que, fundado em 1921, tomaria o poder em 1949 após longa guerra civil, fazendo com que os nacionalistas do Guomindang, Partido Nacionalista Chinês, fugissem para a ilha de Taiwan e ali estabelecessem a República da China. O PCCh é também o único partido na RPC, centralizando Exército, Estado e Mídia, e se mantém no poder desde 1949. Sua legitimidade é garantida pela Constituição do país. 2 O episódio conhecido como a Longa Marcha durou de outubro de 1934 a outubro de 1935 e caracterizou-se pelo movimento do Exército Vermelho chinês combatendo, ao mesmo tempo em que se retirava, os nacionalistas de Jiang Zhong Zheng, conhecido no Ocidente como Chiang Kai-shek. Oitenta mil homens, mulheres e crianças seguiram Mao Zedong e, devido à fome, doenças e difíceis condições, estima-se que apenas de 8000 a 9000 pessoas tenham sobrevivido. 3 Mao Zedong (1893-1976) foi o grande líder comunista chinês e um dos fundadores do PCCh. Em 1949, foi proclamado presidente da RPC. Além de revolucionário e político, foi também teórico e suas ideias influenciaram não somente a população chinesa, como também muitos marxistas no mundo. 4 Deng Xiaoping (1904-1997) foi o líder político da China de 1978 a 1992 e o grande responsável pelas reformas e pela abertura econômica do país após o fracasso da Revolução Cultural. Criou o chamado “socialismo de mercado” ou socialismo com características chinesas. 5 O Bando dos Quatro refere-se a um grupo formado pela esposa de Mao Zedong, Jiang Qing, e outros três dirigentes e seguidores seus, membros do PCCh responsáveis pela implantação da Revolução Cultural. 6 Hua Guofeng (1921-2008) colocou fim à Revolução Cultural e foi sucessor de Mao Zedong na liderança da China, tendo sido posteriormente deslocado do poder por Deng Xiaoping por querer seguir linhas mais tradicionais e maoístas. 7 A Revolução Cultural Chinesa caracteriza-se como um período que teve início em 1966 e foi marcado por uma profunda campanha ideológica liderada por Mao e seus seguidores com a finalidade de acabar com a oposição vinda de setores menos radicais do partido, bem como reeducar a população a favor das ideias maoístas. Esse período teve fim em 1976, com a morte de Mao Zedong, e representou um período de grande atraso e radicalismo para o país. de Liu Shaoqi8 ao PCCh, perseguido e vítima da Revolução Cultural, o que simbolizava uma quebra dos fundamentos que haviam dirigido o país durante aquele período (Idem, ibidem, p. 30-31). Deng Xiaoping foi, a rigor, somente Vice-Premiê e Presidente da Comissão Central 9 Militar , até novembro de 1989, e não Presidente do país. Entretanto, mais que isso, permaneceu como grande líder da China até morrer em fevereiro de 1997, participando frequentemente do cenário político e das tomadas de decisão. Além de ser o principal responsável pelas extraordinárias mudanças ocorridas na China durante o período pós-Mao, Deng também dispunha de uma autoridade advinda de seu status como membro da geração revolucionária original e de seus contatos dentro do PCCh e das Forças Armadas. Durante seus estudos, Deng viajou à França em 1920 com apenas 16 anos para trabalhar e, posteriormente, foi à União Soviética. Foi recrutado para o PCCh em 1924 por Zhou Enlai10, o qual seria Primeiro-Ministro a partir da fundação da RPC. Foi a perseguição a Deng, sua família e outros membros do PCCh durante a Revolução Cultural, e não a experiência obtida por ele, que o levaram a adotar medidas que reverteriam as políticas vigentes durante o maoísmo (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p. 406-407). A maioria do PCCh apoiou a decisão de Deng e seus colegas de abandonar as políticas maoístas, principalmente porque a Revolução Cultural se havia mostrado em muito ineficiente e destrutiva tanto para o país como para o próprio PCCh. Além disso, a maior parte dos membros do Partido não compartilhava das visões utópicas de Mao acerca de sociedade igualitária, modelo soviético de controle estatal da economia, foco na indústria pesada e coletivização da agricultura, dentre outras ideias, que levaram a uma economia vacilante não apenas na China, mas também no resto dos Estados Comunistas. Inicialmente, Deng Xiaoping e outros membros do PCCh tiraram do poder Hua Guofeng, anteriormente escolhido por Mao como substituto de Deng após as acusações de que este teria incitado demonstrações por parte de ex-Guardas Vermelhos e trabalhadores na 8 Liu Shaoqi (1898-1969) foi proclamado Presidente da China em 1959 após o fracasso do projeto de Mao do “Grande Salto Adiante”, que pretendia agilizar a coletivização das áreas rurais e a industrialização nos centros urbanos. Manteve-se no cargo de presidente até 1968. 9 A Comissão Central Militar é o órgão de defesa nacional da RPC. 10 Zhou Enlai (1898-1976) foi influente político e membro do PCCh, tendo exercido o cargo de PrimeiroMinistro da RPC de 1949 a 1976. Praça Tiananmen11, clamando pelo fim da Revolução Cultural e pela destituição do Bando dos Quatro, em abril de 1976. Em dezembro de 1978, Deng e outros membros do PCCh oficialmente subiram ao poder no Terceiro Plenário do 11° Comitê Central12, pondo de lado Hua Guofeng. Na década de 1980, Hu Yaobang13, discípulo de Deng, substituiria Hua como secretário-geral do PCCh, enquanto Zhao Ziyang 14 , outro discípulo, se tornaria PrimeiroMinistro (Idem, ibidem, p. 407). 1.2 A Era Deng Xiaoping e a Introdução das Reformas Econômicas O Terceiro Plenário de 1978 formalizou o início da era das reformas, apesar de a reversão das políticas adotadas por Mao Zedong ter começado logo após sua morte, em 1976. A volta gradual ao poder dos líderes partidários expurgados por Mao transformou o caráter das políticas de ideológico para pragmático. Logo, o desenvolvimento econômico seria enaltecido e substituiria as campanhas ideológicas. As reformas lançadas pouco após o Terceiro Plenário, implantadas por sucessivas fases e adaptações a novos desafios, impulsionaram um crescimento econômico sem precedentes e finalizaram a estagnação econômica e a instabilidade política no país remanescentes da era Mao. Para Deng, o PCCh poderia fortalecer-se a partir da melhoria das condições de vida da maior parte da população, que vivia no interior do país. Desse modo, as reformas foram inicialmente implantadas no interior, onde pouco havia mudado desde 1949, na tentativa de trazer melhores condições e menos dificuldades aos camponeses. Em seguida, no campo, as reformas tiveram início a partir da simples decisão de pressionar menos os produtores rurais quanto à quantidade de produção coletada, o que antes até desestimulava os investimentos de tempo e dinheiro dos fazendeiros na agricultura. As metas foram levemente reduzidas e os preços de aquisição aumentaram (NAUGHTON, 2007, 11 A Praça Tiananmen, conhecida também como Praça da Paz Celestial, localizada em Beijing, ficaria posteriormente conhecida pelo massacre ali ocorrido em 1989, quando estudantes realizando protestos favoráveis à democracia foram violentamente reprimidos pelo Exército, acarretando num grande montante de mortos. O acontecimento reforçaria o fato de que, apesar de a China passar por reformas econômicas, o âmbito político continuaria rígido, restrito e autoritário. 12 O Terceiro Plenário do 11° Comitê Central aconteceu em dezembro de 1978 e marcou o início da reforma e abertura econômica da China, introduzindo várias decisões importantes, bem como caracterizou uma nova configuração política que se mostraria mais flexível que a da era Mao. 13 Hu Yaobang (1915-1989) foi um líder que apoiou as reformas políticas e econômicas da China, além de grande colaborador de Deng Xiaoping. Era muito favorável à promoção da reforma política. Sua morte desencadeou os protestos da Praça de Tiananmen. 14 Zhao Ziyang (1919-2005) foi um político chinês que ocupou o cargo de primeiro-ministro de 1980 a 1987 e de secretário-geral do PCCh de 1987 a 1989. Aliado de Deng, era reformista e se mostrava bem crítico às ideias maoístas. p. 88-89). As medidas adotadas foram custosas, porém os líderes nacionais acreditavam que a economia rural de fato necessitava de ampla reestruturação. Uma importante medida tomada por Deng se refere ao reconhecimento do sistema de responsabilidade familiar15, até então visto de maneira negativa pelo regime comunista. A responsabilidade dos contratos de arrendamento da terra foi inicialmente vinculada à produtividade, mas logo passou a ser ligada ao valor da propriedade da terra. Através de um contrato que atribuía terras coletivas a famílias individuais, os agricultores davam uma porcentagem de seus ganhos ao Estado ou à coletividade e, em troca, tinham direito de gestão sobre um pedaço determinado de terra (ZHOU, 2009, p. 120-121). Esse sistema de fato aumentava a produtividade, no entanto não tinha proteção e reconhecimento legais. A partir de Deng, contudo, foi gradualmente aprovado pelo governo central e as áreas que o utilizavam apresentaram considerável desenvolvimento. Posteriormente, em 2002, o Congresso do Povo aprovou a Lei da República Popular da China sobre Contrato de Terras em Áreas Rurais, determinando que os direitos de uso, transferência e renda das terras agrícolas devem ser contratados a longo prazo para as famílias camponesas (Idem, ibidem, p. 122). A transição para o mercado ocorrida na China se diferenciou muito das outras economias anteriormente socialistas, uma vez que os líderes chineses viam o país como uma nação de baixa renda em desenvolvimento e, a partir disso, havia a necessidade de promover o desenvolvimento econômico, o que seria feito através do uso de uma estratégia gradual de mudança. Para os líderes e formuladores de política chineses, o desenvolvimento econômico não poderia esperar uma transformação do sistema. Os reformistas, então, clamaram pela necessidade de pessoas e organizações poderem ter suas demandas e necessidades atendidas, além de poderem ganhar certo rendimento adicional e também terem a oportunidade de se tornarem empreendedores (NAUGHTON, 2007, p. 85-87). É possível dividir o processo de reforma econômica chinesa em duas fases principais: a primeira se caracterizou pela adoção de reformas graduais, introduzindo o mercado, descentralizando as decisões econômicas através da delegação de poderes a autoridades provinciais e locais, originando a competição e diversificando propriedades; a segunda fase, 15 O sistema de responsabilidade familiar começou como um experimento secreto entre camponeses durante o regime maoísta, por meio do qual as terras coletivas foram atribuídas a famílias individuais, como uma maneira de lidar com a ausência de incentivos, motivando os membros da coletividade a trabalharem mais. por sua vez, ainda está em andamento e se iniciou aproximadamente a partir de 1993, quando o foco das reformas se tornou mais completo e houve a retração do setor estatal, a criação de condições que levariam à competição mais leal no mercado e o estabelecimento de taxas de arrecadação e regras mais uniformes em todos os setores da economia, entre outras medidas (Idem, ibidem, p. 85-88). Ao mesmo tempo, tornou-se cada vez mais notável o dinamismo e o crescimento das economias do Leste Asiático, como Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Japão, o que influenciaria os líderes chineses no sentido de realizar reformas que seguissem o modelo dos vizinhos, imitando aspectos como a economia de mercado, indústrias de bens de consumo e comércio internacional, destacadamente. Essas práticas criariam tendências duradouras, como, por exemplo, os mercados regionais dinâmicos, o comando de empresas por parte de governos locais, dentre outras. É necessário destacar o Programa das Quatro Modernizações 16 . Embora proposto muito antes por Zhou Enlai e contando com o auxílio de Deng Xiaoping para solucionar problemas decorrentes da Revolução Cultural e da estratégia econômica adotada desde 1960, somente em 1978 o programa foi oficialmente anunciado durante o Terceiro Plenário e pôde, finalmente, ser implantado sem encontrar maiores resistências, uma vez que com a prisão do Bando dos Quatro a oposição havia cessado. O programa se focava nas áreas de agricultura, ciência, indústria e tecnologia (BERGERE, 1980, p. 51-54). O chamado “socialismo com características chinesas”, adotado por Deng, combinou a mudança para uma economia de mercado com o Partido-Estado leninista que ainda se tinha. Com isso, tentava-se introduzir a tecnologia, ciência e práticas econômicas ocidentais na esperança de manter o sistema político leninista (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p. 408). A absorção da tecnologia e dos métodos econômicos do Ocidente e a inserção no comércio internacional, no entanto, trouxeram simultaneamente as ideias, valores e pensamentos ocidentais que, ao final da década de 1980, exerceriam enorme influência na sociedade chinesa através de livros, filmes, televisão, propagandas, rádio e internet, atingindo inclusive o interior do país. Concomitantemente, passou a existir mais espaço para a expressão intelectual e individual conforme se dava menos ênfase à ideologia (HIGHER EDUCATION PRESS, 2006, p. 257). 16 As Quatro Modernizações referem-se às políticas adotadas nos setores da agricultura, ciência e tecnologia, indústria e defesa. O programa se mostrou um marco do socialismo com características chinesas de Deng. Implantou-se uma economia de mercado socialista baseada no controle público dos meios de produção. Também o sistema político e o próprio PCCh passaram por mudanças, incluindo a separação de funções do Partido e do governo (Idem, ibidem). Os programas da liderança Deng exerceram impacto não somente sobre a economia, como também sobre o PCCh e os valores que este defendia. Embora as políticas reformistas tenham sido adotadas com o objetivo de reforçar a autoridade central do Partido, acabaram, na prática, por enfraquecê-la, tanto pelas forças econômicas como pela própria decisão de substituir a atuação do governo central na economia pelas forças do mercado e decisões locais. Houve, portanto, menor atuação do governo central em diversas questões, bem como alterações nas relações dentro do PCCh e entre este e a sociedade, à medida que o país se aproximava de um modelo de economia de mercado (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p. 409). Os processos e reformas para a transição da China na era pós-Mao, diferentemente do que ocorrera na União Soviética, foram realizados de modo gradual e através de etapas, fazendo com que o país passasse de uma economia rural, agrícola e pobre para uma economia de mercado urbanizada. Houve um boom econômico agrícola no começo da era Deng possibilitado por um tipo de reforma agrária, representada pelo fim das comunas e retorno às lavouras familiares, além da elevação do preço dos grãos ordenada pelo Estado. Tais medidas resultaram no aumento da produção das zonas rurais e enriquecimento dessa população na década de 1980 (Idem, ibidem, p. 411). O enriquecimento da população rural resultante dos programas adotados por Deng, por sua vez, fez com que não só muitos camponeses se tornassem empreendedores, como também incentivou o desenvolvimento da indústria de bens de consumo e um distanciamento do foco na indústria pesada e militar, que havia predominado anteriormente. Desse modo, ocorreu o desenvolvimento da indústria leve e a venda de bens de consumo relativamente baratos no Exterior. O progresso das chamadas township and village enterprises, empresas coletivas estabelecidas em cidades e vilarejos sob cuidado dos líderes locais, também foi considerado política nacional. Esse tipo de empresa, além de sujeito a menos regulamentações administrativas, também recolhia menos impostos, com maior flexibilidade para lidar com o mercado do que as indústrias estatais. O incentivo de Deng ao enriquecimento incitou o desenvolvimento das empresas privadas, inicialmente familiares e de pequeno porte. A fim de ampliarem a tecnologia e crescerem, essas empresas se configuravam como coletivas, uma vez que assim receberiam apoio dos governos locais. Havia, inclusive, alianças entre oficiais locais e diretores de empresas privadas para administrar empresas coletivas (Idem, ibidem, p. 412). Durante o Terceiro Plenário do 12° Comitê Central, em outubro de 1984, outro importante passo nas reformas seria tomado: a mudança para o mercado seria expandida das zonas rurais às urbanas. Apesar de a economia planificada ainda desempenhar papel de peso na maior parte das indústrias, as forças do mercado conduziram a economia das áreas urbanas, como haviam feito no interior do país. Em meados da década de 1980, o crescimento econômico se intensificou ainda mais nas zonas urbanas. Foi também nessa época que ocorreu a criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs)17 e o estabelecimento de joint- ventures estrangeiras na costa sudeste, controladas pelo governo. As zonas e as empresas de joint- venture estrangeiras deveriam trazer novas tecnologias e promover as exportações e, em troca, receberiam do governo benefícios fiscais e menos regulamentações. Nesse sentido, até mesmo os vizinhos do Leste Asiático passaram a estabelecer indústrias na China, a fim de desfrutar dos custos de mão-de-obra mais baixos. Além disso, investimentos oriundos de chineses vivendo no Exterior também entraram na China nesse período de reabertura (Idem, ibidem, p.413). Para garantir o sucesso das ZEEs, foram adotadas medidas como grande concessão de crédito, pouca exigência de garantia por parte de bancos, incentivos fiscais, parcerias com agentes externos que executariam a transferência de capital e mão-de-obra especializada e, sobretudo, independência regional que essas zonas adquiririam (GIFFONI, 2007, p. 77-80). Na década de 1990, as empresas estrangeiras passaram a se espalhar para outras partes do país além da costa sudeste e deram espaço para maior atividade econômica não-estatal. Em 1992, Deng fez uma viagem ao sul do país18 em que visitou a Zona Econômica Especial de Shenzhen e Shanghai, a fim de destacar a importância da continuidade das reformas econômicas e da abertura ao Exterior. Na década de 1990, observou-se também maior 17 As Zonas Econômicas Especiais consistiram em regiões especiais de atração de investimento estrangeiro, escolhidas para terem flexibilidade sobre os empreendimentos econômicos e que desviassem da rigidez do regime comunista chinês, representando um importante e imprescindível instrumento da abertura do país. 18 A viagem ao sul do país feita por Deng Xiaoping em 1992 se configurou em uma ocorrência muito notável, na qual o líder Deng passou pelas Zonas Econômicas Especiais, fiscalizando e realizando discursos muito importantes que se introduziriam nas teorias de Deng Xiaoping. Desse modo, a viagem representou um momento crucial para que as reformas e o processo de abertura na China dessem um grande passo adiante. mobilidade do trabalho, com muitas pessoas mudando do campo para as cidades (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p.414). Ao final da década de 1980 e início de 1990, com o desmantelamento da União Soviética e do comunismo, houve resistência por parte de segmentos marxista-leninistas do PCCh às políticas implantadas por Deng e seus sucessores, devido à intensificação de manifestações, greves e protestos, tendo como pico as manifestações de Tiananmen. Em 1991, então, a linha que defendia maior disciplina partidária e fim da abertura tomou o poder (ACIOLY; PINTO; CINTRA, 2011, p. 10). Para retomar as políticas implantadas, entre 1991 e 1992 Deng promoveu, através de jogadas políticas e apoio de alguns segmentos, o Grande Compromisso, o qual garantiria a continuidade das diretrizes de reforma e abertura econômicas por cem anos, firmando o compromisso econômico de transformar a China em um país hegemônico e rico (Idem, ibidem, p. 10). 1.3 A Abertura da Economia ao Capital Estrangeiro: Investimento Estrangeiro Direto na China A promoção de investimento estrangeiro direto (IED) 19 na China foi uma parte importante do processo de reforma econômica. Após mais de 30 anos de reformas econômicas, o país asiático se tornou um dos principais destinos de IED no mundo e o maior receptor entre os países emergentes. De janeiro a abril de 2011, o número de empresas de capital estrangeiro recém-aprovadas na China, segundo o Boletim de Investimento Estrangeiro, totalizou 8.152, caracterizando um aumento anual de 8,61%. Além disso, o IED efetivamente usado foi de US$ 38.803 bilhões (MOFCOM, 2011). Na tabela a seguir (Tabela 1), pode-se observar os fluxos de IED contraídos e realizados na China no período de 1979 a 2003: 19 Os investimentos estrangeiros podem ocorrer através de investimentos diretos ou investimentos em carteira. O investimento estrangeiro direto (IED) é resultado de decisões de longo prazo e se refere à compra de ativos físicos ou de cotas substanciais de uma empresa em outro país, a fim de ganhar parte do controle da gestão da empresa, ou seja, representa um interesse duradouro, de longo prazo, em empresas estabelecidas em outro país. Tabela 1 – Fluxos de IED contraídos e realizados na China (1979-2003) Fonte: FUNG; LAU; LEE, 2004. Também se considera que ocorreram duas aberturas da China: uma interna, fundamental, mas não suficiente, e outra para o mundo exterior, sobretudo para os Estados Unidos da América (EUA). Com as políticas adotadas pelo governo, o IED cresceu bastante desde 1978, destacando-se seu crescimento na década de 1990. Do início da década de 1980 até o final de 1990, a entrada de IED na China aumentou de cerca de US$1.5 bilhão para US$40 bilhões ao ano, em 1999 (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 2). A partir da década de 1990, o governo passou a utilizar políticas que destacariam mais a relação entre investimentos estrangeiros e objetivos domésticos industriais. O envolvimento em aquisições e fusões transnacionais é muito presente nos fluxos globais de IED, entretanto é importante notar que, na China, a captação de IEDs inicialmente não esteve ligada a esse tipo de operação, ausente nos anos 1980 devido às condições e aspectos político-econômicos na época (ACIOLY, 2005, p. 25). Na década de 1980, tomar empréstimos de outros governos, organismos internacionais e até mesmo bancos foi o modo mais importante de fluxo de capital na China, porém, a partir de 1993, essas fontes perderam importância para os IEDs (NAUGHTON, 2007, p. 420). A respeito da origem dos investimentos, Hong Kong foi a maior fonte em um período que compreende de 1979 a 2000, caracterizando 51% do total nesse período, seguida pelos EUA, União Europeia, Japão, Taiwan e Cingapura (ACIOLY, 2005, p. 27). No que se refere à distribuição setorial dos IEDs, durante as décadas de 1980 e 1990, nota-se que os setores que recebiam investimentos estavam relacionados às diversas fases de abertura da economia. De 1979 a 1986, teve-se a fase inicial de abertura ao IED, caracterizada por investimentos concentrados nas áreas de prospecção geológica, indústria manufatureira trabalho-intensiva, sobretudo têxtil, e setor de serviços (atividade imobiliária). A segunda fase, iniciada a partir de 1986, foi marcada por medidas adotadas com o intuito de mudar a estrutura setorial dos investimentos captados, realocando-os na indústria de transformação, nos setores orientados à exportação e de alta tecnologia. Com isso, o IED no setor primário decresceu consideravelmente do final da década de 1980 para o início da década de 1990 e o setor manufatureiro se tornou o principal setor receptor de IEDs (Idem, ibidem, p. 25). A terceira e quarta fases de abertura, na década de 1990, contaram com a adoção de medidas mais direcionadas às indústrias capital-intensivas, visando principalmente ao desenvolvimento de máquinas e equipamentos eletrônicos, de transporte, comunicações e indústria química. Recentemente, outros setores de serviços foram abertos e se incentivou o surgimento de campos que utilizassem tecnologia de ponta e, para isso, o estabelecimento de centros de pesquisa e desenvolvimento foi estimulado. A quinta fase, então, começou com a entrada da China na OMC, em 2001 (Idem, ibidem, p. 26). 1.4 Políticas de IED na China Ao final da década de 1970, a China se abriu gradualmente aos negócios estrangeiros e encorajou os IEDs, fator essencial para as reformas serem bem-sucedidas. As políticas motivadoras de investimentos estrangeiros adotadas na China variaram muito e, paulatinamente, medidas como benefícios fiscais, procedimentos simplificados de licenciamento e liberdade de importar matéria-prima, por exemplo, foram introduzidas para que a China apresentasse maior atratividade aos investimentos estrangeiros. As iniciativas para promoção de IED ocorreram através de uma abertura gradual e restrita do país, passando por grande incentivo através de tratamentos preferenciais e, finalmente, para uma ação mais ligada aos objetivos nacionais industriais (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 5). As novas políticas governamentais do final da década de 1970 e início da década de 1980 estabeleciam determinações que permitiam joint- ventures de capital estrangeiro e que criavam as ZEEs e as “open cities” 20. Após o estabelecimento de medidas favoráveis a IED nesse período e da formação de um ambiente propício às empresas de outros países, foi possível observar o aumento da entrada de capital estrangeiro ao final de 1980 e 1990. A partir da segunda sessão da Quinta Assembleia Popular Nacional 21, ocorrida em julho de 1979, adotou-se a Lei da República Popular da China sobre as Joint- Ventures usando Investimento Chinês e Estrangeiro. Essa lei conferiu condição legal aos investimentos estrangeiros. Além disso, as províncias de Guangdong e Fujian passaram a ter autonomia para o comércio exterior. Posteriormente, em 1990, uma emenda à Lei das Joint- Ventures de 1979 traria mais modificações, entre elas a permissão a estrangeiros para se tornarem presidentes da Comissão dos Diretores. Em 1980, quatro ZEEs foram estabelecidas nas cidades de Shenzhen, Shantou, Zhuhai e Xiamen. Essas zonas estavam localizadas estrategicamente próximas a Taiwan e Hong Kong, a fim de atrair investimentos dos chineses de outros países e conseguir, dessa forma, inserir a China no comércio internacional (LAZZARI, 2005, p. 174). A constituição do Estado determinada pela Sexta Assembleia Popular Nacional, em 1982, formalizou a abertura da China à economia mundial e em 1983, a lei sobre as jointventures liberalizou ainda mais o mercado doméstico e o ambiente para esse tipo de empresa. Em 1984, a província de Hainan e mais 14 cidades costeiras (open cities) foram abertas para o investimento estrangeiro, com 12 dessas sendo posteriormente nomeadas Zonas de Promoção Tecnológica e destinadas à transferência de tecnologia. Além disso, em 1985 houve a abertura dos Triângulos de Desenvolvimento22 para investimentos e, em 1990, o distrito de Pudong, em Shanghai, passou a ser considerado uma nova zona de desenvolvimento (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 3). 20 As open cities são cidades costeiras destinadas a atrair maior investimento estrangeiro através de ambientes propícios ao desenvolvimento econômico, como boa infraestrutura, tratamentos especiais e políticas governamentais favoráveis. Em 1984, Beihai, Dalian, Guangzhou, Fuzhou, Lianyungang, Nantong, Ningbo, Qingdao, Qinhuangdao, Shanghai, Tianjin, Wenzhou, Yantai e Zhanjiang foram abertas para os investimentos vindos de fora do país. 21 A Assembleia Popular Nacional é o órgão legislativo governamental mais alto da República Popular da China. Os Triângulos de Desenvolvimento correspondem às áreas dos deltas do rio Yangtze e do rio das Pérolas em Guangdong, e também a áreas em Liaodong, Fujian, Shandong e região costeira do mar Bohai. Foram implantados com o intuito de disseminar os efeitos, diretos e indiretos, para outras áreas além da zona costeira. 22 Mais incentivos foram dados, em 1986, para atrair os investimentos estrangeiros, sobretudo joint- ventures que fizessem uso de alta tecnologia, voltadas à exportação, bem como passaram a ser permitidas empresas de propriedade totalmente estrangeira. O governo tentou garantir maior autonomia às joint- ventures para que ficassem livres de procedimentos burocráticos. Na quarta sessão da Sexta Assembleia Popular Nacional, adotou-se a Lei da República Popular da China sobre Empresas Operadas Exclusivamente com Capital Estrangeiro, um importante passo na atração do capital estrangeiro, uma vez que relacionava o estabelecimento de empresas de propriedade totalmente estrangeira ao desenvolvimento da economia nacional. Com isso, deslocava-se a prioridade das políticas implantadas do âmbito regional para o fator de desenvolvimento industrial e nacional. Essa lei também exigia que as empresas utilizassem alta tecnologia ou fossem orientadas à exportação (Idem, ibidem, p. 4). É necessário mencionar ainda que a ampliação de áreas com incidência de políticas atrativas de IED aumentou a competição entre regiões e intensificou a guerra fiscal entre as zonas. Além disso, houve concentração dos investimentos nas áreas litorâneas do país, o que deu origem às medidas posteriormente adotadas pelo governo de levar IEDs às regiões central e ocidental da China (LAZZARI, 2005, p. 175). As Provisões do Conselho de Estado da República Popular da China para o Encorajamento do Investimento Estrangeiro, adotadas a partir de 11 de outubro de 1986, conferiram às joint- ventures liberdade de importação de materiais e equipamentos, tratamento tributário preferencial, facilidades para licenciamentos e o direito de trocar câmbio umas com as outras, acesso privilegiado ao fornecimento de água, transporte e eletricidade, dentre outras medidas vantajosas (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 3). Em meados da década de 1990, com a intensificação da entrada de IEDs, as políticas passaram a se concentrar mais no sentido de promover os objetivos nacionais industriais, com a tentativa de atrair capital para os setores de comunicação, agricultura, matéria-prima e energia hidrelétrica, principalmente. Alguns setores de serviços foram abertos ao capital estrangeiro em 1992, enquanto setores comerciais seriam permitidos somente em 1999 (LAZZARI, 2005, p. 175). Em 1995, a Orientação Provisional de Projetos de Investimento Estrangeiro e os projetos com IED que aproveitassem custos trabalhistas mais baixos e recursos naturais em certas regiões foram altamente incentivados, com prioridade nos setores de telecomunicações, agricultura, transportes e energia, por exemplo. Nos anos 1990, percebeu-se um quadro regulatório para as corporações estrangeiras, determinando limites e condições de sua atuação nos mais diversos setores da economia. Nesse período, o Catálogo de Orientação de Projetos de Investimento Estrangeiro, com o intuito de aprovar projetos de IED, classificou estes em quatro tipos: permitido, proibido, incentivado e restrito (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 4). Os projetos proibidos incluíram tópicos considerados nocivos ao interesse público ou de risco ao interesse nacional, prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana ou que colocassem em perigo instalações militares. Na classificação restrita, houve a inserção de projetos cuja tecnologia havia sido transferida, desenvolvida ou única na China, além de projetos vinculados ao excesso de produção em relação à demanda nacional, projetos envolvendo recursos raros e monopolizados pelo Estado. Quanto aos incentivados ou encorajados, houve propostas referentes à infraestrutura, uso de tecnologia avançada, foco em exportação, eficiência econômica, etc. Finalmente, os permitidos eram os que não faziam parte de nenhum dos outros grupos. Em relação ao câmbio, o renminbi não era conversível até 1996, o que dificultava muito a obtenção de divisas. Somente em 1996 ocorreu a total conversibilidade da moeda chinesa, possibilitando que a mesma fosse convertida em operações relacionadas a transações em conta corrente. As transações de conta de capital, porém, continuaram controladas (LAZZARI, 2005, p. 176-177). 1.5 Atratividade da Economia Chinesa Os incentivos concedidos pelo governo às empresas estrangeiras através das políticas adotadas durante o processo de abertura ao capital estrangeiro foram relevantes na atração de investimentos ao país. Além disso, o baixo custo em muitas outras variáveis relacionadas ao estabelecimento de uma empresa é outro ponto de grande vantagem. Em pesquisas realizadas com empresas norte-americanas, outros fatores apontados como de elevada atratividade são o enorme mercado potencial chinês, a possibilidade de produzir a custos mais baratos, a proximidade com outros mercados asiáticos, crescimento projetado de mercado e, ainda, o acesso a recursos naturais e matérias-primas. A oferta de mão-de-obra abundante é outro ponto que deve ser destacado. Também empresas japonesas alegaram que os baixos custos são fator de atratividade (FUNG; LAU; LEE, 2004, p. 12-13). O estabelecimento das ZEEs em áreas próximas a Taiwan e Hong Kong foi uma estratégia para atrair investimentos dos chineses vivendo fora do país e inserir, a partir disso, a RPC no mercado internacional. Ainda em relação à escolha geográfica, o tamanho do mercado local, incentivos fiscais concedidos e qualidade da mão-de-obra que podem ser encontrados em Zonas de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico23 são fatores atrativos (Idem, ibidem). A partir de 1992, a China recebeu um fluxo imenso de investimento estrangeiro. O país estava construindo credibilidade com os investidores estrangeiros há mais de 10 anos e obtendo experiência ao liberalizar e fortalecer a estrutura de suas instituições, porém a violenta repressão às manifestações de Tiananmen levantou preocupações e afetou a credibilidade que havia sido obtida. Apesar disso, as políticas favoráveis a IEDs e as bases institucionais fizeram com que os investimentos estrangeiros respondessem rapidamente a essas medidas. A partir de 1992 houve, ainda, a abertura seletiva do grande mercado doméstico aos investidores estrangeiros, captando ainda mais recursos vindos do Exterior (NAUGHTON, 2007, p. 403). 1.6 Impacto do IED na China Muitos acreditam que o IED teve participação bastante positiva no desenvolvimento econômico chinês durante as reformas, tendo trazido soluções para questões além da escassez de capital, como, por exemplo, a promoção de maior acesso à tecnologia e ao conhecimento da economia local, além de ter aumentado a competitividade e, assim, forçado as empresas locais a investirem mais em capitais humano e físico. Por outro lado, há também aqueles que defendem que o IED teve papel negativo no desenvolvimento ao substituir a poupança doméstica e, ainda, aumentar os déficits no balanço de pagamentos dos países em desenvolvimento (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 2). De qualquer modo, os IEDs impulsionaram a abertura e o processo de reforma econômica na China. Não se pode negar a importância dos fluxos de IED sobre o desenvolvimento econômico chinês e sua influência para que o crescimento da economia atingisse altíssimas e surpreendentes taxas anuais. Entre 1980 e 1990, a taxa do crescimento 23 As Zonas de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico visavam a estimular investimentos estrangeiros em tecnologia, a fim de desenvolver os campos de transportes e energia. Foram implantadas após o sucesso atingido com as ZEEs, bem como foram também estabelecidos os Triângulos de Desenvolvimento para difundir os efeitos dos investimentos externos para o interior e outras partes do país. econômico do país alcançou 9,5% ao ano, e entre 1985 e 1995, a taxa foi de 10,2% ao ano (WORLD BANK, 1996). A atração de investimento estrangeiro foi considerada o modo ideal, dentre outros objetivos, para trazer técnicas administrativas modernas e avançadas para as empresas e transformar o modo de fazer negócios do país, facilitar o acesso ao capital e alta tecnologia do Exterior e, ainda, poder entrar no mercado mundial (ACIOLY, 2005, p. 27). Dessa forma, os investimentos estrangeiros contribuíram para que a China se inserisse no cenário internacional, transformando a economia asiática e deslocando vários exportadores asiáticos do mercado americano. O acesso ao comércio internacional, ademais, fez com que as exportações e importações do país crescessem extraordinariamente, tornando o comércio exterior parte fundamental da economia chinesa. O comércio total da China aumentou de US$ 38 bilhões em 1980 para mais de US$ 474 bilhões em 2000 (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 13). O Gráfico 1 mostra a balança comercial da China em bilhões de dólares: Gráfico 1 – Balança comercial da China (em bilhões de dólares) Fonte: Trading Economics, 2011. Em relação ao impacto sobre o Produto Interno Bruto chinês (PIB), de 1978 a 2000 o crescimento do PIB da China apresentou uma média de 9,5% ao ano, passando de RMB 36 bilhões para RMB 882 bilhões. O PIB per capita, por sua vez, no mesmo período teve um aumento anual de 8,3% (FUNG; IIZAKA; TONG, 2002, p. 11). O gráfico a seguir (Gráfico 2) indica o crescimento anual do PIB chinês: Gráfico 2 – Crescimento anual do PIB chinês Fonte: Banco Mundial, 2011. As reformas econômicas e abertura ao Exterior iniciadas por Deng Xiaoping não apenas levaram ao crescimento econômico, como também possibilitaram ao país a inserção na economia internacional. As políticas para atração de IED também se constituíram em uma parte fundamental do processo de desenvolvimento, acelerando o processo de integração na economia global. A continuidade das reformas pelos líderes sucessores seria essencial para que o país despontasse como uma potência mundial. 2 A CHINA PÓS-DENG XIAOPING: CONTINUIDADE DAS REFORMAS ECONÔMICAS E ASPECTOS POLÍTICOS 2.1 Tiananmen e suas Repercussões A ocorrência simultânea de duas situações críticas no quadro econômico-social ao final da década de 1980 - a inflação desenfreada e a grave questão da corrupção – caracterizou-se como fator-chave para que um movimento concebido inicialmente como homenagem à morte de Hu Yaobang, em abril de 1989, ensejasse fortes demonstrações que durariam mais de seis semanas, atraindo em Beijing milhões de trabalhadores e cidadãos e espalhando as manifestações para o resto do país (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p. 425427). A morte de Hu Yaobang seria o gatilho para que a elite intelectual, estudantes, trabalhadores e outros cidadãos exigissem e pressionassem por mudanças e reformas prementes, mobilizando um grande contingente de pessoas das zonas urbanas. As demandas, no entanto, não eram uníssonas, uma vez que as elites intelectuais e os estudantes clamariam por reformas políticas, principalmente no que se referia à liberdade de expressão e de imprensa, ao passo que os trabalhadores e outros cidadãos - estes pela primeira vez na RPC se juntando aos estudantes em protestos - pediriam soluções para a inflação, a corrupção e para algumas instabilidades decorrentes das reformas econômicas. A percepção dessas manifestações pela liderança do PCCh, sobretudo os membros mais antigos e conservadores, foi a de que não apenas seu poder estava ameaçado, mas também o próprio Estado-Partido e os ideais comunistas no país corriam riscos, situação esta que se agravou com o clamor pela derrubada da liderança por parte de alguns manifestantes diante da falta de resposta às suas exigências. Deng Xiaoping e seus aliados decidiram, então, reprimir as manifestações com o uso de força militar. Em quatro de junho de 1989, Deng pediu a Li Peng24 que enviasse tropas à Praça Tiananmen, originando uma violenta repressão do Exército aos manifestantes, o que resultou numa grande quantidade de mortos. 24 Li Peng (1928-), conhecido pelo forte conservadorismo e tendência ortodoxa no Partido, foi Primeiro-Ministro chinês entre 1987 e 1998 e Presidente da Assembleia Nacional Popular entre 1998 e 2003. Em 1985, entrou para o Politburo e logo em 1987, ingressou na Comissão Permanente do Comitê Central do PCCh. Foi responsável pela declaração de lei marcial em 1989, em resposta aos manifestos de Tiananmen. Além disso, Li Peng sempre foi um grande opositor em todas as questões que envolvessem a aproximação da China com os EUA. Deng sabia das falhas no sistema político e da necessidade de implantar reformas, porém temia que quaisquer mudanças debilitassem o PCCh e a estrutura estatal leninista, além de recear perder seu próprio poder. Na realidade, o acontecimento em Tiananmen mostrou como a liderança do Partido e a estrutura política do país pouco tinham mudado e o quanto a sociedade chinesa havia se transformado, marcando o fim da dissidência política publicamente. A partir dessa data, os dissidentes e ativistas políticos declarados seriam silenciados, presos ou exilados no Exterior. As consequências de Tiananmen levantaram uma série de rumores sobre o iminente colapso do PCCh, tanto por parte de observadores chineses como de estrangeiros, que acreditavam que o descontentamento com a rigidez e a corrupção do Partido, além da força da democracia, seriam grandes demais para o regime suportar. Apesar dessas expectativas, o PCCh conseguiu retomar o controle sobre a nação e as divergências de opinião dentro do Partido foram agilmente sufocadas (FEWSMITH, 2008, p. 1-3). 2.2 A liderança de Jiang Zemin: Ascensão ao Poder A sucessão de Deng originou dúvidas e questionamentos a respeito de aspectos como quais direções e políticas seriam seguidas, como o governo se estruturaria, quem seria o líder central, dentre outros. Esperava-se, ainda, que o consenso sobre a relevância do desenvolvimento econômico na China conduzisse à abertura política (OVERHOLT, 1996, p. 65-68). Entretanto, a existência de uma concordância no autoritarismo orientado ao desenvolvimento dificultaria isso. Os líderes chineses acreditavam na necessidade de um sistema de partido único para restringir as dissensões, cujo poder tivesse legitimidade baseada no crescimento econômico. Em decorrência disso, grande parte da população passou a ter a percepção de que as reformas políticas poderiam ser deixadas de lado em função do desenvolvimento da economia. No Ocidente, havia a crença de que a China se desintegraria com a saída de Deng, visão que se intensificava com os crescentes conflitos entre o centro e as províncias, as quais, a partir da abertura econômica, adquiriram mais autonomia para decidir. As reformas de mercado haviam diminuído o domínio do governo central sobre as províncias. Nesse contexto, a implantação de eleições locais se configurou como uma tentativa de a administração central restituir seu controle sobre as decisões (Idem, ibidem, p. 68-77). O maior ponto de divergência e fonte de tensões, no entanto, foi a grande disparidade entre as províncias costeiras dinâmicas, de alta renda, repletas de oportunidades e melhores condições de vida, e as províncias pobres e estagnadas do interior, para as quais os efeitos do crescimento econômico apareciam muito lentamente ou quase inexistiam em alguns casos. As mudanças que o país atravessava, desse modo, também faziam surgir problemas na sociedade, como a grande indignação sobre a pequena quantidade de pessoas que havia enriquecido e o aumento da incidência de crimes resultantes disso. Os desafios para a nova liderança não se concentravam em um determinado setor ou área de atuação, mas sim apresentavam ampla variedade, sendo consideradas prioridades questões como o controle da inflação, estabilidade social, o êxito da continuidade das reformas econômicas e até mesmo ações mais específicas, como criação de soluções para as empresas estatais que se haviam tornado obsoletas, com o intuito de não prejudicar o sustento das pessoas. Quanto à questão econômica, no início de 1990 as taxas de crescimento da China estavam próximas de zero, as mais baixas desde o início das reformas econômicas. Ao longo da liderança de Jiang, entretanto, com um novo impulso às reformas econômicas e a abertura ao mundo exterior, a economia chinesa apresentou grande desempenho e cresceu a taxas elevadíssimas, mantendo-se entre as mais elevadas do mundo e chegando a atingir 10,2%. Após a viagem ao sul de Deng Xiaoping em 1992, houve uma retomada da percepção da importância da economia de mercado. Logo seria convocado o 14° Congresso do PCCh. A introdução de um novo rumo das reformas começou a ser pensada a partir da insatisfação e temor com as reformas radicais e as desigualdades daí decorrentes. Desse modo, passou-se a pensar em um modelo de reforma que conseguisse não apenas desenvolver a economia, mas que também pudesse preservar a identidade chinesa e não trouxesse as irregularidades políticas e econômicas recorrentes do sistema capitalista (FEWSMITH, 2008, p.165-166). Esse novo cenário daria menos espaço às manifestações favoráveis à democracia, bem como faria com que Tiananmen fosse lembrada como símbolo de um utópico movimento reformista da década de 1980. Além disso, o posicionamento dos intelectuais chineses mudou radicalmente entre as décadas de 1980 e 1990, à medida que deixaram de ser críticos do governo para apoiá-lo cada vez mais. O desmantelamento da União Soviética, as economias fracas da Europa Oriental, a possibilidade de um colapso do governo e de uma crise na sociedade, além do surgimento de um novo sentimento nacionalista, foram fatores que contribuíram para essa mudança mais favorável ao governo. Dessa forma, no início da década de 1990, a busca para atingir maior desenvolvimento econômico e estabilidade social parecia justificar a adoção de reformas mais autoritárias no país. Esse governo acreditava na necessidade de avançar com as reformas econômicas, conferindo papel crescente ao setor privado e integrando o país na economia internacional, sem questionar o massacre de Tiananmen. Havia, ainda, a necessidade de solucionar questões mais preocupantes como corrupção, crimes, migração interna, desigualdade regional e a má distribuição de renda. Nesse contexto, os intelectuais se aproximavam mais do neoconservadorismo, porém a Nova Esquerda25 e o movimento nacionalista se expandiram independentemente dos rumos adotados pelo governo. Apesar disso, havia alguns pontos de maior divergência entre os intelectuais mais críticos e o governo, como a falta de confiança no capitalismo devido às evidências de desigualdade de renda, abuso de poder e corrupção (Idem, ibidem, p. 166-168). É nesse cenário que se tem a transição de um governo sob a liderança de Deng Xiaoping para a liderança de Jiang Zemin26, que, no início da década de 1990, logo após Tiananmen, ainda não era uma figura política influente, apesar de já deter o cargo de Secretário-Geral do PCCh, para o qual ascendera em substituição a Zhao Ziyang. Por ter-se recusado a prosseguir com a lei marcial imposta em 20 de maio de 1989, Zhao Ziyang foi acusado de gerar divisão no PCCh e foi demitido de seu cargo de Secretário-Geral. Jiang Zemin, então, foi indicado para substituí-lo, sobretudo por ser prefeito de Shanghai e não ter tomado parte na violenta repressão de Tiananmen. Em 1994, no entanto, uma grande transição política aconteceria na China. Após a viagem de Deng ao sul em 1992, começava uma nova fase de reformas e rápido crescimento 25 A Nova Esquerda é o termo pelo qual é conhecido um variado grupo de intelectuais que são críticos da ortodoxia marxista e também do liberalismo ocidental. Esses intelectuais passaram a se manifestar principalmente a partir da década de 1990, momento em que a sociedade chinesa passou por grandes mudanças devido à influência recebida pela globalização e abertura econômica da China. Sob essa perspectiva, a aproximação a um modelo de economia de mercado não havia originado melhorias na sociedade, mas sim trazido aspectos negativos como a corrupção, por exemplo. O termo Nova Esquerda, no entanto, não é utilizado pelo próprio grupo, que prefere se identificar como intelectuais críticos. 26 Jiang Zemin (1926-), centro da Terceira Geração dos líderes do Partido Comunista Chinês, entrou para o PCCh em 1946. Entre os cargos que ocupou, estão o de prefeito de Shanghai em 1985 e o de Secretário-Geral do PCCh em substituição a Zhao Ziyang após o massacre de Tiananmen, ocupando o cargo de 1989 a 2002. Tornou-se Presidente da República Popular da China de 1993 a 2003, quando foi substituído por Hu Jintao. Além disso, foi Presidente da Comissão Militar Central de 1989 a 2004, quando se aposentou e foi substituído por Hu Jintao. econômico. Com a economia apresentando desempenho inferior, o Congresso Nacional do Povo se comprometeu a manter a inflação inicialmente abaixo de 10% e alguns meses depois, abaixo de 15%, porém a taxa anual ultrapassou essas metas. Ao mesmo tempo, muitas empresas de propriedade estatal perderam grandes quantias de dinheiro e assumiram fortes endividamentos, causando temores acerca do rumo da economia chinesa. Em setembro desse ano, teve início a Quarta Sessão Plenária do 14° Comitê Central, direcionada para a solução de questões de construção do PCCh, sobretudo centralismo democrático27, e que teria relevante papel para consolidar a autoridade e liderança de Jiang. Até então, suas ações tinham sido mais cautelosas. Contudo, a partir da Quarta Sessão, seu papel passou a ser mais ativo. Os líderes do PCCh estavam voltados principalmente às questões relacionadas à autoridade, seja do centro sobre as regiões, de Jiang Zemin no PCCh ou até mesmo a do próprio Partido no país e, desse modo, um dos principais temores era o de que Jiang não conseguisse se tornar o núcleo do Partido, uma vez que, desde sua nomeação para Secretário-Geral, ainda não dispunha da autoridade a ele conferida (Idem, ibidem, p.168171). Inicialmente se planejava discutir na Quarta Sessão Plenária também as questões econômicas. Deng, porém, quis deixar os assuntos econômicos fora da agenda e focar o centralismo democrático, que destacaria o PCCh como o centro e daria mais ênfase à subordinação dos níveis mais baixos aos superiores. Essa atitude de postergar o debate econômico e se concentrar nas questões do PCCh mostrava a fragilidade de sua saúde e sinalizava a transição da liderança para a nova geração, a chamada “Terceira Geração” 28, a ser iniciada por Jiang Zemin. Assim, foi na Quarta Sessão Plenária que Jiang começou a surgir como um líder político. A nomeação de três apadrinhados de Jiang Zemin - Wu Bangguo29, Jiang Chunyun30 e Huang Ju 31 - a cargos importantes no PCCh caracterizou outro momento relevante para a 27 O termo centralismo democrático está presente na doutrina marxista-leninista e refere-se a um tipo de arranjo interno em que as bases do Partido têm direito à livre discussão de uma determinada questão. Em outras palavras, é a centralização, em uma estrutura única, de alguma ação resultante da discussão de ideias e liberdade de opinião. 28 A Terceira Geração (1992- 2003) refere-se à terceira formação de líderes do PCCh, aos quais a ideologia do partido fora transmitida pela formação anterior. A Primeira Geração teve como o centro Mao Zedong, a Segunda apresentou como sua figura principal Deng Xiaoping e a Terceira teve à sua frente Jiang Zemin. A Quarta Geração, por sua vez, teria como núcleo Hu Jintao. 29 Wu Bangguo (1941-), importante figura do cenário político chinês, é atualmente Presidente da Comissão Permanente da Assembleia Nacional Popular, ou seja, é o principal legislador do Partido. No referido momento, havia sido nomeado por Jiang vice-diretor do Grupo de Liderança Central de Economia e Finanças, dividindo a liderança daquele órgão com Zhu Rongji. consolidação de seu poder. É necessário destacar a atuação de Wu Bangguo na economia junto a Zhu Rongji32, importante figura do governo de Jiang. Wu Bangguo seria encarregado das reformas das empresas estatais, ponto considerado central na reforma econômica de 1995 (Idem, ibidem, p.168-171). Zhu Rongji, por sua vez, teve papel central nas reformas econômicas adotadas durante o governo de Jiang. Juntos promoveram, dentre outras medidas, entraves para afastar a influência das Forças Armadas sobre a economia privada (THE SONG OF JIANG ZEMIN, 1998). Posteriormente, outras pessoas relacionadas a Jiang ocupariam cargos importantes e ele ficaria cercado não somente por oficiais conservadores, mas também assessores mais liberais. É importante notar ainda que, na década de 1990, sob o poder da Terceira Geração do PCCh, os altos cargos do Estado chinês seriam marcados por líderes vindos principalmente de Shanghai (OVERHOLT, 1996, p.75). Além disso, grande parte dos altos cargos do poder seria ocupada por tecnocratas, caracterizando outra tendência do período. Os tecnocratas seriam, então, associados diretamente à responsabilidade de conduzir o funcionamento do regime (OLIVEIRA, 2003). A Quarta Sessão Plenária, além de representar a entrada da Terceira Geração da liderança política do PCCh, determinou a adoção da “Decisão sobre Algumas Questões Importantes no Fortalecimento da Construção do Partido”, que tinha por objetivo acabar com os pontos negativos do PCCh, como a fragilidade das bases organizacionais e a grande corrupção presente, além de reforçar o centralismo democrático. As medidas visavam ao fortalecimento das políticas do Partido, de modo que estas não mudassem juntamente com a alteração das lideranças ou dos ideais destas (FEWSMITH, 2008, p. 170-181). Um dos primeiros passos de Jiang na consolidação de seu poder foi ganhar apoio popular através do combate à corrupção no PCCh, o que caracterizava grande fonte de descontentamento popular e dera início às manifestações de 1989 em Tiananmen. Na década de 1990, principalmente, pôde-se notar grande corrupção presente na relação entre os novos ricos e os oficiais do governo, que, muitas vezes, estavam ligados por relações familiares e 30 Jiang Chunyun (1930-) foi Vice-Presidente da Comissão Permanente da Assembleia Nacional Popular. Durante o governo de Jiang Zemin, ficou encarregado de supervisionar a agricultura. 31 Huang Ju (1938-2007), à época prefeito de Shanghai e político muito influente na região, foi conduzido por Jiang ao Politburo. Além disso, foi Vice-Premiê da RPC. 32 Zhu Rongji (1928-), reconhecido pela administração rígida, conduta ética e transparência, foi prefeito de Shanghai de 1989 a 1991, quando passou a exercer o cargo de Vice-Premiê do Conselho de Estado. Devido ao grande êxito das medidas macroeconômicas que implantou e ao crescimento da economia chinesa, tornou-se premiê do Conselho de Estado, cargo no qual permaneceria até 2003, substituído por Wen Jiabao. Foi Zhu Rongji que conseguiu conter eficazmente a inflação que crescia na China no início da década de 1990. realizavam trocas de favores, desvio de dinheiro público para empresas privadas e acesso a recursos escassos. As tentativas anteriores promovidas por outras lideranças para acabar com a corrupção e afastar os envolvidos haviam fracassado em virtude da proteção aos políticos relacionados aos incidentes, além de terem irritado os membros mais velhos do PCCh. Em 1993, com a corrupção se alastrando, uma nova campanha foi lançada e, apesar de inicialmente aparentar tomar o mesmo rumo mal-sucedido das campanhas anteriores, a partir de 1994 a punição e execução de membros bastante conhecidos do PCCh mostraram que essa iniciativa caminhava diferente das anteriormente implantadas. O ápice da campanha contra a corrupção e também o fator-chave que consolidou a liderança de Jiang Zemin foi o afastamento de Chen Xitong33, poderoso político e tradicional líder local. Chen foi sentenciado a 16 anos de prisão, uma ação totalmente inesperada pelo fato de Jiang não ser visto como uma figura que seria capaz de tomar medidas tão severas contra altos níveis do governo. Seguindo por esse mesmo caminho estava Zhu Rongji no âmbito econômico, ao abrir mais espaço para o desenvolvimento das empresas honestas e produtivas (THE SONG OF JIANG ZEMIN, 1998). Ao destituir Chen Xitong, Jiang não somente ganhou maior apoio popular ao lutar contra a corrupção, como também tomou medidas contra figuras poderosas que poderiam futuramente opor-se à sua liderança. Além disso, essa ocorrência marcava um passo em direção ao Estado de Direito, bem representado pela resolução da Quarta Sessão, que declarava o princípio da igualdade de todos e a necessidade de investigação e punição aos membros do PCCh que violassem a disciplina. Finalmente, a remoção de Chen Xitong pode ser considerada o primeiro ato de Jiang sozinho no cenário político (FEWSMITH, 2008, p.172-173). 2.3 O governo de Jiang Zemin: Desafios Enfrentados e Políticas Praticadas Os primeiros anos de governo de Jiang foram marcados por prudência em suas ações, o que insinuava ausência de autoridade. Diferentemente de seu antecessor, foi muito difícil para Jiang definir uma linha própria de governo, lidar com as desafiadoras questões econômicas e, ao mesmo tempo, tomar um rumo central no que se referia à ideologia, desse 33 Chen Xitong (1930-) foi membro do Politburo do PCCh, órgão que dirige o Partido e cujos membros são detentores de cargos importantes no país. Foi prefeito de Beijing até 1995, quando foi afastado por envolvimento em corrupção. modo rebatendo as críticas tanto da esquerda quanto da direita (FEWSMITH, 2008, p.185188). Um novo projeto de reformas econômicas mais pesadas, que dariam origem a resultados muito positivos, teria origem em 1993. O estabelecimento desse programa traria as reformas mais intensas desde 1978, ao adotar medidas que levariam ao aumento da renda pública, através de um sistema tributário mais eficiente, introduziriam diversas reformas bancárias e a elevação da autoridade regulatória do banco central, estabeleceriam leis que melhorariam os direitos civis, de propriedade e corporativos e promoveriam, ainda, a unificação e fortalecimento da moeda (OVERHOLT, 1996, p. 71-73). A criação de um ambiente com condições mais competitivas e com regulamentações mais rígidas propiciou o aumento da eficiência de diversos setores da economia. Dentre estes, pode-se citar a manufatura, distribuição no varejo e companhias aéreas. O crescimento da economia chinesa atingiria e se manteria entre as maiores taxas do mundo, como é possível observar no gráfico abaixo, que trata do crescimento do PIB chinês comparado ao mundial (Gráfico 3): Gráfico 3 - Crescimento do PIB chinês comparado ao mundial Fonte: Banco Mundial, 2011. Já o gráfico abaixo (Gráfico 4) indica o valor do PIB da China em dólares comparado ao mundial: Gráfico 4 – PIB da China (em dólares) Fonte: Banco Mundial, 2011. A segunda fase de reformas econômicas na China seria entendida como a etapa em que as políticas voltadas ao desenvolvimento econômico seriam tomadas a partir da nova liderança pós- Deng Xiaoping, ou seja, a fase que caracterizaria o governo de Jiang Zemin. Assim, em meados de 1993, ainda Vice-Premiê na época, Zhu Rongji, destacar-se-ia como a figura mais importante no âmbito da política econômica. Zhu se tornou Premiê em 1998 e diferentemente de seu antecessor, Zhao Ziyang, tomou decisões mais rápida e determinadamente, possibilitando que suas políticas fossem associadas a instituições governamentais mais firmes e autoritárias (NAUGHTON, 2007, p. 100). As reformas da segunda fase inseriram novos preços e normas, aplicados de maneira igual a todos os agentes econômicos. Essas transformações visavam à regulamentação da competição como força motriz do desenvolvimento econômico. Além disso, o setor privado passou a ser gradualmente mais reconhecido e legítimo. Houve três medidas principais que foram fatores condicionadores do encaminhamento dessa nova fase: i) a reconcentração dos recursos fiscais; ii) austeridade macroeconômica; e iii) término do sistema de duas vias 34 quanto à reunificação do mercado. 34 O dual-track system ou sistema de duas vias, implantado logo no início das reformas por Deng, consistia na existência de um plano traçado e um canal de mercado para a alocação de determinado bem, ou seja, permitia que o governo mantivesse controle sobre setores considerados prioritários para a economia, ao mesmo tempo em que possibilitava que todas as indústrias, privadas e estatais, fossem introduzidas ao mercado e se adaptassem a este. O início da abertura e das reformas da economia promovidas por Deng havia tido como um dos pontos dominantes a descentralização, visto que foi essencial permitir a introdução de mercados e relativa liberdade de atuação das empresas no novo sistema econômico que se consolidava. No entanto, durante a continuidade das reformas, um retorno à centralização se tornou necessário à medida que as responsabilidades de administração central e local se apresentavam visivelmente divididas. O governo central teve que fortalecer a gestão da regulamentação e da macroeconomia. Para tanto, foi necessário criar uma fonte apropriada de receitas das finanças. O processo de descentralização do controle governamental e dos incentivos concedidos, juntamente com a liberação de recursos para o mercado, havia levado à diminuição das receitas públicas. Essa situação havia sido especialmente grave no início da década de 1990, momento em que a China se deparou com uma crise fiscal. Assim, a partir de 1995, o novo sistema tributário resultante das reformas fiscais de 1994 tornou a arrecadação pública central mais eficiente e determinou normas para a divisão das rendas entre a administração central e os governos provinciais. Houve ainda a implementação de imposto sobre valor agregado de 17% e outras taxas referentes a negócios que, embora mais baixas as alíquotas que as aplicadas no sistema anterior, eram mais uniformes e distribuídas entre os diversos agentes econômicos (Idem, ibidem, p. 100-106). A austeridade macroeconômica foi outro ponto que se fez urgente, uma vez que a viagem de Deng ao sul havia originado uma forte onda de especulação, conduzindo ao aumento do crédito bancário e também da inflação. A rigidez macroeconômica se iniciou em 1993 e acarretou em um crescimento mais lento da moeda e dos preços, bem como no encarecimento do crédito às empresas estatais. Essa austeridade levou a uma considerável estabilidade macroeconômica posterior e, após 1996, a inflação ficou sob controle. A estabilidade dos preços foi atingida, apesar de mais recentemente o país ter voltado a enfrentar dificuldades nesse sentido. Os sistemas financeiro e bancário também passaram por transformações. O Banco Popular da China35, que é o Banco Central do país desde 1983, ainda estava subordinado aos oficiais dos governos locais e central. Em 1998, o banco ganhou uma nova estrutura, muito semelhante à do Federal Reserve36, com a extinção das sucursais de nível local e criação de 35 O Banco Popular da China é o Banco Central Chinês, exercendo controle sobre as instituições financeiras e a política monetária chinesa. 36 O Federal Reserve é o sistema de Banco Central dos EUA. nove agências regionais. O banco logo se sobressairia na implementação da política monetária. Ao mesmo tempo, os bancos estatais comerciais passariam por maior restrição orçamentária. Ao final de 1993, reformas no âmbito do comércio exterior também foram adotadas. O regime de câmbio foi unificado e a moeda, desvalorizada. As reformas nesse campo se alinhariam à intenção de entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC) 37 e, para isso, a China teria que se adaptar aos padrões e exigências internacionais (Idem, ibidem). Uma decisão muito audaciosa tomada por Jiang durante seu governo foi a autorização da inscrição de empresários privados no PCCh, ato inédito e surpreendente que levantou críticas por parte dos esquerdistas, os quais alegaram que o capitalismo estaria infiltrando o sistema socialista. Consequentemente, a Nova Esquerda promoveu críticas expressas pelos argumentos de que a nova natureza do PCCh era mais unida aos interesses capitalistas que dos trabalhadores (RAMPINI, 2006, p. 157-161). Posteriormente, o número de empresários afiliados cresceria muito e ganhariam destaque em reuniões do PCCh (EMPRESÁRIOS PRIVADOS SÃO AS ESTRELAS DO CONGRESSO, 2007). Além disso, a presença e a participação ativa dos novos ricos se tornaram legítimas à medida que foram reveladas à sociedade chinesa a partir da introdução do conceito das “três representações” na ideologia oficial, segundo o qual é dever do PCCh representar os trabalhadores rurais, a classe operária e, ainda, é necessário considerar o peso econômico deflagrado pelos proprietários de empresas, industriais e outros que constituem os reais administradores e detentores do capital circulante, representados pela classe média ascendente (RAMPINI, 2006, p. 157-161). Um dos maiores desafios para o governo de Jiang se constituía em equilibrar centralização e descentralização, o que se traduzia na necessidade de estabelecer instituições duradouras e fortalecidas sem ter que sacrificar o crescimento econômico. Outro ponto que deve ser destacado como algo a ser superado é o fato de que, diferentemente de Deng Xiaoping, Jiang e os políticos de sua geração não tinham contatos e um relacionamento profundo com as Forças Armadas, cujo apoio seria fundamental para governar. Os líderes das Forças Armadas ainda representavam importantes atores nas disputas entre facções e faziam 37 A OMC é o organismo internacional que determina e aborda as regras do comércio internacional, com o objetivo maior de promover a liberalização comercial entre as nações. parte do nível mais elevado do Estado-Partido, fatores estes que se traduziam em um grande potencial de influenciar o cenário político (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p. 427-428). Jiang Zemin também teve que lidar com as graves críticas da esquerda direcionadas, principalmente, às reformas econômicas implantadas no país, à abertura da China à economia internacional e à globalização, à influência de outros países na China, sobretudo os EUA, aos valores cada vez menos socialistas que se vinha observando dentro do PCCh, ao crescimento da burguesia no país e à disseminação das ideias liberais, dentre outras reclamações que constituíam uma ameaça à sua liderança. A viagem de Deng ao sul resultara em rápidas transformações no contexto socioeconômico, as quais haviam motivado maior desaprovação da esquerda. Sua viagem resultou em consequências que impulsionaram a economia, mas também ocasionou aspectos negativos. Entre alguns dos resultados, ocorreu a ampliação do número de empresas privadas, maior atração de investimento estrangeiro ao país, intensificação das transações em ações e, ainda, aumento da especulação imobiliária. As pessoas que mais desfrutaram desse novo contexto, obtendo mais oportunidades e enriquecendo rapidamente, em sua maioria estavam conectadas a políticos (FEWSMITH, 2008, p. 177-183). Assim, as críticas de Deng ao esquerdismo e sua busca pelo crescimento econômico conduziram a mais investimentos ao país e ao estabelecimento de mais sociedades por ações, mas também geraram um mercado de imóveis especulativo. Em algumas regiões, a introdução de zonas de desenvolvimento visava ao aproveitamento de falhas na regulamentação financeira e à atração de capital estrangeiro. Além disso, a maior parte dos problemas relacionados à distribuição de renda e às disparidades entre as regiões se deveu ao crescimento do setor privado da economia alcançado nesse período. O modo utilizado por Jiang Zemin para enfrentar as dificuldades, oposições e divergências de interesses em seu governo foi seguir um caminho do meio entre as pressões dos partidários de esquerda e direita, sem ater-se a um único lado. Apesar de ter aumentado seu poder, Jiang ainda não conseguiria remover membros relevantes e poderosos do PCCh, os quais eram em sua maioria esquerdistas. A Quinta Sessão Plenária do 14º Comitê Central teria início em setembro de 1996 e as prioridades da reunião se constituíam na aprovação formal do Nono Plano Quinquenal38 e na questão da liderança política. O novo plano representaria não somente a definição de um programa para a liderança da Terceira Geração conduzir o país, mas também diferenciaria a nova geração das anteriores. A proposta envolvia o apoio que seria dado pelo Estado às grandes empresas estatais que representassem mais de 70% de impostos pagos e lucros obtidos por esse tipo de empresa. Ainda nesse ano, os subsídios dados às empresas estatais compensariam as contribuições dessas empresas ao orçamento do Estado. Além disso, o livre progresso do setor de serviços foi incentivado e as empresas estatais menores puderam desfrutar de maior abertura para incrementarem as formas de propriedade e organização. No que se relacionava à liderança política, por sua vez, Jiang teve dificuldade em consolidar seu poder, devido às oposições sobretudo da esquerda. Esta atentava para o caminho político, ao passo que a direita clamava por democracia e direitos. Em face disso, Jiang ressaltou a disciplina no PCCh e tomou atitudes, em um primeiro momento, mais próximas da esquerda, condenando os perigos da influência do Ocidente e adotando uma postura mais nacionalista (Idem, ibidem, p.183-199). Uma importante resolução seria tomada em outubro de 1996, durante a Sexta Sessão Plenária do 14° Comitê Central. A “Resolução do Comitê Central do Partido Comunista Chinês a respeito de Várias Questões Importantes Sobre o Reforço da Construção da Civilização Espiritual Socialista” apoiava as reformas e colocava a construção econômica como fator central a ser perseguido, porém considerava que o crescimento econômico obtido a curto prazo não deveria superar a evolução cultural e ética da sociedade. Em outras palavras, a resolução auxiliava a defesa de Jiang contra as insinuações de que as reformas econômicas promovidas levariam à privatização e à liberalização burguesa. Ainda em outubro de 1996, a publicação do livro Heart-to-Heart Talks with the General Secretary, escrito por jovens acadêmicos visando à melhor definição do programa de Jiang, traduziu-se não apenas em uma resposta às fortes críticas da esquerda, mas principalmente em uma defesa à abertura chinesa ao Exterior e à implementação das reformas, sem as quais haveria mais dificuldades, perdas e instabilidade para o país e sua população. Discutia-se, então, que a China deveria se inserir no cenário internacional apesar 38 Os Planos Quinquenais traçam as linhas gerais de atuação do governo chinês no período definido, determinando metas e prioridades. da pesada competição entre os países e, assim, para que isso ocorresse da melhor forma, o não-envolvimento do Estado no âmbito empresarial e a adoção de políticas governamentais favoráveis seriam medidas imprescindíveis (FEWSMITH, 2008, p. 188-195). Durante seu governo, Jiang também tentou melhorar as relações sino-americanas, intenção demonstrada principalmente através do convite ao Presidente Bill Clinton 39 para visitar Beijing. O relacionamento entre as duas nações passou a melhorar a partir de 1996, porém o apoio americano a Taiwan40 concretizado em diversos atos diplomáticos dos EUA, além das duras críticas a violações de direitos humanos por parte da China, enfraqueceram as relações bilaterais, além de desencadearem respostas chinesas manifestadas através de exercícios militares, disparos de mísseis próximos a Taiwan, demonstrações e discursos nacionalistas (OVERHOLT, 1996, p. 73-74). De 1994 a 1997, observou-se uma tendência mais nacionalista por parte dos intelectuais, o que se tornou muito favorável à manutenção da estabilidade social tão perseguida pelo PCCh. Em 1997, questões relativas a nacionalismo, globalização e corrupção passariam a se inserir no contexto e Jiang enfrentaria manifestações nacionalistas acerca da entrada da China na OMC (FEWSMITH, 2008, p. 197). A morte de Deng Xiaoping em fevereiro de 1997 enfraqueceu ainda mais o Estado chinês e marcou o final da era de uma liderança forte que havia obtido êxito na implantação de abertura e reformas econômicas, a partir de sua experiência política e de suas conexões no PCCh e no Exército (FAIRBANK; GOLDMAN, 1999, p. 425-427). Com a morte de Deng, Jiang sinalizou que tomaria ações que ultrapassariam a simples continuidade de governo, mostrando-se disposto a governar para que importantes mudanças ocorressem na China. Desse modo, logo após a morte de Deng, Jiang procedeu à maior abertura aos intelectuais, enfrentou as pressões da Velha Esquerda41 e teve um desempenho marcante no 15° Congresso do PCCh, atitudes que seriam fundamentais para o sucesso das tão esperadas e discutidas reformas econômicas. O discurso mais famoso e importante da carreira de Jiang 39 Bill Clinton (1946-) foi Presidente dos EUA durante dois mandatos, de 1993 a 2001, tendo obtido um elevado índice de aprovação em face do resultado positivo de suas medidas econômicas. 40 A República da China ou Taiwan, como é também conhecida, é um Estado na Ásia Oriental com reconhecimento internacional limitado. Com a tomada do poder da China continental pelos comunistas e a subsequente fundação da RPC em 1949, o Guomindang, partido que governava o Estado, transferiu-se para a ilha de Taiwan e ali fundou um novo Estado, não reconhecido até o momento atual pela RPC, que reivindica soberania sobre o território e considera Taiwan uma província rebelde. Em função dessa questão, as relações entre os dois Estados são bastante tensas. 41 A Velha Esquerda faz menção ao grupo dos defensores da ortodoxia marxista. Zemin ocorreu na Escola Central do Partido42, em uma tentativa de distinguir-se no período pós-Deng. Nesse discurso, Jiang se identificou com as reformas implantadas por Deng, explicou a reforma da estrutura de propriedades e criticou a esquerda (FEWSMITH, 2008, p. 197-208). No 15º Congresso do PCCh, Jiang também retomou as ideias de Deng, apresentou seu programa e objetivos e rebateu fortemente as críticas da esquerda. Ele pretendia quebrar as interpretações da esquerda sobre o marxismo-leninismo e, dessa forma, defendeu a tese de que a China estava no “estágio primário do socialismo”, teoria utilizada anteriormente por Zhao Ziyang no 13° Congresso do Partido, em 1987, para dar legitimidade à necessidade de mais reformas. Assim, em 1997, Jiang utilizava o mesmo argumento para justificar o sistema de cotas implantado nas reformas das empresas estatais. A respeito desse sistema, Joseph Fewsmith esclarece: Empresas estatais de médio e grande porte seriam reorganizadas em “corporações padronizadas” com “clara propriedade” que seria verdadeiramente independente do controle do governo. As maiores delas (frequentemente sugeridas como de 500-1000 empresas estatais) seriam reorganizadas em grandes grupos corporativos que deveriam funcionar como chaebol, enquanto as empresas menores poderiam ser reorganizadas, fundidas, alugadas, terceirizadas ou vendidas - uma política conhecida como “agarrar as grandes e soltar as pequenas” (zhuada fangxiao) (FEWSMITH, 2008, p. 200, tradução nossa).43 A influência do modelo sul-coreano dos chaebol44 nas reformas das empresas estatais adotadas na China foi grande e evidente. A partir da implantação do novo modelo, o Estado central se afastaria da administração e propriedade de grande parte das indústrias na China, permitindo que as empresas fossem deixadas para atuar no mercado. Além disso, alguns grupos de empresas mais concentrados se sobressairiam na economia (Idem, ibidem, p. 200). O 15° Congresso do PCCh representou não apenas um momento importante para o Partido em si, mas também assinalou o momento que firmou Jiang como centro do PCCh. Era a primeira vez que o poder passava plenamente da geração revolucionária para a sua 42 A Escola Central do Partido é a mais elevada instituição de treinamento dos oficiais do PCCh. Exerce, ainda, um papel relevante na condução de pesquisas e no aconselhamento de políticas da liderança. 43 Large and medium-sized state-owned enterprises would be reorganized into “standard corporations” with “clear ownership” that would be genuinely independent of government control. The largest of them (frequently proposed as some 500-1,000 SOEs) would be reorganized into large enterprise groups that were to function like chaebol, while smaller enterprises could be reorganized, merged, leased, contracted out, or sold off – a policy known as “grasp the large and let go of the small” (zhuada fangxiao). 44 Chaebol é o termo pelo qual é conhecido um tipo de conglomerado empresarial na Coreia do Sul. Associada a grandes corporações, essa estrutura foi de grande importância para reformar a economia sul-coreana em um momento que se atravessava uma grave crise. sucessora. Nesse sentido, apesar de não ter a revolução como base de legitimidade e não dispor de autoridade sobre as Forças Armadas e outros segmentos do PCCh, Jiang conseguiu se tornar o centro e enfrentava os desafios com manobras ao invés de ataque direto. Além disso, Jiang decidiu atentar mais para o fortalecimento das instituições como modo de adquirir autoridade, baseando sua legitimidade no processo institucional. O rápido crescimento da economia privada seria estimulado a partir da defesa de Jiang da propriedade em suas diversas formas. Além disso, ele também exprimiria a importância de reformas políticas e jurídicas, gerando expectativas de maior abertura. De certo modo, ao tentar assegurar seu poder através da realização de reformas nas empresas e, além disso, por promover a melhoria das relações bilaterais sino-americanas, Jiang permitia que se conquistasse maior abertura para a liberdade política entre os intelectuais, que logo se mostrariam mais ativos em trazer a discussão acerca da importância da reestruturação política à tona (Idem, ibidem, p. 199-205). A consideração da necessidade de reformas políticas e a menção do Estado de Direito45 feitas por Jiang Zemin na ocasião do 15º Congresso do PCCh suscitaram pedidos de abertura política pelos intelectuais, com cartas escritas diretamente a Jiang, artigos liberais, demandas pela liberdade de imprensa, clamores por democracia e eleições diretas, particularmente. Além disso, haveria ainda a exigência de maior abertura ao mundo exterior. Esse cenário mais liberal levaria às críticas afiadas da esquerda e a um clima tenso no país. Em face disso, em quatro de maio de 1997, Jiang visitou, por decisão própria, a Universidade de Beijing46, a fim de participar das cerimônias do centenário desta. Apesar de ter sido advertido por seus conselheiros a não fazê-lo pelo risco de um novo movimento estudantil e de um agravamento da atmosfera presente, o gesto de Jiang de aproximação dos estudantes e intelectuais foi bem-sucedido e funcionou como uma tentativa de amenizar as impressões ainda fragilizadas de Tiananmen (Idem, ibidem, p. 207-208). O controle de Jiang sobre o PCCh aumentaria com a disposição dos membros feita no Congresso e, sobretudo, com o afastamento dos elementos mais velhos. O novo Comitê 45 Estado de Direito é o termo que se refere ao Estado propenso e organizado pelo Direito, cujas atividades são limitadas pelo último. O poder público, nesse caso, é controlado pela Constituição e há predomínio, portanto, da separação dos poderes e da garantia dos direitos fundamentais. Dessa forma, percebe-se a importância da menção desse termo feita por Jiang Zemin durante o 15° Congresso do Partido, que sinalizava mudanças no desenvolvimento institucional. 46 A Universidade de Beijing é a primeira universidade que foi estabelecida formalmente na China. Avaliada como uma das melhores e mais renomadas do país, também é considerada como princípio do pensamento liberal na China atual e força motriz dos movimentos de Tiananmen. Central era composto por pessoas com maior instrução, mais jovens e preparadas profissionalmente que seus antecessores. Em relação às Forças Armadas, as medidas tomadas por Jiang como, por exemplo, a redução da representação dos militares no Comitê Central e na Comissão Permanente do Politburo, visavam ao estabelecimento de um grupo menor, porém menos político e mais profissional. No tangente às reformas econômicas, o principal problema se concentrava nas empresas estatais. Na década de 1980 e início de 1990, um dos grandes desafios enfrentados pelas empresas estatais foi o exuberante crescimento das township and village enterprises, que se tornaram o foco das atenções das políticas governamentais. Entretanto, apesar de a importância das estatais na economia geral ter diminuído, esse tipo de empresa ainda exercia controle sobre setores essenciais da economia, particularmente o das indústrias pesadas, e era fator determinante para o crescimento econômico. Logo, no final da década de 1990 a reforma das empresas estatais se tornou imprescindível (Idem, ibidem, p. 198- 210). Em 1993, o Direito das Sociedades foi implantado e conduziu à reorganização gradual das empresas estatais como organizações de responsabilidade limitada e com instituições de governança corporativa, fator que contribuiria para as reformas (NAUGHTON, 2007, p. 104). No entanto, a relação entre Estado e empresas dificultava a questão. Os ministérios dispunham de incentivos para auxiliar e motivar a produção das empresas estatais, mesmo que estas apresentassem fraco desempenho e ineficiência. Em uma economia de mercado, essas empresas não conseguiriam continuar operando caso não se tornassem menos dependentes da ajuda dos ministérios. Porém, os ministérios não pretendiam compelir em direção ao mercado indústrias a eles subordinadas, ao passo que estas, por sua vez, não possuíam incentivos para conseguir competir (FEWSMITH, 2008, p. 208-209). Durante a Nona Sessão do Congresso Nacional do Povo, realizada em março de 1998, uma proposta de reestruturação do governo foi apresentada, em um contexto de exigências de reformas das estatais e de desafios trazidos pela crise financeira asiática47. Esse importante plano caracterizaria a maior reorganização no vínculo entre empresas e governo desde o início das reformas. Assim, a proposta consistia em um abrangente plano que reduziria o número dos ministérios do governo de 40 para 29. Juntamente com outras políticas implantadas, a 47 A crise financeira asiática de 1997 consistiu em um período de crise financeira que atingiu a região e levantou temores de que se espalhasse mundialmente. A crise teve início na Tailândia e logo se disseminou pelo Sudeste Asiático, originando desvalorização nas moedas nacionais, declínio nos PIBs, queda nas ações e outras consequências negativas. diminuição dos ministérios levaria ao recuo descomunal da intervenção do governo sobre a economia. Pretendia-se centralizar, na Comissão Estatal de Economia e Comércio (SETC)48, o acompanhamento do desempenho de um número limitado de grupos de empresas. Com a supervisão realizada por grupos de inspeção, os núcleos de empresas ficariam sob controle dos oficiais indicados para tal atividade e estes providenciariam para o governo informações mais objetivas e rigorosas sobre a indústria. Os relatórios obtidos seriam reportados diretamente à SETC. Além disso, muitas empresas locais seriam vendidas ou reestruturadas como empresas de capital aberto. Com as transformações decorrentes das reformas, as empresas privadas teriam maior espaço para se ampliar e desenvolver, o que ia justamente ao encontro das expectativas do governo, preocupado com os altos índices de desemprego no país. A pressão que exercia a questão do desemprego se configurava em um grave problema, uma vez que não apenas havia uma proporção elevadíssima de subempregados nas zonas rurais, como também as pessoas demitidas das empresas estatais precisavam encontrar novos empregos. Desse modo, o surgimento e expansão das empresas privadas ofereciam a possibilidade de absorver boa parte dessa mão-de-obra (Idem, ibidem, p. 208-210). 2.4 O Retorno de Hong Kong e de Macau para a China Um acordo entre a Grã-Bretanha e a RPC quanto à devolução de Hong Kong49 para a última foi assinado em 1984, porém foi apenas durante o governo de Jiang Zemin que a transição do território sob o domínio britânico para o chinês ocorreu efetivamente. O acordo, conhecido como Declaração Conjunta Sino-Britânica sobre a Questão de Hong Kong, foi assinado em 19 de dezembro de 1984 e previa que, a partir de 1° de julho de 1997, a GrãBretanha devolveria Hong Kong à China e o governo chinês, então, exerceria sua soberania sobre aquele território (HIGHER EDUCATION PRESS, 2006, p. 258-259). 48 A Comissão Estatal de Economia e Comércio (SETC) lidava com a administração da economia. Atualmente, esse organismo não existe mais e suas tarefas passaram a ser desempenhadas, a partir de 2003, pela Comissão de Reforma e Desenvolvimento Nacional, agência ligada à administração macroeconômica. 49 Localizada na costa sul da China, Hong Kong é um despojado centro financeiro e comercial internacional, com uma economia extremamente desenvolvida e liberal. Em 1841, durante a Guerra do Ópio entre GrãBretanha e China, Hong Kong foi tomada pela Grã-Bretanha e em 1842 o governo chinês da dinastia Qing se viu forçado a assinar o Tratado de Nanjing, em que cedia o território de Hong Kong. A região se manteve colônia britânica até 1997, quando passou oficialmente a ser parte novamente da China. No entanto, Hong Kong possui o status diferenciado de Região Administrativa Especial e, por isso, dispõe de grande autonomia. Hong Kong passaria a ser administrada pelo princípio de “um país, dois sistemas”, proposto por Deng Xiaoping em 1982 e segundo o qual a região seria administrada de modo autônomo pelos cidadãos de Hong Kong e, principalmente, tanto o sistema capitalista vigente quanto os padrões de vida da sociedade não seriam alterados por um período de 50 anos. Assim, Hong Kong se tornou uma Região Administrativa Especial50 da RPC. A política chinesa para Hong Kong tornou muito evidente a importância conferida à expansão da economia na China. Tradicionalmente, a China manteve uma política de proteção às instituições abertas de Hong Kong, uma vez que era de seu interesse manter a região dinâmica economicamente e conservar as estruturas ali estabelecidas. Além disso, havia ainda a concordância acerca da soberania chinesa total sobre o território, a partir da entrega do mesmo em 1997 (OVERHOLT, 1996, p.67). O mesmo princípio de Deng de “um país, dois sistemas” aplicado a Hong Kong seria utilizado posteriormente no caso de Macau51, até então colônia portuguesa. Ao final da década de 1970, houve um consenso entre China e Portugal a respeito da questão. A Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a Questão de Macau seria assinada amistosamente em 13 de abril de 1987. Através dessa declaração, tinha-se a decisão de que Macau era parte da China e, portanto, o governo chinês exerceria sua soberania sobre a região a partir de 20 de dezembro de 1999 (HIGHER EDUCATION PRESS, 2006, p. 260-261). 2.5 O Aprofundamento da Integração da China à Economia Internacional: a Entrada na Organização Mundial do Comércio Em meados da década de 1990, os investimentos estrangeiros mostrariam um aumento excessivo como consequência das leis mais favoráveis à propriedade estrangeira. Essa política se inseria no contexto de abertura da China ao Exterior e na discussão a respeito de qual deveria ser o nível de integração da China com a economia internacional. Ainda relacionada a esse aspecto, estaria a posterior entrada da China na Organização Mundial do Comércio (FEWSMITH, 2008, p. 208-212). 50 Região Administrativa Especial (RAE) é um tipo de divisão administrativa peculiar presente na China. Esses territórios desfrutam de ampla autonomia e seus governos são responsáveis por todas as questões locais, exceto defesa nacional e política externa, que são de prerrogativa do Estado chinês. Dessa maneira, as RAEs possuem, dentre outros fatores, moeda, sistema jurídico e políticas de imigração próprias. As duas RAEs existentes são Hong Kong e Macau. 51 Macau é uma região autônoma da RPC situada ao sul. Foi o primeiro território chinês a se tornar colônia europeia e o último a deixar de sê-lo. Nesse sentido, Jiang Zemin se esforçou para que as relações entre China e EUA melhorassem, o que se refletiria em sua legitimidade e nas reformas que almejava implantar. Era necessário que a China saísse da situação de isolamento em que se encontrava após o ocorrido de Tiananmen e fosse aceita pelos outros países como uma das grandes potências. Esse ponto era especialmente delicado e significante, uma vez que, finalmente conseguindo que a China fosse tratada como igual no cenário internacional, Jiang satisfez os patriotas naquele país e ganhou, dessa forma, maior prestígio político. O propósito da China de participar mais fortemente da economia internacional ficaria muito claro e definido a partir de 1998, com a renovada manifestação da vontade do país asiático em fazer parte da OMC em ocasião da aproximação da visita de Bill Clinton à China. A intenção de ingressar no organismo vinha desde a época do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 52, porém o massacre de Tiananmen fez com que as negociações cessassem. Da mesma forma, no início da década de 1990, o temor de que a China oprimisse os EUA com a entrada nesse país de produtos importados baratos chineses dificultou o processo de negociação, impondo compromissos que a China ainda não estava disposta a honrar. A respeito da abertura internacional, o cenário doméstico estava envolto em conflitos de interesses. De um lado se encontravam o grupo dos nacionalistas e aqueles que buscavam proteger os interesses das corporações que se veriam ameaçadas pela competição internacional. Do outro, observava-se o bloco dos burocratas e empresas que se beneficiariam com a abertura internacional. Havia, ainda, além dos movimentos nacionalistas contra a abertura ao Exterior, aqueles que percebiam as corporações multinacionais e o capitalismo como fatores nocivos (Idem, ibidem, p. 211-221). Por volta de 1999, a China se manifestou como pronta para fazer concessões que a levassem a ingressar na OMC. Zhu Rongji, figura que liderou essa demonstração, acreditava que a entrada significaria uma solução para os problemas domésticos que o país enfrentava na época, como o enfraquecimento das exportações decorrente da crise asiática e a redução da captação de investimentos estrangeiros. Além disso, o protecionismo se tornava um fardo à medida que as empresas estatais continuavam ineficientes e, por isso, a competição estrangeira era percebida como um fator positivo para que as estatais se reestruturassem. 52 O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, mais conhecido como GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), foi adotado no contexto internacional pós-Segunda Guerra Mundial, em 1947, estabelecendo normas e concessões tarifárias entre os países ratificadores. As medidas visavam ao fortalecimento do comércio internacional a partir da liberalização comercial e combate às práticas protecionistas dos países. O GATT seria incorporado pela OMC em 1995, quando esta entraria em vigor. Após muitas negociações, a decepção com a falta de um acordo e a indecisão, pelo lado dos EUA, acerca da entrada da China na OMC, associadas à notícia mais grave ainda de que a embaixada chinesa em Belgrado53 havia sido bombardeada pelos americanos, levaram a um clima tenso nas relações bilaterais entre os países, sobretudo devido ao fato de o bombardeio ter acontecido em um momento em que se presenciavam movimentos vistos como anti-China. O sentimento nacionalista que emergiu na época foi muito forte. Mesmo assim, a relação com os EUA, assim como o ingresso na OMC, era vista pela alta liderança como ponto estratégico para o crescimento da economia. Finalmente em 2001, após 15 anos de negociação, a OMC aprovou a entrada da China como membro efetivo. Internamente, os trabalhadores ficaram preocupados com o desemprego que poderia ocorrer diante da competição dos produtos estrangeiros. Externamente, sobretudo por parte de outros países asiáticos, notou-se o receio de que a China tomasse suas fatias nos mercados de exportação (OMC APROVA ENTRADA DA CHINA, 2001). 2.6 A Sucessão de Jiang Zemin As reformas promovidas por Jiang Zemin incitaram a evolução da economia de mercado na China e o alcance e manutenção de taxas de crescimento do PIB exorbitantes, possibilitando o rápido ingresso de empresas multinacionais estrangeiras, aceleração do processo de internacionalização do país, incentivo da propriedade privada e maior estabilidade macroeconômica. Além disso, as relações com o Ocidente, prejudicadas por muitos anos de xenofobia dos dirigentes mais radicais do PCCh, foram restabelecidas e a China foi admitida na Organização Mundial do Comércio, acontecimento que também impulsionou as reformas implantadas. O último cargo no poder que Jiang deixou antes de ser sucedido por Hu Jintao54 na liderança do país foi o comando das Forças Armadas, como Presidente da Comissão Militar Central55, em 2004. A partir desse momento, Hu Jintao adquiria o total poder e se tornava o centro da liderança do país (RAMPINI, 2006, p. 157-161). 53 Em oito de maio de 1999, durante a Guerra do Kosovo, aviões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardearam a embaixada chinesa em Belgrado, na Sérvia, originando uma crise diplomática. 54 Hu Jintao (1942-) é o centro da Quarta Geração de líderes do PCCh. Ficou conhecido principalmente por seus trabalhos como Secretário do Partido para a província de Guizhou e a Região Autônoma do Tibete. Em 2002, tornou-se Secretário-Geral do Partido. Em 2003, passou a ser Presidente da China e, em 2004, Presidente da Comissão Militar Central. Permanece nesses cargos até o presente momento. 55 A Comissão Militar Central é responsável pela defesa nacional. O sucessor Hu Jintao teria que lidar com sérias questões remanescentes da era Jiang, como as crescentes desigualdades sociais e regionais, violações de direitos humanos e civis, sobretudo das minorias étnicas, agravamento das condições ambientais, dentre outros. Por outro lado, como legado da era Jiang, assistiu-se à gradual transformação da China em uma potência global e à sua súbita ascensão à condição de única potência capaz de rivalizar com os EUA. 3 A ASCENSÃO DA CHINA COMO POTÊNCIA GLOBAL E SEUS DESAFIOS 3.1 Hu Jintao no Poder Em uma transição organizada da Terceira para a Quarta Geração de líderes do PCCh, Hu Jintao se tornou Secretário-Geral do Partido em novembro de 2002 e Presidente da China em março de 2003, porém passou a ter plenos poderes a partir de 2004, ao assumir o controle sobre as Forças Armadas (RAMPINI, 2006, p. 163-166). Jiang Zemin havia enfatizado a produção industrial e a continuidade no desenvolvimento das áreas costeiras. Hu Jintao, por sua vez, priorizou o desenvolvimento do interior do país e o avanço de melhorias nas condições dos agricultores. De modo a reduzir as desigualdades entre as áreas rurais e urbanas, fomentou a educação nas zonas rurais e promoveu subsídios aos agricultores (FAIRBANK; GOLDMAN, 2006, p. 457). No âmbito político, Hu sinalizou que não tomaria o caminho das reformas políticas e ressaltou a necessidade de fortalecer a capacidade do PCCh de governar e enrijecer a disciplina do Partido de modo a acabar com a corrupção de alguns membros. A ligeira abertura para discussão política nos últimos anos do governo de Jiang foi suprimida após Hu subir ao poder. Assim, se por um lado a Quarta Geração se preocupou em diminuir as desigualdades sociais e acabar com os abusos de poder de oficiais, por outro aumentou as censuras e restrições. Simultaneamente, a expansão econômica chinesa e abertura ao mundo têm tornado cada vez mais difícil o controle sobre as informações e liberdades que as novas tecnologias e meios de comunicação proporcionam. Além disso, ao ingressar no século XXI, ficou evidente que a China conseguiu se tornar um país rico e poderoso no cenário global, retomando uma posição econômica dominante que já havia mantido no passado (Idem, ibidem, p. 458-461). Em 2010, teve-se a confirmação oficial de que a China se tornou o maior país exportador do mundo, sobrepujando Alemanha e EUA (CHADE, 2010). Pouco tempo depois, tomou a posição do Japão de segunda maior economia mundial, mostrando que a ordem econômica global vigente até o final do século XX se transformou (TREVISAN, 2010d). As reformas econômicas e a abertura ao Exterior promovidas por Deng Xiaoping, somadas à continuidade das políticas favoráveis ao crescimento econômico pelos governos sucessores, possibilitaram à China ascender como um grande player no panorama econômico internacional, fato percebido especialmente a partir do início do século XXI. 3.2 Vulnerabilidades da China Há diferentes visões sobre o futuro da China como potência hegemônica. As projeções para o crescimento do país em sua maioria são otimistas, mas há aqueles que temem os dados exagerados e clamam por uma perspectiva mais realista. De qualquer maneira, mesmo os mais céticos reconhecem que o país asiático desempenhará um papel de grande relevância no cenário internacional futuro. Além de continuar crescendo e se desenvolvendo economicamente, o país terá ainda que solucionar algumas vulnerabilidades, tanto internas quanto externas, que atravessam seu caminho. Dentre estas, podem-se destacar a desigualdade social, o câmbio mantido artificialmente baixo, o acúmulo de reservas internacionais, a formação de uma bolha imobiliária, a inflação crescente, a repressão aos direitos humanos, a questão energética e a instabilidade regional. 3.2.1 Desigualdade social Uma importante questão a ser solucionada e que se constitui em uma das prioridades da Quarta Geração do PCCh está ligada à concentração de renda e à desigualdade acentuada entre as zonas urbanas e rurais, aspectos que geram considerável descontentamento da população. Como já abordado anteriormente, a abertura do país aos investimentos externos e a implantação de medidas reformistas se concentraram bastante nas zonas costeiras e urbanas, acarretando no atraso e pobreza das áreas rurais. O problema se torna também mais grave ao se considerar o fato de mais da metade da população chinesa ainda viver no campo. Em análises levantadas pelo próprio Departamento de Organização Central56, grande parte dos confrontos e agitações das massas seria decorrente das cada vez maiores desigualdades de renda, arriscando levar à perda de credibilidade do socialismo e do PCCh diante da população. Muitos desentendimentos seriam originados entre massas e dirigentes, principalmente porque estes teriam tirado das pessoas oportunidades econômicas e de prosperar. Além disso, outras análises apontam para a tributação além do permitido em nível 56 O Departamento de Organização Central é uma das bases de poder do Partido Comunista Chinês e exerce controle incomensurável sobre o pessoal envolvido nos diferentes níveis do governo e nas indústrias. local que geraria grande aborrecimento, constituindo outra fonte de tensão e desigualdade (FEWSMITH, 2008, p. 231-232). Centenas de pessoas apresentam petições - antigo sistema que remonta à China dinástica - ao governo central em Beijing a fim de que este faça uma intervenção para acabar com as injustiças que sofrem nas cidades e vilas de origem. Os casos envolvem abuso de poder, violência, tortura, perda de casas, terras saúde, salários e liberdades. Os principais alvos daqueles que realizam as petições são as autoridades locais, consideradas corruptas. A partir desse fato, pode-se perceber que os problemas relacionados às zonas rurais e afastadas dos centros de decisão do país não se resumem à desigualdade de renda, mas incluem também abuso de poder e corrupção (TREVISAN, 2011g). Muitos analistas, ao estudarem os fatores que têm influenciado positivamente o crescimento chinês, não enfatizam a importância contínua do setor rural nesse processo. Apesar das disparidades em relação às áreas urbanas, mudanças em andamento nas áreas rurais têm contribuído significativamente para o crescimento do país. A produtividade dessas áreas tem aumentado, embora os trabalhadores sejam atraídos principalmente para a indústria e os serviços e o nível de produção por trabalhador nesses setores seja mais elevado (FOGEL, 2010, p. 24). A crise financeira global de 2008 57 levou à retração da economia e do comércio internacional e, consequentemente, à queda da demanda por produtos chineses, fazendo com que o governo se visse na necessidade de lançar um enorme programa de infraestrutura de modo a manter a economia aquecida. Ao final de 2009, as exportações voltaram a crescer, mas com a interdependência das economias no sistema internacional e a suscetibilidade a crises, tornou-se evidente que o crescimento chinês terá uma base muito mais sólida e sua continuidade mais assegurada se o consumo interno da China – que representa um grande mercado potencial – aumentar (TEIXEIRA JR., 2010a, p. 106-116). Nesse sentido, proporcionar a mobilidade da população rural para as cidades, além de dirimir a insatisfação acerca das discrepâncias entre as duas zonas, pode auxiliar no aumento do consumo interno. O sistema hukou58, responsável pelo rígido controle da mobilidade dos 57 A crise financeira global de 2008 teve início nos Estados Unidos e subitamente se propagou para o resto do mundo, afetando bolsas, economias e gerando uma acentuada crise de confiança no sistema internacional. 58 O sistema hukou identifica, através de registros, os cidadãos chineses como residentes de uma área específica. Dessa maneira, tem como objetivo equilibrar a movimentação entre o campo e a cidade e, principalmente, chineses dentro do próprio país, poderia ser aprimorado de modo a permitir que os trabalhadores migrantes, anteriormente agricultores, estabelecessem-se definitivamente nas cidades, visto que os ex-camponeses migram sem suas famílias para trabalhar nas cidades e só retornam ao lar no Ano Novo chinês (Idem, ibidem, p.115-116). Além disso, os trabalhadores que migram para outras cidades em geral têm poucos direitos e são muitas vezes vistos de modo negativo (PAGE, 2011). As soluções, nesse caso, deveriam seguir no sentido de proporcionar os mesmos serviços e benefícios sociais dos residentes das cidades às pessoas oriundas do campo e lidar com o limite de crescimento das cidades costeiras, que muito provavelmente não teriam condições para receber um contingente tão grande de pessoas. Para isso, os planos do governo de criação de incentivos para as cidades do interior de médio porte receberem mais pessoas representam um recurso interessante para o prosseguimento da urbanização (TEIXEIRA JR., 2010, p. 106-116). O projeto de construção de casas populares é um dos exemplos dos esforços que o governo tem realizado para diminuir as desigualdades sociais. Em 2010, 5,8 milhões de casas populares foram construídas e as autoridades chinesas visam à construção de um total de 36 milhões até 2015. A solução também se aplica aos elevados preços de imóveis observados no país recentemente, grande problema social ao lado da inflação (TREVISAN, 2011c). 3.2.2 Câmbio Outro ponto a ser discutido que se apresenta como desafio às autoridades chinesas é a questão do câmbio. O governo chinês detém controle sobre a moeda chinesa, o renminbi, que, mantido artificialmente desvalorizado, age como um subsídio às exportações chinesas, aumentando a competitividade dos bens produzidos no país e inundando os mercados de outros países com produtos chineses baratos. Desse modo, afeta não apenas a indústria doméstica do país importador, como também as importações de outros países. Além disso, o acesso de exportadores ao mercado chinês se torna mais difícil a partir da manipulação do câmbio (FONSECA, 2010). A desvalorização cambial chinesa é motivo de protesto dos demais países que, prejudicados, concordam a respeito da necessidade de mudança da política cambial do país asiático. As reclamações se baseiam na alegação de que a China desrespeita as regras controlar o fluxo de cidadãos que se deslocam para as áreas urbanas, uma vez que é necessária a autorização para determinados deslocamentos para outras regiões que não as de origem. internacionais, já que o Fundo Monetário Internacional (FMI) 59 proíbe a manipulação cambial que visa a ganhar competitividade e também a OMC trata dos desequilíbrios e distorções que o câmbio manipulado pode acarretar no comércio internacional. De acordo com Roberto Giannetti da Fonseca, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, a falta de ação sobre a política cambial chinesa no âmbito internacional ocorre devido às limitações desses dois organismos internacionais: “A verdade é que existem lacunas em ambos os organismos internacionais. Muito embora o FMI tenha regras claras contra a manipulação do câmbio, ele parece não possuir dentes afiados para induzir as mudanças necessárias na política chinesa. A OMC tem esse poder, principalmente por meio de seu tribunal de solução de controvérsias, mas o significado de suas regras é ambíguo e jamais foi colocado à prova.” (FONSECA, 2010) A comunidade internacional, liderada pelos Estados Unidos, pressiona a China pela valorização do renminbi, porém vale ressaltar que o câmbio desvalorizado auxilia bastante a competitividade chinesa, mas não é o único fator responsável pelas vantagens comerciais. Além disso, os países que mais se beneficiariam com a valorização da moeda chinesa seriam outras nações emergentes, as quais concorrem com a China como locais de produção de baixo custo e, nesse sentido, ganhariam mercado diante de uma valorização do renminbi (BACK, 2011). Há empresas que têm mudado para países com custos ainda mais baixos que os da China, nos quais as respectivas taxas de câmbio não colocam em risco as exportações. Entre esses países, pode-se destacar o Vietnã. Desse modo, a valorização do renminbi poderia não ter o efeito tão esperado pela comunidade internacional, uma vez que produtos importados de outros emergentes substituiriam os bens chineses. De 2005 a 2008, a partir da adoção de um sistema de câmbio administrado, pelo qual o valor da moeda chinesa foi relacionado a uma cesta de moedas, o renminbi foi apreciado 21% ante o dólar (BROWNE, 2010). Desde a crise financeira global de 2008, contudo, a moeda tem se mantido estável. Desde junho de 2010, subiu aproximadamente 6,8% em relação ao dólar, de acordo com dados de agosto de 2011 (BC CHINÊS FAZ ALERTA PARA INFLAÇÃO, MAS ADOTA „PRUDÊNCIA‟, 2011). A declaração em março de 2010 do Presidente do Banco Central da China, Zhou Xiaochuan, sinalizou que a política cambial praticada atualmente seria retirada em algum 59 O FMI é uma organização internacional que visa à manutenção do bom funcionamento da economia e do sistema financeiro mundial. momento, atribuindo sua adoção à crise financeira mundial. A política teria sido estabelecida como uma medida para lidar com a crise e assim que a economia internacional atingir um patamar mais estável, o câmbio fixo na China poderá ser eliminado (BATSON, POON, OSTER, 2010). A realização de testes com o renminbi em empresas de setores diversos, a fim de avaliar os efeitos de uma valorização, é tida como outro sinal de alteração na política cambial (PEQUIM AVALIA EFEITO DE VALORIZAÇÃO PARA AS EMPRESAS, 2010). Apesar dessas indicações de uma provável valorização, o governo chinês ainda resiste arduamente à medida, visto que sofre grande pressão política interna. A valorização do renminbi levaria diversos exportadores à falência, uma vez que muitas indústrias operam com margem de lucro extremamente baixa e empregam muitas pessoas, ligando diretamente a questão à estabilidade social no país (BROWNE, 2010). A apreciação gradual do renminbi seria a solução de menor impacto sobre os exportadores, no entanto atrairia capital especulativo, uma vez que os investidores acreditariam em uma valorização futura. Por outro lado, se a apreciação se der de forma rápida, os fluxos de capital especulativo podem cessar, mas os exportadores serão amplamente prejudicados e um grave quadro de desemprego decorrente disso se estabelecerá no país. Com o aumento da inflação, especialistas esperam que a valorização aconteça (BATSON, POON, OSTER, 2010). Além da inflação, outro fator que pode estimular o governo chinês a optar pela valorização se refere à grande quantidade de reservas internacionais que o país possui. A partir da recente crise da dívida nos Estados Unidos e também a crise na Europa, a mudança no câmbio se tornou fator-chave para o fim da acumulação de reservas pelo país, que já são da ordem de US$ 3,2 trilhões (TREVISAN, 2011d). Somado a isso, está o fato de que a valorização tornaria as commodities importadas pela China mais baratas (TREVISAN, 2010e). O rebaixamento da nota dos Estados Unidos pela agência classificadora de risco Standard & Poor‟s60 e a expectativa de desvalorização contínua do dólar levantaram temores da China, maior credora dos Estados Unidos. Esse quadro deve piorar com a crise europeia, que deixa poucos destinos confiáveis e líquidos para o país asiático aplicar as suas reservas. 60 A Standard & Poor‟s é uma das principais agências classificadoras de risco, atribuindo notas de risco de investimento aos avaliados. Desse modo, sua análise indica a capacidade do avaliado de saldar suas dívidas nos prazo fixados. Nesse sentido, a valorização do renminbi pode se apresentar como uma solução para o acúmulo de reservas (Idem, 2011d). 3.2.3 Acúmulo de reservas internacionais O Banco Central chinês compra os recursos externos que ingressam no país, uma vez que o volumoso fluxo de dólares pode levar à apreciação do renminbi. Essa ação tem como consequência o aumento das reservas internacionais e também a aceleração do processo inflacionário, uma vez que os dólares são pagos em renminbi, ampliando a oferta monetária. Em função disso, nota-se a elevação dos preços e a formação de bolhas em ativos (TREVISAN, 2010c). Mais de 60% das reservas internacionais chinesas oficiais são compostas por dólares. Alguns apontam uma possível solução como sendo a diversificação de ativos e afastamento de ativos em dólar. Porém, para comprar ativos não denominados em dólar seria preciso converter alguns dos ativos atuais em dólar para outras moedas, o que faria baixar o preço da moeda americana (YANG, 2011). 3.2.4 Bolha imobiliária A concessão de um elevado volume de empréstimos bancários, somada ao aumento dos preços de imóveis, resultou em um crescimento de 75,5% no valor movimentado pelas vendas de imóveis em 2009, fator que aponta para a formação de uma bolha de ativos no país. As movimentações no mercado imobiliário naquele ano somaram US$ 640 bilhões, levando o Banco Central chinês a subir novamente os juros em um curto intervalo de tempo (TREVISAN, 2010c). A expansão do mercado imobiliário também se deu em boa parte devido aos movimentos especulativos, que seriam responsáveis pela criação de uma bolha e pelo aumento dos preços das terras, tornando-as inacessíveis à maior parte das pessoas. A especulação imobiliária nas zonas costeiras aumentou as tensões e também o gap entre o litoral e o interior. O desenvolvimento desse mercado corroborou para o aumento da corrupção e para o enriquecimento daqueles que possuíam bons contatos (FEWSMITH, 2008, p. 178). O Banco Central chinês passou a adotar medidas de política monetária contracionista a partir de janeiro de 2010. Apesar de temer a atração de capitais especulativos para o país, aumentou a quantidade de depósitos à vista imobilizados no Banco Central e elevou taxas de seus títulos de um ano, os quais são referência para o mercado (TREVISAN, 2010c). 3.2.5 Inflação Outro tema frágil no contexto atual está ligado à crescente inflação depreendida no país. Alguns estudiosos relacionam o quadro inflacionário a reajustes salariais e à política monetária expansiva, enquanto outros ligam a questão ao câmbio chinês (TREVISAN, 2010e). Em outubro de 2010, a inflação alcançou um pico em dois anos de 4,4%, ocasionando a elevação dos preços de alimentos. A alta dos preços de comida originou descontentamento da população, expresso, por exemplo, através de protestos de estudantes, insatisfeitos com os preços praticados nos refeitórios escolares (COOKSON, HOOK, 2010). Para amenizar a situação, os governos locais receberam a ordem de realizar os pagamentos da seguridade social de forma mais rápida, a fim de que a população mais pobre tivesse condição de comprar alimentos. Os governos locais também promoveram subsídios às famílias de menor poder aquisitivo (Idem, ibidem). A autoridade monetária no país aumentou, ainda, o depósito compulsório dos bancos por diversas vezes, com o objetivo de diminuir a oferta monetária e, consequentemente, a inflação (TREVISAN, 2010a). Além disso, a pressão inflacionária levou o governo a adotar até mesmo medidas como a redução dos preços de medicamentos, com o objetivo de controlar os gastos com saúde (PEQUIM TABELA MEDICAMENTOS, 2010). Contudo, a elevação do preço dos alimentos constitui o fator central do agravamento da inflação, destacadamente o aumento nos preços de grãos e vegetais (TREVISAN, 2010a). Também o encarecimento do óleo de cozinha, ingrediente essencial na culinária chinesa, foi uma ocorrência que desencadeou temor e insatisfação por parte da população (AREDDY, 2011). Em pesquisa divulgada em dezembro de 2010 pelo Banco Popular da China, 74% dos que foram ouvidos consideraram os níveis de preços além do aceitável. Em um levantamento feito a pedido da Academia Chinesa de Ciências Sociais61 em 2010, as maiores preocupações da população consistiram na inflação, no preço dos imóveis e na assistência médica (TREVISAN, 2011f). O gráfico a seguir (Gráfico 5) mostra a confiança do consumidor chinês no período de janeiro de 2010 a outubro de 2011: 61 A Academia Chinesa de Ciências Sociais é a organização de pesquisa acadêmica mais conceituada no campo das ciências sociais, bem como um dos principais centros de pesquisas ligado ao governo. Gráfico 5 – Confiança do consumidor chinês (janeiro de 2010 a outubro de 2011) Fonte: Trading Economics, 2011 Já o gráfico abaixo (Gráfico 6) expõe as mudanças nos preços ao consumidor mensalmente em 2010: Gráfico 6 – Mudanças mensais nos preços ao consumidor (2010) Fonte: National Bureau of Statistics of China, 2011. O governo tem tomado medidas como aumento dos juros, maior restrição aos empréstimos bancários, subsídios à agricultura para conter os preços dos alimentos e, ainda, impedimento de elevação de preços ao consumidor por parte de empresas chinesas (BARBOZA, 2011). Ao final de 2010, em decisão tomada pelo Politburo do PCCh, o governo anunciou a adoção em 2011 de uma política monetária rígida a fim de mitigar a inflação e o risco de criação de bolhas nos ativos (TREVISAN, 2010a). A decisão demonstra a dimensão que o tópico do processo inflacionário adquiriu para as autoridades centrais. Apesar das medidas tomadas pelo governo para conter o processo, a inflação tem se mantido elevada. Em julho de 2011, o índice de preços ao consumidor anual atingiu 6,5% e continua sendo liderado pela alta nos preços dos alimentos (ANDERLINI, 2011). A política fiscal expansiva vigente no país, a qual havia garantido a atração de investimentos e expansão do crédito após a crise financeira de 2008, seria mantida (TREVISAN, 2010a). O rápido crescimento econômico chinês, porém, é também responsável pela disparada da inflação. Em 2009, no contexto da crise financeira global, o estabelecimento de um pacote de estímulo de US$ 4 trilhões para a expansão econômica, juntamente com empréstimos concedidos pelos bancos estatais, desencadeou o crescimento acelerado da economia e, consequentemente, originou o quadro inflacionário atual (BARBOZA, 2011). Encontrar um ponto de equilíbrio entre crescimento econômico e controle da inflação tem se mostrado uma tarefa difícil para o PCCh, que busca, ainda, elevar o peso do consumo e diminuir a dependência de exportações. De qualquer maneira, a prioridade é sempre a manutenção da estabilidade social. Nesse sentido, os preços elevados de alimentos têm sido considerados ponto crítico à estabilidade social, uma vez que a maioria da população possui renda muito baixa (TREVISAN, 2010e). Em face do aumento inflacionário, algumas províncias decidiram aumentar os salários dos trabalhadores. Com a escassez de mão-de-obra em fábricas e a necessidade de preencher vagas para conseguir suprir as demandas, as fábricas aumentaram salários como medida para atrair trabalhadores, o que também poderá melhorar a qualidade de vida da população mais simples, que é também a mais afetada com a pressão inflacionária. No entanto, diante da possibilidade de uma valorização do renminbi, a elevação salarial é também fonte de preocupação, uma vez que exportadores de setores intensivos em mão-de-obra operam com margens de lucro muito baixas (TSUI, 2010). 3.2.6 Direitos Humanos A questão dos direitos humanos na China se constitui, de certa maneira, como um entrave à sua inserção internacional, uma vez que o regime chinês não se dispõe a ceder às pressões internacionais de garantir as liberdades fundamentais no país. O país que tem o maior número de internautas do mundo é também o que impõe mais censuras ao uso da internet. Em 2010, a invasão de uma conta de e-mail do Google62 pelo governo chinês se tornou conhecida e chamou a atenção do mundo para a questão da falta de liberdade (DIAS, 2010). No início de 2011, no contexto dos movimentos pró-democracia no Oriente Médio e no norte da África, o governo chinês bloqueou discussões na internet e notícias da imprensa sobre as ocorrências. Aproximadamente 100 ativistas no país foram reprimidos, ameaçados ou colocados sob prisão domiciliar (PROTESTO CRESCE NA INTERNET E CHINA PRENDE ATIVISTAS, 2011). Considerada a maior onda de repressão dos últimos anos, a ação do governo também se voltou contra advogados de direitos humanos (TREVISAN, 2011a). A forte repressão do governo foi uma resposta à convocação pela internet de protestos na China com o intuito de reproduzir a Revolução do Jasmim, a qual derrubou o governo na Tunísia em janeiro de 2011 e disseminou as manifestações para outros países árabes (Idem, ibidem). Seguiu-se, ainda, a condenação a dez anos de prisão de um ativista que defendia o fim do sistema de partido único e propagava a necessidade de reformas democráticas, a maior condenação desde a do vencedor do prêmio Nobel da Paz Liu Xiaobo, sobrevivente do massacre de Tiananmen e sentenciado a 11 anos de prisão (Idem, 2011b). O poder econômico e militar da China cresceu muito na última década, mas seu soft power 63 está comprometido devido à censura presente domesticamente. A China tem investido muito para ter uma imagem positiva no cenário internacional, mas sua cultura e seus investimentos não são suficientemente atraentes se a imagem que o país tenta promover não é coerente com a sua realidade interna (NYE, 2011a). 3.2.7 Questão energética A China depende do carvão para grande parte da produção da energia que consome, porém ao mesmo tempo as energias renováveis têm adquirido participação crescente no país. Entre estas, a energia hidrelétrica é a principal, seguida pela eólica. Recentemente, o governo chinês se comprometeu a reduzir a intensidade de emissões de carbono e o Plano Quinquenal 2011- 2015 trará metas para isso (LASH, 2010). 62 Google é uma empresa multinacional de serviços e produtos na internet. Soft power, termo criado pelo professor da Universidade de Harvard Joseph Nye, é um conceito amplamente utilizado em teoria de relações internacionais para se referir à habilidade de um Estado influenciar outros através de meios culturais e ideológicos. O termo está associado, então, aos efeitos de culturas, valores e ideias. 63 A China lidera a produção mundial de painéis solares e em 2009, tornou-se a maior fabricante de turbina eólica, superando Alemanha, Dinamarca, Espanha e EUA. Estudiosos acreditam que o país prevalecerá na produção mundial de tecnologia de energia limpa. Além disso, o governo determinou que as empresas responsáveis pela geração de energia utilizem mais energia renovável. O país estabeleceu a meta de que a energia solar, a eólica e a biomassa deverão representar 8% da capacidade de geração de eletricidade até 2020 (BRADSHER, 2010). A questão energética chama atenção especialmente pelo fato de que a China, sendo país emergente e tendo que manter taxas de crescimento econômico elevadas, tem estabelecido metas significativas de redução das emissões de gases de efeito estufa. Para um país com consumo elevado de energia como a China, o desenvolvimento sustentável é um desafio. Porém, já está presente a percepção de que o desenvolvimento baseado em consumo intensivo de energia e que gera poluição não é sustentável a longo prazo (LASH, 2010). 3.2.8 Instabilidade regional A região geográfica em que a China está inserida é uma área tensa e historicamente marcada por conflitos e disputas territoriais. Somado a isso está o fato de que o rápido crescimento econômico e militar chinês levantou temores por parte dos vizinhos. Os grandes investimentos realizados pelo país em suas Forças Armadas suscitaram o receio de uma provável política chinesa expansionista e do engajamento em uma corrida armamentista com os EUA (MARIN, 2011). Dentre os diversos conflitos presentes na região, sejam por motivo de disputa territorial ou diversidade ideológica, é possível utilizar como exemplos os entraves com Taiwan e o Japão. Uma das mais graves questões relacionadas à China está ligada à ilha de Taiwan, a qual se considera um Estado independente. No entanto, o governo chinês não reconhece a soberania e considera a ilha uma província rebelde. Dentre os conflitos que abalaram a relação sino-americana, pode-se afirmar que a questão de Taiwan é uma das maiores responsáveis por isso. Apesar de os EUA terem reconhecido Taiwan como parte da China, não conseguiram aceitar uma unificação através de meios militares, mas sim insistem em uma resolução pacífica da questão. Com a democratização de Taiwan, no entanto, as tensões entre esta e a China aumentaram e as relações passaram por momentos especialmente turbulentos, como a realização de testes de mísseis e exercícios militares promovidos pela China no estreito de Taiwan (FAIRBANK; GOLDMAN, 2006, p. 462). As relações sino-japonesas, historicamente caracterizadas por clima de inimizade, tornaram-se especialmente tensas em 2010, com a prisão pelo Japão de um capitão chinês cujo navio colidiu com barcos da Guarda Costeira japonesa. A ocorrência reacendeu os sentimentos anti-Japão na China e esta suspendeu contatos ministeriais com o Japão (CHINA SUSPENDE CONTATOS MINISTERIAIS COM JAPÃO POR DISPUTA TERRITORIAL, 2010). Além desses países, a China também possui entraves territoriais com Índia e Paquistão. Recentemente, a construção de ferrovias que ligam a China à Europa também tenderá a originar conflitos. Em decorrência da crise financeira de 2008, o governo chinês lançou um grande programa de investimentos em infraestrutura. Uma parte considerável dos recursos destinou-se à construção de ferrovias de alta velocidade que unirão o país à Europa e atravessarão o continente asiático em região de influência tradicionalmente russa. A investida poderá levantar tensões na relação entre os dois países. A China alega que ter o objetivo de garantir acesso a recursos relevantes, principalmente os energéticos. Contudo, alguns estudiosos acreditam que a ação tem o intuito de adquirir maior influência em uma região ligada à Rússia (TEIXEIRA JR, 2010b). 3.3 Perspectivas para a China como potência global As perspectivas para o futuro da China apontam para uma posição de destaque na economia mundial, algumas mais entusiastas e outras mais céticas. Para alguns estudiosos, a China se tornará uma superpotência econômica, dominando a economia global em 20 anos. Segundo Subramanian (2011, p. 67), o domínio econômico de um país se dá através de três fatores principais: i) PIB do país; ii) comércio (medido pela quantidade de importações e exportações de bens); iii) o quanto é credor do resto do mundo. A partir disso e tomando por base projeções conservadoras que levam em conta as dificuldades que a China terá de enfrentar, Subramanian estima que o crescimento chinês diminuirá bastante, mantendo uma taxa de crescimento anual de 7% nos próximos 20 anos. Mesmo assim, por volta de 2030, a queda relativa dos EUA levará a um mundo quase unipolar sob o domínio da China, a qual será responsável por quase 20% do PIB mundial (Idem, ibidem, p. 68-69). De acordo com Fogel (2010, p. 22-30), vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1993, em 2040 a China deverá ter um PIB de US$ 123 trilhões. Além disso, em 30 anos o país deverá responder por 40% do PIB mundial, ultrapassando em muito os EUA e a União Europeia. Para muitos, é difícil imaginar um mundo em que o eixo econômico mundial estará deslocado para a Ásia. Essa perspectiva não parece tão distante se for considerado o fato de a China já ter sido a maior economia global durante grande parte dos últimos dois milênios. Dessa maneira, para os chineses a ascensão do país seria na realidade uma volta ao status quo. Ao contrário do domínio exercido pelas potências no passado, como Reino Unido e EUA, em que estas eram demasiadamente ricas em relação aos demais países, a China deverá ser um país de renda média dominante. Mesmo com uma renda média, o país poderá exercer seu poder através da reunião de ideais nacionais fortes ou levantamento de recursos para causas externas, por exemplo. A China já exerce seu domínio em vários campos. Para exemplificar, muitos Estados reclamam da competitividade das exportações chinesas possibilitadas em grande parte pelo renminbi baixo, porém nada fazem por receio do poder chinês ou por receberem ajuda financeira ou oportunidades comerciais da China (SUBRAMANIAN, 2011, p. 70-71). É notável o aumento do soft power chinês no mundo, particularmente na Ásia e em outros países em desenvolvimento, e que tem ganhado maior dimensão sobretudo após a crise financeira global de 2008. A ideia de possuir soft power se mostra sob uma perspectiva interessante à China, como é possível observar, por exemplo, pelo número de artigos sobre o tema publicados no país a partir da década de 1990 (NYE, 2011b, p. 86-88). Para alguns estudiosos, a história mundial tem sido até o presente momento predominantemente ocidental, porém a ascensão da China como ator internacional de grande relevância irá alterar esse cenário, tornando até mesmo a história chinesa mais conhecida pelos outros países. A presença proeminente do país nas esferas econômica e política tende a se espalhar para áreas como cultura, cinema, língua e artes (JACQUES, 2010, p. 41). No que se refere ao idioma, elemento caro ao soft power, observa-se uma quantidade crescente de pessoas aprendendo mandarim. Países do Leste Asiático já possuem o idioma em sua grade curricular dos ensinos básico e médio. A indústria cinematográfica chinesa, por sua vez, vem se expandindo consideravelmente, assim como a arte chinesa (Idem, ibidem, p. 4246). Além de a tradicional cultural chinesa já se apresentar como algo atraente para muitos, recentemente o país tem se esforçado para também participar da cultura popular global. Cada vez mais estudantes chineses vão estudar no Exterior, assim como mais estrangeiros têm entrado em universidades chinesas. Os Institutos Confúcio 64 têm se espalhado mais rapidamente por outras regiões do mundo a fim de divulgar sua cultura e idioma e os investimentos em propaganda sobre o país no Exterior são altos. A realização das Olimpíadas de verão de 2008 em Beijing e a World Expo Shanghai65 em 2010 também contribuíram em grande parte para a penetração do soft power chinês no cenário mundial (NYE, 2011b, p. 8690). É importante mencionar ainda a entrada da China na OMC e outros esforços diplomáticos do país para melhorar a forma como é percebido internacionalmente, como o auxílio na questão da não-proliferação nuclear, o ingresso em diversas organizações regionais e o envio de tropas para as operações de manutenção de paz da Organização das Nações Unidas (ONU)66, entre muitas outras ações. Mesmo assim, porém, o soft power chinês está longe de ser comparado àquele exercido pelos Estados Unidos e pela Europa. As violações aos direitos humanos e as restrições às liberdades de expressão e de mídia são fatores que reduzem o impacto positivo do país no mundo. Após o grande sucesso das Olimpíadas de 2008, que exibiram ao mundo uma China moderna, receptiva e atraente, as duras repressões no Tibete e em Xinjiang, além do caso do ativista pró-democracia Liu Xiaobo, que se tornou bastante conhecido mundialmente, levaram ao retrocesso do soft power chinês (Idem, ibidem, p. 86-90). Em uma tentativa de disseminar sua influência, o governo chinês recentemente adotou, entre outras medidas, a criação de versões internacionais novas do jornal Diário do Povo, investimentos na emissora de televisão China Central Television (CCTV) e, principalmente, investimentos pesados na agência estatal de notícias Xinhua. No entanto, a censura política interna tampouco criou condições que permitissem a continuidade dos planos de desenvolver mídias que se tornassem internacionais (JACQUES, 2010, p. 46). 64 O Instituto Confúcio tem sede em Beijing e tem como objetivos promover o ensino da língua chinesa, treinar professores e divulgar a cultura do país. 65 A World Expo Shanghai 2010 foi uma exposição mundial realizada em Shanghai no ano de 2010. Reuniu um grande número de pavilhões de países e organismos internacionais, bem como recebeu um contingente enorme de visitantes de diversos países. 66 A ONU é um organismo internacional que visa à paz mundial e à cooperação entre os países em matéria de questões internacionais. Até mesmo os filmes produzidos no país, em geral, abordam a China antiga, uma vez que produções sobre a China contemporânea poderiam ser impedidas pela censura. Em alguns países em desenvolvimento, o Consenso de Beijing67, relativo a uma economia de mercado desenvolvida sob a égide de um governo autoritário, funciona como uma lógica bem aceita. No entanto, se a China almeja exercer ampla influência sobre o sistema internacional, é imprescindível que adote uma postura responsável e coerente com as visões internacionais (NYE, 2011, p. 86-90). Um dos aspectos políticos que têm chamado a atenção internacional se refere à sucessão presidencial. A promoção pelo Comitê Central do PCCh do preferido à sucessão presidencial, Xi Jinping68, a Vice-Presidente da Comissão Central das Forças Armadas, em 2010, sinalizou um passo de Xi em direção à presidência. Hu Jintao passou pelo mesmo cargo antes de se tornar presidente. Esse posto poderá conduzir Xi ao fortalecimento das relações com os militares antes da realização do Congresso do Partido em 2012, que será responsável pela eleição do novo Secretário-Geral e, consequentemente, do novo Presidente, que ascenderá ao poder em 2013 (XI JINPING É O VIRTUAL SUCESSOR DE HU NA PRESIDÊNCIA DA CHINA, 2010). O cenário político, apesar de não ter passado pelas transformações esperadas desde Tiananmen, apresenta pequenos, mas significativos avanços. No que se refere às eleições, notam-se cada vez mais pessoas se tornando candidatas independentes para as eleições de representantes distritais, direito previsto por lei que, no entanto, pouco era exercido até então, uma vez que se tem a regra não escrita de que cabe ao PCCh indicar os candidatos, acarretando em resultados previsíveis. Os eleitores recebem ordens para eleger nomes indicados por dirigentes locais ou de empresas em que trabalham- pessoas ligadas ao PCCh- e o voto não é secreto (TREVISAN, 2011e). A insatisfação com a falta de representantes que buscassem a solução para suas questões levou cidadãos a se tornarem candidatos não filiados ao PCCh para concorrer às eleições para representantes distritais, caminho que pode levar ao Congresso Nacional do 67 O Consenso de Beijing é o termo que faz referência a um modelo de desenvolvimento econômico alternativo ao do anteriormente predominante Consenso de Washington, que pregava a economia de mercado liberal com governo democrático. Assim, sob essa perspectiva, o desenvolvimento econômico liderado por um governo autoritário é uma lógica aceita. 68 Xi Jinping (1953-) é o favorito à sucessão de Hu Jintao na Presidência. Exerceu um alto cargo na administração de Shanghai, no qual permaneceu até ser promovido ao Comitê Permanente do PCCh. É o atual Vice-Presidente da RPC e Presidente da Escola Central do Partido. É tido ainda como solucionador de questões difíceis. Povo. Com as restrições à distribuição de panfletos e a proibição da realização de comícios, os candidatos utilizam amplamente a internet como instrumento de promoção de campanha. Os candidatos independentes são principalmente aqueles que sofreram os efeitos negativos e as desigualdades sociais decorrentes das reformas econômicas e do crescimento do país, como famílias que perderam terras para a realização de empreendimentos imobiliários e não receberam indenizações e outros casos em que injustiças foram ignoradas pelo governo (Idem, ibidem). Outro tópico que deve ser mencionado é a transição que o país tem feito de imitação para inovação. A China tem tentado sair da classificação segundo a qual é apenas fábrica do mundo. Assim, tem-se afastado mais das cópias e buscado a inovação em seus produtos (CRUZ, 2010). Não só o número de patentes na China tem aumentado, como também o governo transformou em estratégia nacional a construção de uma economia baseada em inovação ao invés de imitação (LOHR, 2011). O Plano Quinquenal 2011-2015 começou a ser discutido em 2010, durante reunião anual do Comitê Central do PCCh. Diante da possibilidade de redução da meta de crescimento, o governo deverá perseguir maior qualidade no crescimento econômico do país, ao invés de quantidade. O novo Plano continuará buscando o objetivo de reestruturação da economia chinesa, isto é, diminuição da dependência de exportações e investimentos e expansão do consumo doméstico, metas que, apesar de serem discutidas e almejadas há bastante tempo, não obtiveram muito êxito (TREVISAN, 2010b). Além disso, o governo tentará proporcionar maior inclusão ao fortalecer a política de ampliação de renda das famílias, iniciada em 2010 com o aumento do salário mínimo. Concomitantemente, pretende-se promover a adoção de outros programas voltados à melhor distribuição de renda, desenvolvimento das regiões oeste e central e construção de casas populares. O crescimento econômico acelerado depreendido na China nas últimas décadas se baseou em consumo excessivo de energia e concentração de renda. No entanto, o Plano Quinquenal anterior visou à poupança de energia, mudança que deve ser mantida para o próximo Plano (Idem, ibidem). Não é possível afirmar categoricamente se a China se tornará a superpotência econômica mundial nas próximas décadas do século XXI ou quais serão seus passos em direção à concretização desse objetivo. No entanto, a inserção da China no cenário internacional ocorreu de maneira planejada e como resultado de uma série de reformas e políticas direcionadas ao objetivo de desenvolver o país e fazê-lo participar da economia global efetivamente. Os resultados das reformas têm se apresentado de forma muito positiva nas taxas de crescimento anual do país que, por vezes seguidas, mantiveram-se acima de dois dígitos. As estimativas de economistas e outros observadores são em geral otimistas e projetam o país quase sempre para uma participação cada vez mais crescente no âmbito internacional. Entretanto, para continuar com o sucesso econômico e garantir-se como player de maior preponderância global, deverá solucionar algumas questões de maior complexidade, principalmente aquelas de natureza doméstica. CONCLUSÃO A partir do término da Revolução Cultural, a China iniciou uma nova e importante etapa de sua história contemporânea. A esse momento, seguiu-se o desligamento de membros conservadores do PCCh ligados a Mao Zedong e opostos à abertura do país. Seu afastamento foi um fato relevante para que a China passasse pela grande transformação interna que a projetaria como um grande player na economia internacional. A Revolução Cultural deixara o país destruído, estagnado, politicamente instável e demasiadamente fragilizado, sobretudo nos sentidos social e econômico. A ascensão de Deng Xiaoping à liderança reverteu o processo de retração em que o país estava inserido. Favorável à abertura do país, Deng liderou o processo de reestruturação e reforma econômica, bem como a abertura para o Exterior. Deng adotou políticas em diversas áreas e juntamente aos seus partidários, optou por adotar uma linha mais pragmática e menos ideológica, priorizando o desenvolvimento econômico do país. As reformas tiveram início nas zonas rurais e foram implantadas de modo gradual, procurando introduzir o mercado e a descentralização das decisões econômicas. Assim, o governo central passou a ter menor atuação em questões variadas. Além disso, houve a implantação do que ficou conhecido como socialismo com características chinesas, termo que se refere à alteração para uma economia de mercado somada à manutenção do sistema político baseado no Partido-Estado leninista. Dentre as medidas introduzidas, é importante destacar o programa das Quatro Modernizações e o estabelecimento das ZEEs. A produção voltada à exportação, baseada nos modelos dos Tigres Asiáticos, constitui um fator-chave para a inserção no comércio internacional. Deng também promoveu o ingresso de investimento de outros países através da adoção de políticas de atração de capital estrangeiro, tornando a China um dos principais receptores de IED. Os investimentos foram distribuídos setorialmente e o governo fez uso de medidas como benefícios fiscais e procedimentos simplificados de licenciamento para maior atração de IED. A reestruturação promovida por Deng proporcionou à China passar de um país rural e atrasado para um país urbanizado e moderno. No entanto, juntamente à abertura à economia internacional e inserção de tecnologia e métodos ocidentais modernos na economia, veio a influência ocidental manifesta por meio de ideias e valores, muitos destes ligados à democracia. A pressão por reformas políticas se tornou cada vez maior e teve seu ápice na manifestação dos estudantes em Tiananmen. Duramente reprimida, a ocorrência ainda é uma cicatriz no povo chinês, que não conseguiu presenciar até o momento atual reformas no sistema político. Nesse sentido, percebe-se que o PCCh tem sua legitimidade baseada no crescimento econômico do país. Se a China estagnar seu crescimento nos próximos anos, o frágil sistema político logo se tornará evidente e será difícil para o Partido manter o controle sobre a situação e manter-se no poder. Com a viagem de Deng ao sul em 1992, as reformas econômicas foram impulsionadas. Mesmo após sua morte em 1997, Deng continua sendo considerado o grande líder das reformas que conduziram à China atual. Seus sucessores concordaram acerca da necessidade de manter um sistema político rígido e de partido único, baseando sua legitimidade no crescimento econômico atingido. Jiang Zemin foi sucessor de Deng e o núcleo da Terceira Geração do PCCh. Optou por seguir um rumo central em relação à ideologia, sem se prender aos partidários de esquerda ou direita. Jiang deu continuidade às medidas favoráveis ao crescimento econômico, levando o país a atingir taxas elevadíssimas de crescimento. Deve-se mencionar a reforma das empresas estatais ocorrida durante seu governo, importante passo no avanço econômico. Hu Jintao, sucessor de Jiang Zemin e centro da Quarta Geração do PCCh, também prosseguiu com as políticas que induziram ao crescimento da economia. Seu governo priorizou a redução das desigualdades sociais, porém no que se refere ao âmbito político, houve maior repressão e censura. As reformas implantadas por Deng, bem como a abertura do país ao Exterior por ele promovida, guiaram a China para a transformação em uma potência mundial, destacando-se em um cenário internacional no qual cada vez mais se presencia o deslocamento do eixo econômico para a Ásia. É necessário, contudo, solucionar algumas questões. A mais grave se refere às desigualdades sociais vigentes no país, resultado em grande parte de reformas econômicas que priorizaram as áreas costeiras e infelizmente não beneficiaram a todos. A desigualdade social desafia a manutenção do PCCh no poder, visto que o descontentamento da população pode levar à quebra da estabilidade social e arruinar a legitimidade do Partido. Outros pontos preocupantes são aqueles de natureza econômica, destacadamente a inflação, formação de bolha imobiliária, acúmulo de reservas internacionais e câmbio artificialmente desvalorizado. Essas questões estão interligadas e necessitam de uma eficaz solução para que o país continue seguindo o atual caminho. As inimizades na região geográfica em que a China está inserida também devem encontrar uma resolução, a fim de manter o equilíbrio regional. Mais preocupante para o seu desenvolvimento que as tensões com os vizinhos é a questão dos direitos humanos. Há receio de que com um crescimento mais estável e moderado, a população passe a exigir mais do governo a respeito da liberdade de expressão. As projeções para o futuro da China apontam para um papel de grande destaque na economia internacional. Além disso, sua ascensão como potência mundial também vem elevando sua influência em outros países e seu soft power. Entretanto, para garantir uma atuação preponderante, deverá ultrapassar os desafios colocados e mudar, ainda, a forma como é percebida por muitos países. REFERÊNCIAS ACIOLY, Luciana. China: uma inserção externa diferenciada. 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