Homeostasia

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Homeostasia
Homeostasia
Os fundamentos do estudo da Fisiologia
•
A Mecânica Relativista e a Física Quântica
•
O critério da falibilidade
•
O subjetivo no contexto da prática médica
•
A proposta geral do curso de Fisiologia
A Mecânica Relativista e a Física Quântica
No século XX, a Mecânica Relativista e a Física Quântica balançaram as teorias
clássicas, que passaram a ser vistas como idealizações que só poderiam ser aplicadas
dentro de certos limites. O espaço e o tempo perderam seu caráter absoluto. Com o
advento do Princípio da Incerteza de Heisenberg, os raciocínios clássicos, baseados na
exatidão, pouco a pouco cederam terreno aos raciocínios probabilísticos. Esta época
marca então um giro na história das ciências. A revisão radical dos conceitos
fundamentais recolocou em pauta um bom número de princípios filosóficos ligados à
ciência e à metodologia, acarretando as crises do positivismo e do determinismo.
"Nenhuma lei teórica pode sair de um conjunto de fatos de maneira lógica e infalível”.
O critério da falibilidade
Segundo Paul Langevin, “os físicos têm sido obrigados a refletir de forma mais
precisa na maneira como trabalham e na filosofia de sua ciência”. Assim, houve uma
reaproximação entre a ciência e a filosofia. Isoladamente, ninguém pode reivindicar a
hegemonia no domínio do conhecimento. No livro "A lógica da descoberta científica”,
de Karl Popper, filósofo britânico, foi introduzido, em 1934, o critério da falibilidade:
uma lei científica é válida até que os fatos provem onde, e como ela é falsa. Ela
então não tem mais necessidade de ser inquebrantável para ser científica (o que está
conforme o princípio da humildade).
Em 1962, Thomas Kuhn, professor de Física do MIT (Universidade de
Massachusetts), apaixonado pela história e filosofia da Ciência, publicou "A Estrutura
das Revoluções Científicas”. Ele introduziu o conceito de paradigma (modelo). "Os
paradigmas são descobertas científicas universalmente reconhecidas que, por um
tempo, fornecem, a uma comunidade de pesquisadores, problemas típicos e
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soluções”. A ciência progride por revoluções, onde as certezas científicas e os
paradigmas devem ser revistos, e numerosos fundamentos perdem sua validade.
A ciência moderna tem, então, evoluído para “um clima de inexatidão racional,
compatível com o livre-exame e incompatível com todo princípio que se pretenda
absoluto”.
O subjetivo no contexto da prática médica
Certos cientistas, como Fritjof Capra, são abertos “ao misticismo, capaz de lhes
fornecer a matéria-prima para a elaboração de hipóteses experimentais”. Professor de
Física na Universidade de Berkeley na Califórnia, Capra declarou, em 1975, em seu
livro "O Tao da Física”, que "o método científico de abstração é muito eficaz e
possante, mas não devemos lhe pagar o preço. À medida que definimos mais
precisamente nossos sistemas conceituais, que traçamos um perfil e elaboramos
relações mais e mais rigorosas, cada vez mais eles se desligam do mundo real ." Dito
de outra forma, os cientistas, para manipular a Natureza das coisas, devem utilizar
modelos tão complexos, que não são mais acessíveis senão a uma elite, se afastando,
então, do mundo dos sentidos comuns.
Capra afirma que existem outras aproximações possíveis da realidade. Cita o
misticismo oriental: com a intuição liberada e isenta do conservadorismo da linguagem
e das percepções restritas dos sentidos, o homem oriental percebe a verdadeira natureza
das coisas. Segundo Capra, a Física moderna se aproxima desse estado de espírito.
As concepções modernas sobre a metodologia tendem então a relativizar e a
desmistificar o conhecimento científico, considerado como uma aproximação, entre
outros utilizados pelo homem para representar e manipular o universo onde ele vive.
Certamente, o conhecimento científico é reconhecido e respeitado sob numerosos
aspectos, mas sem o espírito de sistema que pretende, de forma absoluta, submeter tudo
à estreiteza analítica de uma metodologia.
Sendo assim, não podemos deixar de incorporar o subjetivo no contexto da
prática médica. É imprescindível o rigor científico para buscarmos a melhor informação
técnica, a fim de analisarmos as situações inerentes à prática médica e aplicá-las, mas
temos que estimular, também, nossa capacidade de análise subjetiva e contextual dos
nossos pacientes.
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Com relação ao conceito de subjetividade, de nada adianta aplicarmos os
conceitos da Medicina, se não formos capazes de entendermos o contexto em que se
encontram as pessoas.
A proposta geral do curso de Fisiologia
Isto é o que teremos também no nosso curso de Fisiologia. Aqui teremos a
aplicação dos conceitos científicos e artigos científicos, porém a verdade científica pura,
quando dissociada da realidade e do contexto, pode não se mostrar eficaz e resolutiva.
Sendo assim, trataremos de situações onde nos limitaremos a dizer como
geralmente se comportam os sistemas vivos.
A célula como unidade funcional
A célula é a unidade básica da vida em um organismo vivo. Cada célula é
organizada de maneira a cumprir uma ou várias funções particulares.
O corpo humano possui cerca de 100 trilhões de células, onde o tipo mais
abundante, cerca de 25 trilhões, corresponde aos glóbulos vermelhos, que desempenham
a função de transporte do oxigênio dos pulmões aos tecidos.
Embora as células apresentem diferentes funcionalidades, elas apresentam
características comuns, como notado, por exemplo, no processamento do oxigênio, que
se combina com carboidratos, gorduras ou proteínas para liberar energia.
A capacidade de reciclar energia e matéria continuamente, auto-organização e
autopoiese, bem como a manutenção da homeostasia, são conceitos determinantes para
a sobrevivência de um sistema vivo. Um sistema vivo é, portanto, uma estrutura
semi-aberta ao meio externo, e que recicla matéria e energia continuamente.
Estes são os atributos fundamentais para caracterizarmos um organismo vivo. É
exatamente por isso que podemos considerar a célula como um organismo vivo, pois
nela encontramos todos estes atributos.
Esta é ótica fisiológica, com o qual podemos entender o conceito de vida.
O sistema vivo
O biólogo chileno Humberto Maturana é co-criador, junto com Francisco
Varela, da autopoiesis, termo que designa os processos de funcionamento de sistemas
auto-organizáveis vivos, mas que engloba também outras dimensões, como processos
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sociais, produção de conhecimento e inteligência artificial. Segundo estes autores, a
auto-organização apresenta-se como característica do ser vivo e seu diferencial.
A grande questão que norteou o trabalho de Maturana e Varela era "o que é a
vida?" ou "o que é próprio dos sistemas vivos desde a sua origem, e permanece
invariante durante as suas sucessivas gerações?" A resposta para tal questão no
entender dos autores estava implícita na resposta de outra: qual é a organização do ser
vivo?
O ser vivo pode ser facilmente reconhecido quando é encontrado. Mais difícil do
que reconhecê-lo, é dizer o que ele é. Suas características tais como reprodução,
hereditariedade, crescimento, irritabilidade, adaptação e evolução, desenvolvimento e
diferenciação, seleção natural, e assim por diante, podem ser facilmente enumeradas.
Mas quando é que esta lista de atributos será suficiente para definir, de forma clara, o
ser vivo?
Maturana e Varela têm claro que o ser vivo é um tipo especial de máquina, e a
partir do paradigma epistemológico que adotam, cabe-lhes, então, definir de que tipo de
máquina trata-se, a partir da sua organização. No entender dos mesmos, seria muito
ingênuo dizer apenas que máquinas são sistemas concretos de hardware, que se definem
pela natureza dos seus componentes e pelo propósito para o qual foram feitas, pois,
neste caso, nada teria sido dito sobre a natureza da sua organização.
Para Maturana e Varela, os seres vivos são um tipo particular de máquinas
homeostáticas, que eles denominam de autopoiéticas. Existem sistemas que mantêm
alguns de seus parâmetros, sejam imóveis, sejam ligeiramente flexíveis, no interior de
um intervalo restrito de valores. É sobre esta constatação que repousa a noção
fundamental de estabilidade ou de coerência de um sistema. Nos sistemas em que o
mecanismo responsável pela estabilidade é interno ao mecanismo da máquina, ou
seja, nos quais as fronteiras são definidas pela própria organização da máquina,
tem-se um tipo especial de máquinas, chamadas de homeostáticas.
Meio Interno e a Homeostasia
A expressão “meio interno” foi criada por Claude Bernard (1813-1878),
considerado o fundador da moderna medicina experimental, quando verificou que,
mesmo sob fortes variações do meio externo, um organismo vivo sempre tende a manter
uma constância. Posteriormente, o conceito definido por Claude Bernard, serviria como
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parâmetro para a definição de outro conceito fundamental em Fisiologia, o conceito da
homeostasia.
O termo homeostasia, formada pelos radicais gregos homeo (o mesmo) e stasis
(ficar), foi criado pelo fisiologista americano Walter Canon, em 1929, inspirado no
conceito de “fixidez do meio interno”, proposto por Claude Bernard em 1878, para
significar a manutenção de condições estáticas ou constantes no meio interno.
A homeostasia é a propriedade auto-reguladora de um sistema, ou
organismo, que permite manter o estado de equilíbrio de suas variáveis físicoquímicas essenciais ou de seu meio ambiente.
Dentro do contexto celular, temos o conceito da homeostasia garantindo, por
exemplo, o desempenho de uma categoria de proteínas que respondem, em grande parte,
pelo funcionamento dos sistemas vivos; estas proteínas fundamentais aos sistemas vivos
são as enzimas.
Para que as enzimas possam desempenhar suas funções catalíticas, elas
dependem de condições internas e ambientais ideais, tais como: temperatura, pH,
osmolaridade, além de um vasto conjunto de variáveis que, uma vez mantidos dentro de
uma chamada “faixa de normalidade”, viabilizam a sobrevivência das células e dos
sistemas por elas compostos.
Nas neoplasias, temos um forte comprometimento da constância do meio
interno de um determinado sistema, pois os mecanismos de divisão e morte celular
fogem do controle, afastando-se daquilo que se compreende como normal ou
fisiologicamente esperado.
Mecanismos homeostáticos básicos
O termo homeostasia é utilizado pelos fisiologistas para significar a constância
do meio interno. No corpo humano, todos os órgãos e tecidos contribuem para a
manutenção desta constância. Em síntese, os grandes sistemas contribuem de maneira
particular, para a constância homeostática de todo o organismo.
Os sistemas funcionais básicos, e suas contribuições para a homeostase do
organismo, guardam relações fundamentais com os seguintes conceitos:
•
O sistema de transporte do líquido extracelular
•
A origem dos nutrientes do líquido extracelular
•
A remoção das escórias metabólicas
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•
A regulação das funções corporais
•
A reprodução
O sistema de transporte do líquido extracelular
O líquido extracelular é transportado pelo corpo em duas etapas distintas: a
primeira, quando o sangue flui pelos vasos sanguíneos, e a segunda, quando ele flui dos
capilares até as células.
Em um indivíduo no estado de repouso, o sangue leva cerca de um minuto para
percorrer todo o corpo, e quando este se encontra em intensa atividade física, ele pode
percorrer o corpo até seis vezes em cada minuto.
Enquanto o sangue percorre o seu trajeto, há uma intensa troca entre a porção
plasmática do sangue e o líquido intersticial, devido à permeabilidade dos capilares
sanguíneos que permite a difusão de grande parte dos constituintes dissolvidos no
sangue, à exceção de grandes moléculas. Este processo de difusão se deve ao
movimento cinético das moléculas do plasma e do líquido intersticial, que estão
continuamente em movimento. Como poucas células encontram-se afastadas mais de 50
micrômeros de um capilar, é assegurado o aporte de substâncias a qualquer parte do
corpo, dentro de poucos segundos.
A origem dos nutrientes do líquido extracelular
Cada vez que o sangue completa uma volta pelo organismo, ele passa pelos
pulmões, e capta o oxigênio nos alvéolos, configurando uma das características
fundamentais do sistema respiratório.
Em seu circuito, o sangue passa também pelos capilares do trato gastrintestinal,
onde incorpora substâncias oriundas do processo de digestão. Nem todas as substâncias
incorporadas no trato gastrintestinal podem ser diretamente utilizadas, necessitando,
portanto, de um processamento prévio. O fígado, assim como os rins, as células
gordurosas, a mucosa intestinal e as glândulas endócrinas, modificam a estrutura
química de muitas destas substâncias, tornando-as utilizáveis para os demais tecidos.
O sistema músculo-esquelético também tem um papel fundamental na
manutenção da homeostasia, pois é ele que propicia a movimentação até o local
adequado para a retirada dos nutrientes necessários da alimentação, além de promover a
motilidade para a proteção de todo o sistema.
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A remoção das escórias metabólicas
Ao mesmo tempo em que o sangue capta o oxigênio nos pulmões, ele libera o
dióxido de carbono, a mais abundante das escórias metabólicas. As demais substâncias
tais como a uréia e o ácido úrico, são eliminadas, juntamente com a água e íons, pelos
rins. Os rins respondem, não só pela função de filtragem do plasma sanguíneo, mas
também pela reabsorção de substâncias necessárias ao metabolismo, e que são filtradas
juntamente com as escórias metabólicas, tais como a água, íons, glicose e aminoácidos.
A regulação das funções corporais
Estas funções encontram-se a cargo do sistema nervoso e dos sistemas
hormonais de regulação.
O sistema nervoso pode ser dividido em três porções: sensorial, de
processamento e motor. Os receptores sensoriais detectam o estado do corpo e do
ambiente ao seu redor, encaminhando estes estímulos ao sistema nervoso central. A
porção processadora do sistema nervoso é composta pelo encéfalo e pela medula
espinhal, que, após processarem os estímulos recebidos, enviam-nos à porção motora.
Existem oito glândulas endócrinas que respondem pelo chamado sistema
hormonal. Os hormônios são substâncias que participam da regulação do funcionamento
celular. Enquanto o sistema nervoso regula as atividades musculares e secretórias, os
sistemas hormonais regulam, principalmente, as funções metabólicas.
A reprodução
Muitas vezes a reprodução não é considerada uma função metabólica, mas é ela
que garante a reposição dos indivíduos mantendo a continuidade da vida.
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