OS CONCEITOS DE GUERRA E VITORIA EM ROMA 1

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OS CON CEITOS DE GUERRA E VITORIA EM ROMA 1
Humberto Nuno Lopes Mendes de Oliveira
1 0 presente trabalho resulta da adapta~ao para publica~ao na Lusfada. Hist6ria do estudo
final apresentado no ambito da 1.• P6s-Gradua~ao em Hist6ria Militar, realizada na Universidade
Lusfada de Lisboa no ano lectivo de 1999/2000.
Lusfada. Hist6ria, Lisboa, n. 0 2/2005
Resumo: No patrim6nio militar da humanidade a civiliza<_;ao romana
ocupa, indiscutivelmente, urn lugar de destaque. Ha, todavia, aspectos desse
riqufssimo patrim6nio que nao vem sendo abordados, deixando-se a margem
desse estudo, esmagado por interessantes quest6es estrah~gicas e tacticas, aspectos de uma riqueza e transcendencia que nao devem ser esquecidos. E esse o
caso de urn dos aspectos fundamentais da Guerra- o conceito de Vit6ria- e de
que modo este evoluiu no decurso da hist6ria de Roma. De igual modo associada aquela e sua directa consequencia se aborda a questao do Triunfo.
Palavras-chave: Roma I Vit6ria I Triunfo I Guerra I Marte
Abstract: Rome has an undutiful prominent place in the military patrimony of civilization. However there are aspects of this wealthy patrimony that
have been forgotten, leaving almost unstudied, jammed for interesting strategically and tactical questions, aspects of a wealth and transcendence that should
not be forgotten. That is the case of one of the basic aspects of roman War - the
concept of Victory. To seek how it was established and its evolution in Rome's
history is what we have intended. Due to its association with the former,
Triumph issues and ritual will also be scoped.
Key-words: Rome I Victory I Triumph I War I Mars
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Humberto Nuno de Oliveira
1.
Introdu~ao
No patrim6nio militar da humanidade e no desenvolvimento geral da hist6ria ocidental a civilizac;:ao romana ocupa, indiscutivelmente, urn lugar de destaque, convidando, assim, a uma continua revisitac;:ao por parte dos historiadores. Ha, todavia, aspectos desse riqufssimo patrim6nio que nao vem sendo
abordados, deixando-se assim a margem desse estudo, esmagado por interessantes quest6es estrategicas e tacticas, aspectos de uma riqueza e transcendencia que nao devem ser esquecidos.
0 principal objectivo deste estudo, motivado pelo interessante e pouco
conhecido trabalho de Alvaro d'Ors (1946), eo de tentar aprofundar como conceberam os romanos alguns dos aspectos fundamentais da Guerra - a sua legitimidade e o conceito de Vit6ria - e de que modo estes evolufram no decurso da
hist6ria de Roma. Aspecto que aquele autor abordou apenas numa interessante
mas exclusiva perspectiva jurfdica, embora o assunto da Guerra e da Vit6ria,
naturalmente, tivesse despertado ja o interesse da literatura militar do seculo
XIX, veiculada entre n6s pela Revista Militar.
Na realidade, como grande poder, Roma, tal como os presentes grandes
poderes, sempre se preocupou em caracterizar como justa a sua actividade
belica, embora marcadamente caracterizada por grande ferocidade e uma inescrupulosa busca de vit6ria. De consciencia tranquila, pode assim Roma impor a
sua paz, crente e assente na justeza da sua actuac;:ao, que no feliz dizer de Tacito
mais nao foi que criar desolac;:ao chamando-lhe paz. Como a hist6ria dos grandes imperios se repete ...
A cultura romana valorizou como poucas o sucesso na guerra, a virtus
- coragem aliada a qualidades de chefia - era apresentada como a qualidade
suprema na guerra e o triunfo, celebrando uma grande vit6ria sobre o inimigo,
o mais desejado premio pelos generais que haviam conduzido e decidido sobre
a guerra.
E na pr6pria lenda da fundac;:ao de Roma que se selou, desde a genese,
o seu destino sob os auspfcios de Marte, logo da guerra. Tal facto conferiu-lhe
duas caracterfsticas essenciais que a acompanhariam ao longo da sua Hist6ria:
urn caracter profundamente teol6gico e uma muito particular concepc;:ao da
Guerra, frequentemente independente da conduc;:ao e da concepc;:ao em concreto
damesma.
A hist6ria inicial de Roma e, assim, constitufda por uma deliciosa mistura
entre o domfnio de uma lenda her6ica e factos hist6ricos que sumariamente
relembraremos, para urn necessario enquadramento.
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2. A Lenda da Funda~ao de Roma. Sob o signo de Marte
Afirma-se que a cidade de Roma foi fundada pelos deuses, ou quase, pois
os seus fundadores, R6mulo e Remo, eram filhos do deus da Guerra - Marte2 e de uma sacerdotisa, Rhea Silvia3. Esta havia sido entregue pelo seu tio Amulius a deusa Vesta4, para que permanecesse virgem para o resto da vida5.
Contudo, tendo quebrado os seus votos sagrados, ela e os seus filhos foram
atirados ao rio Tibre. Porem, o deus Tiberinus6 salvou-a corn ela casando. Os gemeos, segundo a lenda, foram amamentados
no monte Palatino, uma das sete colinas de
Roma, por uma loba, animal que frequentemente se confunde corn a propria representa<;ao iconografica de Roma (sendo os romanos considerados como os filhos da loba) e
animal favorito do pai Marte. Esta tao forte
liga<;ao a Marte levou a que os romanos ao
longo da sua hist6ria sempre se consideras- A loba amamentando R6mulo e Remo
sem igualmente "filhos de Marte", e por ele Musei Capitolini (Roma)
favorecidos no domfnio militar.
Os gemeos foram recolhidos por pastores, Faustulus e Acca Laurentia,
tambem referenciada nos escritos como "A Loba"7, que os criaram ate a idade
adulta. Regressaram entao os gemeos ao seu antigo reino, devolvendo o trono
ao seu av6 Numitor. Decidiram, entao, construir uma cidade, justamente a partir do Palatino, local onde haviam sido amamentados pela loba, sendo esta a
razao lendaria da edifica<;ao da cidade.
Existem diversas lendas acerca da morte de Remo e sobre o nome de Roma,
sendo que nao existe unanimidade na resposta. Afirma-se que numa discussao
havida entre os irmaos, R6mulo matou Remo num acesso de furia e tendo-se,
2 Deus romano da guerra e urn dos mais importantes e adorados deuses, filho de JUpiter
e Juno. No inicio da civilizao;ao romana foi tido como deus da primavera, fertilidade, protector do
gado, em suma, como deus da abundancia. Deus telurico, acabou por transitar para o domfnio da
morte e depois da guerra.
3 Vestal, filha do rei Numitor de Alba Longa.
4 Parece ser claro, porem, que o "Colegio das Vestais" s6 foi posteriormente institufdo por
Numa Pompilius (715-673 a. C.).
5 0 rei Amulius de Alba Longa, usurpador do legftimo rei Numitor, seu irmao, soubera num
oraculo que os seus filhos poderiam ser uma ameao;a para o seu poder e por isso entregara Rhea
Silvia para vestal, tentando assim, ao impedir a sua descendencia, garantir a sua continuidade
no trono.
6 0 deus romano do rio Tibre. Na fase inicial da hist6ria de Roma o seu culto era muito
popular, decaindo progressivamente. Hoje pouco se sabe sabre ele.
7 Daqui resultando, porventura, a lendaria associao;ao ao animal e nao a Acca Laurentia.
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posteriormente, arrependido do acto fratricida, tera decidido, em sua homenagem, chamar Roma a cidade. Tal ter-se-ia verificado em 21 de Abril de 753 a.C.,
correspondente ao terceiro ano da sexta olimpfada, data lendaria da cria<;:ao da
cidade.
Por fim, R6mulo levou a cabo a constru<;:ao de refugios no monte Capit61io8 para escravos e criminosos fugitivos e conduziu o rapto das Sabinas,
mulheres de outra tribo do Tibre9, para que os homens que a ele se haviam
unido tivessem mulheres. Ap6s algumas guerras, as sabinas acabariam por proclama-lo como seu rei. Diz a lenda que R6mulo foi o primeiro rei de Roma, falecido em 715, sendo elevado aos ceus num carro de fogo pelo seu pai Marte e
passando a ser venerado como o deus Quirino.
E pois esta a tradi<;:ao lendaria latina que ha que compaginar corn os dados
que a hist6ria e a arqueologia nos apresentam, naturalmente, aspectos bastante
diversos. Na realidade, funcionando como travao aos povos etruscos que, procedentes da Asia menor, se tinham instalado a norte do rio Tibre, os latinos que
viviam no Lacio ocuparam urn dos cumes do monte Palatino e af fundaram
uma pequena aldeia. A sua fun<;:ao inicial, longe da descrita grandeza mftica,
nao era outra senao vigiar o curso de tao importante rio. Nao obstante, corn os
anos af floresceria uma notavel cidade que haveria de conquistar o mundo.
Estes acontecimentos situa-os a hist6ria pr6ximo do ano 1000 a.C.
Vemos pois que Roma desde o seu humilde come<;:o como aldeia vigia se
transformou rapidamente numa pujante potencia militar. Mal podiam suspeitar
os outrora temidos etruscos que seriam urn dos primeiros povos que Roma
haveria de submeter.
3. 0 deus Marte como condutor do fen6meno belico
Marte condicionou a condu<;:ao do fen6meno militar em Roma e toda a vivencia militar lhe veio a ser naturalmente subordinada, nao se estranhando que
os seus varios santuarios detivessem urn papel bem definido no estruturado
processo belico.
0 santuario principal de Marte situava-se no Capit6lio, o local sagrada por
excelencia, posi<;:ao que repartia corn os templos de JupiterlO e Quirino. Era o
8 A mais alta das sete colinas de Roma era o centro hist6rico e religioso da cidade. Na Idade
Media a colina do Capit6lio manteve-se como centro polftico de Roma. Ainda hoje o governo municipal de Roma se encontra af instalado.
9 Tribo vizinha que ocupava as colinas do Capit6lio, Quirinal e Viminal.
IO 0 grande templo de Jupiter Capitolino era o maior templo e onkulo de Roma, tendo sido
dedicado em 509 a.C .. Foi destrufdo por incendios tres vezes e reconstrufdo pela ultima vez pelo
imperador Domiciano (52-96 d .C.).
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designado templo de Marte Gradivus - aquele que antecede o exercito em batalha - por ser o local onde os exercitos se concentravam pedindo protecc;ao antes
de partir para batalha.
No Forum de Augusto, situava-se outro dos templos dedicados a Marte,
ode Marte Ultor- Marte o vingador.
Na Regia guardavam-se a lanc;as de Marte "hastce Martice" que possufam
inegavel valor simb6lico. Na realidade, quando tais lanc;as eram transportadas, esse facto era considerado como urn prenuncio de guerra. Assim, o chefe
designado para conduzir os exercitos em batalha, devia move-las enquanto
pro feria a expressao "Mars vigila" - Marte desperta. Tal como Marte Gradivus
sob esta invocac;ao, o deus precederia o exercito em batalha e conduzi-los-ia
a vit6ria.
0 Campus Martiusll - o famoso Campo de Marte - situado para la das
muralhas da cidade, ou seja fora dos limites do Pomerio12, era-lhe igualmente
dedicado, sendo por excelencia o local destinado ao adestramento do exercito
e igualmente o local de reuniao das Cornices centuriates (Assembleia Popular).
Do mesmo modo, tambem o calendario romano era profundamente influenciado por Marte. A 19 de Outubro, celebrava-se, sob os seus auspfcios, o Armilustrium, dia em que as armas dos soldados eram ritualmente purificadas e armazenadas para o longo Inverno. A 24 de Marc;o, na celebrac;ao do Tubilustrium,
eram retiradas dos armazens e em conjunto corn as trombetas de guerra limpas
de novo13, afirmava-se assim, ritualmente, que as armas estavam de novo prontas para a sua func;ao belica. Como se ve a ritualizac;ao do fen6meno marcial e
profundae intensa no universo romano.
0 mes de Marc;o - Martius - era assim designado em sua honra pois, coma
foi constante ate que a moderna tecnologia finalmente superasse as adversidades da natureza, ao longo de varios seculos, a maior parte das guerras iniciavase, de facto, corn o advento da Primavera e cessava no Outono quando o mau
tempo comec;ava a afectar a normal conduc;ao da actividade militar.
11 Vasta area plana que se situava a norte do Capit6lio. Na fase final da Republica a sua extremidade sui come~ou a ser ocupada por ediffcios para uso e beneficia do povo, como por exemplo os
banhos de Agrippa (ai foi tambem construfdo o Panteao). Corn o crescimento da urbe o Carnpo foi
progressivarnente desaparecendo e na sua area norte edificados o Mausoleu de Augusto, o Ustrium
(cremat6rio) ea Ara Pacis (Altar da Paz).
12 Assim designavam os romanos o limite sagrado da cidade, para la do Pomerio apenas
existiam "terras pertencentes" a Roma.
13 Marte possufa ainda outras celebra<;5es: a Feri;r Marti a 1 de Mar<;o, o Quinquatros a 19 de
Mar<;o e a Equirria a 27 de Fevereiro e 14 de Mar<;o, quando se realizavam grandiosas corridas
de cavalos. De cinco em cinco anos celebrava-se a Suovetaurilia, urn grandioso festival de fertilidade
e purifica<;ao, onde se sacrificavarn urn porco, uma ovelha e urn touro.
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4. 0 fen6meno belico e as no~oes de guerra justa e vit6ria
Urn dos problemas principais problemas que a Guerra traduziu para os
romanos (como alias para quase todas as civiliza~6es posteriores) foi, sem
duvida, toda a complexa e sempre buscada teoriza~ao e argumenta~ao, em
torno das no~6es de guerra justa e vit6ria.
Este trabalho visa, justamente, indagar sobre a concep~ao te6rica que entre
os romanos tiveram as no~6es de guerra e vit6ria legftima. Torna-se, assim, fundamental analisar as condi~6es que eram exigidas pelos romanos para que urn
feito de armas - guerra justa - pudesse ser considerado como Vit6ria, dado que
tal, ao inves do que uma visao simplista poderia supor, implicava profundfssimos aspectos teol6gicos. Estarfamos assim, como sugeriu Alvaro D'Ors, perante
uma teologia paga da Vit6ria. Todavia, paralelamente a tao complexo universo
teol6gico sabemos, tambem, que para os romanos a guerra comportava ainda
urn lado casufstico, a Vit6ria, qual fruto de ocasiao, deveria ser agarrada, como
uma especie de apreciada bebida ao nosso alcance. Restava toma-la. Restava
possuir a ousadia para beber de tao desejado calice. Aspectos que parecendo
contradit6rios, ou mesmo antag6nicos, foram magistralmente conciliados pelos
romanos.
Quando se concebe, entao, a Vit6ria como resultado de tao interessante
simbiose, encontramo-nos porventura perante essa concep~ao paga da Vit6ria.
A referenda e naturalmente ao paganismo romano, urn universo complexo preenchido par urn sentimento de legitimidade e apego religiose, que jamais permitiria conceber a Vit6ria como apenas urn directo feito da for~a. Assim, para os
romanos, a Vit6ria nao era urn feito afortunado de armas mas algo muito superior ao simples desfecho belico.
Nao devemos estranhar pois que, nesta conformidade, a mfstica da Vit6ria
fizesse uso de todo urn espectaculo, de honras do triunfo, no fundo de uma
complexa mfstica polftica. 0 Triunfo deveria mostrar ao Senado e ao povo que a
guerra era necessaria para a sobrevivencia de Roma, que apenas e sempre agia
defensivamente sob o conceito romano de agressao.
Os romanos consideraram sempre e s6 travar guerras justas - ou seja como
resposta a provoca~6es ou agress6es - o que a ser rigoroso colocaria a expansao
romana como urn dos mais interessantes acasos da hist6ria europeia, uma vez
que Roma teria que se ter "defendido" de amea~as vindas de todos os sentidos.
De facto, Roma logrou, ano ap6s ano, partir para a guerra em resposta a provoca~6es - reais ou mais frequentemente imaginarias - apenas porque conseguiu
definir cuidadosamente os seus interesses e estabelecer cada vez mais distantes
alian~as, assim em caso de amea~a aos seus aliados, a provoca~ao a Roma
estava garantida. Os romanos revelaram-se, assim, mestres na manipula~ao das
circunstancias para for~ar os seus oponentes a agirem de urn modo que pudesse
ser interpretado como provocat6rio. Assim, a interpreta~ao romana de guerra
justa e a sua necessidade universal de conquista nao se revelaram necessaria-
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mente contradit6rias. Embora possamos considerar que o conceito de guerra
justa poderia justificar uma dada guerra, dificilmente explicaria a perpetua disponibilidade de Roma para a guerra. Par ultimo devemos relembrar que em
nao poucos casos foram claramente os comandantes romanos que provocaram a
guerra de modo a obter o triunfo.
5. A Declara~ao de Guerra
As mais precisas informa<;6es sabre a curiosa e complexa forma ritual e
classica de declarar a guerra, sao as transmitidas pelo historiador Ti.to Livio.
E pelos seus escritos que, numa fase a que chamaremos ltalica, ou seja aquela a
que corresponderam campanhas militares exclusivamente nessa peninsula,
conhecemos tal processo. Sabemos, assim, que para ser declarada a guerra, em
representa<;ao do colegio sacerdotal dos Fetialesl4, o pater patratus se deveria
aproximar solenemente das fronteiras do povo ofensor (verificando-se assim
que a guerra para Roma era entao encarada coma meramente punitiva e defensiva) e recitar um carmenl5 pelo qual se aclaravam as reclama<;6es do povo Romano, invocando os deuses coma testemunhos da iustitia e pietas de tais reclama<;6es. Depois, avan<;ando, repetia a mesma reclama<;ao16 ante a primeira
pessoa que encontrava no territ6rio inimigo; avan<;ando ainda mais, ante as portas da cidade e, par ultimo, na pra<;a publica desta. Se o povo ofensor entregasse
os culpados as maos do pater patratus, a ofensa ficava saldada e nao ha via necessidade de guerra; caso contrario oferecia-se um prazo de trinta dias, ap6s o qual
o pater patratus voltava a invocar os deuses e regressava seguidamente a Roma
para solicitar a delibera<;ao do Senado. Se o Senado decidisse que a ofensa deveria ser vingada pelas armas, o pater patratus voltava a fronteira e, em presen<;a
de tres testemunhas, lan<;ava ao solo inimigo uma lan<;a molhada em sangue,
ao mesmo tempo que pronunciava a declara<;ao solene de guerra contra aquele
povo e ainda contra cada um dos seus membros individualmente considerados.
Dissemos ser este velho rito do direito fecial - ius Fetiale - exclusivo da dita
fase ltalica tendo, naturalmente, desaparecido quando Roma levou a guerra,
nao ja contra outros povos italicos, aos quais estava, nao obstante as rivalidades, unida par uma comunidade religiosa, mas para la das fronteiras da sua
peninsula, contra povos estranhos aos seus costumes, deuses, procedimentos e
cultura.
14 Os feciais eram os antigos sacerdotes romanos, que se constitufam em colegio sacerdotal,
e que intervinham nas declarac;oes de guerra e conclusao dos tratados.
15 Composic;ao em verso, eventualmente cantada, que continha uma mescla de predicas
magicas, judiciarias e morais.
16 A expressao clarigatio para os romanos pressupunha a acc;ao de reclamar ao inimigo aquilo
que foi injustamente tornado.
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Tal procedimento e desde logo 6bvio pois tais rituais careciam de uma
certa reciprocidade, na verdade tambem os povos italicos inimigos possufam os
seus Fetiales e o seu pater patratus; assim, tambem Roma, eventualmente, teria
que entregar os seus ofensores para satisfazer outro povo ofendido.
Esta especie de "direito internacional italico" pressupunha uma ampla
comunidade de concepc;oes religiosas. Na realidade, tais enfrentamentos no
processo de declarac;ao de guerra nao se fundavam tanto no reconhecimento de
qualquer direito por parte do inimigo, mas num sentimento recfproco de escrupulo religiose. 0 mesmo Tito Lfvio informa-nos que, a religio17 impedia o infcio
das operac;oes belicas sem mais, porque todos reconheciam que era obrigat6rio
cumprir previamente corn aquela cerimonialidade, caso contrario se a guerra
tivesse sido fmpia jamais os deuses a favoreceriam corn a Vit6ria.
Mas ainda mais duradouro que esse requisite do direito fecial e o requisite
dos auspfcios favoraveis. Como e sabido, todo o sistema politico romano se
baseava na pratica dos auspfcios, ou seja, nas consultas da vontade divina
mediante a observac;ao das aves que todo o magistrado deveria realizar ao
empreender uma acc;ao belica- a extaspicina18 -,tal como ante qualquer outro
acto decisivo no desempenho do seu cargo. A forc;a desta instituic;ao era tal que
sem auspfcios favoraveis, todos os actos ficavam constitucionalmente invalidos,
uma vez que tal assentimento por parte da divindade possufa urn caracter
intransferfvel. De tal modo que, se por qualquer motivo era urn magistrado que
obtinha os auspfcios e outro o que de facto conduzia a guerra, a Vit6ria e consequentemente as honras do triunfo correspondiam ao primeiro e nao ao segundo. Distinguiam-se, assim, entao, claramente os auspicia do ductus. Sera precisamente nesta peculiaridade religioso-constitucional que posteriormente se
apoiara Augusto para assumir sempre ele as honras da Vit6ria e evitar assim o
ensombramento por parte de algum general mais afortunado. Ao faze-lo,
Augusto criou uma nova mfstica polftica do Imperio, cuja pec;a fundamental foi
precisamente essa de que s6 o Imperador pode ser vencedor, de que s6 a ele
podem outorgar os deuses o desfgnio da Vit6ria.
6. 0 inicio de urn longo processo. A vota~ao pelo Triunfo
Ap6s a vit6ria decisiva do general ou comandante militar (dux - aquele
que detem o ductus) as suas tropas deveriam aclama-lo informalmente como
17 Sob este conceito abrigam-se o conjunto das rela<;6es entre os homens e os deuses.
Inicialmente assume uma atitude respeitosa perante o sagrado, progressivamente, gra<;as a confian<;a nos rituais, adquire urn aspecto quase contratual. Assim, face a uma oferenda, a uma prece
exacta, o deus nao podera furtar-se e concedera o que !he foi pedido.
18 Exame das entranhas dos animais sacrificados, corn o objectivo de se conhecer as disposi<;6es dos deuses no m omen to do sacriffcio.
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Imperator, indicando assim que pensavam ser aquela campanha ou batalha
digna de urn triunfo. Ap6s a sua saudac;:ao como Imperator o general enviaria
urn mensageiro a Roma corn as novas detalhadas da sua vit6ria. Tal mensageiro
seria portador dos fachos atados corn ramos de loureiro. 0 loureiro19 simbolizava que o general sentia que a sua vit6ria era digna de triunfo, e ao enviar esta
mensagem a frente do seu exercito de regresso concedia ao Senado, ou a Cornices
centuriates, tempo para reflectir sobre o seu necessario futuro voto.
Ao regressar a Roma o general formalmente deveria solicitar ao senado
uma votac;:ao sobre a purificac;:ao e gl6ria da atribuic;:ao da procissao triunfal.
0 senado deveria entao discutir e votar o pedido de nomeac;:ao de Imperator solicitado pelas suas tropas. Se o senado decidisse pelo merito da celebrac;:ao triunfal da vit6ria alcanc;:ada e o general tivesse ja desempenhado cargo publico, o
triunfo seria concedido. Nenhum privado20 poderia receber, entao, semelhante
honra, reservada, assim, a senadores ou consules que poderiam ser considerados como triumphator. Nesta fase desempenhava naturalmente papel de grande
importancia a politica interna e os l6bis de facc;:6es. Casos houve de triunfadores, merecedores de tal distinc;:ao, que a viram recusada, bem como a de generais, menos afortunados, que viram os seus triunfos aprovados. Na realidade,
a decisao, ainda que aparentemente contrariasse a evidencia dos factos, nao era
passfvel de apelac;:ao. No perfodo imperial, porem, estes procedimentos ver-se-iam profundamente transformados.
A que requisitos se sujeitava, entao, a concessao do triunfo? Quando tratamos esta questao nao devemos pensar em requisitos meramente formais como
por exemplo uma autorizac;:ao constitucional, pois ainda que normalmente fosse
o Senado, corn intervenc;:ao frequente dos tribunos, da plebe e dos comfcios
quem, ap6s as oportunas preces21, outorgava a honra do triunfo, a decisao dependia na realidade do vencedor e a autorizac;:ao senatorial era fundamentalmente uma concessao de gastos para o festejo.
Os requisitos de uma Vit6ria adequada a motivar a cerim6nia do triunfo
eram bem mais profundos. A primeira condic;:ao era, naturalmente, urn exito
militar consideravel. Se o inimigo se havia rendido espontaneamente, se nao se
lhe houvesse infligido pelo menos 5.000 baixas em batalha, se a vit6ria tivesse
sido precedida por urn fracasso, se tivesse havido grande dano nas pr6prias for19 Os louros eram frequentemente usados como grandes ofertas para feitos pessoais, assim, o
uso de louro nos fachos era a maneira de o general afirmar que obtivera urn notavel feito de armas.
20 Lembremos o caso de Publio Cornelio Cipiao, que ap6s quatro anos de sucessos militares
na Iberia, corn vit6rias significativas em Nova Cartago, Baecula e Ilipa, partiu para Roma a tempo
das elei<;5es consulares de 205 a. C.. Apesar de uma partida muito confiante, crente que transportava
para Roma urn glorioso triunfo e vit6ria, Cipiao como apenas privatus cum imperio, nao poderia celebrar urn triunfo, entrando assim na cidade como mero cidadao privado, nao obstante o publico
entusiasmo pelos seus feitos.
21 As supplicationes cumpriam a dupla fun<;ao de preces publicas e simultaneamente a de
ac<;ao de gra<;as dirigida aos deuses.
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<;as, ou se o adversario fosse pouco numeroso, o exito poderia merecer eventualmente as honras de uma ova<;ao ou "pequeno triunfo"22 mas jamais as altas
honras do Triunfo. A vit6ria deveria ter sido decisiva, contribuindo para o
termo da campanha e deixando de tal modo subjugado o inimigo que se
pudesse verificar o regresso do exercito a Roma sem perigo de perturba<;ao da
paz. De igual modo, e ainda que a antiga exigencia se tenha relaxado corn o
tempo, quando 0 exito fosse obtido corn artimanhas nao conformes a cortesia de
beligerante, nao haveria igualmente lugar a triunfo.
Por outro lado era requisito imprescindfvel que a Vit6ria tivesse sido obtida
em guerra justa, porque s6 sobre urn iustus hostis se pode obter uma Vit6ria legftima. Jamais poderia ter lugar triunfo devido a vit6ria obtida numa guerra civil,
ou seja, entre inimici e nao entre hostes, numa persegui<;ao de piratas, numa sufoca<;ao de uma subleva<;ao de escravos ou qualquer outra revolta. Nestes casos
nao poderia haver triunfo nem tampouco sequer ouatio. Assim, de igual modo, se
a guerra nao fora declarada regularmente, rite - segundo os ritos, ritualmente.
De facto, em nenhum destes casos a guerra poderia trazer despojos, nem escravos para o erario publico e esse aspecto era, sem duvida, determinante.
Requisito era igualmente que o general vencedor fosse urn magistrado
corn imperium (visitador, consul ou pretor)23. Urn particular, urn chefe improvisado, urn magistrado depois de haver terminado o seu imperium ou depois de
haver transmitido as for<;as ao seu sucessor, ou numa provfncia que nao era sua,
nao podiam de modo algum ser considerados como triunfadores. 0 ius triumphandi - direito ao triunfo - era algo inerente ao imperium, ou seja, a esse poder
militar absoluto, unitario e originario que encarna a soberania. Mas, na realidade, nao bastava o imperium, era igualmente preciso que a Vit6ria como vimos
se tivesse seguido a uma campanha iniciada por urn magistrado depois de ter
obtido auspfcios favoraveis, tal relaciona-se, de certa maneira, corn o requisito
antes formulado da guerra declarada rite.
Assim, pois, os dois requisitos da ac<;ao belica que poderia conduzir a
uma vit6ria legitima eram: que se tratasse de urn bellum rite indictum, ou seja,
conforme as regras do direito fecial; que o magistrado vencedor tivesse conseguido auspfcios favoraveis. 56 verificando estes requisitos se poderia falar de
bellum pium.
Esta concep<;ao quase religiosa iniciara-se nos finais da Republica Romana,
quando a exalta<;ao da chefia militar progressivamente tendeu a concentrar numa
pessoa determinada uma gra<;a divina especial, a Felicitas, uma vez que s6 ela
22 Para os romanos sob a designac;ao de ouatio. A ovac;ao era a honra inferior ao Triunfo,
caracterizada por rituais pr6prios mas de inferior importancia aquela; caiu em desuso no tempo de
Ch1udio 40 a. C ..
23 Diz-se do direito de comando, civil ou militar, de origem sagrada e consagrado pelos auspfcios, que transformam o seu detentor em muito mais do que urn eleito pelos cidadaos. Este poder
atribufa-lhe o direito de convocar e consultar o povo e o Senado, comandar as legioes e ser juiz,
decisoes que nao eram passfveis de recurso.
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pode permitir a Vit6ria. Assim, ao longo da hist6ria de Roma constatamos uma
inversao de momentos: se na Republica se divinizava o vencedor legftimo, no
Imperio s6 ao divinizado se reconhece como possfvel o estatuto de vencedor. Esta
altera<;:ao acentuava claramente a inicial dissocia<;:ao entre os auspicia e o ductus.
Levando mesmo a que paradoxalmente embora a direc<;:ao da guerra - o ductus pudesse corresponder a uma dada pessoa, seria o agraciado pela Felicitas que devia tomar os auspfcios e por conseguinte receber as posteriores honras do triunfo.
Assim o Princeps24, unico possfvel portador de Felicitas, converte-se, em
Imperator e vencedor (Victor) perpetuo, ao mesmo tempo que refon;a o seu ius
auspiciorum, muito superior em significado devido a honra do augurado, portador do titulo de Augustus. A teologia polftica do Principado cimenta-se, bem
como a raiz do poder, na auctoritas.
Mas deixemos a evolu<;:ao para o Imperio e atentemos, ainda, nos aspectos
mais puros do infcio do fen6meno.
Os vencedores romanos celebraram triunfos por mais de mil anos e pelo
menos 320 prociss6es triunfais foram realizadas desde o come<;:o de Roma ate
ao reinado de Vespasiano (69-79 d.C.). Em 403 d.C. o imperador Hon6rio (395-423 d.C.) desfrutou o ultimo verdadeiro triunfo romano.
Impressionante no seu esplendor e caracter simb6lico, a cerim6nia do
Triunfo tornou-se uma parte congenita da cultura romana que celebrava os extraordinarios servi<;:os a Roma e que constitufa a maior honra que o Estado
podia conceder primeiro a urn her6i, depois, mais importante, a si mesmo.
0 verdadeiro Triunfo, aquele nascido na antiguidade classica, sempre se
destinou a comemorar a vit6ria militar, ganhando em Roma a caracterfstica de
celebra<;:ao do poder da cidade, da sua missao de conquista e domfnio e da bravura e coragem dos seus soldados. Porem, urn dos mais relevantes aspectos era,
indiscutivelmente, a suplica a Jupiter para que assegurasse e mantivesse a prosperidade romana. Era, assim, por excelencia a cerim6nia em que os deuses e os
homens se encontravam em maior proximidade.
7. 0 Cortejo Triunfal
As descri<;:6es que chegaram ate n6s sao geralmente de triunfos individuais,
logo muito especfficas, registadas sobretudo para assegurar e perpetuar maior
gl6ria do triunfador, mas que, nao obstante estas limita<;:6es, nos permitem descortinar urn padrao geral para tais prociss6es, que nao obstante o maior esplendor na Roma republicana, sao quase certamente de origem etrusca, portanto
anteriores a ela. Assim, os pormenores e detalhes deste complexo e interessante
ritual for am adquiridos pelos romanos dos seus rivais etruscos. N a realidade
24
Literalmente aquele que ocupa o primeiro lugar.
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aspectos como a toga purpura, o carro, os aneis, os atributos militares foram
recuperados daquela outra pujante civiliza<;ao, acrescentando-lhe novas elementos e transformando-a na maior honra de Roma.
Todo este complexo processo se iniciava corn urn louvor do comandante
as suas tropas, a elas se dirigindo colectivamente e mencionando alguns individualmente. Estes seriam premiados corn dinheiro e honrados corn condecora<;6es. 56 ap6s o cumprimento desta fase se iniciaria o cortejo propriamente dito.
A comitiva triunfal, corn urn trajecto bem definido, safa do Campo de
Marte, entrava na cidade pela porta
triumphalis25 atravessando as ruas de
Roma pela Via Triumphalis (sensivelmente correspondente a actual Via dei
Fori Imperiali), Circa Flaminio, Forum
Boarium, Circa Maxima, circundava
o Palatino, cruzava o Forum e subia o
Capit6lio ate ao templo de Jupiter.
Ao som de trombetas, abriam o
cortejo os soldados portadores dos
despojos destinados a serem distribufdos e dos cartazes que louvavam o
vencedor e ilustravam, de modo quase
animado, os momentos mais importantes das batalhas, enumeravam as
regi6es e cidades conquistadas, bem
como o nome dos generais vencidos26.
Nao devemos deixar de referir que tal
era a solenidade da ocasiao que era a
unica em que era permitida a entrada
de homens armadas na urbe. Na realidade, desde a Republica que os exerPercurso do cortejo triunfal
(Segundo VERSNEL)
citos nao eram autorizados sequer a
25 A porta triumphalis e uma constante no mundo classico, porem, na Grecia ela constitufa
uma porta de entrada na cidade pela qual o general passava no decurso da procissao triunfal. Em
Roma, contudo, ela ve a sua func;:ao alterada. E uma porta externa que e encerrada ap6s a cerim6nia,
encerrando assim dentro da cidade a benc;:ao que o triunfador trouxe a mesma.
26 Embora as pinturas encomendadas pelos generais romanos nao tenham chegado ate n6s,
prevaleceu, todavia, o seu testemunho que nos atesta o seu papel na modelac;:ao da cultura artfstica
e politica do perfodo republicano.
Durante a republica, a pintura romana corn temas hist6ricos serviu para celebrar as grandes
conquistas: Cartago (201), Sardenha (174), Maced6nia (168), etc. Os temas inclufam representac;:6es
quase iconograficas a par de realistas representac;:oes de batalhas, assegurando as mem6rias privadas dos participantes nos acontecimentos, servindo, igualmente, prop6sitos didacticos e propagan-
26
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atravessar o Rubid1o, uma vez que a sua presen<;a nas imedia<;6es da cidade se
poderia transformar numa situa<;ao potencialmente perigosa para o Senado, que
tera institufdo esta medida para prevenir a actua<;ao de algum caudilho militar
mais ambicioso.
Desfilavam depois os prisioneiros, precedidos pelos seus chefes, agrilhoados e que nada esperam da vida. Por decisao do Triumphator alguns deles
seriam posteriormente executados no Tarquinium e os restantes reduzidos a
escravatura. Sao os prisioneiros, alias, que conferem predominantemente urn
caracter militar a cerim6nia. Sempre foi, de facto, considerado maior feito a
captura de prisioneiros de elevado estatuto do pafs derrotado27. 0 papel dos
dfsticos na esfera publica das instituio;oes polfticas e religiosas. A classe governante encomendava
tais obras para informar uma audiencia especffica sobre as suas conquistas e as suas polfticas, convencendo-os, assim, a aceitar determinadas condutas. Usava-se, entao, a pintura para implementar
uma determinada ideologia. Roma recuperava argumentos ja entao testados da superioridade da
pintura sobre outras formas de comunicao;ao como meio de cativar e manipular uma audiencia.
Mais, os romanos abrao;aram a ideia que a pintura hist6rica era tao mais eficaz quanto mais realista
se afigurasse.
0 desenvolvimento da pintura hist6rica romana facultou, igualmente, as classes dirigentes
novos meios de compreensao e de propaganda da sua conduta, tao importante como os eventos em
si. 0 rumo da polftica de meados para final da Republica revela urn fmpeto da arte para a auto-promoo;ao. 0 prestfgio social era indispensavel para uma elite romana que exercitava o seu controlo
indirectamente, atraves de eleio;6es e assembleias. A competio;ao pela maior estima dos concidadaos
provou ser intensa entre os romanos que manifestavam urn desesperado desejo de laudao;ao e de
gl6ria. Por tal razao, durante a Republica sempre a gl6ria se constituiu como domfnio exclusive
da aristocracia.
0 sucesso militar era o unico e mais importante meio de a obter. Tal nao era apenas importante para o Estado romano, mas representava uma importancia vital para os interesses pessoais dos
aristocratas romanos. Jovens ambiciosos da elite romana eram obrigados ao cumprimento do servio;o militar, devendo cumprir dez anos como oficiais subalternos antes de aspirar a promoo;ao aos
postos mais baixos da magistratura romana; a guerra era pois a actividade curricular normal do
jovem aristocrata de sucesso.
As pinturas triunfais transformaram-se assim em parte integrante desta exibio;ao didactica.
0 principal objective das pinturas triunfais era cimentar o prestfgio do triunfador, documentando
os feitos que haviam conduzido a celebrao;ao triunfal. Os seus objectives eram fundamentalmente
propagandfsticos, frequentemente corn escopos polfticos e eleitorais.
As pinturas triunfais utilizaram diversos modos de representao;ao, eram frequentemente executadas em grandes paineis, designados tabulae, que podiam ser facilmente transportados na procissao, pintadas em grandes panos. Ap6s a procissao os triunfadores frequentemente as exibiam em
ediffcios publicos ou nos temples das divindades a quem se devia a vit6ria. A exibio;ao publica destas pinturas ap6s a parada destinava-se a perpetuar a imagem de tais feitos. Assim exibidas as pinturas nao s6 comemoravam as vit6rias dos generais romanos mas contribufam ainda para relembrar
as suas espectaculares celebrao;6es para as gerao;6es futuras. Deste modo as pinturas triunfais transformaram-se num elemento fundamental da urbe romana. (Holliday 1997 e 2002).
27 Este facto e claramente atestado, por exemplo, pela hist6ria de Cle6patra, que se viu foro;ada a cometer suicfdio de modo a nao participar na parada triunfal de Octavio Cesar Augusto.
A importancia deste facto veio a ser perpetuada na imagetica europeia. Na realidade, nao
devemos esquecer que na 6pera Aida de Giuseppe Verdi, a hist6ria da batalha entre a Eti6pia e o
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prisioneiros e alias facilmente compreensivel face ao estatuto de estrangeiro
(entendido verdadeiramente coma urn corpo estranho), tao imbuido na sociedade e civiliza<;ao romana. Tudo o que era estrangeiro era considerado barbaro
e inferior. Serviam os p risioneiros, sobretudo de elevada importancia, o prop6sito de exaltar a vit6ria romana, assegurando a sublime humilha<;ao de desfilarem acorrentados perante o povo romano. Sofreram tal humilha<;ao, entre
outros, Perseus, Jugurta e Vercingetorix (degolado em 46 ap6s o triunfo de
Cesar) .
Seguem-se os carros carregados corn os valores- escravos incluidos- obtidos no decurso da campanha e que virao a integrar o patrim6nio do Senatus
Populus Que Romanus (S.P.Q.R.). Desfilam ainda os lictores, corn as suas varas
laureadas, os bezerros que vao ser sacrificados no templo. Junta ao carro triunfal28, parentes a cavalo e oficiais que, a cavalo ou a pe acompanham o general.
A frente, magistrados e senadores29. Atras, urn grupo de libertos e os soldados
coroados de louro que alternam as serias predicas corn anedotas indecentes e
que se misturam corn as aclama<;6es rituais corn que o publico acompanha: io
triumphe, io triumphe, io triumphe. De pe no currus triumphalis, puxado por quatro
cavalos brancos, conduzidos pelo filho mais velho, e adornado de ouro e marfim, vem o vencedor, rodeado pelos demais filhos vestidos de branco.
Glorioso, resplandecente tal coma o proprio Jupiter Capitolino, a cujo
templo se dirige, e corn quem, por urn dia, se busca a semelhan<;a e se assegura
o tratamento divino30, surge o Triumphator, vestido corn o antigo traje dos reis,
o manto de purpura bordado corn palmas douradas e eventualmente estrelas
(toga picta). Pintado de minio31, o rosto altivo, transportava na mao direita urn
ramo de oliveira, simbolo da paz instaurada pela sua campanha, e na outra
mao urn ceptro de ouro e marfim (scipio eburneus), simbolo do poder. Por tras,
urn escravo publico sustem sabre a cabe<;a, onde ja repousa a coroa de louros
- laurea insignis -, outra de ouro- corona aurea -, ao mesmo tempo que lhe vai
proferindo as express6es : "recorda-te que es apenas urn homem" (memento
homo) e "toda a vit6ria e efemera". Cumpre assim a fun<;ao de lhe recordar,
num momento quase divino, a sua humilde condi<;ao e o caracter meramente
perene do acontecimento, lembrando no dia seguinte o seu regresso a condi<;ao
de simples mortal. Quem sabe se tallembrete possuia tambem urn valor apotroEgipto. Radames, o triunfador egfpcio, conduz a marcha triunfal, onde os prisioneiros desempenham papel fulcra!, que constitui o climax da gl6ria militar daquela 6pera (2. 0 Acto, cena 2.").
28 Este carro era diverso dos demais, quer de combate quer de corrida, pois possufa a forma
de uma torre redonda.
29 No perfodo imperial os senadores marchavam atras do imperador vitorioso, reflectindo
a queda do poder senatorial.
30 Este tratamento excepcional concedido aos generais vencedores produzia igualmente entre
os romanos algum temor, uma vez que nao desejavam que tallhes concedesse a no<;:ao de que o seu
papel e poder poderiam ser permanente, assumindo assim urn poder ditatorial.
31 Tinta obtida a partir do 6xido de chumbo de cor de zarcao (vermelhao).
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paico32, tal como a cor do manto ou os amuletos pendentes que vao atados ao
carro, urn chicote e urn sino, para evitar que, invejosos do seu triunfo, os espfritos malignos acometam nesse momento o afortunado mortal.
E igualmente possfvel que tenham o mesmo valor as anedotas da soldadesca, embora af se possa igualmente ver a manifesta<;ao do desejo popular de
afirma<;ao da sua liberdade politica, ao entrar na grande Urbe, mediante essa
manifesta<;ao constante, instintiva e por vezes exclusiva da liberdade popular:
a capacidade de insultar o governante. Assim, esse mesmo povo zeloso das suas
liberdades quebra a constitui<;ao dos seus maiores para exaltar ou mesmo insultar agora a figura do vencedor. Maior gloria nao se pode conceber dentro do
sagrada recinto do Pomerio!
De igual modo, mimetizando o seu general tambem as tropas se engalanavam para tao importante ocasiao, para alem das fun<;6es espedficas que deveriam desempenhar no cortejo. 0 general escolhera no infcio do cortejo de entre
as suas tropas aqueles que haviam tido comportamento de particular destaque
na campanha, ou mesmo conjuntos de tropas ou legi6es que merecessem destaque pela sua actua<;ao. A estes haviam sido distribufdas phalerae33, torques (aplica<;6es metalicas gravadas usadas nos ombros), armillae (bra<;ais), asta pura (lan<;as de prata ou de ouro), cornicula (astes ou cornos em forma de meia lua que se
fixavam nos capacetes) e as coronas triumphalis (coroas de prata ou ouro)34, que
deveriam relembrar o papel do portador na memoria de tao importante vitoria.
Esta escolha dos dignos de condecora<;ao determinaria o seu papel proprio e
bem definido no cortejo do Triunfo.
Dizia-se dos deuses cujo auxilio se invocava para afastar uma desgra<;a que se temia.
Galardao militar pr6prio de Roma e que constitui antepassado das actuais condecora<;6es,
cujo estudo se denomina falerfstica. Era normalmente uma placa mebilica redonda que se aplicava
na coura<;a.
34 Estas eram vulgarmente consideradas como a maior distin<;ao individual por valor pessoal
e por isso distribufdas corn maior parcim6nia. Das coroas iniciais de louro se evoluiu em breve para
urn universo bastante mais complexo. Existiam as seguintes coroas: a graminaea ou obsidionalis
(fabricada de flores e ervas; para aqueles que tivessem contribufdo para descercar uma for<;a
romana que se achara naquela situa<;ao), a oleaginea (de folhas de oliveira; para oficiais ou soldados
que ainda nao distinguidos na ac<;ao tivessem, pelos seus bons alvitres, contribufdo para aquele
exito. A escolha da oliveira - arvore de Minerva- simbolizava a prudencia do conselho), a muralis
(imitando as ameias e concedida como premio aos que primeiro penetrassem numa cidade amuralhada inimiga), a vallaris ou castrensis (similar a uma pali<;ada e concedida pela captura de urn acampamento inimigo) e finalmente a navalis ou rostrata (corn uma decora<;ao de barcos e velas, concedida aos que primeiro abordavam uma embarca<;ao inimiga ou ao que dirigira o combate). De entre
as coroas a mais importante era a denominada corona civica (grinalda de folhas de carvalho corn
fruto; entregue ao soldado que em batalha salvara a vida a urn camarada matando-lhe o inimigo Cesar ganhou a sua corn apenas 18 anos em Mitilene. Estas coroas, para alem do seu valor simb6lico, comportavam ainda honras e privilegios do Estado que eram transmitidos aos ascendentes (pai
e av6 paterno) e descendentes masculinos durante varias gera<;6es.
32
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Mas trataria toda esta cerim6nia triunfal apenas de exaltar a pessoa do vencedor? De modo algum. Nao devemos
encara-la como uma demonstra<;ao de
jubilo esponti:ineo, uma embriaguez
popular provocada pelo exito militar,
mas, de facto, de algo elaborado e preparado que assume papel de verdadeiro
acto liturgico colectivo. Na realidade o
general vencedor encaminha-se, em ultima instancia, para o templo de Jupiter
Capitolino, onde em ac<;ao de gra<;as
pela Vit6ria que os deuses lhe facultaram
ira proceder aos seus sacriffcios. Porque
essa vit6ria, nao e urn produto da fortuna, nem resultado do esfor<;o genial de
urn homem, mas urn dom legftimo que a
divindade oferece ao ... Estado Romano.
A cerim6nia durava pelo menos
Memorial de Marcus Caelius,
urn
dia,
durante o qual aos romanos era
centuriao superior da 18. • Legiao, caido na floresta
oferecida uma grande parada que cede Teutonberg (9 d. C.), nas guerras da Germania.
Este interessante memorial mostra-nos
lebrava a gl6ria do general vitorioso.
as representa~oes de quase todas as distin~oes
Havia todavia casos em que o triunfo
individuais sendo visiveis a corona triumph a lis,
demorava
dois ou tres dias, os necessaos torques, as phalerae, os armillae
e ainda a asta pura.
rios para fazer introduzir na cidade se(GOLDSWORTHY)
melhantes tesouros trazidos dos pafses
estrangeiros.
A magnffica cerim6nia do triunfo detinha urn profunda significado religioso; era por urn lado uma ao;ao de gra<;as - em rela<;ao corn os uota que se ofereciam ao iniciar a guerra - e daf ao sacriffcio e a ora<;ao de gra<;as que faz o vencedor (ap6s o qual, tirado o manto, volta a ser urn simples particular responsavel
pelos seus aetas) e e ao mesmo tempo urn acto de purifica<;ao pela irremediavel
matan<;a da batalha, por isso o passeio catartico pela porta triumphalis e o louro
purificador. Nao se trata, portanto, como dissemos de uma mera manifesta<;ao
popular para exaltar o exito de urn homem num dado feito de armas, mas de
todo urn rito plena de sentido mfstico em que se evoca a Vit6ria legftima.
De facto, encontramos varias provas de que, quando se negava a honra oficial do triunfo o vencedor podia celebra-la, a suas expensas, embora fora do
Pomerio, no vizinho Monte Albano35.
Na realidade como referido por Mommsen (1996: 43), o Monte Albano torna-se o local de
para os generais que o haviam solicitado em vao ou sem perspectivas de o obter,
datando o primeiro registo hist6rico de tal ocorrencia de 523 a.C.
35
celebra~6es
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No Capit6lio terminava o triunfo corn o cumprimento dos deveres rituais e
as oferendas aos deuses. Come<;aria, enUio, a festa jantando o general nos porticoes perto da colina do Capit6lio. Ap6s longos festejos o general retornaria a
casa, onde continuaria as celebra<;6es domesticas.
Procissao Triunfal
Adaptada do arco de Trajano- vit6ria sobre os Dacios
Portadores de Insignias I Estatua de Jupiter I Saque I Musicos
Toiros para o sacrificio I Prisioneiros e guardas I Charameleiros
Chefes cativos I Prisioneiros e suas armas I Prisioneiros agrilhoados
Lictores I General Triunfador I Senadores e Magistrados
(HAD AS)
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8.
Distribui~ao
dos despojos. Os monumentos triunfais
Os despojos do pafs inimigo eram trazidos para Roma e distribufdos pelo
general vencedor. Assim, os criterios de distribui~ao variaram, naturalmente,
de general para general, embora comportassem habitualmente determinados
procedimentos comuns. A maior parte destinava-se a pagar aos soldados pelos
seus esfor~os pelo pafs, urn outro quinhao destinava-se a pagar os custos do
triunfo e os festejos subsequentes. Considerados estes e dependendo da quantidade dos despojos, poderia 0 general proceder ainda a distribui~ao pela popula~ao e pelo tesouro publico. Porem, antes de contemplar e pagar todas as
despesas, habitualmente assegurava-se de reservar algum dinheiro para a
constru~ao de obras publicas, usualmente urn templo, uma coluna ou sobretudo urn arco triunfal. E pois a memoria de pedra de tais triunfos que sumariamente se analisa seguidamente.
0 objectivo dos arcos triunfais, introduzidos pelos romanos, era o de perpetuarem na memoria publica os feitos de uma particularmente notoria vitoria militar (sempre importantes numa futura
eventual candidatura a urn lugar publico onde
tais servi~os poderiam ser lembrados). Os arcos
iniciais eram bastante simples, corn uma so passagem e por vezes adornados corn relevos e colunas. Os arcos posteriores, verdadeiros monumentos a gloria militar, tornaram-se mais elaborados,
quer na decora~ao quer na forma e atingiram o
seu apogeu corn os arcos de Septimo Severo e
Constantino.
0 primeiro Arco da era Imperial foi erigido
Moeda da era de Augusto
corn imagem do Arcus Augusti
por Augusto (Arcus Augusti) em 29 a.C. para celebrar a sua vitoria na batalha de Actium. Situava-se no Forum entre os Templos de Castor e Pollux e o de Cesar, perto do Templo
de Vesta. A certeza da sua localiza~ao advem da descoberta, em 1546, de urn
grande fragmento de uma inscri~ao corn uma dedicatoria ao Imperador. Resta
muito pouco do arco, apenas as funda~6es, mas a sua imagem pode ser reconstitufda pelas moedas da epoca.
No topo do arco central, de acordo corn os registos numismaticos contemporaneos, situava-se uma quadriga e por cima dos arcos laterais estatuas.
Segundo as teorias, as fasti, placas de marmore corn a listagem dos consules e
generais a quem tinham sido atribufdas prociss6es triunfais, estariam afixadas
nos lados dos arcos laterais.
0 arco de Tito (Arcus Titi) e o arco triunfal que comemora a vitoria dos
imperadores Vespasiano e Tito na Judeia (70 d . C.), que conduziu a conquista
de Jerusalem e a destrui~ao do templo e a procissao triunfal de ambos em
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Arco de Tito (Roma). (Fotografia do autor)
Roma, em 71 d.C.. Situa-se a entrada do Forum Romanum, na Via Sacra, a sul do
Templo de Amor e Roma e perto do Coliseu. Foi erigido seguramente ap6s a
morte de Tito, em 81 d.C., uma vez que este e referido como Divus na inscri<;ao
e a deifica<;ao do Imperador apenas se verificou postumamente por decisao do
Senado. Teni sido construfdo provavelmente por Domiciano, que sucedeu ao
irmao Tito nesse ano.
E urn arco simples, cujas decora<;6es externas incluem as figuras da Vit6ria,
corn trofeus, e nos timpanos as imagens de Roma e do Genio de Roma. A inscri<;ao no lado E e a dedicat6ria original do arco pelo senado: Senatus Populusque
Romanus diva Tito diva Vespasiani j(ilio) Vespasiano Augusto (0 Senado eo povo de
Roma ao divino Tito, filho do divino Vespasiano, Vespasiano Augusto). 0 lado S
mostra o infcio da entrada triunfal do imperador e suas tropas em Roma.
Os soldados, marchando da esquerda para a direita, transportam os despojos de
guerra, que incluem os candelabras e as trompas do templo de Jerusalem.
Os cartazes transportados indicam os nomes dos povos e cidades conquistadas.
A direita a procissao entra na cidade pela Porta Triumphalis. 0 lado N e decorado corn urn relevo do imperador na sua quadriga durante a procissao triunfal,
sendo conduzido pela deusa Roma e coroado pela Vit6ria que voa sobre ele.
Os lictores marcham a £rente do carro corn os seus longos machados cerimoniais. Ap6s o imperador urn jovem, representando o povo de Roma, e urn idoso
de toga, representando o Senado. No meio sob a ab6bada urn pequeno relevo
mostra a apoteose de Tito, voando para os ceus nas costas de uma aguia.
0 Arco de Septimo Severo (Arcus Septimii Severi) foi erigido em 203 d.C.
para celebrar as vit6rias do Imperador e seus filhos Caracalla e Gaeta nas guerras contra os partos e os osroeni em 195 d.C .. Situa-se no Forum Romanum entre
a Curia e a Rostra, perto da Via Sacra no caminho das prociss6es triunfais
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mesmo antes da subida para o
monte Capitolino em direc<;ao
ao Templo de Jupiter. E urn
area de tres passagens, corn
urn area central maior ligado
aos laterais par passagens. A
numismatica da epoca mostra
o area encimado par uma quadriga conduzida pelos imperadores. N a generalidade o area
encontra-se bem preservado,
embora na Idade Media tenha
estado incorporado parte numa
igreja e parte numa fortaleza.
Arco de Septimo Severo (Roma). (Fotografia do autor)
Este area possui interessantfssimas representa<;6es da
guerra contra os partos e do triunfo posteriormente celebrado, presentes nos
relevos centrais e que constituem, verdadeiramente, uma narrativa que come<;a
do lado esquerdo (virado para o Forum) e se desenrola pela direita ao redor
do area, relatando desde os preparativos, as arengas as tropas, aos cercos corn
suas maquinas ate a entrada nas cidades conquistadas. Num tipo de narrativa
similar a das colunas de Trajanus e Marcus Aurelius. Nos tfmpanos do area
centrallugar ainda para a deusa Vit6ria corn os seus trofeus e igualmente imagens de Marte. Nos areas laterais aparecem divindades fluviais e ainda eventualmente Hercules.
0 area de Constantino, foi erigido em 315 d.C. para comemorar a vit6ria
do Imperador sabre Maxencio, na batalha da Ponte Mflvia tres anos antes.
Situa-se no vale do Coliseu entre o monte Palatino e aquele monumento junta ao
percurso das prociss6es triunfais. E urn dos tres areas sobreviventes em Roma (Tito e Septimo Severo). Esta batalha
constituiu urn momento decisivo na busca de poder par
Constantino. Havia sido proclamado Augusto pelas suas
tropas na Inglaterra em 306
d.C., ap6s a morte do seu pai
em Iorque, e ainda que nao
tivesse direito legal ao titulo,
recusou-se a abandona-lo. De
igual modo, Maxencio reclamou o titulo de Augusto do
Arco de Constantino (Roma). (Fotografia do autor)
34
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imperio oddental. Este conflito resolveu-se naquela batalha ao norte de Roma,
quando o exercito de Constantino derrotou as muito mais numerosas tropas
de Maxendo que morreu ao tentar fugir por uma ponte de barcos sabre o Tibre.
Constantino entrou vitoriosamente em Roma e o Senado outorgou-lhe urn arco
triunfal. A constrw;:ao come~ou imediatamente e o area ficou conclufdo em poucos anos, sendo consagrado em 3151316 d.C. no dedmo aniversario da subida
de Constantino ao poder. 0 monumento nao e mendonado em qualquer fonte
antiga mas e claramente identificado pelas inscri~oes, o ano da dedica~ao
encontra-se no proprio arco: Votis X.
Os elementos decorativos sao de diferentes perfodos e sao geralmente considerados spolia, ou seja elementos de monumentos anteriores. 0 arco tern partes de elementos de Trajano, Adriano, Marco Aurelio e do proprio Constantino.
Algumas das mais antigas e reutilizadas partes forma alteradas de modo a que as
imagens se assemelhassem a Constantino.
Quando a Via Appia foi prolongada para la de Capua, a primeira extensao foi para Beneventum (Benevento), a
cerea de 55 km de Capua. Aqui localizase o impressionante arco sobre a Via
Appia construfdo entre 114 e 166 d.C.
em honra de Trajano. Os seus baixosrelevos relatam a historia e conquistas
de Trajano e a sua vitoria sabre os dados
(antigos habitantes da actual Romenia)
na sua face NW (voltada para Roma).
Para alem da amostragem dos arcos e das colunas ja referenciadas no
texto tambem as inscri~oes epigraficas
Arco de Trajano (Benevento). (Fotografia do autor)
nos auxiliam na reconstitui~ao desta
parte da historia. E o caso daquela encontrada em Celio di Roma em que se
verifica a dedicatoria de urn templo a
Hercules por L. Mummio (144 a.C.)
L(ucius) Mummi(us) L(uci) j(ilius)
co(n)s(ul). Duct(u), I auspicio imperioque I
I eius Achaia capt(a est). Corinto deleto
Romam redieit I triumphans. Ob hasce I res
bene gestas, quod I in bello voverat, hanc
aedem et signu(m) Herculis Victoris imperator dedicat. (Ludo Mummio, filho de Ludo, consul. Sob o seu comando, os seus
auspfdos e o seu imperium a Greda foi
conquistada. Destrufda Corinto retornou Epigrafe de L. Mummio (Cristofori)
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Humberto Nuno de Oliveira
a Roma celebrando o triunfo. Pelo sucesso desta empresa, como fizera votos
durante a guerra, dedica como imperator este templo e a estatua a Hercules vencedor).
Trata-se de uma inscric;ao dedicat6ria de urn templo e de uma estatua, por
Lucio Mummio, comandante na guerra contra a Liga Aqueia e que se traduziu
numa grande vit6ria romana e pela destruic;ao da principal cidade da Liga,
Corinto. De notar que na onomastica do personagem ainda nao existe cognomen,
fen6meno frequente em meados da Republica entre as familias que nao pertenciam a mais alta aristocracia romana. L. Mummio, em seguida a vit6ria sobre
os aqueus, assume o cognomen ex virtute Achaicus que transmite aos seus descendentes. De notar sobretudo ainda as referenda ao ductus da guerra, mas ainda
aos auspicia e ao imperium, condic;6es fundamentais, como anteriormente referido, para que pudesse celebrar a vit6ria. Ja foi notado que o conteudo desta
epigrafe parece ser proximo dos cartazes que desfilavam nos triunfos. Nesta
epigrafe nao se encontra referenciado corn que fundos foi construido o templo
e a estatua de Hercules vencedor, mas e sabido que L. Mummio transportou
da Grecia urn enorme saque, no qual se contavam numerosas obras de arte, que
Mummio generosamente distribuiu por varias cidades de ltalia (a generosidade
deste acto e registado nas diversas inscric;6es denominadas tituli mummiani);
nao e, assim, dificil presumir a origem dos fundos para a obra (Cristofori 1998-2002).
9. Alguns grandes triunfadores
De entre os muitos generais de Roma, alguns ha que se elevaram ao patamar da imortalidade, merecendo clara distinc;ao entre os demais. Foram, assim,
honrados corn mais do que uma distinc;ao dessas celebrac;6es gloriosas que,
ainda que episodicamente, os elevavam ao estatuto de divindade.
De acordo corn os escritos de Dionisio de Halicarnasso os primeiros triunfos de Roma devem ser atribuidos a R6mulo (753-715 a.C.) que assim teria dado
inicio a uma nova e honrosa tradic;ao de celebrac;ao do Triunfo.
Na monarquia existiram reis corn caracteristicas muito diversas, ao quase
santo Numa Pompilius (715-672 a.C.), entregue a uma profunda reforma dos
institutos religiosos, haveria de suceder o turbulento guerreiro Tullius Hostilius
(672-641 a.C.) a quem se deve a conquista dos territ6rios circundantes, a guerra
corn Alba Longa e outros povos que dominou.
Ja na Republica, implementada em 509 a.C. quando Tarqufnio "0 Soberbo"
foi afastado pelo povo, o primeiro grande triunfador parece ter sido Marcus
Furius Camillus (446-365 a.C.), que, fruto das suas campanhas contra, entre
outros, os etruscos, veios e gauleses experimentou por quatro vezes as honras
do Triunfo (Eutrope, I, XIX), sendo saudado como urn segundo R6mulo,
segundo fundador da patria.
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Referenciaremos, apenas, e numa escolha naturalmente questionavel,
alguns dos triunfadores romanos. Tal selec<;ao advem fundamentalmente de
quatro factos: o puro merecimento do feito, o destaque na hist6ria romana do
personagem agraciado, a novidade introduzida no ritual do Triunfo ou, ainda,
o relato mais detalhado do evento. Assumidos apenas, na ordem de enumera<;ao, o criterio cronol6gico e a sua exclusiva fixa<;ao no perfodo republicano.
Gaius Duilius Nepos (300-225 a.C.)
Comandante romano que venceu a mais importante batalha naval sobre os
cartagineses no decurso da Primeira Guerra Punica (264-241). Como consul em
260, era o responsavel pelo exercito na Sidlia quando lhe foi acometida a tarefa
de comando da recentemente criada frota romana. Consciente das debilidades
dessa for<;a decidiu que a mesma deveria operar nas condi<;6es mais pr6ximas
das de urn envolvimento terrestre. Foi, assim, o responsavel pela inven<;ao das
famosas pontes de abordagem fixadas corn espig6es de ferro (corvi). Logrou,
corn esta concep<;ao tactica, derrotar a poderosa frota cartaginesa na batalha
de Mileto (260), na costa norte da Sicflia. 0 seu triunfo celebrado em Roma, foi
o primeiro triunfo naval da hist6ria romana, sendo erigidas em honra da sua
vit6ria duas colunas evocativas - columna rostrata - adornadas corn partes dos
navios capturados (localizavam-se pr6ximo do Arco de Septimo Severo, tendo
sido recuperada uma delas no seculo XVI).
M. Claudius Marcellus (sec. Ill a.C.)
Em 211 a.C. o general M. Claudius Marcellus regressou aRoma ap6s a sua
notavel campanha contra Siracusa. Trazia consigo urn impressionante conjunto
de despojos helenfsticos e acampado nos arrabaldes da cidade ter-se-a dado
conta de que os mesmos poderiam corresponder a uma parte impressionante
do seu triunfo, constituindo, simultaneamente, urn excelente ornamento para
a urbe. Parece ter sido da sua iniciativa a utiliza<;ao de impressionantes pinturas
da captura de Siracusa no decurso do seu triunfo. As pinturas das prociss6es
triunfais, propositadamente encomendadas para o efeito, contribufram de modo
significativo para refor<;ar a natureza do ritual, aumentando, assim, o seu poder
sociopolftico.
Lucius Aemilius Paullus (229-160 a.C.)
Paullus foi urn temfvel e brutal general, corn uma diversificada e longa carreira militar. Combateu na Peninsula lberica, na Liguria, ainda como praetor,
mas haveria de ser ja como consul que obteria a sua memoravel vit6ria em
Pidna (Junho de 168) que poria termo a terceira Guerra Maced6nica.
Ap6s o regresso recebeu urn triunfo pelo seu feito monumental: uma longa
e diffcil batalha que durou tres dias. Trata-se de urn triunfo razoavelmente bem
conhecido por compara<;ao corn outros . 0 primeiro dia das celebra<;6es foi
sobretudo de, chamemos-lhe, espectaculo. Paullus e o seu exercito transporta-
Lusfada. Hist6ria, Lisboa, n. o 2/ 2005
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Humberto Nuno de Oliveira
ram inumeras pinturas, estatuas e outras imagens gravadas que percorreram as
ruas de Roma em mais de 300 carros. 0 segundo dia apresentou as riquezas
infindaveis transportadas em carros que brilharam sob o sol de Roma. 3 000
homens impecavelmente uniformizados, num passo de poucas centenas de metros por hora, puxavam 750 recipientes de prata e moedas. 0 ultimo dia deste
enorme triunfo comet;ou corn os tocadores de trompa que nao entoavam as tradicionais musicas de urn cortejo mas antes musicas militares destinadas a encorajar os soldados nos campos de batalha. Jovens envergando tunicas de purpura
conduziam 120 bois para serem sacrificados aos deuses como prova de fe . Esses
animais encontravam-se decorados e puxavam carro ap6s carro de ouro e j6ias.
Entravam entao os prisioneiros. 0 rei maced6nico capturado, Perseus, seguia
acompanhado pelos seus filhos que assim adornariam ainda mais o triunfo de
Paullus, dois filhos e uma filha, demasiado jovens para compreenderem a gravidade da ocasiao. Esta cena brutal deveria, supostamente, fazer as criant;as gratas ao general por nao as matar. Na realidade, ninguem conseguiu prestar atent;ao ao importante derrotado, a pena dos romanos concentrou-se nas criant;as.
Muitos romanos choraram, incapazes de desfrutarem o triunfo.
Gnaeus Pompeius Magnus (106-47 a.C.)
Ap6s o seu regresso a Roma, Pompeu foi agraciado pelo cumprimento do
seu dever aRoma, corn urn enorme triunfo. No decurso do qual desvendou o
seu plano de dedicar edificios a cidade. 0 seu maior contributo foi urn enorme
teatro de pedra corn urn jardim interior e que foi o primeiro que Roma conheceu.
Este tipo de ofertas a Roma e ao seu povo pelos triunfadores eram como vimos
comuns, porem+ as oferendas de Pompeu ultrapassaram em muito as dos vulgares generais e os seus concidadaos olharam-no corn profunda gratidao e respeito.
Caius Julius Caesar (101-44 a. C.)
Cesar, urn dos mais notaveis generais romanos, foi honrado corn cinco triunfos, sendo que quatro deles lhe foram prestados em apenas urn mes, deixando apenas alguns dias de intervalo entre eles para descanso. Os cinco triunfos diferiram na quantidade de despojos e no conteudo. 0 seu triunfo sobre os
pontios deu origem a expressao "Veni, vidi, vici". 0 seu triunfo na Galia valeu-lhe urn triunfo corn archotes na cidade e corn quarenta elefantes. Sem duvida
que as suas celebrat;6es foram extraordinarias e relembradas por muito tempo.
Durante essas celebrat;6es, muitos despojos foram conseguidos e Cesar distribuiu aos seus veteranos 24.000 sestercios, doze vezes mais que os iniciais 2.000.
A todos os homens concedeu terras e cereais. Cesar utilizou todos os bens
adquiridos para melhorar a sorte do maximo possfvel de pessoas, tornando-o
num dos mais conhecidos e sobretudo amados generais de Roma.
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10. Triunfos Romanos durante o Imperio
Tal coma em muitos outros aspectos da hist6ria romana o advento do Imperio, em 27 a. C., veio alterar profundamente a rusticidade, pureza e caracteristicas da inicial civiliza~ao romana. 0 Triunfo, coma ja referimos, havia sido a
mais desejada honra na Republica, mas todo esse universo se alterou corn a
subida de Octavio ao poder. Na realidade desde 36 a.C., antes de se transformar
em Augusto, que Octavio lograra assegurar a sua sacro-santidade tribunicia, ou
seja a protec~ao do Estado para a sua pessoa e bens. Em 27 a. C. obteria urn imperium proconsular especial sabre diversas provincias (Hispania, Galia e Siria),
enquanto o Senado ostensivamente mantinha o controle sabre as remanescentes
"provincias senatoriais", a maioria das legi6es encontrava-se nas provincias
imperiais, logo sob o controlo de Augusto. Posteriormente tal poder proconsular foi alargado de modo a que os governadores e generais das provincias imperiais fossem nomeados e exclusivamente responsaveis perante o imperador.
A Octavio se deve tambem a cria~ao da Guarda Pretoriana36 (McManus 2001: 1),
verdadeira guarda pessoal do novo regime.
Augusto procurou, de facto, assegurar o controle dos mais variados aspectos da vida publica de Roma, as finan~as passaram a ser mais directamente controladas, os neg6cios estrangeiros directamente tratados e o controle total da
administra~ao implementado atraves da completa reorganiza~ao da burocracia
36 Criada por Octavio ap6s a batalha de Actium em 31 a. C., constitufa uma guarda de protec<;iio pessoal (o exemplo da morte de Cesar encontrava-se, ainda, muito vivo ... ). Foi assim designada
por referencia as Pr<etoria cohors (tropas escolhidas), que acompanhavam a p essoa do pretor ou
general no exercito romano, escolhidas entre os mais bravos soldados. A Guarda organizava-se, tal
como as legioes, em 9 cohorts (grupos) de 500 soldados, num total de 4.500 soldados. Dessas apenas
tres se encontravam estacionadas na capital, para evitar o aspecto de excessiva pressao militar,
embora na cidade andassem sem armadura e escudo. Cada grupo era liderado por urn tribuno da
ordem equestre, posteriormente Augusto criou dois lugares para o comando geral da guarda.
0 papel principal da guarda nao impediu que igualmente fosse empregue em actividades de policiamento ou mesmo em campo de batalha, se necessario. Emblematicamente a guarda aparece associada ao escorpiao, talvez devido ao facto de ser esse o signo do imperador Tiberio ou lembran<;a de
Africa onde pela primeira vez Cipiao "0 Africano" institufra as Pr<etoria cohors.
0 imperador Tiberio agrupou-os no Castra Pr<etoria (Campo Pretoriano) nos suburbios orientais de Roma, introduzindo, ainda, mais rfgidas normas de disciplina entre eles.
Os Pretorianos rapidamente se transformaram no mais poderoso corpo do Estado romano,
frequentemente depondo e al<;ando imperadores a seu contento. Ap6s o assassinato de Calfgula
pela Guarda Pretoriana, foi ela a grande responsavel pela nomea<;ao imperial de Claudio. Assim, ate
mesmo os mais poderosos imperadores se viram na obriga<;ao de cortejar os seus favores.
Vitelio aumentou o seu efectivo para 16 cohorts transferindo para ela muitos experimentados
soldados ita!icos (69 d. C.).
Ap6s uma longa existencia plena de vicissitudes a Guarda foi extinta ap6s a batalha da ponte
Mflvia (312) sendo em seu lugar institufda a Schol<e Palatin<e (guarda do palacio).
Genericamente a designa<;ao "Guarda Pretoriana" transformou-se numa expressao para qualquer for<;a militar usada para sustenta<;ao de urn regime polftico.
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estatal. Habilmente logrando que atraves de novas cargos, existissem maiores
oportunidades publicas, mas, na realidade, muito pouca oportunidade para
assegurarem o tipo de poder militar que havia destruido a antiga forma de
governo. Na pnitica ao cristalizar os simbolos de hierarquia e status aumentado
o prestigio social de muita da elite romana, Augusto diminui-lhes de facto o
poder (McManus 2001: 1-2).
Era pois impassive!, na realidade, ap6s verificar o que urn triunfo contribuia
para aumentar o poder pessoal do homenageado, que o Imperador aceitasse semelhante desafio a sua posi<;:ao. Foi pois necessaria uma profunda reformula<;:ao
que conduzisse a que a honra do triunfo passasse a ser reservada ao Imperador,
sua familia e casa (domus principis ou domus Augusta). De facto, o ultimo triunfo
registado por urn general de linhagem nao-imperial ocorreu em 19 a.C.. A partir
de entao ao general nao cabia o triunfo mas apenas a triumphalia ornamental.
Dois pilares de bronze eternizam em Roma os feitos deste grande general,
politico e acima de tudo genial mestre da propaganda politica. Honrado corn
tres triunfos pelos seus servi<;:os a Roma, Augusto declinou, ainda, a celebra<;:ao
de quatro outros triunfos corn que o Estado o pretendia honrar. Embora estranhamente nao se conhe<;:a muito sabre tais triunfos, sabemos que Augusto chegou a deter sob seu comando 500.000 homens, capturando mais de 6oo navios,
urn numero surpreendente para o tempo, que contribuiram para fortalecer o
poder naval de Roma. As suas capturas foram imensas e a partilha dos despojos
ultrapassou em muito a media do que era habitual.
Resultaram estas vit6rias, da batalha de Actium ou Accio (31 a.C.)37, comandada pelo mais fiavel soldado de Augusto - Marcus Vespasianus Agrippa
(63-12 a.C.) -, que desempenhou urn papel fundamental nas campanhas de
Augusto e mesmo na sua subida ao poder.
Inicia-se assim corn Augusto o precedente, no qual se pode basear a actua<;:ao futura - nao se atribuirem triunfos a generais. Tal parece ter resultado da
postura de Agrippa, homem de muitas posses que usou em beneficia de Roma38
e de Augusto. Apesar da amizade do Imperador39 e do seu inquestionavel
papel, nunca celebrou nenhum triunfo, recusando-os. De postura irrepreensivel
jamais alimentou jogos de poder, sendo que facilmente poderia ate ter-se eventualmente proclamado Imperador. Assim, se nao atribuia ao seu fiel e leal
Agrippa a honra do Triunfo, que galhardamente o recusara, Augusto criou
assim o precedente de evitar atribuir triunfos a generais vitoriosos, que, por
compara<;:ao corn Agrippa deveriam necessariamente ver-se for<;:ados a recusa-lo.
37 Trata-se da batalha travada na costa ocidental da Grecia entre as fon;as do jovem Octavio
e as de Marco Ant6nio e Cle6patra VII do Egipto.
38 A ele se deve a constrw;ao do Pantheon, de uma nova ponte sobre o Tibre, os primeiros banhos publicos, a reconstrw;ao do sistema de esgotos, o abastecimento de agua a cidade, entre outras.
39 Recordemos que, quando da sua morte, Augusto ordenou mesmo que Agrippa fosse
sepultado no mausoleu imperial.
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As honras passariam assim a ser atribufdas a Augusto que nem se preocupava
em consultar os generais vitoriosos, a ele cabia a gra<;a especial que lhe permite
veneer, a Felicitas40.
Os triunfos de Vespasiano e Tito, celebrados em conjunto, sao exemplos de
urn triunfo imperial. 0 seu triunfo foi urn dos mais espectaculares do perfodo
imperial. A multidao apinhava-se para vera procissao tal coma na Republica.
Vespasiano e Tito foram coroados de louro e vestiram a purpura tradicional,
entraram pelos p6rticos de Octavia, onde o Senado, os magistrados e os equestrii
esperavam a sua chegada.
Chegados ao p6rtico realizaram as suas ora<;6es e os seus sacriffcios. Avan<;ando entao pelo teatro para que a multidao os pudesse ver melhor. A guerra
era mostrada de numerosas formas, atraves de representa<;6es pormenorizadas
dos epis6dios. Viam-se os ediffcios inimigos a serem destrufdos, os seus exercitos a serem dizimados, as suas muralhas derrubadas e o saque dos seus tesouros. 0 montante do saque era impressionante e sem duvida, de entre eles, o trazido do templo de Jerusalem que inclufa placas de ouro, moedas, candelabras
de ouro e prata e uma c6pia da lei dos judeus.
Ap6s a cisao do Imperio (395 d.C.) a Vit6ria felix foi impulsionada pelas
crescentes influencias orientais e converter-se-ia a breve prazo em Vit6ria
aeterna, ou seja, aquela que eternamente garante ao Imperador o titulo Invictus.
De igual modo a ideia de Aeternitas atribufda ao Estado - a Roma aeterna - surgida na epoca de crise da Republica, quando se temia pela continuidade de
Roma; veio a ser refor<;ada pelos modelos helenisticos, tornando-se estavel na
teologia politica do Imperio. A no<;ao de Victoria Aeterna aparece na epoca de
Adriano (117-138 d.C.).
Assim, a vit6ria republicana, que era uma vit6ria do Populus Romanus, por
mais que tivesse sido conseguida concretamente por urn general, converte-se,
a partir dos finais da Republica, concretamente desde a epoca de Sila, numa
Vit6ria pessoal, outorgada, nao ao povo, mas pessoalmente a urn general. Sao as
Victoria Sullana, Victoria Caesaris e Victoria Augusti ...
Mas a partir do momento em que nao cabe outra vit6ria senao ao Imperador, a Vit6ria torna-se estatizada: identifica-se entao, a Vit6ria corn o Estado, eo
Estado corn o Imperador. Deste modo, completa-se o ciclo: a antiga Vit6ria estatal abstracta, a da Roma Victrix, converteu-se em Vit6ria pessoal: voltando a estabilizar-se na Victoria Augusti, pais Augusto representa misticamente a sorte de
toda Roma. S6 ele pode ser triumphator. As cerim6nias triunfais vao-se tornando
40 Tal conceito aparece com modalidades claramente orientais na epoca de C6modo (180-192
d. C.), embora nao fosse ja estranha aos chefes militares dos finais da Republica (Sila, por exemplo,
fizera-se condecorar com o titulo de Sulla fellix) . Essa Felicitas, nao s6 permitia que num determinado momento o que a desfruta seja Victor, mas concede-lhe de um modo permanente a qualidade
de invencfvel, de Inuictus, mas sao os deuses que outorgam ao imperador piedoso essa Felicitas que
o converte em Inuictu s: pia imperatori.
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cada vez mais raras e quando, excepcionalmente, recaem noutra pessoa, e sempre alguem da sua familia que quer designar como sucessor. Este triunfo imperial tern, portanto, urn caracter absolutamente distinto do da velha Republica,
subvertendo-o, assim, corn Augusto e seus sucessores numa monopoliza<;ao do
triunfo. Como primeira consequencia desta monopoliza<;ao surge o culto a
Victoria Augusti, abstrac<;ao que se encontra associada as pessoas dos sucessores
dinasticos. Posteriormente, Vespasiano (9-79 d.C.), interessado em aprofundar
a teologia imperial da Vit6ria, associou essa Victoria Augusti a sua pr6pria dinastia e converteu-a em algo absolutamente abstracto e transmissfvel, inerente, ja
nao a Augusto, nem a sua dinastia, mas a pessoa do Imperador, pelo simples
facto de se-lo. Fala-se, entao, de Victoria Augustorum e numa epoca mais tardia,
quando se implanta a tetrarquia41 que assinala o come<;o do div6rcio entre
Oriente e Ocidente, a Vit6ria pertence aos Imperadores e aos dois Cesares conjuntamente, e a Victoria Augustorum et Caesarum Nostrorum.
A ideia de Vit6ria, deste modo, afasta-se cada vez mais do feito real de urn
exito militar; da sua pureza inicial. Victor, Invictus convertem-se em puros tftulos honorificos, como Magnus ou Sanctus; tftulos que traduzem, sem duvida, urn
sentido carismatico mas que nao se baseiam, de modo algum, numa Vit6ria concreta de armas: Ao ser o Imperador o unico que pode veneer, e natural que se
considere permanentemente vencedor, eternamente invencivel: vence porque
pode veneer e nao e ja mister que haja vencido alguem em qualquer ocasiao.
11. Reminiscencias
Contrariamente ao que seria de supor toda esta teologia paga da Vit6ria
nao desapareceu no Imperio cristao, houve apenas que transportar para uma
nova teologia politica urn grande numero de elementos, corn ela aparentemente
dissonantes.
Ate que ponto esta sobrevivencia e intensa descobri-lo-famos numa ainda
que breve abordagem das concep<;6es politicas bizantinas, que aqui nao aprofundamos. Na realidade, toda a teologia politica do Imperio Bizantino se apoia,
precisamente, nessa concep<;ao do Imperador como Victor omnium gentium,
como vencedor eterno. Nao e de estranhar pois, que nas suas cerim6nias apare<;am as aclama<;6es de Vit6ria que tinham sobrevivido: "Venceis em Deus" e
"vence a Fe dos Imperadores", e na sua representa<;ao plastica sobreviva a mfstica da Vit6ria eterna alimentada dessa mfstica politica ja cristianizada e presidida eminentemente pela "Cruz vencedora", que corn a legenda "vence corn
isto, corn esta cruz", aparece sob o globo pantocratico.
41 Forma de Governo adoptada em Roma na epoca de Diocleciano (245-313 d.C.), segundo
a qual o Imperio era dirigido por dois Augustos e dois Cesares.
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A cerim6nia romana do Triunfo influenciou de modo permanente a consdos romanos, uma vez que as prociss6es triunfais se mantiveram muito
para alem das "classicas". 0 direito ao Triunfo foi verdadeiramente adoptado
pelo pontificado, conhecido desde sempre pela sumptuaria dos seus rituais,
cujo estudo aqui se nao procura. Mas a mais genuina imita~ao de urn triunfo
romano teve lugar durante o Renascimento italiano quando o tribuna do povo
Cola (Nicola) di Rienza42, urn amigo de Francesco Petrarca (1304-1374), ap6s
assumir o titulo de tribuna e poderes ditatoriais, em 1347, conseguiu ap6s urn
periodo de exilio, promover no seu regresso triunfal em 1 de Agosto de 1354,
uma procissao bastante similar as da antiga Roma, que era entao restaurada
como capital da Ita1ia43 independente e de novo sede do Imperio Romano, liderado por urn italiano. Seria, porem, breve o seu reinado, em 8 de Outubro desse
ano aos gritos de "morte ao traidor Rienza", seria morto eo seu corpo arrastado
pelas ruas de Roma.
Desde entao, porem, o significado do Triunfo alterou-se drasticamente.
Gradualmente adquirindo urn caracter mais simb6lico, urn significado mais
geral. Inquestionavelmente os Triunfos de Petrarca marcaram de modo profunda os humanistas seus contemporaneos, a natureza da palavra surge quase
adulterada transferindo-se progressivamente para triunfos do amor, da castidade, da morte, da fama e da vergonha.
Nao haveria, todavia, o Triunfo de desaparecer entao da hist6ria de Roma.
Ainda no seculo XX haveria Benito Mussolini de precisar do seu triunfo em
1922- a marcha sobre Roma- para legitimar a sua chegada ao poder? Na realidade, talvez mais que ninguem na sua ansia de recuperar o Imperio, Mussolini,
a ele foi buscar diversos e importantes elementos simbol6gicos.
Documento inequivoco de tal facto a verdadeira transforma~ao em museu
da tradi~ao Romana da pra<;:a que envolve o mausoleu de Augusto e a Ara Pacis
na cidade de Roma - Piazza de Augusto Imperatore - onde o ttimulo do primeiro imperador romano foi cuidadosamente enquadrado por urn notavel conjunta arquitect6nico fascista onde pontifica a inscri<;:iio:
cH~ncia
HVNC LOCVM VBI AVGVSTI MANES VOLITANT PER AVRAS
POSTQVAM IMPERATORIS MAVSOLEVM EX SAECVLORVM TENEBRIS
EST EXTRACTVM ARAEQVE PACIS DISIECTAMEMBRAREFECTA
MUSSOLINI DUX VETERIBVS ANGVSTIIS DELETIS SPLENDIDIORIBVS
VIIS AEDIFICIIS AEDIBVS AD HUMANITATIS MORES APTIS
ORNANDVM CENSVIT ANNO MDCCCCXL A F R XVIII
42 Que assumia o extraordinario titulo de Candidatus Spiritus Sancti, Imperator Orbis, Zelator
Italiae, Amator Orbis et Tribunus Augustus, qualquer coisa como: Candidato do Espfrito Santo,
Imperador do Mundo, Zelador da Italia, Amante do Mundo, Tribuno Augusto ...
43 Este fascinante personagem hist6rico inspirou a opera de Richard Wagner, Rienzi. 0 ultimo
dos tribunos.
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Que numa tradw;:ao livre significa que, naquele local sagrado onde a alma
de Augusto se eleva resplandecente; depois de o mausoleu imperial ter sido
pelos seculos relegado as trevas e apartado do Altar da Paz foi salvo e restaurado pelo Chefe Mussolini que ultrapassou as dificuldades, edificando a arquitectura e ornamenta<;ao indicada ao seu caracter e cultura- Ano de 1940 18. 0
Ano da Revolw;:ao Fascista.
Na mesma pra<;a uma outra inscri<;ao (esta em italiano) lembra que
"0 Povo Italiano e urn Povo !mortal, que sempre encontra uma Primavera
para as suas esperan<;as, para as suas paix6es, para a sua grandeza".
Mausoleu de Ochivio - Piazza de Augusto Imperatore (Roma)
(Fotografia do autor)
Piazza de Augusto Imperatore (Roma)
(Fotografia do autor)
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Conceitos de guerra e de vit6ria em Roma, p. 13-45
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