Ambiente escolar e currículo

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Livre comércio, a preocupação americana
Em recente pesquisa de opinião, 58% dos americanos concordaram com a afirmação
de que o comércio exterior é ruim para a economia americana porque as importações
baratas afetam os salários. Apenas 32% concordaram que o comércio exterior é bom
para a economia americana por criar demanda externa, crescimento econômico e
empregos.
O que é especialmente chocante é que esse sentimento contra o livre comércio esteja
fazendo-se ouvir numa época em que a economia dos Estados Unidos vai indo tão
bem. O desemprego é o mais baixo dos últimos 30 anos. Aqueles que compõem as
faixas da base da pirâmide salarial estão começando a ter ganhos salariais, pela
primeira vez, em várias décadas. Se o livre comércio inspira toda essa antipatia agora,
quando a economia está em surto de crescimento, o que acontecerá quando a
economia se desacelerar, como inevitavelmente acabará ocorrendo?
Alan Greenspan, chairman do Fed – banco central dos EUA –, falou com clareza pouco
usual sobre o assunto poucas semanas atrás. Estou preocupado com o recente e
notório enfraquecimento do apoio ao livre comércio neste país, advertiu.
Greenspan se referia à enxurrada de processos antidumping e às tarifas
compensatórias impostas pelos Estados Unidos, nos últimos meses, entre as quais as
conclusões do Departamento de Comércio de que o Japão, a Rússia e o Brasil
inundaram os Estados Unidos de aço carbono laminado a quente, a preços muito
baixos.
Por que os americanos estariam se voltando contra o comércio exterior?
Porque o comércio exterior é bom para os Estados Unidos, mas não é bom para todos
os americanos. A vigorosa expansão econômica da década de 90 não foi proveitosa
para todos. Em agudo contraste com outras recuperações acontecidas no pós-guerra, a
renda real da família americana mediana – US$ 44.000 no ano passado – está, hoje,
no mesmo nível de dez anos atrás, com a relevante diferença de que as famílias estão
trabalhando muito mais horas para auferir a mesma renda: cerca de seis semanas
úteis em período integral, mais que uma década atrás.
As disparidades de renda também ficaram mais pronunciadas. A parcela da renda
americana absorvida pelas famílias mais pobres – 60% da população – continuou a
cair, enquanto a que vai para as famílias mais ricas – 5% da população – atingiu sua
alta recorde do pós-guerra.
O índice de demissões nas empresas, por outro lado, aumentou persistentemente.
Sem dúvida, com um nível de desemprego muito baixo, a maioria dos que perdem o
emprego não tem grande dificuldade em encontrar um novo. Se estiverem, contudo,
entre os trabalhadores americanos que não têm curso superior – 75% dos
trabalhadores –, o novo emprego tenderá a pagar 20% menos que o antigo.
O comércio exterior não é a única força subjacente a essas tendências.
A mudança tecnológica tem igual, se não maior, importância. Mas as importações
baratas, associadas a um dólar forte, tornaram o comércio exterior um foco de
preocupação por parte da opinião pública.
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Encoberta na teoria econômica das vantagens comparativas, está uma realidade
política irredutível: o comércio exterior traz benefícios a uma economia apenas na
medida em que reestrutura essa economia, tornando-a mais eficiente. O comércio
exterior reduz a demanda por recursos humanos e capital onde eles são menos
produtivos e aumenta sua demanda onde podem ser mais produtivos.
Quanto maiores forem os ganhos com o comércio exterior, maiores serão essas
distorções na área social.
Mas as pessoas que mais se beneficiam do comércio exterior não são as que arcam
com a maior parte das mazelas. Em princípio, os beneficiários costumam ser os mais
instruídos e os que percebem rendas mais elevadas. Já os prejudicados costumam ser
os de grau de escolaridade mais baixo e os que percebem rendas menores. Estes
últimos ocupam os cargos que o comércio exterior desvaloriza ou elimina totalmente.
Eles são os que mais enfrentam dificuldades para mudar para os cargos mais bem
remunerados.
O número de americanos que sentem que estão entre os prejudicados – ou, ainda mais
importante, que intuem que poderão vir a estar – representa uma grande parcela do
eleitorado. Com a aproximação de um ano eleitoral, políticos de todos os matizes
tornam-se particularmente sensíveis ao estado de ânimo dos eleitores.
Que fazer? A exaltação dos benefícios generalizados do comércio exterior não tende a
ser convincente. Para que uma grande parcela da opinião pública americana se torne
defensora do livre comércio, precisará de melhores garantias de que o comércio
exterior agirá em seu benefício. No mínimo, terá de confiar em que as agruras e as
distorções serão minimizadas. Não há nenhuma receita fácil nesse aspecto, mas
proponho alguns pontos de partida.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos precisam reduzir os ônus financeiros associados
à mudança de um emprego para o outro. O seguro-desemprego foi, originalmente,
concebido como um esteio financeiro temporário durante os períodos de
desaquecimento da economia. Mas ele é menos relevante atualmente, numa época em
que a maioria dos trabalhadores que perdem o emprego nunca o recuperam. Seu
principal problema agora não é o fato de não terem renda enquanto não encontram
um novo emprego; é que o novo emprego, freqüentemente, paga menos que o
anterior. Deveríamos instituir, em seu lugar, o seguro salarial. Se o novo emprego
pagar menos que o antigo, os recursos públicos entrariam como uma parcela da
diferença por um determinado período de tempo.
Em segundo lugar, o país precisa promover a expansão do mecanismo de cláusula de
escape segundo as normas da Organização Mundial de Comércio – OMC –, para que os
trabalhadores e as comunidades afetados pela escalada das importações tenham
melhores defesas. Sob as atuais normas da OMC, as partes prejudicadas precisam
provar que o aumento das importações causou ou ameaça causar grave dano a
determinado setor de produção nacional. O país que está fazendo valer a cláusula de
escape também precisa oferecer indenização com concessões equivalentes na área de
comércio exterior. Trata-se de uma exigência quase impossível de ser cumprida. Não
surpreende, portanto, que o caminho preferido sejam as queixas antidumping e as
tarifas compensatórias, que, por serem unilaterais e porque dumping é quase
impossível de definir, representam uma ameaça muito maior ao livre comercio.
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Em terceiro lugar, os Estados Unidos devem abordar os ajustes comerciais como parte
de uma pauta social mais ampla para ajudar a assegurar que os trabalhadores sejam
poupados da pobreza e tenham oportunidades de avanço. Essa pauta incluiria, entre
outros itens, melhores escolas públicas para crianças de famílias de mais baixa renda,
um maior e mais generoso abatimento fiscal sobre os rendimentos do trabalho, um
salário mínimo maior e uma assistência médica financeiramente mais acessível. É
necessário um enfoque abrangente. A simples assistência representada por
treinamento profissional ou adaptação ao comércio externo não é suficiente.
Finalmente, a comunidade internacional deveria concordar com certas normas comuns
de comportamento. Se os americanos estiverem confiantes em que os outros estão
jogando pelas mesmas regras básicas, parte da atual preocupação se dissipará. Ao
falar em normas, não quero dizer que os outros países precisam pagar aos seus
trabalhadores os mesmos salários vigentes nos Estados Unidos ou garantir-lhes as
mesmas condições de trabalho que regem os trabalhadores americanos. Os países
mais pobres não têm como fazê-lo, e não se deve esperar que o façam. Estou me
referindo a padrões mais fundamentais e universais, como os direitos codificados pela
Organização Internacional do Trabalho – OIT – da ONU contra o trabalho escravo e o
trabalho forçado e o direito à livre associação,
Há mais de um século, o comércio exterior tem sido objeto de acalorada polêmica. Mas
os recentes avanços da tecnologia aceleraram a integração mundial e fizeram com que
o livre comércio se tornasse ainda mais polêmico. O comércio exterior cria perdedores,
juntamente com um grupo ainda maior que teme acabar pertencendo à hoste dos
perdedores. A menos que levemos seus problemas a sério, e até que façamos isso, a
oposição ao livre comércio se acirrará ainda mais.
Fonte
REICH, Robert F. Livre comércio, a preocupação americana. Gazeta Mercantil, São
Paulo, 07 jun. 1999. Comentários & Perspectivas.
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