aspectos emocionais de mulheres em quimioterapia com recidiva

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ASPECTOS EMOCIONAIS DE MULHERES EM QUIMIOTERAPIA COM
RECIDIVA APÓS CÂNCER DE MAMA
Clarissa Damasceno Rodrigues de Matos
Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual
do Piauí – UESPI.
Email: [email protected]
Roberta Giordana de Araújo Melo
Especialista em Saúde Mental-UFRJ
Email:
[email protected]
Resumo: A proposta desse trabalho é compreender os aspectos emocionais de mulheres
em quimioterapia com recidiva após câncer de mama, através de análise qualitativa,
seguindo a abordagem fenomenológica-existencial.O câncer de mama, atualmente
corresponde à neoplasia responsável pelo maior número de óbitos nas mulheres do mundo
e tem a quimioterapia como umas das formas de tratamento, porém a doença pode
reaparecer, acarretando sentimentos e emoções desconfortáveis dentre eles: medo de
realizar o tratamento, dos efeitos colaterais ,principalmente medo da morte; além de
vivenciarem angústia ,raiva, negação, ansiedade, insegurança e revolta.
Palavras-Chave: Câncer de mama, recidiva, quimioterapia, aspectos emocionais
INTRODUÇÃO
Segundo Leite (2002) câncer é uma doença que pode aparecer de várias formas e
em qualquer parte do corpo, se caracterizando como doença genética, com múltiplas
alterações no material genético, alterando dessa forma a divisão celular e produzindo
células que possuem capacidade de resistir à morte celular programada que está presente
em todas as células normais.
Segundo Venâncio (2004), o câncer de mama atualmente corresponde à neoplasia
responsável pelo maior número de óbitos nas mulheres do mundo, sendo, portanto, uma
doença das mais temidas, tendo em vista que a mama representa um dos principais
símbolos da identidade feminina.
A escolha desse tema foi fundamentada a partir do trabalho diário em uma clínica
de oncologia, na qual durante as atividades realizadas se percebeu que uma grande
quantidade de mulheres que já trataram de câncer de mama, retornaram à clínica com a
doença localizada em outra região gerando um sofrimento psíquico intenso.
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Após a conclusão do tratamento oncológico, a paciente fica sendo monitorada por
um período e são realizados vários exames com a finalidade de observar a evolução clínica
atual. Porém, em alguns casos, a paciente pode ser surpreendido pela recidiva da doença
gerando sentimentos e emoções em sua maioria, considerados desconfortáveis.
Neste sentido, de acordo com Moraes (1994) a pessoa é levada a fazer uma
reorganização interna, em um curto período de tempo, preparando-se para uma nova
adaptação de vida, tendo, muitas vezes, que abandonar objetivos e metas antes traçados,
para voltar ao tratamento , caso possível, se curar.
Assim, o presente trabalho objetiva compreender os aspectos emocionais de
mulheres em quimioterapia após recidiva de câncer de mama tendo em vista as várias
repercussões que esse novo fato traz em suas vidas.
METODOLOGIA
A pesquisa realizada trata-se de um estudo qualitativa de avaliação, pois os dados
não serão traduzidos em números, tendo o ambiente natural como fonte direta de pesquisa.
O trabalho em questão foi realizado em uma Clínica particular, localizada na cidade de
Teresina, no estado do Piauí.
Os sujeitos da pesquisa foram mulheres com diagnóstico inicial de câncer de mama
e que estão em tratamento após recidiva.
Para realização da pesquisa, o instrumento utilizado foi uma entrevista semiestruturada, através de um roteiro simples para guiar o entrevistador nos principais tópicos
e dar início à entrevista. Esta foi realizada por uma conversa informal com cada
colaboradora, proporcionando um ambiente agradável onde elas puderam sentir-se à
vontade.
Para entrevistar as pacientes, inicialmente, pediu-se autorização para a direção da
Clínica, logo após, o projeto foi enviado ao Comitê de Ética da Faculdade NovaFapi para
ser analisado; e depois de aprovado, foram identificadas as mulheres com câncer
recidivado, em tratamento quimioterápico e que já tiveram câncer de mama. Foram
realizadas 10 entrevistas, tendo em vista que é a média de mulheres recidivadas e em
tratamento, realizadas mensalmente na clínica, sendo cerca de duas a três entrevistas
semanais.
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Enfatizando que se fez necessário respeitar o tempo e a disponibilidade da
colaboradora, bem como avaliar se as circunstâncias eram cabíveis à realização da
entrevista naquele determinado dia. Para iniciar a entrevista, pediu-se autorização às
colaboradoras através de conversa oral e a assinatura de um termo de consentimento. O
passo seguinte foi registrar minuciosamente as respostas das entrevistas e depois realizar
recortes da transcrição para logo após serem analisadas de acordo com o tema proposto.
REFERENCIAL TEÓRICO
Costa (2009) diz que o câncer é uma doença genética, se caracterizando por
múltiplas alterações no material genético. Diferentes tipos de células dão origem a
diferentes tipos de câncer, cada um com sua especificidade. Essas células são capazes de
invadir órgãos e tecidos, desenvolvendo células filhas à distância, chamadas de metástase.
Este autor relata ainda que o estigma de câncer está relacionado a sofrimento,
sentença de morte, dor, mutilação, deformação, desfiguração, apreensão, perda da
autoestima, perda do atrativo sexual, medo, dentre outros.
Um dos cânceres mais temido pelas mulheres é o câncer de mama. Para Leite
(2002) esse tipo de câncer é o agente que mais causa mortes entre as mulheres de 35 a 54
anos, sendo a segunda causa de morte, perdendo somente para doenças cardíacas.
Segundo Carvalho (2003), a mama que é considerada um símbolo corpóreo e cheio
de sensualidade, poderá ser danificada em virtude de doenças e entre elas, o câncer.
Quando isso acontece, a auto-imagem da mulher pode ficar alterada, gerando como
conseqüências sentimentos de inferioridade e medo da rejeição tanto da família, ou do
companheiro, como da sociedade em geral. Além disso, vale dizer que quanto maior a
importância atribuída às mamas pelas mulheres, maior é o sentimento de perda após a
cirurgia.
Marty (1993) coloca que o câncer desencadeia uma série de implosões interna em
todos os âmbitos da vida do sujeito, o que intensifica a desorganização psíquica da pessoa.
Gimenes (1997) relata que á medida que os exames preventivos começam a
contribuir para evitar as mastectomias radicais, o câncer de mama nas mulheres deixa de
ser considerado algo que deve ser escondido e silenciado. Porém, ainda considerada uma
doença que trás muitas repercussões tanto físicas como psíquicas.
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Segundo Moraes (1994) durante o adoecimento e tratamento do câncer de mama,
muitas mulheres passam a viver isoladamente em virtude dos preconceitos culturais e
sociais. Dessa forma, sentem dificuldade de expressar suas emoções, principalmente as
mais agressivas.
Segundo Venâcio (2004), a partir do diagnóstico confirmado, a paciente vê sua vida
tomar um rumo diferente do que poderia imaginar, já que o câncer pode apresentar
alterações significativas nas diversas esferas da vida como trabalho, família e lazer.
Para Costa (2009) o diagnóstico de câncer é um fator que desencadeia crises no
paciente. Esta é considerada um evento único, biológico, psicológico, social e espiritual,
que todas as pessoas poderão experienciar pelo menos uma vez na vida.
O diagnóstico muitas vezes desencadeia um medo descontrolado. Além do medo
de morrer, a pessoa é apresentada a condutas terapêuticas (exames, consultas, cirurgias,
quimioterapias, radioterapia), que poderão trazer angústias relacionadas à imagem
corporal, à vida social e afetiva. Podendo gerar tensão e isolamento em alguns casos.
Algumas pessoas que já trataram de câncer, foram submetidas à cirurgia,
radioterapia, quimioterapia, podem ser surpreendidas pela recidiva da doença. Isso é
descoberto através de exames de rotina ou mesmo através dos sintomas que a doença
desenvolve, levando a mulher a procurar auxilio médico.
Para Carvalho(2003) em um estado inicial do diagnóstico, as mulheres necessitam
e conseguem falar sobre a doença , predomina otimismo, já em um estágio mais avançado,
a esperança e otimismo cedem lugar ao medo, a verdade é substituída por afirmações
veladas, aos poucos vão se tornando mais passivas.
Segundo Carvalho (2003) com a notícia de recaída da doença se intensificam os
medos e a angústia de morte. Neste caso a pessoa imagina mais uma vez o tratamento, os
efeitos colaterais, o ir e vir nos hospitais, tendo que passar pelas intercorrências, por todo o
processo novamente.
Após um câncer de mama, quando a doença recidiva, os lugares mais freqüentes
são os ossos, pulmão, fígado e cérebro.
Carvalho (2003) acrescenta que com essa notícia, novamente passem a existir
restrições às atividades normais, perda da autoconfiança, privação das conquistas
anteriores, intensificação da angústia de morte. Acrescenta-se ainda que com a recidiva é
comum sentimentos e /ou comportamentos de desesperança,desapontamento, insônia ,
ansiedade, revolta, depressão, desespero e confusão.
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Varella (2004) coloca que se trata de uma das situações mais difíceis na prática da
cancerologia, pois, apesar da insegurança e do medo que trazem tais vivências, o
profissional deve sugerir a melhor solução para o caso.
Um dos tratamentos possíveis para o paciente com recidiva é a quimioterapia, que
segundo Silva, Loureiro e Sousa (2004) consiste no uso de drogas que são injetadas nas
veias ou através de comprimidos, entrando no sistema sanguíneo, objetivando eliminar as
células cancerígenas que eventualmente se tenham espalhado pelo corpo, tendo a
desvantagem de também danificarem células normais que crescem rapidamente como os
pelos e unhas, podendo acarretar efeitos secundários como cansaço, fadiga, queda dos
cabelos, das unhas, feridas na boca, entre outros que interfiram na imagem da mulher.
Neste contexto, não considerar a individualidade do paciente, poderá influenciar na
resposta do tratamento. Assim, cada pessoa deverá ser avaliada individualmente,
enfatizando que se está diante de um ser dotado de personalidade, e não somente de mais
uma mama.
Para Simoton (1990) em geral, os pacientes ficam mais assustados com a recidiva
do que com o primeiro diagnóstico. Neste momento, surge desapontamento, e a pessoa fica
entristecida já que se esforçou, achou que tinha controlado a doença e isso não aconteceu.
Afirma ainda que esse período de choque que se segue ao diagnóstico de recidiva é
comum e normal em qualquer paciente. Neste período inicial, a pessoa não consegue
dormir bem, fica ansioso, deprimido, o humor e o interesse por atividades, trabalho e
mesmo família diminuem, considerado um período confuso, de desordem e desespero.
Ribeiro (2004) acrescenta que a mulher em tratamento quimioterápico pode
recusar ver sua imagem no espelho porque sofreu dano e perda, assim esconde o corpo a
ela mesma e a própria sociedade porque se vê mutilada.
Simoton (1990) acrescenta que esse período de crise gera dor emocional acentuada
influenciando nas decisões úteis que precisam ser tomadas.
Dessa forma, acaba trazendo implicações em seu cotidiano e nas relações com as
pessoas, assim pode receber apoio social, bem como de profissionais capacitados em lidar
com esse tipo de demanda, que percebem e compreendem o sofrimento do outro, auxiliam
no processo de re-significação desse corpo mutilado, facilitando a reorganização na vida
dessas mulheres.
Para Venâncio (2004), os aspectos emocionais bem trabalhados levam o paciente a
compreender o significado da experiência do adoecer, possibilitando dessa forma, a re5
significação desse processo e desenvolvimento de estratégias de aceitação diante de
situações estressantes.
Não tem como falar de aspectos emocionais em pacientes com câncer de mama sem
mencionar o trabalho do psicólogo nessa equipe, pois este é o profissional com habilidades
em lidar com as emoções, sentimentos e comportamento humanos.
Para Nogueira (2004), a psicologia na oncologia se destaca na medida em que
possibilita a pessoa
a participar ativamente, ensaiando, executando, conhecendo e
explorando a si mesmo e avaliando sua relação com o mundo através de ação.
Segundo Nucci (2005) esta nova área busca estratégias de intervenção que possam
ajudar o paciente, os familiares e equipe multiprofissional, no enfrentamento e aceitação da
nova realidade promovendo qualidade de vida.
Além do psicólogo, Mccullough e Larson (1999) in Pessine (2004) relatam que
indivíduos com alto índice de envolvimento religioso, têm um risco reduzido de depressão,
onde as crenças religiosas podem ter um papel em ajudar os pacientes a construir a
aceitação da situação.
Para Costa(2009) a religiosidade estar relacionada
com a adesão a crenças e
práticas relativas a uma instituição organizada. Neste sentido, possibilita o indivíduo a sair
daquela rotina de hospital, exames, medicamentos.
Já a espiritualidade é algo individual, não passíveis de verificação empírica que
enfoca elementos intangíveis, transmitindo vitalidade e significado a eventos na vida. Isso
possibilita a mobilização de energias e iniciativas positivas e que melhoram a qualidade de
vida da pessoa.
Ainda segundo o autor acima, a experiência humana no sofrimento estimula a
atitude religiosa, de fazer progredir a vida de fé.
Assim, para Carvalho (2003), a paciente se vê limitada em seus recursos para o
controle dessa situação, impedido de tomar decisões e afastado de sua possibilidade de
ação. De um lado, a paciente não permite que descubram seus verdadeiros sentimentos e,
por outro, as pessoas à sua volta, familiares, amigos e profissionais, seja por medo,
ansiedade, angústia, acabam reagindo da mesma forma.
Venâncio (2004) afirma que os objetivos do trabalho do psicólogo serão alcançados
na medida em que esse profissional vai compreendendo o que está envolvido na queixa do
paciente, buscando sempre uma visão ampla do que está se passando naquele momento
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inesperado em sua vida. Proporcionado um espaço de acolhimento e escuta, o terapeuta
deve sempre trabalhar com a realidade.
Este autor acrescenta que o profissional referido trabalha com pacientes portadores
de câncer visando manter o bem-estar psicológico dos mesmos, identificando e
compreendendo os fatores emocionais que intervêm na sua saúde, o levando a
compreender o significado da experiência do adoecer, possibilitando a ressignificação
desse processo.
Varella (2004) acrescenta que, dessa forma, nas limitações ao funcionamento do
corpo, as expectativas em relação ao que se passa no ambiente podem mudar radicalmente,
onde o essencial torna-se supérfluo, e vice-versa, num curto intervalo de tempo, e assim
minimizar sofrimentos e melhorar qualidade de vida.
O paciente com câncer é único em sua dor e sofrimento, mas também é grandioso
em sua coragem , seu ego pode ser fortalecido em cada etapa da esperança em viver.
ANÁLISE E DISCUSSÃO:
No presente trabalho se constatou que a média de tempo do primeiro diagnóstico de
câncer para a notícia de recidiva da doença foi de três anos. Segundo as entrevistas, os
locais mais freqüentes da recidiva foram ossos, pulmão, fígado, mama e cabeça.
Ao falar sobre a recidiva, as mulheres demonstraram uma postura de medo,
ansiedade e expectativas, de acordo com o recorte das entrevistas citados abaixo.
Como você se sentiu quando o médico lhe disse que a doença havia voltado?
“Paralisei, desespero total. Será que ou conseguir vencer? Será que não é para eu
ficar boa?”( V.C.M)
“Tudo de novo, pior ainda. Não tem explicação. Eu comecei a tremer, tremer.. o
corpo não tinha mais sossego, chorei muito e de lá para cá , só sofrimento. Até hoje nunca
mais tive vida” ( M.I.S.C)
“péssima, achava que seria como antes, apavorada, foi o pior natal que já passei”
(F.M.L)
“foi uma rasteira, um tombo. Mas depois renasce. A doença já assusta, mas você
aprende a conviver que não é a sentença de morte que se imaginava.(J.C)
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“Eu fiquei naturalmente, se não fosse para cair cabelo..” (J.F.L)
Durante a realização das entrevistas, foi percebido que ao perguntar às entrevistadas
como elas haviam se sentindo quando o médico lhes disse que a doença havia voltado, a
maioria delas apresentou dor emocional, dúvidas em relação a sua cura, momentos nada
fáceis de serem vivenciados. Além de respostas fisiológicas como tremor e palpitações
cardíacas, pelo impacto da notícia. Neste momento, foi percebida uma dor psíquica tão
grande quanto receber pela primeira vez o diagnóstico de câncer.
Segundo Simoton (1990) em geral, os pacientes ficam mais assustados com a
recidiva do que com o primeiro diagnóstico. Neste momento surge desapontamento, e a
pessoa fica entristecida já que se esforçou, achou que tinha controlado a doença e isso não
aconteceu.
Outras receberam a notícia de forma menos ansiosa, sua preocupação era com a
imagem corporal, de como seriam vistas, demonstrando dificuldades em se olhar e lidar
com essa nova realidade, dificuldade em aceitar sua nova imagem sem cabelo, onde se
sentiam pessoas diferentes e estranhas.
Ribeiro (2004) acrescenta que a mulher pode recusar ver sua imagem no espelho
porque sofreu dano e perda, assim esconde o corpo dela mesma e da própria sociedade
porque se vê mutilada.
Quais os sentimentos que emergiram?
“Susto, medo, misturado com revolta, vontade de derrubar o mundo..” (M.I.S.C)
“Nervosismo, angústia, vontade de pegar tudo e jogar para o alto” (V.C.M)
“Revolta. Pela primeira vez eu senti revolta, revolta com Deus. Eu só não caí
porque sempre fui muito espiritualizada.” (A.M.C)
“Tristeza. Mas confio muito em Deus, sei que deus não vai me da o resto da vida só
de sofrimento ...( F.M.l)
“chateada. Reclamei, Briguei com deus. Perguntei por que e não aparece nenhuma
e explicação. Não fica claro. Quando você ver o exame, você fica passada, acha que ali
não é seu, é impressionante. Disse : pois pronto. Agora vou morrer. Por que com a gente
meu deus! Tanta gente que faz isso, aquilo e não acontece nada e eu...(M.D.S)
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Ao receberem a notícia de recidiva pelos médicos, as reações e sentimentos foram
inúmeros como susto e medo. Ao iniciarem um tratamento oncológico, por mais grave que
seja, a maioria tem esperança em se curar. Porém, quando recebem a notícia de recidiva,
apresentam sentimento de frustração que gera muito sofrimento, tristeza, decepção, medo,
insegurança, angústia pelas dúvidas em relação ao futuro, tremor, desespero, revolta com
Deus, ansiedade, choro intenso, isolamento, vontade de desistir e, às vezes, todos ao
mesmo tempo.
Para Carvalho (2003) com a recidiva é comum sentimentos e /ou comportamentos
de desesperança, desapontamento, insônia, ansiedade, revolta, depressão, desespero e
confusão.
Percebeu-se que algumas mulheres, a princípio, se agarram com a fé, de fato, elas
se entregam para sua espiritualidade, acreditam que Deus vai curá-las e dar forças para
vencer, sendo até mais fácil lidar com as dificuldades que aparecem, pois tem algo para se
firmarem, isso é esperança.
Mccullough e Larson (1999) in Pessine (2004) relatam que indivíduos com alto
índice de envolvimento religioso, têm um risco reduzido de depressão, onde as crenças
religiosas podem ter um papel em ajudar os pacientes a construir a aceitação da situação.
Qual o significado da recidiva?
“Vários fatores: a falta de apoio no casamento, teve distanciamento, eu me
preocupei, eu coloquei meu marido acima de Deus, eu cobrava relacionamento,
nem que fosse um abraço. Ele saia muito, bebia, como se ele não se preocupasse
comigo. E também meu trabalho, fui coordenadora de escola e exigia muito esforço
de mim, eles cobravam, cobravam...e também muitas viagens a Teresina, eu vinha e
ocupava alguém da família para vir comigo, me preocupava demais” ( J. F. L)
“Raiva, muita raiva, eu não me desabafo, eu só desabafo quando chego na minha
cama” (M.S.L.B)
“ tenho muita tristeza na minha vida. Eu acho que a doença não morre, ela se
camufla e depois aparece. Tudo de ruim que acontece em mim, fica entalada,
qualquer contradição, guarda, não demonstro sentimentos, as pessoas pensam que
eu não sinto, mas so eu sei.” (F.M.L)
“Irresponsabilidade do médico” ( T.J.R.A)
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“ eu culpo o médico de não ter tirado a mama toda. Mas eu acho mesmo que
problema emocional ajuda muito. Assim que terminei o tratamento perdi meu
namorado, sofri muito...e também problemas de família, se tem algum problema eu
não falo, eu não discuto, eu fico com tudo para mim, eu me comovo com as coisas
dos outros, eu me chateio pelos outros. Eu queria ser doida de discutir quando
precisar, não importa que esteja olhando, mas eu não consigo”.(M.D.S)
Para as entrevistadas, o fato de não terem expressado seus sentimentos e emoções
habitualmente, contribuiu significativamente para a recidiva da doença. Algumas vezes
sentiam raiva, angústia, medo, preocupações com marido, com filhos e não expressavam,
fato que causava muita angústia, solidão e isolamento. Além da falta de afeto por parte dos
familiares, sentido por algumas pacientes.
Para Carvalho (2003), a paciente se vê limitada em seus recursos para o controle
dessa situação, impedindo de tomar decisões e afastando de sua possibilidade de ação, não
permite que descubra seus verdadeiros sentimentos.
Outra causa atribuída para a recidiva foi a raiva vivenciada com frequência do
marido, do vizinho, do filho, da doença, do adoecimento e que não era expressada,
sentiam-se sufocadas e preferiam desabafar sozinhas. Neste contexto, se percebe que esse
comportamento não traz benefícios tendo em vista que é algo constante em seus
pensamentos, dificultando sua elaboração a possibilidade de melhorar seu enfrentamento.
Segundo Moraes (1994) durante o adoecimento e tratamento do câncer de mama,
muitas mulheres passam a viver isoladamente em virtude dos preconceitos culturais e
sociais. Dessa forma, sentem dificuldade de expressar suas emoções, principalmente as
mais agressivas e hostis, ou mesmo tais emoções se tornarem desconhecidas, não
conseguindo nomeá-las.
Além disso, na avaliação de algumas mulheres após o adoecimento e tratamento, ao
perceber que estavam bem, se entregaram ao trabalho, gerando desgaste físico e
emocional, ao invés de ser algo prazeroso, tornava-se um agente estressante.
É importante falar que na opinião de algumas mulheres a culpa da recidiva é do
profissional médico, pois achavam que poderia ter feito procedimentos como a retirada
total da mama, ou um tratamento complementar de radioterapia ou quimioterapia e não
fizeram, o que desencadeou em suas visões, a recidiva da doença .
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Varella (2004) coloca que se trata de uma das situações mais difíceis na prática da
cancerologia, pois, apesar da insegurança e o medo que trazem tais vivências, o
profissional deve sugerir a melhor solução para o caso.
Como é fazer Quimioterapia?
“Sente náuseas, debilitada, moleza, não tenho apetite, faltava paladar, intestino
não funciona, pára um bocado de coisa. Deveria acabar quimio e aparecer outra
coisa” ( M.I.S.C)
“tudo que você pensa em fazer, antes lembra que tem a doença para atrapalhar
tudo. Se você quer viajar, já tem que se programar para tal dia estar aqui. A gente
fica parado em casa, esperando as coisas acontecerem. Pois quem faz QT, um dia
esta bem, no outro tá pior, não se sabe. A gente só se sente bem mesmo quando tá
podendo fazer algo para alguém. A gente não pode sair, fica limitado. Tem dias
que a força ta boa, mas tem dias...” ( M.D.S)
Na vida de quem tem a doença, com a recidiva do câncer, podem acontecer
mudanças como voltar a tomar quimioterapia, podendo apresentar efeitos colaterais como a
queda dos pêlos do corpo, inclusive dos cabelos e isso interfere na auto-estima da mulher.
Além disso, o medicamento pode alterar mais ainda a imagem corporal, já que podem
diminuir ou aumentar o peso.
É importante dizer que os efeitos colaterais variam de acordo com cada organismo,
pois em alguns ciclos algumas pessoas apresentam todos ou muitos dos sintomas, e outras,
não os vivenciam, e ainda pode ter ciclo que ela tenha somente um efeito colateral, é
relativo. Por conta disso, as mulheres em quimioterapia sentem-se limitadas, o que afeta
significativamente seu emocional.
Segundo Silva, Loureiro e Sousa (2004) a quimioterapia consiste no uso de drogas
com objetivo de eliminar as células cancerígenas que eventualmente se tenha espalhado
pelo corpo, tendo a desvantagem de também danificarem células normais que crescem
rapidamente como os pelos e unhas, podendo acarretar em efeitos secundários como
cansaço, fadiga, queda dos cabelos, das unhas, feridas na boca, entre outros efeitos que
mexem com a imagem da mulher.
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Como se sente nesta nova etapa de vida?
“ Eu não estou vivendo, só respirando, comendo, bebendo e dormindo. Mas pelo
menos tô vivendo. Eu não posso me ausentar porque toda semana tem que tá no
médico, me dá é raiva. Eu sonhava em me formar, quando estou no 3º período ,
adoeço (chora).(M.I.S.C)
“Eu digo que tá tudo bem, mas internamente eu não tô, me sinto falsa. Eu choro
por mim porque tenho medo do tratamento não dar certo. Eu costumava dizer que
não tinha medo da morte, mas agora estou.”( A.M.C)
“Não estou tranqüila, estou ansiosa, não sei o que vem pela frente. Quando se tem
essa doença, é como uma arma apontada para cabeça, que ela pode disparar. Eu
não gostaria de ser assim, mas já que é.” (J.C)
“A doença já assusta, mas você aprende a conviver que não é a sentença de morte
que se imaginava. Aprende a se respeitar, a respeitar limites, une mais a família,
você sabe quem é seu amigo, alguns se aproximam, outros se distanciam a ponto de
nem falar. Uso a doença em meu favor, sei dos meus direitos”(J.C)
Segundo as entrevistadas, o adoecimento e tratamento quimioterápico limitam
muito a vida. Elas precisam ser disciplinadas com as consultas, exames, medicações e
estilo de vida. Enquanto umas tentam viver naturalmente, de acordo com as possibilidades,
outras sofrem muito com essa realidade, com maior dificuldade de aceitação,
principalmente porque o adoecer modifica os projetos de vida que precisam ser adiados,
em alguns casos.
Simoton (1990) acrescenta que esse período de crise gera dor emocional acentuada
para que decisões importantes sejam tomadas.
As entrevistadas enfatizam os sentimentos de angústia, insegurança, ansiedade
pelos resultados e medo, principalmente da morte. Elas não se sentem a vontade para
expressar o que sentem abertamente aos amigos ou familiares e fazem isso com o
profissional de psicologia que lhes proporcionam esse espaço. Muitas vezes, esse
comportamento acontece para proteger seus entes queridos, evitando que eles sofram ainda
mais.
Como diz Venâncio (2004) os objetivos do trabalho do psicólogo serão alcançados
na medida em que esse profissional vai compreendendo o que está envolvido na queixa do
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paciente, buscando sempre uma visão ampla do que está se passando naquele momento não
escolhido na vida dele. Proporcionando um espaço de acolhimento e escuta, o terapeuta
deve sempre trabalhar com a realidade.
O serviço de Psicologia nesse período pode fazer uso de psicoterapia de apoio que
tem como objetivo diminuir ansiedade e outros sintomas clínicos, pretendendo modificar
pautas de conduta e mostrando possibilidades em novas formas de agir. Podendo
restabelecer rápido o equilíbrio emocional; proporcionar medidas que podem aliviar
sintomas; melhor adaptação. Às mudanças; promover o crescimento emocional,
possibilitando enfrentar as etapas do tratamento; estabelecer uma auto-imagem própria;
fazer com que o paciente participe ativamente do tratamento, dentre outros.
O adoecimento traz sofrimentos, desgastes, dores físicas e emocionais, mas também
pode trazer benefícios e ressignificação. Algumas entrevistadas passaram a perceber suas
vontades e necessidades, fizeram uma revisão de suas vidas e reconheceram quais eram
suas prioridades de fato, atribuindo novos significados.
Exemplo disso é algo que davam importância, não o é na atualidade. E outras coisas
que não percebiam, passaram a olhar e nota seu significado. Assim, passaram a valorizar
eventos ou situações que antes eram considerados comuns, ou mesmo sem importância,
como por exemplo, uma conversa com os filhos, marido, um gesto de carinho, entre outros.
Varella (2004) menciona que nas limitações ao funcionamento do corpo, as
expectativas em relação ao que se passa no ambiente podem mudar radicalmente onde o
essencial tornar-se supérfluo, e vice-versa, num curto intervalo de tempo.
CONCLUSÃO
Este trabalho teve como objetivo principal compreender os aspectos emocionais de
mulheres em quimioterapia com recidiva após câncer de mama, verificando os sentimentos
e as emoções vivenciadas durante todo o processo.
Desde o diagnóstico de câncer de mama até final do tratamento, surgem muitos
sentimentos e sensações, caracterizando uma fase de mudanças, incertezas e inseguranças,
que precisam ser acolhidos, de forma que a paciente se sinta segura em expressá-los e
chegar a um estágio de aceitação, reunindo forças para enfrentar todo o processo de
adoecimento e se reestruturar física e emocionalmente.
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A partir deste estudo, foi possível compreender como as pessoas reagem ao
receberem a notícia de recidiva e como elas vivenciam esse processo. Dentre os
sentimentos observados, destacam: medo, insegurança, angústia, contato com a morte, dor
psíquica, dor física e revolta, surgindo a necessidade de serem compreendidas em seu
sofrimento, objetivando o retorno da paciente às suas condições psíquicas anteriores à
doença em um menor tempo possível.
Sabe-se que os serviços de saúde contam hoje com um conjunto diversificado de
profissionais em condições de oferecer atendimentos de alta qualidade. A articulação
desses atendimentos em equipes multidisciplinares sistematiza o trabalho e como
conseqüência, melhoram os resultados.
É neste sentido que a psicologia vem se estruturando continuamente buscando
acompanhar os avanços científicos e metodológicos, afim de proporcionar cada vez mais a
redução do sofrimento desses pacientes com diagnóstico de câncer. Além de estar
disponível para qualquer necessidade que esteja dentro dos limites da profissão.
Neste sentido, em um contexto de uma situação grave, algumas pessoas têm
dificuldades de se reconhecer, na medida em que se encontram apreensivas devido as
condições, algumas vezes sentindo dores, mal-estar, mudança na sua fisionomia,
decorrentes dos efeitos colaterais que o tratamento quimioterápico proporciona, temem por
suas vidas e por seqüelas que possam ocorrer devido à doença.
Portanto, se observou que a recidiva do câncer para a maioria das mulheres gerou
uma dor psíquica maior que a do diagnóstico da doença, principalmente pelo medo da
morte que traz sofrimentos, inseguranças, medos, ansiedades, limitações, porém, o
tratamento é a esperança das pacientes para controle ou cura da doença. No entanto, mais
estudos são necessários para obter dados mais conclusivos.
REFERÊNCIAS
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Livro Pleno, 2003.
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