CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal A DIGESTÃO DE ALIMENTOS PELOS ANIMAIS O que é digestão? A digestão de alimentos é um processo pelo qual os alimentos ingeridos, na maioria bastante complexos, são quebrados em formas mais simples para que possam ser absorvidos e, assim, aproveitados pelos animais. 1 Como ocorre a digestão? A digestão de alimentos pode ser por processo mecânico, químico ou fermentativo. Na digestão mecânica, uma porção do alimento é quebrada em porções menores, sem alteração na sua composição química. Isto favorece a digestão na medida em que resulta em maior área para actuação das enzimas digestivas. Embora o exemplo mais óbvio de digestão mecânica seja a mastigação, é bom lembrar que nem sempre o alimento é eficientemente reduzido de tamanho na boca. De facto, a digestão mecânica mais eficiente ocorre no estômago de animais monogástricos, na moela das aves e no rúmen e retículo de animais ruminantes. Na digestão química, alimentos complexos são quebrados em compostos mais simples por um processo de hidrólise. Esta alteração da estrutura química dos alimentos é catalisada por enzimas e ocorre de forma sequencial, em etapas. A digestão química finaliza quando são originados os constituintes unitários do alimento complexo. Como exemplo, temos a digestão química do amido, que é um polissacarídeo formado por inúmeras unidades de glicose ligadas entre si. A digestão do amido ocorre em etapas, até que a glicose se torne disponível para ser absorvida. Amido acção enzimática n Glicoses Digestão química do amido. A digestão fermentativa é um processo relativamente semelhante à digestão química. Porém, neste caso, as enzimas que catalisam a quebra química dos alimentos são enzimas produzidas por microrganismos que habitam o tracto digestivo dos animais. Além disso, durante a digestão fermentativa, a quebra do alimento pode ir além da unidade que constitui o alimento mais complexo. Por exemplo, durante a digestão fermentativa do amido o processo não se interrompe com a formação de glicose. Após ser formada, a glicose é metabolizada e são originados ácidos gordos de cadeia curta, também chamados de ácidos gordos Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal voláteis (AGV). A importância e a intensidade dos processos mecânico, químico e fermentativo para a digestão de alimentos varia entre animais, em função do hábito alimentar. O que é absorção? A absorção do alimento é a passagem de nutrientes pela parede intestinal, para alcançar os vasos sanguíneos e serem distribuídos aos tecidos do organismo. Os principais locais de absorção são os intestinos delgado e grosso dos diferentes animais. Os processos de digestão e de absorção de alimentos variam entre animais? O processo de digestão varia entre os animais, mas esta variabilidade ocorre principalmente em função do hábito alimentar de cada animal, muito mais do que em função da espécie, como pode parecer. Assim, processos digestivos utilizados por diferentes espécies, como peixes, anfíbios, aves e mamíferos, podem apresentar grandes semelhanças desde que os animais apresentem o mesmo hábito alimentar. De facto, existe uma relação estreita entre o hábito alimentar e o processo de digestão. Esta relação estreita se aplica também à anatomia do tracto digestivo dos animais. De tal forma que, ao se estudar a fisiologia da digestão, deve‐se agrupar animais não pela espécie, mas sim pelo hábito alimentar. Assim, não falamos que vamos estudar a fisiologia do tracto digestivo de aves, peixes, mamíferos ou animais silvestres, mas que vamos estudar fisiologia do tracto digestivo de carnívoros, omnívoros ou herbívoros. Como se divide o tracto gastrointestinal? O tracto gastrointestinal pode ser dividido em boca, esófago, estômago, intestino delgado e intestino grosso (Fig). O tracto digestivo de animais ruminantes apresenta também os pré‐estômagos, que se situam anteriormente ao estômago. Na maioria das aves observa‐se a presença da moela ou estômago muscular e do papo. Cada um dos segmentos apresenta funções e características próprias, constituindo ambientes que diferem entre si com relação ao tipo de secreção presente, a actividade enzimática e até mesmo o pH. A separação entre segmentos dá‐se pela presença de esfíncteres, que impedem o refluxo de alimento e permitem a sua passagem apenas no momento apropriado. Fígado Pâncreas Esôfago Ceco Reto Boca Duodeno Cólon Jejuno e íleo Fig. Trato gastrointestinal. Duodeno, jejuno e íleo formam o intestino delgado. Ceco, cólon e recto formam o intestino grosso Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 2 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal Especificidades do trato gastrointestinal de animais de diferentes hábitos alimentares Animais carnívoros apresentam como característica um tracto gastrointestinal simples, com intestinos delgado e grosso bastante curtos (Fig). Animais herbívoros apresentam grandes câmaras de fermentação que podem localizar‐se anteriormente ao estômago glandular ou no intestino grosso (Fig). Animais omnívoros apresentam intestino delgado bastante longo. Alguns apresentam também dilatações do intestino grosso que funcionam como câmara de fermentação (Fig). Cão Porco Ovelha Carnívoro Omnívoro Herbívoro Fig. Tracto intestinal de animais de diferentes hábitos alimentares A digestão e a absorção podem ser controladas? A digestão de alimentos é altamente dependente: 1) das secreções produzidas pelas glândulas da parede do tracto digestivo e das chamadas glândulas anexas (glândulas salivares, pâncreas e fígado); 2) da motilidade do tracto digestivo. As secreções vão contribuir com enzimas que catalisam o processo digestivo e também com iões que mantém o pH adequado para a acção de enzimas. Em várias partes do tracto digestivo pode ser observado o pH requerido para a acção da enzima em causa. Como exemplo, temos a secreção gástrica que contém uma enzima chamada pepsina, bem como ácido clorídrico (HCl). A secreção de HCl faz com que o ambiente gástrico se torne ácido, o que favorece a activação e a acção da pepsina. A velocidade de passagem do alimento pelo tracto digestivo influencia tanto a digestão como a absorção de alimentos. De facto, a velocidade de trânsito deve ser lenta o suficiente para permitir que ocorra a digestão (enzimática ou fermentativa) e a absorção de alimentos. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 3 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal A manipulação dos alimentos vai influenciar directamente a velocidade de trânsito e, portanto, a digestão e a absorção. Assim, o oferecimento de alimento muito moído ou picado para um animal pode levar a uma diminuição do seu aproveitamento. 4 O PROCESSAMENTO DOS ALIMENTOS: DA INGESTÃO À ABSORÇÃO Como se dá a ingestão de alimentos? O modo de ingerir ou seja, a preensão de alimentos, varia muito entre animais. De facto, os animais utilizam diferentemente as estruturas buco‐maxilares, como lábios, dentes, língua, mandíbulas e, no caso das aves, o bico. Mesmo animais de mesmo hábito alimentar, como ovinos, bovinos e equinos, podem apresentar diferentes formas de ingestão. Enquanto ovinos utilizam os lábios, que são móveis e ágeis, os bovinos utilizam a língua, uma vez que apresentam lábios rígidos. Os equinos, por outro lado, apresentam hábito de pastoreio diferenciado em relação aos ruminantes, já que na preensão dos alimentos a principal estrutura utilizada é o lábio superior, o que implica o corte mais baixo da forragem. Com isso, embora sejam herbívoros, esses animais alimentam‐se de diferentes partes das plantas. Como os alimentos são processados em cada parte do tracto gastrointestinal? 1. BOCA E ESÓFAGO ‐ na boca os alimentos são mastigados e misturados com a saliva. Depois, poderá ocorrer a deglutição, um processo que envolve também o esófago. Em alguns animais, particularmente omnívoros será iniciada a digestão do amido. Na boca e esófago não ocorre absorção de nutrientes 1.1. Mastigação e deglutição A mastigação tem como função a quebra dos alimentos, o que aumenta a superfície para actuação de enzimas, além de facilitar a deglutição. Porém, pedaços grandes de alimentos podem ser deglutidos sem quebra intensa. A mastigação tem um controle voluntário, podendo ser interrompida a qualquer momento. A deglutição é a passagem do alimento da boca para o estômago. Compreende 3 fases: ‐ fase oral ‐ nesta fase o alimento apreendido é empurrado para a faringe por um movimento da língua para cima e para trás. Esta fase é totalmente voluntária. ‐ fase faringeana – inicia‐se com a chegada de alimento na faringe e o estímulo de receptores aí presentes. O estímulo destes receptores gera informações para um centro nervoso que envia uma série de estímulos que alteram o posicionamento de certas estruturas anatómicas da região, de modo a permitir que o alimento ingerido alcance o esófago sem penetrar nas vias aéreas (narinas e traqueia). Nesta fase a respiração está inibida. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal ‐ fase esofágica ‐ inicia‐se com a entrada do alimento no esófago. O alimento que entra no esófago é levado para o estômago por contracções peristálticas. 1.2. Secreção salivar e esofágica A secreção salivar é produzida pelos três pares principais de glândulas salivares: parótida, submandibular e sublingual. A secreção salivar pode ser dividida em fases, de acordo com o estímulo inicial: ‐ fase psíquica ‐ esta fase é caracterizada pela secreção de saliva antes mesmo do animal ingerir o alimento. Ela pode ocorrer pela visão ou cheiro do alimento, bem como por estímulos condicionados, como por exemplo quando o animal vê o tratador. ‐ fase oral ‐ esta fase corresponde ao aumento da secreção provocado pela presença de alimento na boca. A fase oral e psíquica, juntas, correspondem a aproximadamente 90% do volume de saliva produzido. ‐ fase gástrica ‐ esta fase corresponde ao aumento da salivação decorrente da presença de alimento no estômago. A secreção nesta fase só ocorrerá em grande quantidade quando o alimento presente no estômago for irritante para a mucosa gástrica. O aumento da saliva neste caso levará à diluição da substância irritante e também poderá servir de veículo para sua eliminação através do vómito. A secreção esofágica é basicamente muco, estimulada pelo contacto do alimento com as células mucosas que revestem o esófago. No esôfago de algumas aves pode ser observada uma estrutura saculiforme chamada de papo, que se presta ao armazenamento de alimentos. O papo não produz enzimas. No entanto, em algumas aves podem ser encontradas enzimas regurgitadas de segmentos mais inferiores. Certas aves, como por exemplos as pombas, secretam uma substância chamada de “leite do papo” que é utilizada na alimentação dos filhotes. 1.3. Digestão ‐ acção da amilase A amilase ou α‐ptialina é uma enzima que age sobre o amido. Acredita‐se que a amilase ocorra apenas em animais omnívoros. Mesmo nestes animais a acção da amilase é limitada. Primeiro, pelo pouco tempo de permanência do alimento na boca. Segundo, porque a amilase é inactivada após a deglutição do bolo alimentar, em virtude do pH ácido do estômago. Portanto, em animais omnívoros e carnívoros, a digestão do amido ocorre principalmente no intestino delgado, sob a acção da amilase pancreática. 2. ESTÔMAGO ‐ o estômago tem funções importantes dentro do processo digestivo. Uma destas funções é o armazenamento de alimentos e a outra, a quebra de alimentos. No estômago é iniciada a digestão de proteínas, mas não ocorre absorção de nutrientes. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 5 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal 2.1. Motilidade ‐ armazenamento, mistura, quebra e esvaziamento do alimento ‐ armazenamento ‐ o armazenamento de alimento no estômago é possível devido à ocorrência de relaxamento. A capacidade de armazenar possibilita ao animal, principalmente monogástricos, ingerir grandes quantidades de alimentos, poucas vezes por dia. Quando ocorre a deglutição, o estômago é estimulado a se relaxar, permitindo o armazenamento de grande quantidade de alimentos. Os estímulos para que ocorra o relaxamento são a deglutição e a distensão gástrica provocada pela entrada de alimento no estômago. ‐ mistura e quebra ‐ depois do alimento estar armazenado dentro do estômago começam a ocorrer contracções peristálticas. Estas contracções forçam o deslocamento do alimento para a frente. A contracção provoca a quebra do alimento, ao mesmo tempo que exerce uma pressão sobre ele, forçando‐o em direcção ao fundo e em direcção ao intestino. A constante ida‐e‐volta do alimento em direcção ao fundo gástrico leva à sua mistura com as secreções gástricas. O alimento misturado às secreções recebe o nome de quimo. ‐ esvaziamento ‐ o esvaziamento depende da força das contracções gástricas, que são controladas por estímulos originados no estômago e no duodeno. 2.2. Secreção Gástrica ‐ pepsinogénio, HCl e muco. Pepsinogénio ‐ é o precursor inactivo da pepsina, a enzima activa. Como ocorre com outras enzimas que digerem proteínas, a pepsina deve ser secretada na forma inactiva para que não ocorra a digestão da própria parede gástrica. Ácido clorídrico ‐ é o responsável pela activação do pepsinogénio e favorece a acção da pepsina uma vez que torna ácido o pH da secreção gástrica. Além disso, o HCl tem uma função bactericida importante. Muco ‐ o muco é produzido por células mucosas de superfície e por células mucosas das glândulas. O muco faz parte da barreira mucosa gástrica, que é um conjunto de factores que, juntos, impedem a lesão da parede gástrica pelo ácido. A barreira é constituída pelo muco, pelo bicarbonato secretado pelas células de superfície, pela camada de água que fica aderida à parede gástrica e pelo tipo de junção entre as células. 2.3. Digestão ‐ acção da pepsina A pepsina inicia a digestão de proteína. Em consequência de sua acção são formados péptidos menores e poucos aminoácidos. A digestão de proteína ocorre em maior intensidade no intestino, inicialmente por acção das enzimas pancreáticas. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 6 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal Moela. As aves podem apresentar dois estômagos. Um deles mais anterior, glandular, chamado de proventrículo e outro muscular, chamado de moela. O proventrículo tem função semelhante à do estômago glandular dos demais animais. A função da moela é triturar o alimento. Em algumas aves podem ser encontrados pequenos cálculos (pedrinhas) no interior da moela, que ajudam na quebra do alimento. Nas aves carnívoras, a moela é responsável também por esmagar a presa, podendo haver uma separação entre as partes moles e os ossos e penas, que serão regurgitados. Após trituração ou esmagamento, o alimento pode voltar para o proventrículo para sofrer a acção do suco gástrico. Quando o alimento estiver bem digerido vai ser deslocado para o intestino delgado, onde será continuado o processo de digestão. Ausência de estômago. Alguns peixes, principalmente os que se alimentam de pequenas partículas (micrófagos), podem não apresentar estômago. Um exemplo é a carpa‐comum. 3. Intestino Delgado O intestino delgado é o principal local de digestão química e é também o principal local de absorção. Portanto, as funções do intestino são muito importantes em animais monogástricos omnívoros e carnívoros. Estas funções são auxiliadas pelas secreções pancreática e biliar que alcançam o intestino. Grande parte da absorção de água, grande parte da absorção de iões e vitaminas e toda a absorção dos nutrientes provenientes da digestão enzimática ocorre no intestino delgado. A absorção ocorre nas vilosidades intestinais e, uma vez absorvidos, os nutrientes, com excepção das gorduras, são transportados para vasos sanguíneos para serem distribuídos para o organismo. Os vasos linfáticos, também presentes nas vilosidades constituem a via para a absorção da gordura. 3.1. Motilidade intestinal ‐ movimentos de mistura e de propulsão Para que todo o alimento possa ser digerido, é de grande importância que os alimentos sejam intensamente misturados com as secreções digestivas, pelos movimentos de mistura que ocorrem no intestino delgado. Além dos movimentos de mistura, ocorrem também movimentos peristálticos no intestino que promovem o deslocamento do alimento. No movimento peristáltico ocorre uma contracção anterior e um relaxamento posterior ao segmento distendido pelo alimento. A contracção anterior força o bolo alimentar em direcção ao segmento distendido, promovendo seu deslocamento ou propulsão. É fundamental que a velocidade de trânsito se faça de modo a não prejudicar a digestão e absorção. Essa velocidade normalmente é proporcional à distensão da parede, uma força exercida pelo alimento ou pela água presentes. distensão contracção relaxamento Propulsão do alimento Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 7 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal 3.2. Secreção O intestino secreta principalmente água e iões. Diferentemente das outras secreções, a intestinal não apresenta enzimas. 3.3. Digestão 8 A digestão de todos os tipos de nutrientes é iniciada pelas enzimas pancreáticas. Essas enzimas são liberadas no intestino delgado por meio de ductos. Além do ducto pancreático, desemboca também no intestino delgado o ducto biliar por onde chega a secreção biliar. Esta secreção é fundamental para a digestão e a absorção de gorduras. A digestão de nutrientes é completada pela acção das enzimas 3.3.1. Secreção pancreática: enzimas e HCO3 O pâncreas apresenta dois tipos de secreções, sendo uma rica em enzimas e a outra rica em bicarbonato. As enzimas pancreáticas podem ser divididas em proteolíticas, lipolíticas e amilolítica. (quadro). A secreção de bicarbonato tem como função a neutralização do quimo ácido proveniente do estômago. O aumento do pH decorrente dessa secreção é importante porque a acção das enzimas pancreáticas ocorre em pH próximo do neutro e, além disso, a neutralização do quimo propicia uma protecção da mucosa intestinal. Quadro: Enzimas pancreáticas Enzimas Substrato Produto Proteolíticas Proteínas Di e tripeptídeos Triglicerídeos Monoglicerídeos Lipolíticas Ester de Colesterol Colesterol Fosfolipídeos Lisofosfolipídeos Amilolítica Maltose Amido Limite‐dextrinas Maltotriose 3.3.2. Secreção biliar: sais biliares. Os sais biliares alcançam o intestino delgado após serem secretados na bílis. No intestino colocam‐se em torno das gotas de gordura e actuam como detergentes, permitindo a divisão das gotas maiores em gotículas. Esse efeito tem como consequência um aumento da superfície para actuação das enzimas lipolíticas pancreáticas. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal Digestão e absorção de glícidos Os principais glícidos presentes na dieta animal são amido, glicogénio, sacarose, lactose e celulose. A celulose é digerida por digestão fermentativa. O amido e glicogénio são polissacarídeos com estruturas equivalentes. Ambos sofrem acção das amilases, sendo a principal a amilase pancreática, formando glicose. A sacarose e a lactose são digeridas pelas enzimas sacarase e lactase. Os produtos da digestão da sacarose são glicose e frutose e os da lactose são galactose e glicose. Portanto, glicose, galactose e frutose são os monossacarídeos originados da digestão dos glícidos no intestino delgado. Digestão e absorção de proteínas As proteínas da dieta sofrem parcial digestão no estômago. No intestino delgado são submetidas à acção das diferentes enzimas pancreáticas. Em consequência são formados di e tripeptídeos que serão digeridos e os PROTEÍNA DA DIETA Estômago Pepsina Polipeptídeos + aminoácidos Pâncreas Tripsina Quimiotripsina Elastase Carboxipeptidase A Carboxipeptidase B Oligopeptídeos + aminoácidos Di e tripeptídeos aminoácidos Peptidases membrana Peptidases citosólicas Di e tri peptídeos Intestino Delgado aminoácidos SANGUE aminoácidos que se originam são absorvidos. Digestão e absorção de gorduras As gorduras que fazem parte da dieta são principalmente triglicerídeos, colesterol e fosfolípidos. Essas gorduras são, primeiramente, submetidas à acção detergente dos sais biliares e, posteriormente, às enzimas pancreáticas. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 9 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal 4. Intestino Grosso No intestino grosso não ocorre digestão química e nem absorção dos produtos de digestão química originados no intestino delgado. Porém, ocorre absorção de água e iões. Neste segmento ocorre digestão fermentativa em diferentes intensidades. 10 4.1. Motilidade ‐ movimentos de mistura, de propulsão e defecação Como no intestino delgado, os movimentos de mistura têm como função uma maior exposição do conteúdo intestinal à superfície de absorção. De uma forma análoga, os movimentos de propulsão levam ao deslocamento do bolo fecal pelo intestino. Quando este bolo chega ao recto, ocorre distensão deste segmento. A distensão leva a estímulos nervosos que desencadeiam o relaxamento do esfíncter anal interno. Este relaxamento pode levar à defecação desde que ocorra também o relaxamento do esfíncter anal externo. 4.2. Absorção No intestino grosso ocorre absorção de nutrientes provenientes de digestão fermentativa, além da absorção de água, iões e vitaminas. O intestino grosso absorve cerca de 90% da água que recebe. A absorção de água ocorre de modo a preservar o organismo de uma desidratação, uma vez que grandes quantidades de água circulam pelo tracto digestivo. OS ANIMAIS HERBÍVOROS E A DIGESTÃO FERMENTATIVA Qual a principal diferença dos animais herbívoros, com relação à digestão? Os animais herbívoros são capazes de aproveitar alimentos de origem vegetal, para os quais não possuem enzimas. O aproveitamento do alimento é possível pela acção de microrganismos que habitam o tracto digestivo destes animais, cujas enzimas actuam sobre alimentos de origem vegetal, realizando a chamada digestão fermentativa. Onde se localizam os microrganismos? Os microrganismos são encontrados nas chamadas câmaras fermentativas, que são grandes expansões do tracto gastrointestinal, situadas anteriormente ao estômago glandular, como no caso de ruminantes, ou no intestino grosso, como ocorre em herbívoros monogástricos. Além da digestão fermentativa, realizada pelos microrganismos, os herbívoros também apresentam digestão química e mecânica dos alimentos. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal Como a posição da câmara fermentativa influencia o processo digestivo como um todo? Devido à presença de câmaras fermentativas, os animais ruminantes realizam a digestão fermentativa antes da digestão química. Portanto, a digestão química pode complementar a digestão fermentativa levando ao maior aproveitamento dos alimentos. No caso de herbívoros monogástricos, a posição da câmara fermentativa distal ao local de digestão química impede que os alimentos que já sofreram acção dos microrganismos sejam aproveitados. Alguns dos animais contornam este problema praticando a cecotrofia, pela qual as fezes são ingeridas, permitindo uma continuidade da digestão e um melhor aproveitamento dos alimentos. Quais as principais características dos herbívoros ruminantes? A principal característica do tracto digestivo do herbívoro ruminante que o diferencia dos demais mamíferos, é a presença do rúmen, retículo, omaso e abomaso. São estruturas que se apresentam pouco desenvolvidas quando o animal nasce. Tanto, que os ruminantes recém‐nascidos podem ser considerados como um animal monogástrico. Estas estruturas, que também são estéreis, começam a ser colonizadas e a desenvolver‐se à medida que o animal passa a ingerir alimentos sólidos. No animal recém‐nascido, o leite ingerido vai directamente para o estômago glandular, ou abomaso. Como se dá a digestão no herbívoro ruminante? Digestão no rúmen‐retículo. O rúmen e o retículo são os principais locais de actividade fermentativa. Fisiologicamente, consideramos estas duas estruturas como uma unidade funcional. A digestão no rúmen‐ retículo é realizada por bactérias, protozoários e fungos que vivem em simbiose com o ruminante, que é o hospedeiro. Os microrganismos dependem do alimento do hospedeiro para sua manutenção e reprodução. Portanto, é necessário o aporte constante de energia e de proteína no rúmen, para que os microrganismos possam reproduzir‐se e manter‐se adequadamente. Além disso, é importante que o pH do rúmen seja mantido dentro de uma faixa de 5,5 a 6,9, que é uma faixa compatível com os microrganismos importantes para os processos digestivos. A constante produção de ácidos gordos no rúmen tende a provocar uma acidez, sendo o pH controlado pela absorção dos ácidos gordos e pela enorme produção de saliva, que é rica em tampões bicarbonato e fosfato. O pH do rúmen influencia o tipo de microrganismo que se vai desenvolver. Dentro da faixa de normalidade, o pH mais alto estimula o desenvolvimento de microrganismos celulolíticos, enquanto que o pH mais baixo estimula o desenvolvimento de microrganismos amilolíticos. Como o pH varia em função da quantidade de saliva produzida, e esta depende da intensidade de mastigação, podemos concluir que o alimento ingerido influencia o microrganismo que será desenvolvido no rúmen. Como se dá a digestão de glícidos no rúmen‐retículo? Os principais glícidos ingeridos pelos ruminantes são celulose, hemicelulose, pectina e amido. A digestão microbiana destes leva à formação de ácidos gordos de cadeia curta, que são ácido acético, ácido propiónico e ácido butírico. O ácido acético formado será utilizado como energia pela maior parte dos tecidos do ruminante. Este ácido pode também ser utilizado na síntese de gordura do tecido adiposo e da gordura do Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 11 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal leite. O ácido propiónico vai originar glicose. Isto é importante porque certos tecidos, como é o caso do tecido nervoso, necessitam de glicose como fonte energética. A glicose também vai ser precursora do açúcar do leite, que é a lactose. O ácido butírico será utilizado principalmente como fonte de energia para a parede rumenal. Durante a digestão fermentativa são formados gases como metano e CO2, que serão eliminados pela eructação. 12 Como se dá a digestão de proteína no rúmen‐retículo? Parte das proteínas ingeridas pelo ruminante passa pelo rúmen sem sofrer transformação. Esta proteína é chamada de proteína by‐pass. Uma outra parte sofre grande transformação no rúmen, sempre por acção dos microrganismos. Inicialmente, a proteína é digerida em aminoácidos, que são posteriormente quebrados em amónia e uma cadeia de carbono. Os aminoácidos e também a amónia serão posteriormente utilizados pelos microrganismos na síntese de proteínas somáticas. Quando ocorre esvaziamento rumenal os microrganismos (com suas proteínas somáticas) são levados ao abomaso e intestino delgado. Aí as proteínas são digeridas e os aminoácidos são absorvidos, por um processo idêntico ao de animais monogástricos. Resumindo, podemos dizer que as proteínas ingeridas pelos ruminantes são modificadas no rúmen‐retículo para serem, posteriormente, digeridas e absorvidas. Porém, não ocorre absorção de aminoácidos no rúmen. A amónia não utilizada é absorvida e vai para o fígado, onde será transformada em ureia. Parte da ureia pode ser eliminada pela urina, mas parte volta para o rúmen. A volta da ureia ao rúmen pode ocorrer directamente, pela circulação ou, indirectamente, após sua secreção na saliva. A ureia que volta ao rúmen pode ser transformada em amónia e utilizada na síntese protéica. Como se dá a digestão de gordura no rúmen‐retículo? As gorduras ingeridas pelo ruminante são, na sua maioria, gorduras insaturadas, istoé possuem duplas e triplas ligações. A gordura quando chega ao rúmen é quebrada em ácidos gordos e glicerol e os ácidos gordos passam de insaturados para saturados. Então, os ácidos gordos vão para o intestino delgado onde serão absorvidos. Isto explica porque os animais herbívoros, mesmo se alimentando de vegetais, tem gordura saturada no seu tecido adiposo. Quais as funções e as características dos movimentos do rúmen‐retículo? Os movimentos do rúmen‐retículo promovem mistura, esvaziamento, eructação dos gases e ruminação. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal Mistura A B gases 13 recém ingerido; rúmen ingerido; mais digerido Figura. A – movimentos de mistura (linha tracejada representa o retículo contraído); B – estratificação do alimento Os alimentos que chegam no rúmen retículo são constantemente submetidos à mistura. A mistura é iniciada por uma contracção do retículo, que diminui de tamanho e exerce uma pressão acentuada sobre o seu conteúdo. Parte deste conteúdo é deslocado em direcção ao rúmen. Quando cessam os movimentos, ocorre uma estratificação do conteúdo do rúmen‐retículo, de modo que o alimento recém ingerido, que é mais leve, fica sobrenadando e o alimento mais digerido fica depositado. É importante lembrar que existe uma grande quantidade de líquido no rúmen, consequente da grande produção de saliva (que pode chegar a 100 litros/dia no bovino adulto). Na parte superior do rúmen fica uma bolha formada pelos gases produzidos durante a fermentação. Esvaziamento do rúmen‐retículo Quando ocorre a contracção do retículo, o material mais digerido e mais pesado, que fica depositado no retículo é forçado para o omaso, devendo passar pelo orifício retículo‐omasal. Deve‐se destacar que o oferecimento de alimento muito picado ou quebrado pode facilitar a passagem pelo rúmen‐retículo, mas atrapalhar a digestão fermentativa por impedir a retenção do alimento na câmara fermentativa. Ruminação A ruminação compreende a regurgitação, a re‐insalivação, a re‐mastigação e a re‐deglutição. A ruminação é iniciada por um esforço inspiratório que gera uma pressão no esofago menor que a pressão no rúmen. O gradiente de pressão faz com que o alimento que está sobrenadando no rúmen (e que é o menos digerido) entre no esófago. Daí, por movimentos antiperistálticos o alimento é levado à boca, onde sofre nova Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal mastigação e é misturado à saliva (produzida em grande quantidade). Em seguida, o alimento é deglutido e volta para o rúmen‐retículo. Eructação de gases A eructação é uma maneira do ruminante se livrar da grande quantidade de gases que se formam durante a fermentação. A produção excessiva de gases pode ocorrer quando é oferecido material facilmente fermentável, o que leva à uma enorme distensão do rúmen e a paralisia dos movimentos. Quais as características dos herbívoros monogástricos? Os herbívoros monogástricos são animais que apresentam câmara de fermentação no intestino grosso. Em animais de pequeno porte, como o coelho, o ceco é o principal local de fermentação. Nos animais de grande porte, como o cavalo, o cólon é o principal local de fermentação. Em aves omnívoras, como a galinha, pode‐ se observar fermentação no ceco, sendo que estes animais apresentam um par de cecos. A fermentação nos herbívoros monogástricos também depende da presença de microrganismos, que apresentam as mesmas exigências dos microrganismos que habitam o rúmen‐retículo. Nestes animais a manutenção do pH depende principalmente do HCO3 secretado no íleo e cólon. O tempo de retenção de alimentos nas câmaras é longo e isto é alcançado principalmente pelo antiperistaltismo que está presente no intestino grosso destes animais. Digestão de nutrientes Glícidos Os glícidos que chegam ao intestino grosso são principalmente os que fazem parte da parede vegetal, como celulose e hemicelulose, para os quais o animal não tem enzima no intestino delgado. No entanto, pode também chegar amido que vai ser digerido pelos microrganismos. Deve‐se lembrar a importância da digestão fermentativa para o fornecimento de energia para o animal, uma vez que sua dieta é basicamente de vegetais. A digestão de glícidos nos herbívoros monogástricos também leva à formação de ácidos gordos de cadeia curta, que são absorvidos na parede do ceco e cólon. Estes ácidos gordos têm o mesmo destino que nos ruminantes. Proteínas As proteínas que chegam ao intestino grosso podem ser digeridas e pode também ocorrer síntese de proteínas microbianas. Porém, não se conhece mecanismo de absorção de aminoácidos neste local. Gorduras Também não existe absorção de produtos de digestão de gorduras no intestino grosso de animais herbívoros. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 14 CEF – Tratamento de Animais em Cativeiro – 9º F Higiene e Nutrição Animal Como se percebe, parte do alimento que chega ao intestino grosso dos herbívoros monogástricos pode ser perdido pela não absorção. Este problema é contornado pelos animais de pequeno porte que, em sua maioria, fazem cecotrofia ou coprofagia. O exemplo mais estudado é o coelho. Como se dá a cecotrofia e qual sua função? A cecotrofia, que é a ingestão de fezes, permite aos animais que a praticam um maior aproveitamento dos alimentos. Um exemplo destes animais é o coelho. Nos coelhos pode‐se observar a produção de dois tipos de fezes: fezes moles e fezes duras. As fezes duras são as que podem ser observadas nos locais onde os animais ficam alojados. As fezes moles normalmente não podem ser observadas porque são os animais as ingerem, retirando directamente do ânus. Estas fezes são produzidas principalmente no ceco e são constituídas pelo alimento parcialmente fermentado como as proteínas e gorduras, pelos ácidos gordos produzidos e que escaparam da absorção, além de vitaminas e de microrganismos, tudo isso envolto por uma capa de muco. Após ingestão, este material sofrerá digestão química no intestino delgado, possibilitando o aproveitamento de nutrientes. O processo começa com o rompimento da capa de muco no estômago, expondo o seu conteúdo. A cecotrofia é considerada fisiológica, uma vez que se o animal for impedido de praticá‐la entrará em deficit nutricional. Ela se distingue da coprofagia, que é a ingestão de fezes que ocorre, por exemplo, quando a alimentação é restrita. Alimentação e nutrição do animal Prof.ª Cristina Militão 2008/09 15