QUA L O FU T U RO DA R ELIGIÃ O A PÓS A M ETA FÍSICA ? RICHARD RORTY, GIANNI VATTIMO, SANTIAGO ZABALA Santiago Zabala Antes de discutir o futuro da religião queria dizer alguma coisa acerca do «pensamento débil» e da sua cultura pós-metafísica. Tanto Richard Rorty como Gianni Vattimo trabalharam durante anos na viragem paradigmática da metafísica rumo ao «pensamento débil» que hoje está representado no pragmatismo e na hermenêutica. A tradição metafísica estava dominada pelo pensamento de que existe algo de inumano a cuja altura os homens devem estar – um pensamento que hoje encontra a sua melhor expressão na concepção de uma cultura marcada pela ciência. James e Dewey, juntamente com Nietzsche e Heidegger, avançaram com a proposta de abandonar esta tradição e esta cultura. Embora o pensamento cartesiano e hegeliano tenha concluído a sua trajectória, e a viragem linguística da filosofia nos leve para longe da epistemologia e da metafísica, parece impossível que todas as nossas ligações com o logos metafísico estejam completamente interrompidas. É esta a razão pela qual, hoje, pragmatismo e hermenêutica sentem a preocupação moral de prosseguir e de desenvolver no mundo ocidental o impulso para a conversação, em vez de colocar questões metafísicas sobre o que é ou não real? É para isto que aponta o pensamento débil? 72 RICHARD RORTY GIANNI VATTINO Richard Rorty Retirar-se do logos metafísico é como que declarar a própria impotência e contentar-se, por outro lado, com a caridade. O facto de que o cristianismo nos últimos séculos se deslocou gradualmente rumo a ideais sociais do Iluminismo é sinal do gradual enfraquecimento do Deus adorado enquanto potência em favor de um Deus adorado como amor. Penso no declínio do logos metafísico como o declínio da intensidade da nossa participação na potência e na grandiosidade. A transição da potência para a caridade e a do logos metafísico para o pensamento pós-moderno são ambas expressão da propensão para apostarmos nas oportunidades que nos são oferecidas, em vez de tentarmos fugir da nossa finitude alinhando-nos com uma potência infinita. Santiago Zabala O «fim da metafísica» e a célebre afirmação gadameriana segundo a qual «o ser que pode ser compreendido é linguagem» não seriam então descobertas finais da natureza intrínseca do ser, mas sim sugestões sobre como re-descrever o processo da nossa compreensão? Será possível dizer-se, nos termos hegelianos de Robert Brandom, que compreender a natureza de um objecto não é mais do que ser capaz de retomar a história do conceito daquele objecto? Gianni Vattimo Não sei até que ponto chega o elemento idealista no pragmatismo porque mesmo quando se fala de «compreender como são feitas as coisas», não se entende por tal uma descrição; entende-se, antes, algo que tem a ver com práticas e relações inter-humanas mais do que com a descrição de algum processo. De facto, perguntamo-nos até que ponto será possível imaginar O FUTURO DA RELIGIÃO 73 que esta nova atitude pós-metafísica deixa completamente de lado o mundo idealmente real que se encontra «lá fora» («lá fora» é uma expressão que aprendi com o Richard). Deste modo, a transformação é mais radical do que se espera, visto que, em princípio, o pragmatismo, quando foi introduzido na Europa, parecia só um modo prático de tratar as coisas à americana; não interessa o que sejam em si as coisas, mais importante é o que elas significam para nós ou o que se pode delas fazer… parece-me que as implicações contidas nestas teses, nesta atitude pragmática, são mais ou menos as mesmas contidas no desenvolvimento da filosofia de Heidegger. Em Sein und Zeit, Heidegger aparecia como o filósofo de um tipo de pragmatismo existencial: as coisas não têm uma essência própria, mas aparecem, vêm ao «ser» como algo que entra num projecto, um projecto partilhado (como acontece também na linguagem). De seguida, Heidegger começou a entender mais seriamente a noção de «diferença ontológica», a partir do facto de que o «ser» não é o que já é, mas é, pelo contrário, o que acontece no diálogo quotidiano entre os humanos. Parece, portanto, existir uma «implicação ontológica» mesmo no ponto de partida pragmático de Heidegger. No interior destas implicações ontológicas do pragmatismo, poderia parecer que Heidegger radicalizara o significado daquilo que o pragmatismo considerava como o «ser» em si, mesmo se, do ponto de vista pragmático, não se pudesse mais falar de «ser» em si. Há, em Heidegger, uma espécie de ontologia contraditória. Ontologia significa que queríamos dizer algo do ser, mas o ser nada mais é senão o logos interpretado como diálogo, o Gespräch [Diálogo] entendido como discussão que se desenvolve efectivamente entre as pessoas. A realidade, desta maneira, ainda tem um significado em Heidegger, mas é só o resultado do diálogo histórico entre as pessoas; não estamos de acordo porque encontrá- 74 RICHARD RORTY GIANNI VATTINO mos a essência da realidade, mas dizemos ter encontrado a essência da realidade quando concordamos. Richard Rorty Estou de acordo. Parece-me que, desta maneira, o problema será apresentado de forma correcta. No idealismo, o elemento de verdade reside em que a inquirição diz respeito à recuperação da coerência entre as crenças, não à correspondência com o objecto. O neo-hegelianismo de Robert Brandom (que pode ser descrito tanto como uma versão do pragmatismo quanto como uma versão do idealismo) implica que não subsista nada capaz de nos restituir correctamente o mundo ou o ser. Quando muito, é possível que sejam correctamente restituídas coisas particulares – como, por exemplo, movimentos planetários ou governos constitucionais –, visto que é a especificação contida nos jogos linguísticos (que somos capazes de fazer) que no-las restitui. Mas cada filósofo inventa o seu próprio jogo quando coloca em discussão algo de não específico, algo de não ligado à prática filosófica, como «o mundo» ou «o ser». A síntese do pragmatismo e do idealismo alcançada por Brandom oferece uma posição filosófica que combina um Hegel sem escatologia com um Heidegger sem ontologia. Gianni Vattimo Perguntamo-nos quais os critérios que temos para instaurar um diálogo. Existem diferenças entre a arbitrariedade e o acordo. O acordo refere-se sempre a uma espécie de continuidade: colocamo-nos de acordo acerca daquilo que descobrimos como verdadeiro e descobrir algo como verdadeiro indica a aplicação de determinados critérios, de paradigmas que não são escolhidos de modo completamente arbitrário, mas que, em alguma medida, são encontrados. Esta é, por exemplo, a dife-