MECANISMO DE INDUÇÃO DE TOLERÂNCIA ORAL NO TRATAMENTO DE DOENÇAS AUTOIMUNES Meire Aparecida de Carvalho Pinto¹, Giulia Maria de Castro Bani¹, Priscila Moraes Henrique Paiva¹ ¹Centro Universitário do Sul de Minas RESUMO A tolerância imunológica refere-se ao reconhecimento e eliminação de antígenos nãopróprios, no entanto quando há distúrbios neste sistema com reações frequentes contra antígenos próprios ocorre o desenvolvimento das doenças autoimunes. Comumente, o tratamento destas doenças é realizado mediante drogas imunossupressoras que geram no organismo diversos efeitos deletérios. Assim, muitos estudos têm sido realizados com a finalidade de buscar tratamentos alternativos.Um deles é baseado no mecanismo denominado tolerância oral que é definido pela administração de antígenos por via oral. Acredita-se que a tolerância oral seja um mecanismo regulatório e protetor contra a hipersensibilidade causada por compostos não integralmente digeridos, mas absorvidos através do intestino. Este mecanismo é estabelecido por uma subpopulação de células T conhecidas como células T regulatórias (Tregs), atuando na modulação da resposta imune, como mediadores críticos da homeostease imunitária e da auto-tolerância. Esta revisão bibliográfica visa produzir conhecimentos que propiciarão uma visão alternativa no tratamento das doenças autoimunes bem como a compreensão da complexa resposta imune gastrointestinal. 206 Palavras-chaves: Doenças autoimunes. Tratamento. Tolerância oral. Tregs. ABSTRACT Immunological tolerance refers to knowledge and elimination of non-self antigens. However, when there are disturbances in this system with frequent reactions, against self-antigens is the development of autoimmune diseases. Generally, the treatment of these diseases performed by immunosuppressive drugs generating in the body several deleterious effects. So, many studies have been performed in order to seek alternatives treatment. One mechanism is based on called oral tolerance which is defined by the administration of antigens orally. It is believed that oral tolerance is a regulatory mechanism and protector against hypersensitivity caused by compounds not fully digested, but absorbed through the intestine. This mechanism is established by a subpopulation of T cells known as T cell regulatory (Tregs) acting in modulating the immune response as critical mediators of immune homeostasis and the selftolerance. This bibliographic review aims to produce knowledge will provide an alternative view in the treatment of autoimmune diseases and the understanding of gastrointestinal complex immune response. Keywords: Autoimmune diseases. Treatment. Oral tolerance. Tregs INTRODUÇÃO Quando o sistema imunológico reage contra células, órgãos ou tecidos próprios prejudicando o seu funcionamento adequado ou levando à sua destruição, temos o que se chama de doença autoimune. Que nada mais é do que uma disfunção do 207 sistema de defesa do próprio organismo que passa a atacar a si mesmo levando a outra doença, cujo fundo é imunológico (BACH, 1993 apud BUENO; PACHECO-SILVA, 1999). São mais de 40 doenças autoimunes conhecidas e com número considerável de pacientes acometidos. Existem as sistêmicas, como Diabetes Mellitus tipo I, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Artrite Reumatóide, Vitiligo, Doença Celíaca e outras; e aquelas órgão-específicas, como as Tireoidites, algumas Anemias (cels. Vermelhas), Doença de Addison (adrenais), Menopausa prematura (ovários), Miastenia gravis (músculos) dentre outras (GHAFFAR; NAGARKATTI,2009). O tratamento mais comumente utilizado é realizado por drogas imunossupressoras, cujos efeitos podem atingir células e tecidos sadios que não deveriam ser atingidos; apresentam condições refratárias no bloqueio à resposta imune indesejada, além de gerar ao aparecimento de infecções oportunistas e tumores. Dessaforma, surgiu a necessidade de se buscar formas alternativas de tratamento para essas doenças(BACH, 1993 apud BUENO; PACHECO-SILVA, 1999). As alternativas para suprimir ou bloquear uma resposta imune indesejada, passam pela indução de mecanismos de tolerância do próprio sistema imune do indivíduo. Esses mecanismos não são ainda completamente conhecidos,algumas possibilidades vem sendo pesquisadas e tem mostrado resultados significativos. Dentre elas, a representada pela tolerância oral (BUENO; PACHECO-SILVA, 1999). Tolerância oral descrita em 1911 (WELLS, 1911), é o termo usado para descrever o fenômeno no qual a tolerância imunológica a uma proteína específica é induzida através de sua administração por via oral, depende de fatores como natureza e dose do antígeno, frequencia da exposição e intervalo entre elas, ou seja: o tipo, a 208 quantidade e o tempo necessário para induzir tolerância. As experiências imunológicas prévias, idade em que o primeiro contato com o antígeno ocorreu, fatores genéticos são outros mecanismos primários associados à tolerância oral (WELLS,1911 apud FOWLER, WEINER, 1997). As células de defesa Tregs CD4+ CD25+ high Foxp3 são potentes reguladoras e supressoras, atuam na modulação da ativação imune, funcionando como mediadores críticos da homeostase e da auto-tolerância. Têm papel chave na manutenção da tolerância a antígenos endógenos, além da regulação da resposta imune induzida por agentes exógenos, agindo tanto na supressão da auto-imunidade, como na eliminação de tumores e patógenos virais (KUMAR, 2004apudLIMA, 2006). Nesta perspectiva, este trabalho teve como objetivo caracterizar o mecanismo de tolerância oral que tem sido empregado no tratamento de algumas doenças autoimunes. DOENÇAS AUTOIMUNES A autoimunidade é definida como um distúrbio funcional dos mecanismos responsáveis pela auto-tolerância, quando a resposta imunitária é efetuada contra alvos existentes no próprio indivíduo. Respostas autoimunes são frequentes, porém transitórias e reguladas. A autoimunidade como causadora de doenças não é frequente, uma vez que existem mecanismos que mantêm um estado de tolerância aos epítopos antigênicos do próprio organismo(GAFFAR; NAGARKATTI, 2009). As doenças autoimunes têm etiologia complexa, multifatorial e ainda desconhecida. Algumas teorias citam possibilidades como antígenos sequestrados, onde células T não fizeram o reconhecimento de certos antígenos próprios por serem de 209 desenvolvimento tardio ou estarem confinados em órgãos especializados, como testículos, cérebro, tireóide,etc; escape de clones autorreativos, quando a seleção negativa tímica não foi totalmente efetiva na eliminação de células autorreativas; ausência de células T regulatórias; antígenos de reação cruzada, por exemplo entre agentes exógenos e antígenos próprios alterados (GAFFAR; NAGARKATTI, 2009).Em estudos preliminares de doenças autoimunes, tanto em humanos quanto em animais, confirmou-se um forte componente genético. A maioria delas apresenta traços poligênicos complexos, onde os afetados herdam polimorfismos genéticos múltiplos, que contribuem para uma maior susceptibilidade à doença. Estes genes sofrem influência de fatores ambientais e fatores intrínsecos do organismo, como predisposição genética e baixo controle imunoregulatório (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2011). O diagnóstico de doenças autoimunes baseia-se na sintomatologia apresentada e na detecção de anticorpos reativos a antígenos, células e tecidos envolvidos.Outras doenças podem ser identificados por testes bioquímicos, ex. doença de Graves, anemia perniciosa. O procedimento realizado com mais frequência no laboratório de imunologia clínica, além do ELISA e IFA, é o teste de anticorpo antinuclear (ANA)(GAFFAR; NAGARKATTI, 2009). Os tratamentos se baseiam na redução dos sintomas e controle da resposta autoimune, preservando a capacidade de resposta do organismo às infecções e incluem drogas como antiinflamatórios (corticosteróides) e imunossupressores (ciclofosfamida, azatioprina, ciclosporina) (GAFFAR; NAGARKATTI, 2009). Como se sabe estes tratamentos causam diversos efeitos colaterais nos pacientes, desta forma outros tratamentos têm sido alvos de pesquisas como é o caso da 210 Tolerância Oral. Estudos em modelos animais tem demonstrado que a tolerância oral pode suprimir uma grande variedade de doenças autoimunes em humanos (PABST; MOWAT, 2011). TOLERÂNCIA ORAL O intestino é exposto a uma vasta quantidade de antígenos por meio da ingestão de mais de 100g de proteínas exógenas por dia na dieta. É colonizado por uma grande quantidade de bactérias que aumentam ao longo do trato intestinal ao mesmo tempo, a mucosa é fina e vulnerável às infecções patogênicas. Assim, o sistema imune deve discriminar entre a proteção imune contra antígenos nocivos e a tolerância contra os inofensivos. Reposta imune contra a microbiota normal pode resultar em doenças inflamatórias intestinais como a Doença de Crhon e colite ulcerativa. A desregulação na indução da tolerância às proteínas alimentares pode resultar em alergias alimentares ou doença celíaca (MERESSE et al., 2009 apud PABST; MOWAT, 2012). É importante salientar que existe diferença entre a tolerância às bactérias intestinais e às proteínas alimentares, sendo que esta é induzida no intestino delgado com resposta imune local e sistêmica, enquanto que a primeira é induzida apenas localmente no colón (PABST; MOWAT, 2012). A tolerância oral tem sido demonstrada em roedores utilizando proteínas purificadas, antígenos celulares e pequenos haptenos, que têm sido empregados em humanos (KAPP et al., 2010; HUSBY et al., 1994 apud PABST; MOWAT, 2012). Seu emprego tem mostrado diminuição da hipersensibilidade tardia, proliferação de células T e produção de citocinas. Supressão da produção de anticorpos, particularmente IgE e células T helper tipo 1 produtora de IgG2a. Assim, a tolerância oral tem sido utilizada na 211 supressão desses antígenos em modelos experimentais de encefalite autoimune, artrite colágeno-induzida, diabetes tipo 1 e outras (FARIA; WEINER, 2006). O uso da tolerância oral para tratar a autoimunidade em modelos animais foi descrita pela primeira vez na artrite colagenosa e na encefalite autoimune. Desde então, a administração oral e nasal de autoantígenos tem sido relatada para melhorar um grande número de condições. Em geral, o mecanismo imune primário nestes estudos tem sido a indução de Tregs. Que induzidas por antígenos de mucosa secretam TGF-β ou IL-10 no órgão alvo (WEINER et al.,2011). A tabela abaixo (Tabela 1) apresenta proteínas que foram testadas como auto-antígenos em modelos animais, para desencadeamento da tolerância oral em algumas doenças humanas. Tabela 1-Tolerância oral empregada em doenças experimentais Doença (no modelo animal) Eosinofilia das Vias Aéreas Proteína ingerida OVA (ovoalbumina) Alergias Pólen de Cedro, Derp1 Síndrome anti-fosfolipídica Β-2 glicoproteína Artrites Aterosclerose Colágeno II, Hsp65, BSA (albumina bovina) Hsp65 Danos da reperfusão cardíaca Troponina C Colites Proteínas do colon e OVA Diabetes (camundongo NOD) Insulina, GAD, OVA Encefalomielite MBP (proteína de mielina), PLP, MOG (glicoproteína mielina de oligodendrócitos) Hipersensibilidade alimentar Miastenia gravis aS1- caseína AchR (receptor de acetilcolina) Neurites PNS-mielina Sensibilidade ao níquel níquel Síndrome de Sjogren Peptídeo Ro Síncope MOG 212 Tiroidite tireoglogulina Transplantes Aloantígenos e peptídeos de MHC Uveíte S-Ag, IRBP Danos nervosos MBP Fonte: Adaptada de Weiner e colaboradores, 2011. Mecanismos da Tolerância oral Diferentes mecanismos têm sido implicados na tolerância oral, incluindo ativação das células Tregs, bem como deleção clonal e anergia das células T. Inúmeros estudos sugerem que estes mecanismos são determinados pela dose dos antígenos administrados, com altas doses favorecendo a deleção clonal ou anergia, enquanto que baixas doses estão relacionadas à supressão pelas células T (CHEN et al., 1995; CHEN et al., 1996; WEINER et al., 2011 apud PABST; MOWAT, 2012). A tolerância periférica induzida através da ingestão de antígenos é mediada por anergia e deleção ou supressão, e o fator determinante de qual processo ocorrerá é a dose administrada. Associam-se também a este evento, a secreção de citocinas e o nível de tolerância periférica. A indução de supressão ativa associada às baixas doses ocorre primariamente no Tecido Linfóide Associado ao Trato Gastrointestinal (GALT),é a indução de células antígeno-específicas que suprimem a atividade de outras células pela secreção de citocinas antiinflamatórias como TGF-β, IL-4 e IL-10, que então migram para órgãos linfóides e órgãos alvo expressando o mesmo antígeno (BUENO; PACHECO-SILVA, 1999). A anergia associada às altas doses de antígenos causa um estado de irresponsividade celular induzida pela alta ocupação de receptores de células T que leva à falta de secreção de IL-2, diminuindo a sua expressão e a proliferação celular. A deleção clonal 213 ocorre quando altos níveis de antígenos dirigem especificamente células T para a apoptose. Deleção e anergia são funcionalmente distintas pela habilidade que as células anérgicas têm de serem libertadas de seu estado irresponsivo pela cultura destas em altos níveis de IL-2 (in vitro), ou pela presença de células com determinado receptor específico para o antígeno. O mecanismo de tolerância induzido pela administração oral de antígenos relaciona-se provavelmente com a interação de antígenos proteicos e o GALT e a geração subsequente de células T regulatórias ou efetoras (FOWLER, WEINER, 1997). Células T regulatórias (Tregs) O principal mecanismo de indução da tolerância oral é mediado por Tregs, que são conhecidas como mediadoras de supressão. Tregs são um subtipo de células CD4+, (apenas 5% das CD4+), cuja função é regular outros linfócitos T impedindo a sua ativação excessiva e assim o desencadeamento da doença autoimune e de reações inflamatórias. As Tregs compreendem vários subconjuntos de células fenotipicamente similares que agem inibindo diferentes células (Tabela 2). Sabe-se que antígenos ingeridos por via oral são capazes de induzir todos os tipos de células com propriedades regulatórias, até mesmo células Tregs com fenótipo CD8. Além destas, é importante citar a ativação de células Tregs Th3, que produzem TGF-β e IFN-γ que exercem função regulatória e expressam Peptídeos Associados à Latência (LAP) em sua superfície (WHITESIDE, 2012; ZHANG et al., 2009; CHEN et al., 2009 apud CASTROSANCHEZ; MARTÍN-VILLA, 2013). Tabela 2- Indução de diferentes tipos de células Tregulatórias e suas principais características Tregs naturais (nTregs Foxp3+) Tregs induzidas (iTregs Foxp3+) 214 Tr1 Treg (IL-10 dependente) Th3 Treg (TGF-β dependente, LAP+) CD8 Treg (LAP+) LAP – Peptídeo Associado a Latência Fonte:Adaptada deCastro-Sanchez e Martín Villa, 2013. Tecido linfóide associado ao trato gastrointestinal (GALT) O intestino possui a mais abundante população de células imunes do organismo, estando localizadas em três compartimentos distribuídos por todo o epitélio da lâmina própria das mucosas e do Tecido Linfóide Associado ao Trato Gastrointestinal (GALT). O GALT é constituído por agregados linfóidespresentes ao longo de toda a submucosa do intestino delgado. São três as partes constituintes: placas de Peyer, lâmina própria de mucosa e linfonodos mesentéricos. A estrutura do GALT é similar a dos linfonodos, nos quais há zonas com folículos de células B, zonas interfoliculares de células T e células apresentadoras de antígenos, como as células dendríticas (CD) e macrófagos. O GALT por não ser encapsulado e conter vasos linfáticos, tem contato direto com antígenos da superfície da mucosa intestinal (MESTECKY; MCGHEE, 1987; BRANDTZAEG, 2010; BRANDTZAEG; PABST, 2004 apud WANG et al.,2014). O GALT e os linfonodos mesentéricos (MLN), os maiores linfonodos do corpo, são considerados os locais primários de indução da resposta imune adaptativa, enquanto a lâmina própria e o epitélio de mucosa têm função efetora e de memória. O desenvolvimento do GALT requer estímulos da microbiota comensal e antígenos alimentares.Os linfócitos B ativados produzem anticorpos na lâmina própria com células T gerando sinais do local do antígeno apresentado pela CD. Os linfócitos intraepiteliais (IELs) regulam a resposta imune inata e adaptativa, que são na sua maioria CD8+ e expressam os receptores αβ ou γδ, que são requeridos pela tolerância 215 oral(NAHMIAS et al., 1991; WORBS et al., 2006; WOLVERS et al., 1999 apud WANG et al., 2014). Células Apresentadoras de Antígenos A administração de antígenos orais foi demonstrada experimentalmente por diferentes mecanismos e tipos celulares, como as células M, CDs, e enterócitos. Algumas proteínas antigênicas atravessam diretamente a camada epitelial penetrando na circulação. Acredita-se que as placas de Peyer podem estar mais envolvidas com antígenos bacterianos, enquanto alguns haptenos alcançam o fígado através das veias portais, tendo um papel preponderante na indução da tolerância oral. As APCs intestinais são particularmente predispostas a induzir Tregs, a partir de antígenos específicos migram e suprimem respostas imunes danosas, e secretam citocinas como TGF-β contribuindo para a supressão circunstante (PERON et al., 2009; NIEDERGANG; KWEON, 2005; MOWAT; 2003; DUBOIS et al., 2009 apud WANG et al., 2014). As células M, com micropregas amplas, revestem as placas de Peyer,através das microvilosidades de sua superfície apical, são o maior sítio de entrada de antígenos, principalmente os particulados, nos folículos linfóides da mucosa, permanecendo isoladas dos folículoslinfóides do intestino delgado(KAGNOFF, 1996; BACH, 1995; GRIEBEL, HEIN, 1996 apud BUENO, 1999). Elas captam antígenos do lúmen intestinal por endocitose podendo processá-lo parcialmente e os transportam para as APCsprofissionais presentes no GALT e MLNs(Figura 1) (PICKARD; CHERVONSKI, 2010; YAMAMOTO, 2012 apud CASTRO-SANCHEZ; MARTÍN VILLA, 2013). As células dendríticas, CDs, do intestino são as principais APCs do Trato Gastrointestinal, estão localizadas na lâmina própria, placas de Peyer e linfonodos 216 mesentéricos. As CDs localizadas sob o epitélio da lâmina própria são capazes de passar entre as estreitas junções epiteliais, estender seus dendritos e alcançar antígenos diretamente no lúmen intestinal. Foi sugerido que as CDs do intestino apresentam características não-inflamatórias intrínsecas. Comparadas com as CDs do baço, as das placas de Peyer induziram tolerância em vez de induzirem células T com fenótipo efetor (Figura 1) (MOWAT, 2005 apud WANG,2014). O ambiente da mucosa intestinal é importante no direcionamento das CDs. Como elas migram da lâmina própria para os linfonodos mesentéricos, são influenciadas por fatores locais e se comunicam com diferentes tipos celulares. As células do epitélio intestinal estão estritamente ligadas às CDs da lâmina própria e a condição das DCs serem “células tolerogênicas” se dá pela secreção de TGFβ, ácido retinóico e linfopoietina do estroma tímico. Outras células da resposta inata podem desempenhar este papel, como os macrófagos da lâmina própria que produzem grandes quantidades de IL-10 e inibem CDs na indução de células Th17.A imunização oral induz Células T CD4+ de memória a secretarem IL-10 e IL-4 que estimulam as CDs, as quais irão futuramente induzir células naive a produzem as mesmas citocinas que as células T imunizadas sintetizaram (RESCIGNO, 2010 apud CASTRO-SANCHEZ; MARTÍN VILLA, 2013). Resposta das células T na Tolerância oral Geralmente, quando são administradas altas doses de antígenos orais, as células T são induzidas à deleção ou anergia, com produção de IgA. Quando adicionamos certos adjuvantes, a resposta pode ser convertida em ativação sistêmica com linfócitos T citotóxicos (CTLs) e IgG. Quando são dadas baixas doses, o resultado é a supressão 217 ativa com secreção de IgA e indução de Tregs produtoras de IL-10 e TGFβ. Estes dois mecanismos podem ocorrer simultaneamente ou se sobreporem. Como ambos compartilham algumas das mesmas características, como a produção de citocinas similares, as células T anérgicas exercem função regulatória idênticas às Tregs (Figura 1)(FARIA; WEINER, 2005; VON BOEHMER, 2005 apud WANG, 2014). A administração de antígenos por via oral ativa ou induz Tregs, embora os mecanismos não estejam completamente esclarecidos, provavelmente envolvem a comunicação entre macrófagos, CDs e células T. As CDs intestinais possuem a intrínseca característica de induzir respostas de células T tolerogênicas ao invés de resposta efetora (GARSIDE et al., 1996 apud WANG, 2014). Na administração de antígenos em altas doses existe uma ligação entre apoptose e geração de Tregs. Estudos experimentais com camundongos alimentados com altas doses de antígenos aumentaram a susceptibilidade dos linfócitosà apoptose. Macrófagos que fagocitaram células apoptóticas reconhecidas pela integrina αvβ3, exibiram alta regulação de TGFβ e baixa indução de citocinas inflamatórias. Adicionalmente, CDs intestinais foram descobertas como sendo enterócitos apoptóticos, e tendo relativamente baixa atividade estimulatória para células T. Células T apoptóticas também secretam TGFβ, como resultado da redistribuição das citocinas existentes, seguindo a perda potencial da membrana mitocondrial (Figura 1) (MOWAT, 2003; RESCIGNO et al.,2001 apud CASTRO-SANCHEZ; MARTÍN VILLA, 2013). O aumento da secreção de TGFβ pelos macrófagos, CDs e células T apoptóticas, constitui fator crítico na diferenciação e sobrevivência das Tregs. Outra explicação para que altas doses de antígenos induzam tolerância oral é a anergia de células T específicas. A anergia é a base da tolerância periférica aos antígenos próprios. E 218 também desempenha papel na tolerância oral, primeiramente indicando que a tolerância de células T pode ser reversível pela IL-2 exógena (in vitro). Células T anérgicas não são apenas passivas na tolerância, elas produzem citocinas incluindo IL4, Il-10, TGFβ e agem como células supressoras in vivo e in vitro (Figura 1). Células T CD4+ anérgicas de camundongos tolerizados, alimentados com caseína mediaram a supressão quando as células foram transferidas para camundongos com Imunodeficiência Combinada Severa (SCID) (WHITACRE et al., 1991; TAAMS et al. 1998; CAULEY et al., 1998; HIRAHARA et al., 1995 apud WANG, 2014). Vários subtipos de Tregs tem sido relatados na tolerância oral, tais como Tregs derivadas do timo ou Tregs naturais, que induzem Foxp3+, células Tr1 e células Th3 (Tabela). Células derivadas do timo CD4+ CD25+Foxp3+ou Tregs naturais desempenham um papel crítico na reversão da autoimunidade e manutenção da autotolerância. Adicionalmente, elas envolvem a supressão da resposta imune direcionada à bactéria comensal do intestino. Tregs induzidas perifericamente ou adaptativas são essenciais para a tolerância oral. Elas se desenvolvem fora do timo, em microambiente específico. Por exemplo, Tregs CD4+CD25+Foxp3+ foram induzidas nas placas de Peyer de camundongos transgênicos (OVA TCR), alimentados com altas doses de OVA (POWRIE et al., 1993; SINGH et al., 2001 apud WANG, 2014). A figura abaixo demonstra esquematicamente o mecanismo de tolerância oral que ocorre no epitélio gastrointestinal resultante da imunização dos antígenos proteicos em altas e em baixas doses:antígenos orais cruzam do intestino, para o GALT de várias maneiras. Podem entrar via células M, sendo recolhidas pelas células dendríticas (CDs), que penetram no lúmem do intestino, ou serem tomadas pelas células do epitélio intestinal. As CDs do intestino são as únicas que podem dirigir a diferenciação de 219 células Tregs a partirdeFoxp3-. Essa propriedade das CDs se relacionam com o seu condicionamento por bactérias comensais.As células epiteliais intestinais expressam TGF-β e IL-10 e ácido retinóico, que é fornecido em forma de vitamina A pela dieta. Monócitos CD11b podem também ter um papel na indução de Tregs, e essa indução ocorre nos linfonodos mesentéricos, envolvendo ambos os receptores CCR7 e CCR9. A co-estimulação pelos ligantes da morte celular programada(PDL), são também importantes para a indução de Tregs. Macrófagos são também estimulados a produzir TGF-β apósfagocitar células epiteliais e células T apoptóticas seguidas de altas doses do antígeno. Baixas doses de antígeno favorecem a indução de Tregs, enquanto que altas doses favorecem anergia e deleção como mecanismos de indução de tolerância. O fígado pode também ter um papel na indução da tolerância oral de antígenos (altas doses) podem ser rapidamente retomados pelo fígado, onde é processado pelas CD plasmocitóides que induzem anergia, deleção e Tregs. Um número de diferentes tipos de Tregs podem ser induzidas ou expandidas no intestino, incluindo CD4+CD25+Foxp3+ iTregs, nTregs, células Tr1, LAP+ (células Th3), CD8+ e células Tγδ (Figura 1). 220 Figura 1- Mecanismos de Indução de Tolerância Oral. Em baixas doses, as CDs processam os antígenos e passam a liberar citocinas antiinflamatórias, como TGF-β e ácido retinóico, que estimulam as Tregs, que por sua vez inibem a resposta inflamatória de outras células T. Em altas doses, as CDs processam os antígenos que entram em contato com as células T efetoras, estimulando a anergia ou a deleção dessas células Fonte: Adaptada de Weiner e colaboradores, 2011. CONCLUSÕES O tratamento dos distúrbios autoimunes consiste em reduzir os sintomas e controlar a resposta autoimune e dependem da doença específica e dos sintomas.O que se espera é alcançar conhecimentos que levem ao entendimento das funções do sistema imune e de como modulá-lo no sentido de diagnosticar e tratar essas doenças.A tolerância oral tem sido empregada neste sentido. Acredita-se que esta se deva à ativação de dois mecanismos imunológicos principais: a supressão ativa (mediada por citocinas) e a anergia clonal (não-resposta mediada por linfócitos). O principal mecanismo envolvido depende da quantidade de antígenos administrada, onde doses baixas favorecem supressão ativa e altas doses favorecem a anergia e deleção clonal. O conhecimento dos mecanismos de indução de tolerância nas doenças autoimunes é ainda muito recente e um grande desafio. 221 REFERÊNCIAS ABBAS AK, LICHTIMAN AH, PILLAI S. Imunologia Celular e Molecular, 7ª ed. Elsevier Ed. 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