CONSIDERAÇÕES SOBRE BNCT Hugo Moura Dalle

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CONSIDERAÇÕES SOBRE BNCT
Hugo Moura Dalle
Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, CNEN
Caixa Postal 941
30123-970, Belo Horizonte, Brasil
RESUMO
Este trabalho descreve uma técnica experimental de tratamento oncológico que vem
sendo objeto de crescente interesse, chamada Terapia por Captura de Nêutrons pelo Boro
(BNCT). Inicialmente apresentamos uma descrição histórica acerca do desenvolvimento desta
terapia. Depois são apresentados os seguintes tópicos: principais compostos de Boro, as
interações entre os compostos de Boro, as células e os nêutrons, os tumores Glioblastoma e
Melanoma, as técnicas norte-americanas e japonesas de tratamento, fontes de nêutrons e reatores
médicos, e energia dos nêutrons. Finalmente citamos a situação brasileira atual, no que se refere a
BNCT
Key Words: BNCT, Terapia por Captura de Nêutrons.
I. INTRODUÇÃO
A Terapia por Captura de Nêutrons pelo Boro,
mais conhecida pelas suas iniciais em inglês, BNCT, de
Boron Neutron Capture Therapy, foi sugerida pela primeira
vez, como uma forma de tratamento de câncer por Gordon
L. Locher, um físico americano do Franklin Institute at
Pennsylvania. Isto foi em 1936, apenas quatro anos após o
descobrimento do nêutron, em 1932, por James Chadwick.
Desde então a terapia por captura de nêutrons tem sido
estudada em várias instituições de pesquisa.
Apesar de ser uma técnica estudada a vários anos,
a terapia por captura de nêutrons é uma técnica pouco
divulgada no Brasil, afora um grupo muito específico de
especialistas. Este trabalho objetiva apresentar em uma
linguagem clara e compreensível até mesmo para o público
leigo, sem formação técnica específica, a história, os
fundamentos e as perspectivas desta terapia, que embora
ainda experimental tem sido objeto de crescente interesse
em diversos países, dentre os quais o Brasil.
II. HISTÓRICO
Após os trabalhos iniciais de Locher foram
realizados em 1941, estudos e experimentos de Terapia por
Captura de Nêutrons pelo Lítio e pelo Boro, em culturas de
células, ratos e cães, que mostraram regressão no número
das células tumorais. Isto provou a viabilidade científica de
se destruir tumores borados irradiando-os com nêutrons
térmicos.
Encorajados por esses resultados, entre 1951 e
1962, pesquisadores do Brookhaven National Laboratory
(BNL), em Upton, NY, chefiados pelo Dr. Lee Farr, e do
Massachusetts Institute of Technology (MIT) orientados
pelo Dr. Willian Sweet realizaram testes clínicos em cerca
de 40 pessoas, portadoras de tumores no cérebro. Foi
administrado um composto a base de Boro a 10 pacientes,
posteriormente irradiando-os com nêutrons no reator
nuclear a grafita de Brookhaven. Após a entrada em
operação do Brookhaven Medical Research Reactor
(BMRR) em 1959 e daí até 1961, outros 16 pacientes foram
tratados. No MIT, 18 pacientes foram tratados, utilizando o
reator MITR-1, entre 1961 e 1962. Não foram constatadas
melhorias mensuráveis e em muitos casos os pacientes
tiveram severas complicações.
Os resultados obtidos foram tão desanimadores
que as irradiações com pessoas foram abandonadas em
1962 e diversos pesquisadores perderam o interesse pelo
assunto. Este fracasso pode ser explicado basicamente por 2
fatores. O composto de Boro empregado na época,
Tetraborato de Sódio, um composto inorgânico, não
alcançava a seletividade necessária, isto é, o Boro não se
concentrava preferencialmente nas células tumorais, como
se é desejado. O outro fator que contribuiu para o insucesso
do tratamento se deve ao feixe de nêutrons emitido pelos
reatores do BNL e do MIT, predominantemente na faixa de
nêutrons térmicos, os quais têm uma profundidade de
penetração no cérebro muito curta. Isto eqüivale a dizer que
os nêutrons interagiam com as células mais à superfície da
cabeça e do cérebro, chegando portanto muito poucos
nêutrons até o tumor, localizado mais “no fundo” do
cérebro, ou seja, os nêutrons matavam as células sadias e
não as cancerosas. Apesar dos fracassos, alguns estudos
básicos em BNCT foram realizados nos Estados Unidos até
1994, ano em que os tratamentos clínicos foram reiniciados.
Após os resultados desanimadores nos Estados
Unidos, um neurocirurgião japonês, integrante das equipes
americanas, voltou ao Japão, onde deu continuidade aos
estudos de BNCT. O Dr. Hiroshi Hatanaka, continuou suas
pesquisas utilizando um novo composto de Boro, o BSH,
ou Borosulfilhidril - Na2B12H11SH. O Dr. Hatanaka iniciou
os seus testes clínicos no Japão em 1968, desde então 194
pacientes foram tratados de Glioblastoma (tumor nas
células gliais do cérebro), em 4 institutos de pesquisa
japoneses, utilizando-se de 5 diferentes reatores nucleares.
O Dr. Hatanaka conseguiu taxas de sobrevivência de seus
pacientes por mais de 5 anos (período no qual os médicos
consideram o paciente curado) de até 58%, conforme pode
ser verificado pela Fig. 1 [1] , enquanto que os resultados
com radioterapia convencional, quimioterapia e cirurgia
não passam de 3% (os melhores resultados obtidos foram
da Mayo Clinic em Minnesota, 5,7% de sobrevida após 5
anos). A taxa de sobrevivência média para pacientes com
Glioblastoma tratados de maneira convencional é de 8 a 14
meses, enquanto que se não tratados, não passa de 3 meses.
Outro japonês, o Dr. Yutaka Mishima utilizou a técnica de
BNCT em pacientes com Melanoma (mais letal forma de
câncer de pele), tendo sido já irradiados no Japão cerca de
23 pacientes, com resultados também animadores.
Os
excelentes
resultados
obtidos
pelos
pesquisadores japoneses, aliados aos avanços na engenharia
e física de reatores, química e biologia, ressuscitou o
interesse de pesquisadores de outros países e os estudos
sobre BNCT ressurgiram em todo o mundo. Em 1994, nos
Estados Unidos, o BNL recebeu aprovação do Food and
Drug Administration (FDA) para tratar de 28 pacientes com
Glioblastoma; a seguir em 1995, o MIT também foi
autorizado a realizar testes clínicos. Além dos EUA e
Japão, Inglaterra, Alemanha, Suécia, Rússia, Itália, Suíça e
Austrália, tem desenvolvido intensas pesquisas em BNCT.
Entre 1983 e 1996 foram realizados 7 Simpósios da
International Society for NCT, em diversos países, com o
número de participantes crescendo cerca de 10 vezes entre
o primeiro e o último evento.
Figura 1. Sobrevivência em Função do Tempo, para
Pacientes Tratados por BNCT no Japão.
III. GLIOBLASTOMA / MELANOMA
Nos EUA, todos os anos, mais de meio milhão de
pessoas morrem em conseqüência de todos os tipos de
câncer. Deste total de mortos, de 6000 a 8000 casos são de
tumores no cérebro, praticamente incuráveis. Outros 3000
são de melanoma (câncer de pele), que vem crescendo a
níveis alarmantes de ano a ano. Apenas pacientes com estes
dois tipos de câncer tem sido tratados com BNCT, nos EUA
e no Japão, por serem praticamente incuráveis, pelas
terapias convencionais. Apesar de ser ainda considerada
uma terapia experimental, praticamente todos os tipos de
câncer podem potencialmente ser tratados por BNCT.
Glioblastoma Multiforme e Astrocitoma são os mais
comuns e mais letais canceres cerebrais. Estes tumores são
caracterizados por “tentáculos” que crescem muito
rapidamente e se espalham pelo cérebro. Estes tumores são
muitas vezes inoperáveis e resistentes à radioterapia e
quimioterapia, que quando empregadas geralmente afetam a
capacidade mental dos pacientes. Se não houver uma
destruição de 99,9999% das células cancerosas, a
probabilidade de o câncer voltar é muito grande e a
penetração dos “tentáculos cancerosos” pelo cérebro torna
muito difícil esta eliminação quase total. Face à ineficiência
das terapias convencionais, cirurgia, quimioterapia e
radioterapia com raios gama, BNCT surge como a
alternativas para tumores cerebrais, bem como para o
melanoma, também não afetado pelas terapias
convencionais.
A história da Terapia por Captura Neutrônica está
intrinsecamente ligada ao Glioblastoma. O primeiro a
sugerir o uso de NCT para tratar este câncer foi Sweet em
1951. Este câncer afeta as células gliais do Sistema
Nervoso Central, que são as células que fornecem o suporte
físico-químico aos neurônios. Ao contrário destes, as
células gliais estão constantemente se multiplicando, fato
que explica a preponderância de tumores nas células gliais e
não nos neurônios.
IV. INTERAÇÃO BORO-NÊUTRON-CÉLULA
BNCT é uma técnica binária de tratamento do
câncer. Drogas contendo o elemento químico Boro-10
(10B), em sua fórmula são ministrados por via intravenosa
ou oral ao paciente. Esses compostos químicos a base de
Boro tem a propriedade de se acumular em quantidades
muito maiores nas células cancerosas do que nas células
normais, acarretando altas concentrações de 10B nos
tumores e baixa concentração nos demais tecidos sadios. O
paciente é então colocado em frente a um feixe de nêutrons
proveniente de um reator nuclear. Estes nêutrons tem uma
grande afinidade pelo Boro-10, “preferindo” reagir com os
átomos de Boro do que com qualquer outro átomo, ou
substância, ou célula do corpo humano. Como a maioria
dos átomos de Boro se encontra nas células tumorais, a
maioria dos nêutrons irá atacar as células cancerosas,
afetando muito pouco as células sadias.
O encontro do nêutron com o átomo de Boro,
provocará uma reação nuclear que resultará em um átomo
de Lítio-7 (7Li), e em uma partícula alfa (que corresponde
ao núcleo do elemento químico Hélio, He) - e em 94% das
reações haverá também liberação de raios gama - tal reação
é representada como, 10B(n,α )7Li, reação esta representada
na figura 2.
O resultado desta reação nuclear, partícula alfa e
átomo de Lítio, tem altas energias (2,3 MeV) e capacidade
de ionização, mas baixíssimo percurso no tecido; trocando
em miúdos, a partícula alfa e o átomo de Lítio destroem
parte da célula, matando-a, mas só conseguem percorrer
uma distância muito pequena, cerca de 14 micrômetros, ou
seja, da ordem do diâmetro de uma ou duas células,
matando deste modo somente a célula que continha os
átomos de Boro (que se concentram maioritariamente nas
células cancerosas) e talvez mais uma célula vizinha.
Vemos portanto que o dano causado pela radiação é
bastante concentrado sobre o tumor, afetando muito pouco
o tecido sadio próximo a ele.
As partículas alfa e 7Li, tem alta transferência de
energia e provocam um dano cerca de 8 vezes maior nas
células tumorais que se fossem empregados gamas, como
na radioterapia convencional. Podemos assim dizer que
BNCT “faz 8 vezes mais mal” às células do que a radiação
gama isolada. Outra vantagem é que a partícula alfa destroi
tanto as células que se reproduzem quanto as que não se
reproduzem, e os tumores geralmente apresentam grande
número de células inativas, que são fracamente afetadas por
outras radiações e quimioterapia.
A grande vantagem da BNCT sobre as outras
formas de radioterapia reside na característica dos
compostos de Boro se concentrarem preferencialmente nos
tumores. Este fator prevalece sobre as características do
feixe de nêutrons, na distribuição seletiva da dose de
radiação, pois embora o Boro tenha uma probabilidade de
reagir com o nêutron (seção de choque de 3840 barns)
muito maior que a dos outros elementos químicos presentes
na célula a grande quantidade de átomos de Hidrogênio e
Nitrogênio nas células, contribui significativamente na
captura dos nêutrons. Deste modo é fundamental que as
células tumorais retenham uma concentração de Boro muito
maior que as células sadias.
V. ENERGIA DO NÊUTRON
Nêutrons são partículas que juntamente com os
prótons formam os núcleos de todos os elementos químicos
existentes (exceto o isótopo 1 do Hidrogênio). Tem massa
de 1,67 x 10-27 Kg, ligeiramente superior à do próton, e
carga elétrica nula, não sendo portanto afetado por nenhum
campo eletromagnético.
Alguns elementos químicos, como por exemplo o
Urânio, emitem naturalmente nêutrons de seus núcleos.
Dentre as máquinas construídas pelo homem para produzir
nêutrons (fontes de nêutrons) podemos citar os aceleradores
de partículas e os reatores nucleares. Quando vários
nêutrons são emitidos juntos em uma direção em um
intervalo de tempo, dizemos que temos um feixe de
nêutrons.
A energia cinética que cada um desses nêutrons
carrega pode variar em uma larga faixa. Em um reator
encontram-se nêutrons com energias cinéticas de milésimos
de elétron-volts (eV), até milhões de elétron-volts (MeV).
Nêutrons com energias inferiores a 1 eV são ditos térmicos,
enquanto que na faixa de 1 eV a 20 KeV são chamados
epitérmicos. Para energias maiores os nêutrons são ditos
rápidos.
Quando atingem o corpo humano, esses nêutrons
vão colidindo com os átomos que formam os tecidos do
corpo, reduzindo sua energia e velocidade (por um processo
conhecido por Termalização) até que sejam absorvidos
pelos átomos de Boro que se fissionam produzindo Lítio
mais alfa ou por algum outro átomo do corpo. Quanto
maior a energia desses nêutrons, mais fundo eles penetram
no corpo humano antes de serem absorvidos. Nêutrons
térmicos penetram de 3 a 4 cm enquanto os epitérmicos
atingem cerca de 7 cm. Assim sendo, poderíamos atacar um
tumor que esteja situado a até 7 cm de profundidade no
corpo. Os nêutrons percorreriam os 6 cm iniciais, perdendo
energia, até serem absorvidos no tumor.
Teoricamente nêutrons rápidos poderiam ser
empregados para atingir tumores mais profundos. No
entanto, até o momento as pesquisas tem se limitado a
nêutrons térmicos e epitérmicos - nêutrons rápidos são
extremamente letais às células.
VI. COMPOSTOS DE BORO
Figura 2 - Reação 10B(n,α )7Li em Célula Tumoral
Como foi dito anteriormente o Boro desempenha o
papel mais importante na Terapia por Captura Neutrônica.
Três características principais lhe conferem este papel. Seus
compostos empregados em BNCT são: não tóxicos,
estáveis quimicamente, e não radiativos; segundo, são
capazes de se concentrar seletivamente nas células
tumorais; e finalmente, têm elevada seção de choque de
captura para nêutrons térmicos, isto é, grande afinidade
(probabilidade) para reagir com nêutrons de pequenas
energias.
O Boro é um elemento químico muito abundante
na natureza, onde convivem dois isótopos: o Boro-10, com
5 prótons e 5 nêutrons, e o Boro-11, com 5 prótons e 6
nêutrons. Substâncias contendo Boro já eram utilizadas no
Egito antigo pelos sacerdotes, que as empregavam na
conservação de cadáveres, as famosas múmias, graças às
suas propriedades antibióticas e fungicidas. Após a
Segunda Guerra Mundial os americanos empreenderam
grandes esforços e recursos na tentativa de sintetizar
Hidretos de Boro em larga escala, para ser utilizados como
combustível para foguetes e mísseis, uma vez que a
combustão desses hidretos libera aproximadamente o dobro
da energia liberada pela combustão de hidrocarbonetos
típicos, como a gasolina e o querosene [2] . Apesar de não
terem sido obtidos grandes resultados na utilização do Boro
como combustível, os conhecimentos obtidos nestes
trabalhos tornaram possíveis grandes avanços na sua
utilização pela medicina.
O aparecimento de compostos cada vez mais
eficientes tem permitido taxas de Boro nos tecidos sadios e
no sangue cada vez mais reduzidas, diminuindo assim os
efeitos da radiação em células sadias e nos vasos capilares.
O sangue em si não é o maior problema, uma vez que a
maior parte do sangue está circulando em outros locais do
corpo que não na parte que esteja sendo irradiada, além
disto as células sangüíneas são substituídas em pouco
tempo. Entretanto os efeitos da irradiação dos vasos
sangüíneos é um fator limitante do tempo de irradiação.
Atualmente dois compostos de Boro tem
apresentado os melhores resultados, quando utilizados para
BNCT. São o BPA (Borofenilalanina) e o BSH
(Borosulfilhidril). O BSH tem uma meia vida no tumor de
aproximadamente quatro horas e meia, ou seja, após este
intervalo de tempo só restará metade da quantidade inicial
de Boro no tumor, limitando também deste modo o tempo
de irradiação.
Na Europa e no Japão pesquisas utilizando BSH
tem sido realizadas, no entanto, alguns estudos indicam que
o BPA apresenta melhores resultados, para doses crescentes
de radiação e é este o composto preferido pelos principais
institutos de pesquisa norte-americanos. Diversos estudos
indicam que os compostos que apresentam melhores
resultados, do ponto de vista da mortalidade das células, são
os que se acumulam preferencialmente no núcleo das
células, em detrimento do citoplasma [3].
Os mecanismos bioquímicos e fisiológicos que
levam estes compostos de Boro a se concentrarem
preferencialmente nas células tumorais em detrimento das
células normais ainda não foram inteiramente
compreendidos. A compreensão de tais processos torna-se
extremamente importante, uma vez que se forem
conhecidos, novas drogas, cada vez mais específicas e
seletivas para os tumores poderão ser produzidas.
Vários outros compostos de alta especificidade
para células cancerosas, mais eficientes que o BPA e o
BSH, tem sido desenvolvidos e acredita-se que estarão
disponíveis dentro de poucos anos.
Experimentos realizados na Universidade do
Tennessee por Hubner, Kabalka e outros, [4,5] apresentaram
uma concentração de pico média de 3 para 1 partes de Boro
(BPA-F) no tumor em relação ao tecido sadio do cérebro.
Tal pico ocorreu 60 minutos após administrado o composto,
sugerindo assim ser este o tempo ótimo para se proceder à
irradiação.
Pacientes de melanoma tratados no MIT [6]
apresentaram concentração de Boro de até 3,5 para 1 das
células tumorais para as sadias e de 4 para 1 das tumorais
para as sangüíneas utilizando BPA. Resultados menos
significativos também foram obtidos, demonstrando grande
variabilidade da concentração, de paciente para paciente.
VII. TRATAMENTO NO JAPÃO E ESTADOS
UNIDOS
Nos EUA, dois institutos de pesquisa tem,
presentemente, autorização do FDA para utilizar BNCT no
tratamento de doentes com câncer, Glioblastoma e
Melanoma, somente. O MIT e o BNL . Após mais de três
décadas suspensos, os tratamentos clínicos recomeçaram
em Setembro de 1994. O primeiro voluntário, um homem
de mais de 60 anos com melanoma no pé, foi irradiado no
Reator de Pesquisas do MIT, deitado em uma mesa de uma
sala situada abaixo do núcleo do reator. A parte do pé
afetada pelo melanoma foi cuidadosamente posicionada sob
o feixe de 15 cm de diâmetro, de nêutrons epitérmicos.
Outros 2 pacientes foram tratados nesta primeira fase do
projeto do MIT [6] . A dose recebida foi de 1000 RBE cGy
sobre o tecido sadio. Nenhum dos 3 pacientes foram
anteriormente submetidos a outros tipos de tratamento.
Inicialmente os pacientes receberam uma dose de
400 miligramas de BPA por quilograma misturado em suco
de fruta, em duas doses. Amostras de sangue e de pele
(afetadas pelo câncer e não afetadas) foram retiradas, e após
o ajuste do planejamento e calibragem do feixe o paciente
foi submetido a uma dose de 250 RBE cGy
(aproximadamente 40 minutos de irradiação). Sinais vitais
foram medidos e nova amostra de sangue coletada, logo
após irradiação. Nos outros 3 dias o mesmo procedimento
foi realizado, totalizando uma dose 1000 RBE cGy no
tecido sadio.
Foi observada grande redução no tamanho do
melanoma além de dramática redução da dor em todos os
três pacientes. Não foram observadas reações alérgicas aos
compostos de Boro nem danos sobre os tecidos sadios,
causados pela radiação de nêutrons, mesmo após passados
17 meses. Para os próximos tratamentos pretende-se
aumentar gradativamente a dose até que efeitos devido à
radiação sobre o tecido sadio possam ser observados
(aumentos em steps de 25%). A dose empregada foi muito
baixa, por questão de segurança, em um primeiro
experimento com seres humanos).
Desde 1994 o BNL vem tratando pacientes com
câncer no cérebro, utilizando BNCT. Nenhum dano à
capacidade cerebral foi verificado, no entanto em quase
todos os pacientes o tumor, que inicialmente reduziu de
tamanho, recrudesceu após alguns meses. Novos
tratamentos utilizando doses maiores de radiação serão
realizados.
Os efeitos colaterais incluem: náusea, vômitos,
dores de cabeça, inchamento do cérebro, fraqueza
muscular, sonolência, apoplexia, perda de coordenação
motora, estupor, perda de memória, diminuição da visão,
alopecia, catarata, ulceração e necrose do couro cabeludo,
distúrbios de fala e audição, necrose de ossos do crânio e
em casos mais graves, coma e morte.
Apesar das baixas doses de radiação utilizadas,
tanto no MIT quanto no BNL, estes primeiros resultados
são muito melhores que os obtidos com as terapias
convencionais para esses tipos de câncer. Resultados mais
promissores são esperados à medida que as pesquisas
evoluírem.
No Japão diversos institutos realizam pesquisas e
tratamentos clínicos com BNCT. Dentre eles destacam-se a
Universidade de Kyoto, Japan Atomic Energy Research
Institute (JAERI), Universidade de Tsukuba, Universidade
de Kobe e Musashi Institute of Technology. Uma
craniotomia (cirurgia para retirar parte do couro cabeludo e
crânio) para permitir uma exposição direta do tumor aos
nêutrons térmicos é realizada antes da irradiação. Todo o
tratamento é realizado com o paciente anestesiado e leva
várias horas.
A técnica japonesa emprega somente nêutrons
térmicos nos tratamentos em seres humanos, embora
intensos estudos com nêutrons epitérmicos e hipertérmicos
estejam em andamento. Estes estudos visam evitar a
necessidade de se realizar a craniotomia, uma vez que os
nêutrons epitérmicos, com capacidade de penetrar mais
fundo no cérebro dispensaria esta traumática e arriscada
cirurgia.
VIII. FONTES DE NÊUTRONS E REATORES
MÉDICOS
Todos os casos de câncer tratados com BNCT
utilizam reatores nucleares (suas potências variam de 1 a 5
MWt) como fonte de nêutrons. Outras fontes de nêutrons
para uso em BNCT devem ser investigadas. Reatores
nucleares apresentam alguns inconvenientes tais como o
alto custo, o pequeno número de reatores adequados
disponíveis e a resistência da opinião pública à construção
de novos reatores em áreas urbanas.
Vários estudos de projeto e otimização de reatores
para uso exclusivo em BNCT tem sido feitos. Busca-se uma
fonte de nêutrons intensa e pura. Os reatores atualmente
utilizados nas pesquisas são como o próprio nome indica,
reatores de pesquisa. Não devem se restringir à utilização
terapêutica. Cada reator tem um espectro de energia único.
Isto torna alguns reatores, dentre as centenas existentes no
mundo, mais propícios para utilização em BNCT.
Dentre os reatores pesquisados para uso em BNCT
destacam-se os reatores TRIGA, pequenos, largamente
difundidos e bem compreendidos, com características de
segurança intrínseca, o que os torna adequados para uso em
hospitais ou outras instalações próximas a aglomerações
urbanas. Dentre os reatores TRIGA presentemente
utilizados para tratamento/pesquisas em BNCT podemos
citar os reatores do Musashi Institute of Technology
(Japão), Josef Stefan Institute (Eslovênia) e o VTT TRIGA
(Finlândia). Estão em estudos ainda diversos dispositivos
utilizando elementos combustíveis de TRIGA como por
exemplo o descrito na referência [7].
Uma fonte de nêutrons ideal para BNCT deve ter
um fluxo de nêutrons suficientemente intenso para permitir
que o tempo de exposição do paciente ao feixe seja inferior
à meia vida do composto de Boro no tumor, além disto,
quanto mais rápido for o tratamento, menos desconforto
para o paciente e maior número de pacientes podem ser
tratados, reduzindo assim o custo do tratamento. O feixe
deve ainda ser suficientemente filtrado de gamas e nêutrons
de energias indesejáveis. Para colimar o feixe, materiais
blindantes à base de LiF tem sido desenvolvidos. Filtros
feitos com alumínio, enxofre, água pesada, Lítio-6 e
Bismuto, colocados no feixe de nêutrons minimizam gamas
e nêutrons rápidos. Seria desejável ainda um mecanismo
acoplado ao feixe que permitisse o rápido
intercambiamento entre um feixe térmico e um feixe
epitérmico, a fim de otimizar o tratamento de acordo com o
quadro clínico de cada paciente.
Outras fontes de nêutrons para uso em radioterapia
tem sido estudadas. Fontes discretas, 241Am-Be, 241Am-B,
241
Am-F, 210Po-Be e 239Pu-Be, onde o elemento pesado
(Am, Po, Pu) emite partículas alfa, que são absorvidas pelo
elemento leve (Be, B, F) que por sua vez emite um nêutron.
O 251Cf também é um grande emissor de nêutrons, com
fluência da ordem de 109 n/s. Estas fontes são teoricamente
mais indicadas para braquiterapia.
Os LINACs, aceleradores lineares de partículas,
utilizam filtros para adequar a energia dos nêutrons às
faixas adequadas para o tratamento. Produzem um fluxo de
109 nêutrons /cm2 .s, no entanto, algumas dificuldade
técnicas ainda impedem a sua utilização para tratamento
médico. Apresentam a vantagem de serem compactos, de
custo relativamente baixo, baixa contaminação do feixe por
gamas, e facilidade de alocação em hospitais.
IX. SITUAÇÃO NO BRASIL
Segundo dados do Ministério da Saúde [8] , de 1981
a 1985, foram registrados um total de 531.000 casos de
todos os tipos de câncer. Isto dá uma média de 106.000
casos por ano. Deste total médio anual, a maior parte,
27.900 (26%), se refere a câncer de pele, sendo cerca de
1.100 casos especificamente de melanoma. Os casos de
câncer no cérebro (e outras partes do sistema nervoso
central) contam cerca de 900 casos anuais. Destes, cerca de
250 se referem ao Glioblastoma, o mais maligno dos
canceres cerebrais, já discutido anteriormente.
Considerando somente esses 2.000 casos oficiais
de melanoma e tumores cerebrais, e que todas as vítimas
sejam tratadas a um custo estimado em R$30.000,00 cada
uma, o gasto total é de R$60.000.000,00 (sessenta milhões
de Reais) ao ano no Brasil. Dinheiro gasto de maneira
ineficaz, uma vez que menos de 5% dos pacientes são
curados pela terapia convencional. Uma pequena parte
deste dinheiro seria suficiente para custear um programa
para o desenvolvimento de BNCT no Brasil. Este ganho
torna-se mais espantoso se levarmos em conta que a técnica
pode potencialmente ser aplicada a praticamente todos os
outros tipos de câncer, e não somente aos de cérebro e pele.
No Brasil, um grupo orientado pelo Dr. José
Rubens Maiorino do IPEN / CNEN em São Paulo, desde
1992, realiza estudos teóricos do projeto de um Reator de
Pesquisas e Aplicações Médicas (REPAM) que poderá ser
utilizado para estudos de BNCT [9]. Este reator que pode vir
a ser construído no Centro Regional de Ciências Nucleares,
CRCN/CNEN, em Recife, irá dispor de canais de irradiação
especialmente projetados para emitir um feixe de nêutrons
adequado para BNCT. Uma outra equipe orientada pelo
Prof. Dr. Tarcísio P. R. de Campos do Departamento de
Engenharia Nuclear da UFMG, em Belo Horizonte, realiza
também estudos pioneiros em BNCT. O Prof. Tarcísio
propõe acoplar a técnica de BNCT à Braquiterapia,
utilizando para isso fontes pontuais de nêutrons, tipo AmBe, que seriam introduzidas pelos orifícios naturais do
corpo humano até bem próximo do tumor. Neste caso, seria
utilizado um irradiador semelhante aos utilizados em
braquiterapia convencional como fonte de nêutrons, ao
invés de um reator nuclear. Já foram realizadas irradiações
em culturas de células cancerosas, um protótipo de
irradiador está em construção e alguns programas
computacionais para cálculo de isodose e controle do
irradiador estão sendo elaborados [10].
Um programa de pesquisa em BNCT deve levar
em conta: melhorias no feixe de nêutrons térmico e
epitérmico; controle e monitoração do feixe a fim de
assegurar que a dose recebida pelo paciente esteja dentro de
limites aceitáveis; métodos para quantificar a concentração
de 10B no tecido sadio, sangue e tumor; softwares para
planejamento do tratamento baseado no método de Monte
Carlo; estudos de toxicidade e biodistribuição dos
compostos de Boro; pesquisas básicas no desenvolvimento
e testes de novos compostos de Boro, Biologia e Física das
radiações; tecnologias para quantificar impurezas nos
compostos de Boro; fornecimento de compostos de Boro
em quantidades que atendam às necessidades do país;
técnicas de visualização (PET, espectroscopia, etc.); fontes
de nêutrons; testes em animais; cooperação internacional e
aprovações das autoridades competentes.
Quando todas as dificuldades técnicas estiverem
solucionadas, BNCT representará uma tremenda conquista
da ciência e particularmente, uma demonstração do poder e
dos inegáveis benefícios que a energia nuclear pode
proporcionar à humanidade.
[3] Solares, G. R.; Zamenhof, R. G.; A Novel Approach
to the Microdosimetry of Neutron Capture Therapy.
New England Medical Center Hospital and the Tufts
University School of Medicine.
REFERÊNCIAS
ABSTRACT
[1] Nakagawa; Recent Study of Boron Neutron Capture
for Brain Tumors; Procedings of the First International
Conference on Acelerator-Based Neutron Source for
BNCT; U.S. Department of Energy, 1994.
This paper reports a new cancer teraphy named
Boron Neutron Capture Therapy (BNCT). Initialy a
historical description about the development of the therapy
is showed. After, comments about the following topics:
Boron compound, neutrons and cells interaction,
Gliobastoma and Melanoma kind of cancers, american and
japanese concept of trial, neutron sources and medical
reactors, and neutron energy. Finally the brazilian status is
described and some suggestions are presented.
[2] Hawthorne, F. M.; From Mummies to Rockets and
on to Cancer Therapy; UCLA.
[4] Reddy, N. K.; Kabalka, G. W.; Longford, C. P. D.;
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