MONTAGEM DE UM PROTÓTIPO DE CÉLULA COMBUSTÍVEL MICROBIANA UTILIZANDO URINAS HUMANA E BOVINA EM SOLO DE DIFERENTES FAIXAS DE PROFUNDIDADE Jéssica Sardá ALBERTON1, Letícia Mânica Ferreira GOMES1, Matheus Felipe Rocha Ferraz BELO1, Pâmela Eduarda de OLIVEIRA1, Willian Enoré do ESPÍRITO SANTO1, Elder Mantovani LOPES2, André Luis Fachini de SOUZA2. 1,2 Instituto Federal Catarinense (IFC) - Campus Araquari – Curso Técnico em Química, 2Orientadores Introdução O desenvolvimento econômico e industrial é sustentado principalmente pelos combustíveis fósseis, trazendo a preocupação para a escassez desses recursos e a preservação ambiental, o que acarreta na necessidade de alternativas para a geração de energia que preserve o meio ambiente, mas que continuem viabilizando o desenvolvimento (SERPA, 2004). Nesse cenário, novas opções de energia sustentável têm sido sugeridas, uma delas na área da bioenergia, as Células Combustíveis Microbianas (CCMs) (TELEKEN, 2013). A descoberta de que o metabolismo microbiano pode gerar energia na forma de corrente elétrica tem levado a um crescente interesse no domínio da tecnologia da CCM, que parece representar uma alternativa para a geração de energia elétrica, atualmente ainda em baixa escala (DAVIS, 2007). Além de produzir energia, as CCMs também apresentam o potencial de contribuir para biorremediação, pois são capazes de degradar matéria orgânica de origens diversas (MOREIRA e SIQUEIRA, 2006) Dessa maneira, este trabalho propõe a montagem e estudo de um protótipo de CCM utilizando solos de diferentes faixas de profundidade como agente fornecedor de bactérias e urinas humana ou bovina como substratos. Material e Métodos Um protótipo de CCM foi montado a partir de garrafas “PET” de formato cilíndrico, com 7 cm de altura e 6 cm de diâmetro. O ânodo e o cátodo foram constituídos por bastões de grafite (carbono), ambos tendo a mesma área superficial, os quais foram separados por uma amostra de solo (~180 cm3). O circuito externo foi constituído por fios de cobre conectados aos eletrodos e a um multímetro (Figura 1). (4) ( (2) (6)( (1) ( Solo (mata nativa do IFC Araquari) Superficial (0 – 20 cm) Médio (21 – 40 cm) Profundo (70 – 90 cm) ( Solo (5) ( Substrato Água (controle) Urina humana Urina bovina (3) ( Figura 1 – Desenho esquemático do protótipo de CCM e composições montadas nesse trabalho. (1) cuba principal confeccionada com garrafa PET; (2) parte superior da cuba, a qual permanecerá aberta para suplementação com urina ou água (controle) e saída de gases (CO2 e/ou outros gases oriundos do metabolismo microbiano); (3) ânodo – eletrodo de carbono; (4) multímetro digital; (5) amostra de solo, que servirá como ponte salina e fonte de microrganismos e (6) cátodo – eletrodo de carbono. Como meios fornecedores de bactérias foram utilizadas amostras de solos coletadas na área de mata nativa do IFC – Campus Araquari. Para isso foram padronizadas faixas de profundidade: de 0 cm a 20 cm, solo superficial; de 21 cm a 40 cm, solo médio; e de 70 cm a 90 cm, solo profundo. Do solo coletado foram removidas manualmente as partículas maiores (galhos, folhas, pedras, etc.). O solo serviu também como ponte salina, conectando um eletrodo ao outro (FOGAÇA, 2015). O monitoramento da geração de energia em cada configuração de CCM foi feito por meio da leitura da diferença de potencial (ddp) entre os eletrodos. Essas leituras foram realizadas diariamente, durante um período total de 10 dias. As amostras de solo foram suplementadas com água destilada (experimento controle), urina humana e urina bovina. O volume acrescentado em cada amostra foi de aproximadamente 20% do volume total de solo da amostra (~36 mL). A CCM só foi suplementada novamente com urina ou água quando o solo se encontrava aparentemente ressecado. Todos os experimentos foram conduzidos em temperatura ambiente (~25°C) e em triplicata. O número total de bactérias nas CCMs foi determinado a partir da tomada de uma amostra de 1 g de solo, seguido da ressuspensão em 10 mL de solução salina (NaCl 0,9% (p/v)) e diluições seriadas. As diluições 10 -2 e 10-3 foram semeadas em meio de cultivo ágar nutriente (GREENBERG, TUSSELL e CLESCERI, 1985) e incubadas a 30 °C por 24 horas. As colônias aparentes no meio de cultivo após a incubação foram contadas e representadas como unidades formadoras de colônia (UFC) por grama de solo levando-se em consideração a diluição. Para ensaios de coloração de Gram, o ânodo das CCMs foi raspado superficialmente com o objetivo de coletar o biofilme de bactérias. Parte do biofilme coletado foi semeado em meio ágar nutriente e incubado a 30 °C em condições anaeróbicas (jarro de anaerobiose) e parte em condições aeróbicas. Após 24 h de incubação as bactérias crescidas foram analisadas por coloração de Gram (ZENEBON, 2008). Resultados e discussão Para melhor compreensão dos resultados, os solos suplementados com urina humana foram classificados como solo superficial (SSH), solo médio (SMH) e solo profundo (SPH). Já os solos suplementados com urina bovina foram classificados como solo superficial (SSB), solo médio (SMB) e solo profundo (SPB). Para cada composição de CCM testada, o ensaio controle foi suplementado com água destilada. A análise dos resultados revelou que a amostra SSH apresentou os maiores valores de tensão ao longo do experimento, alcançando aproximadamente 400 mV em 9 dias (Figura 2-A). Figura 2- Variação da ddp (mV) em função do tempo de operação das CCMs. Suplementação com urina humana: solo superficial - SSH (A); solo médio - SMH (B); solo profundo - SPH (C). Suplementação com urina bovina: solo superficial - SSB (D); solo médio - SMB (E) e solo profundo - SPB (F). Nas demais composições testadas, a tensão observada não ultrapassou 300 mV. Entretanto, quando se comparou as condições testadas com o controle (água) observouse que, de maneira geral, o controle apresentou um melhor desemprenho a partir de 5-6 dias de experimentação, quando comparado às CCMs suplementadas com urina humana (Figura 2). Nos experimentos suplementados com urina bovina, observou-se que em SSB a tensão foi muito baixa, ultrapassando pouco mais de 100 mV, apenas no quarto dia, se mantendo durante todo o experimento abaixo do controle (Figura 2-D). A SMB foi a única composição onde a tensão gerada pela suplementação com urina bovina superou a da água por um período de tempo maior. Entretanto, a SMB e SPB apresentaram valores de tensão similares aos valores obtidos a partir do controle (Figura 2-E e F). Desta forma, os dados obtidos destes experimentos sugerem que as urinas humana e bovina podem estar, de alguma forma, inibindo as bactérias eletroativas. Para verificar essa hipótese, foi determinado o número de bactérias presentes em amostras de solos das CCMs suplementadas com urina bovina e seu respectivo controle (água). Os resultados apontaram que o solo suplementado com a urina bovina apresentou níveis maiores de unidades formadoras de colônias (UFC) de bactérias, quando comparado ao solo suplementado com água. O protótipo SSB apresentou o maior valor de UFC (~2,5×107/g), porém foi o sistema que apresentou menores valores de tensão. Esses dados corroboram com a hipótese de a urina inibir o desenvolvimento de bactérias eletroativas e favorecer o desenvolvimento de outras espécies de bactérias. Na sequência, foram analisados os biofilmes dos ânodos dos protótipos de CCMs suplementados com urina bovina e seu respectivo controle (água), revelando uma quantidade maior de bactérias anaeróbicas. A coloração de Gram mostrou que essas bactérias possuíam morfologia semelhante a cocos e bastonetes, com a ampla predominância de Gram-negativas, mais comumente relatadas como eletroativas (RANCHINSKI, 2010). A comparação das diferentes faixas de profundidade de solo mostrou que as CCMs contendo água foram semelhantes. Já os sistemas contendo urinas humana e bovina têm comportamentos opostos. Enquanto o solo superficial é mais propício para a urina humana, na urina bovina ele é o menos favorável (Figura 2). O solo superficial apresentou melhor desempenho geral, pois em porções mais profundas é mais provável a presença de bactérias anaeróbicas devido à baixa tensão de oxigênio. Essas bactérias podem fazer respiração anaeróbica ou fermentação, sendo as fermentativas menos eficientes para CCMs (RANCHINSKI, 2010). Conclusão Tendo em vista o objetivo desse trabalho, foi construído um protótipo de CCM operado com solos de diferentes profundidades e suplementados com urinas humana e bovina. A análise das diferentes configurações de CCMs revelou que todas as células apresentaram uma ddp entre os eletrodos (15 mV à 600 mV), com aparente efeito inibitório da urina sobre a eletroatividade dos microrganismos e um melhor desempenho quando operado com solo superficial (0 – 20 cm) e urina humana. Nesse contexto, estudos mais aprofundados relacionados à necessidade energética das bactérias eletroativas, assim como a utilização de isolados bacterianos eletroativos são necessários para a otimização e o aumento da ddp gerada. Referências DAVIS, F.; HIGSON, S.P.; Biosens. Bioelectron. 2007, 7,1224-35. FOGAÇA, J. Função da ponte salina em uma pilha. Disponível em: < http://www.brasilescola.com/quimica/funcao-ponte-salina-uma-pilha.htm>. Acesso em: 31 Maio 2015. GREENBERG, A.E., TRUSSELL, R.R. e CLESCERI, L.S. (Eds.), Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 16 ed., APHA, Washington, D.C., 1985. MOREIRA, F.; SIQUEIRA, J. Microbiologia e Bioquímica do Solo. 2 ed. atual. e ampl. Lavras: Editora UFLA, 2006. RACHINSKI, S. Uso de Subprodutos da Indústria Agropecuária na Geração Elétrica Através de Células Combustíveis Microbianas. 74f. Química, Universidade Federal do Paraná, 2014. SERPA, L. Estudo e implementação de um sistema gerador de energia empregando células a combustível do tipo PEM. 208 f. Dissertação (Mestrado) - Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Santa Catarina, 2004. TELEKEN, J. Modelagem matemática da geração de corrente elétrica em uma célula combustível microbiana inoculada com microrganismos marinhos. 105 f. Dissertação (Pós-Graduação) - Engenharia de Alimentos, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013. ZENEBON, O.; PASCUET, N. S.; TIGLEA, P. Métodos Físico-químicos para análise de alimentos. São Paulo: Instituto Adolfo Lutz, 2008. 1020 p.