PLANTAS VIAJANTES O LEGADO DO NOVO MUNDO José E. Mendes Ferrão Rui Manuel Loureiro * Texto Publicado originalmente o Catálogo da Exposição Plantas Viajantes ­ Cores e Sabores do Novo Mundo que decorreu no Centro Cultural de Lagos em 2006 A agricultura portuguesa era, no inicio da nacionalidade, pobre e primitiva. Assentava num número muito limitado de plantas, a maioria das quais, e talvez as mais importantes, havia chegado ao território em épocas mais ou menos longínquas, trazida pelos povos invasores vindos do norte e do leste, ou atingindo o território por via marítima. Entre as plantas endémicas do solo português, o sobreiro e a azinheira representavam um lugar importante na alimentação, porque os seus frutos, inteiros ou reduzidos a uma farinha grosseira, entravam em percentagem elevada no sustento de populaçães e animais. Pelo norte e pelo Mediterrâneo chegaram­nos os cereais praganosos de sequeiro – o trigo, a cevada, o centeio e a aveia, não necessariamente por esta ordem, que ocuparam grande parte dos terrenos agrícolas no período do Outono ao principio do Verão. Pelo Mediterrâneo, os fenícios, gregos, romanos e árabes trouxeram­nos a vinha e a oliveira, bem como diversas outras fruteiras – figueira, amendoeira, pessegueiro; e ainda outras plantas que, embora não sendo originárias da zona mediterrânica, já aí eram conhecidas e cultivadas, como o arroz, citrinos, bananeira e cana­do­açúcar. A alimentação portuguesa, que nos primeiros tempos seria pobre e pouco diversificada, assentaria nos produtos de produção local, complementados pela carne e peixe, sempre que as condições económicas o permitiam. O mar já nesse tempo era complemento da economia portuguesa. O peixe fresco não sairia do litoral, o peixe salgado penetraria no interior, mas a costa portuguesa dispunha de várias instalações de salga que garantiam uma exportação importante de peixe salgado. A terra era pobre, a agricultura era uma actividade pouco dignificada, os campos estavam mal aproveitados, os alimentos não seriam abundantes e, muito menos, excedentários. Alguns reis procuraram dinamizar o sector agrícola e tirar partido dos recursos existentes: D. Dinis, para defender os campos próximos do mar do avanço das areias, mandou secar pântanos e criar feiras e mercados; e D. Fernando, com a lei das Sesmarias, combateu ou, melhor dizendo, tentou combater a vadiagem e cultivar os campos incultos ou mal aproveitados. Foi nesta situação de agricultura pobre e pouco diversificada que se iniciou a expansão portuguesa com as primeiras viagens de descobrimentos. Outro caminho não seria viável, como se compreende. A procura de alimentos, nomeadamente de cereais, constitui uma das diversificadas motivações dos descobrimentos. As referências implícitas ou explicitas ao interesse dos portugueses pelos cereais são inúmeras e esclarecedoras nos nossos primeiros cronistas. A cana sacarina impõe­se como cultura de rendimento nas novas terras descobertas (arquipélagos atlânticos e Brasil). O açúcar era na Europa um produto raro e caro, ‘fabricado’ na Sicília, e passando o seu comércio maioritariamente pelas cidades italianas do Mediterrâneo, trazendo­lhes grande prosperidade. Os navegadores levavam consigo sementes e propágulos das plantas que conheciam, para garantirem a sua própria sobrevivência e para saberem em que medida se adaptavam às novas terras descobertas. Este esforço foi notável e utilitário, não podendo considerar­se entre aqueles que menos terão motivado os descobrimentos ou terão tido menos peso nas consequências deles. Assim, para além dos cereais e da cana sacarina, os portugueses experimentaram nas novas terras as plantas alimentares, hortícolas e frutícolas, que conheciam. Com umas tiveram sucesso total; com outras apenas parcial, quando as plantas se desenvolviam bem mas não frutificavam; e com outras houve completo insucesso, como era natural admitir­se, principalmente por razões de ordem ecológica. Os cronistas da época referem a introdução em Cabo Verde, São Tomé, Costa Africana e Brasil de laranjeiras, limoeiros e «outras árvores de espinho», figueira, alfarrobeira, oliveira, amendoeira, romãzeira, vinha e «hortaliças diversas», entre aquelas que faziam parte de longas e pormenorizadas listas e que muito influenciaram a agricultura e a alimentação dos povos onde foram introduzidas. Mas, naturalmente, os portugueses encontraram nas novas terras plantas que desconheciam, resultantes de novas condições ecológicas ede inter­comunicações já realizadas entre os povos aí existentes, quando existiam, cujos usos procuraram conhecer: umas alimentares; outras medicinais, que tanto procuravam para remédio de doenças que na Europa não haviam cedido aos remédios conhecidos (drogas); outras ornamentais; e outras ainda fornecedoras de matérias­primas industriais, como os corantes (anil, urzela, pau­brasil). Algumas outras não foram capazes de avaliar, numa primeira análise, para que poderiam servir, mas trouxeram­nas porque as populações locais as utilizavam ou as tinham em grande conta, ou porque representavam provas concretas que traziam do ‘achamento’ de novas terras. Certas plantas vieram sob a forma de propágulos que poderiam não suportar, viáveis, tantos dias de viagem; de outras traziam sementes; e de algumas o poder germinativo perdeu­se com o tempo e chegaram a Portugal inviáveis. Assim, em paralelo com estas acções, era costume deixar em pontos estratégicos, ou estações intermédias, como as ilhas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, habitualmente tocadas pelas armadas que iam e vinham de Portugal, parte dessas sementes ou propágulos, que aí se reproduziam e multiplicavam, e outra armada completaria a viagem, assim dividida em etapas. Quer as plantas que foram de Portugal para as regiões tropicais quer aquelas que seguiram percurso inverso, tiveram de encarar situações ecológicas diversas, pelo que nem todas se adaptaram; mas algumas das que o conseguiram produziram autênticas revoluções na agricultura e na economia das regiões onde foram introduzidas. Já mais fácil foi trocar plantas entre Continentes à mesma latitude, e muitas foram do Oriente para a América e África e vice­versa, sendo que algumas destas também influenciaram decisivamente a economia e a alimentação das regiões onde foram introduzidas e mais ou menos rapidamente cultivadas. Nesse aspecto é notável referir a contribuição reduzida dada pela costa ocidental africana ao sul do Sara em plantas que se trocaram entre continentes. Ainda baseia em plantas que foram quase todas introduzidas pelos portugueses, a maioria vinda do continente americano. Este facto é tão surpreendente que vários estudiosos nestas matérias, como por exemplo o Conde de Ficalho, se interrogavam como se alimentariam os habitantes desta vasta região antes de lá chegarem as plantas que os portugueses lhes levaram. O contacto dos portugueses com o Oriente não lhes trouxe plantas novas adaptadas às zonas temperadas, uma vez que a maior parte das plantas cultivadas na Europa são de origem asiática e chegaram às nossas latitudes trazidas pelas migrações dos povos que vieram precisamente de regiões orientais. Foi no continente americano que os europeus encontraram um maior numero de plantas de que tiraram imediatamente partido; foi do continente americano que se trouxeram aquelas que mais profundamente modificaram o panorama agrícola e alimentar do mundo, como o «milho americano», a batata­doce, a batata, e a mandioca; foi do continente americano que saiu a maior soma de plantas que percorreu o mundo após a chegada dos europeus. Algumas delas foram grande vedetas logo nos primeiros tempos e a sua difusão pelo mundo realizou­se a uma velocidade fantástica, tendo em conta os meios da época; outras foram aceites de forma mais moderada e a sua dispersão pelo mundo levou séculos a concretizar­se; outras chegaram ao nosso tempo sem terem merecido grande atenção fora das suas áreas de origem. Sabia­se que existiam, conheciam­se os seus méritos mas ainda não tinha chegado, ou ainda nem sequer chegou, a grande oportunidade da sua difusão. * * * * * * * Apresentam­se de seguida breves notas sobre algumas das principais plantas de origem americana difundidas pelo mundo após a chegada dos europeus ao Novo Mundo, centrando as referências na cultura das plantas e na forma como os seus produtos entram na alimentação local, nos circuitos regionais e na industrialização. Para a arrumação destas plantas podem seguir­se vários critérios, todos discutíveis. Respeitar­se­ão alguns que pareceram mais práticos e utilitários, tendo em conta as plantas escolhidas. 1) Plantas de maior impacto agrícola e económico­social: milho americano, mandioca, batata­doce, batata, cajueiro, tomateiro, cacaueiro, girassol, tabaco, ananaseiro. 2) Plantas de maior impacto na agricultura europeia: milho, batata, tomateiro, abóboras, feijoeiros, girassol, tabaco, pimentos. 3) Plantas de maior influência na alimentação humana nos trópicos: mandioca, batata­doce, milho. 4) Fruteiras americanas mais rapidamente difundidas: ananás, abacateiro, papaeira, goiabeira, maracujaseiro. 5) Plantas que se supõe terem sido difundidas mais rapidamente: milho, tabaco, batata­doce, papaeira, amendoim, ananaseiro, anato. ABACATEIRO (Persea americana Mill.) Originário da América, duma vasta região compreendendo o sul da América do Norte, a América Central e o norte da América do Sul, desde o nível do mar até zonas de altitude, o que fez criar formas ou tipos com características distintas, nomeadamente sensibilidades diferentes às baixas temperaturas. São árvores de pequeno e médio porte, de folhagem persistente e densa, que sempre foram muito estimadas pelas populações nativas americanas. Aos seus frutos atribuem­se propriedades afrodisíacas e de aumento da virilidade e à infusões das suas folhas propriedades medicinais diversas. Parece que os europeus não terão apreciado muito o fruto, que não é açucarado. O naturalista espanhol Francisco Hérnandez escreveria na década de 1570: «É árvore grande com folhas como de limoeiro, mais verdes, mais largas e mais ásperas; de flor pequena, branca e amarela; de fruto em forma de ovo [...], negro por fora, esverdeado por dentro, de natureza gordurosa, como a manteiga, e sabor a nozes verdes». Há referências da chegada desta planta a Espanha em 1601. Só pelos fins do século XIX se começou a difundir realmente a cultura do abacateiro, logo que se conheceram melhor as suas altas qualidades nutritivas, devido ao alto teor de gordura e de vitaminas liposolúveis na polpa do fruto. O abacate passou a ser valorizado pelo seu valor nutritivo, estando hoje o seu consumo amplamente difundido. Como complemento do consumo em fresco, e tendo­se verificado que o óleo da polpa, além de alimentar tem propriedades muito interessantes na área de protecção da pele, passou a integrar quase todos os produtos de beleza. AMENDOIM (Arachis hypogaea L.) O amendoim, originário da América do Sul, é referido por Cristóvão Colombo no diário da sua primeira viagem, onde lhe chama «junça avelanada». Nicolás Monardes, naturalista espanhol, escrevia por volta de 1570 que «é fruto saboroso e de bom gosto, que no sabor se assemelha a avelãs». Já era muito conhecido e utilizado no Brasil antes da chegada dos portugueses. Gabriel Soares de Sousa, um tratadista português do século XVI, refere­se­lhe com muito pormenor: «é coisa que se não sabe haver se não no Brasil»; e curiosamente escreve, por má observação, que os amendoins «nascem nas pontas das raízes». Essa mesma má observação da planta encontramos no desenho de Frei Cristóvão de Lisboa, outro observador português seiscentista da flora americana, que apresenta frutos nos ramos, conjuntamente com frutos junto das raízes (mas não nas raízes). Este autor não dá ao amendoim grande importância como planta alimentar, mas recomenda­o «para quem tiver perna ou braço quebrado, pisando­os verdes e pondo­os em riba da quebradura, solda muito bem». Foi introduzido em África pelos portugueses, começando possivelmente pela região da Guiné. Alguns autores defendem que a introdução do amendoim em África terá sido feita pelos negreiros para alimentarem os escravos durante as suas penosas viagens entre África e a América, mas há referências mais antigas. Os portugueses difundiram o amendoim por todo o Oriente, chegando mesmo até à China logo nas primeiras décadas do século XVI. O amendoim constitui hoje uma cultura de enorme importância mundial, quer para alimentação, pois é rico em vitaminas, quer como matéria­prima para a extracção de óleo alimentar, quer para a preparação da manteiga de amendoim (peanut butter). ANANASEIRO (Ananas comosus L.) Originário do núcleo central do continente sul­americano, onde ainda hoje se encontram formas silvestres, nomeadamente no nordeste brasileiro. Já era cultivado e muito estimado na América Central em épocas pré­colombianas, e dele dão os cronistas antigos descrições muito pormenorizadas, nomeadamente quanto ao aspecto do fruto, que surpreendeu a maior parte dos europeus pelo seu sabor e perfume e pela coroa com que está ornado. O próprio Colombo fala do ananás num dos seus escritos, escrevendo em 1493 que na ilha de Guadalupe «havia uma espécie de alcachofras, mas quatro vezes mais altas, que davam uma fruta em forma de pinha, mas duas vezes maior, a qual é excelente, podendo cortar­se com uma faca tal como um nabo; parece que é muito saudável». As características de aroma e sabor que o fruto exibe, a estima que as populações nativas lhe davam e as diversas utilizações em que o empregavam, nomeadamente como fruto fresco, como fruto produtor de sumo para fermentar e como medicinal, devem ter dado ao ananás, desde logo, uma importância muito grande entre as novas plantas encontradas pelos europeus na América. Pêro de Magalhães de Gândavo, um dos primeiros escritores portugueses a descrever as terras brasileiras, fala de «uma fruta [que] se dá nesta província do Brasil muito saborosa e mais prezada de quantas há na terra». Portugueses e espanhóis difundiram o ananaseiro muito rapidamente e de uma forma muito intensa. Há referências à introdução do ananaseiro pelos portugueses logo em 1506 na ilha de Santa Helena e poderá ter chegado à Índia por volta de 1518, de imediato se espalhando por outras regiões asiáticas. ANATO (Bixa orellana L.) O anato é de origem americana, oriundo de uma vasta área que se estende da Guiana às terras brasileiras da Bahia. É o urucú dos brasileiros e o quisafú dos santomeses. Os portugueses, como se lê na célebre carta escrita por Pêro Vaz de Caminha em 1500 a el­Rei D. Manuel I, verificaram que a planta já tinha grande importância no contexto social local da Terra de Vera Cruz. Como refere este documento, «os índios traziam alguns deles ouriços verdes de árvores que na côr queriam parecer de castanheiros». Esses ouriços «eram cheios de uns grãos vermelhos pequenos que esmagando­os entre os dedos, fazia tinta muito vermelha de que eles andavam tintos». A matéria corante, extraída do arilo da semente, utilizavam­na os índios brasileiros não só para pintarem o corpo, especialmente precedendo grandes cerimónias, mas também para corarem as moringas (vasos de barro), os tecidos e os alimentos. Era considerada também um remédio contra queimaduras e um repelente para insectos. Não admira que, desde logo, os portugueses dessem importância à planta e sobretudo à matéria corante, não só pela estima que recebia das populações locais, mas também pela enorme importância económica que os produtos corantes então detinham. É muito possível que esta matéria corante fosse trazida desde logo para a Europa. Frei Cristóvão de Lisboa apresenta um desenho da planta e nos seus apontamentos refere que os naturais do Maranhão «a estimam tanto como as mulheres em Portugal estimam o vermelhão», o que dá uma ideia da sua já possível utilização na Europa, como produto de beleza feminina. Não se sabe em que época se difundiu a planta que hoje é muito frequente em todas as regiões tropicais, não só como produtora de matéria corante mas principalmente como ornamental para vedações e sebes. O corante também pode ser utilizado para corar pratos de arroz. Nos países industrializados, da matéria­prima extraem­se dois corantes, de grande utilização na indústria alimentar, porquanto, além de eficientes, se têm revelado inócuos. Usam­se muito em margarinas, queijos, molhos diversos e até nas rações para aves, por comunicarem à carne e à gema dos ovos uma acentuada coloração amarela. ANONEIRAS (Annona spp.) A maior parte das espécies de anoneiras que tem expressão relevante como produtoras de frutos comestíveis são de origem americana, quase todas da América Central, incluindo as Caraíbas, algumas delas das terras montanhosas e mais frescas da América do Sul. A maioria das espécies, senão a totalidade, já se encontrava muito dispersa e os frutos eram muito utilizados em épocas pré­colombinas. As anonas são no geral frutos muito perfumados, ricos em sumo e muito saborosos. Os naturalistas espanhóis do século XVI descrevem­na amiúde, nomeadamente o padre José de Acosta, que em 1590 referia: «A anona é do tamanho de uma pêra grande [...], todo o interior é branco e tenro como manteiga, e doce, e de um gosto muito requintado». E acrescentava: «segundo o juízo de alguns, é a melhor fruta das Índias». Não há referências à sua existência no Brasil, sabendo­se que pelo menos algumas espécies foram introduzidas pelos portugueses em épocas já relativamente recentes. A Annona muricata L., a graviola ou gravoleira, encontra­se hoje muito difundida em todo o mundo tropical. O sumo é utilizado em sumos e gelados. A Annonna cherimola Mill., a cherimolia ou anona da Madeira, é de polpa firme e agradável, facilmente adaptável nos climas temperados. A Annona squamosa L., fruta­pinha ou ateira, é das mais saborosas e difundidas. Pode dizer­se que não há quintal nos trópicos onde não exista uma anona desta espécie. Os frutos são de conservação difícil. Conhecida na Índia desde 1627, chamam­lhe ‘jaca de Manila’, o que faz admitir que a introdução terá sido feita no Oriente pelos espanhóis. A Annona reticulata L., conhecida na Índia como ‘jaca dos portugueses’, leva a supor que teria sido por eles introduzida. As anonas, apesar de darem frutos de excelente qualidade, de polpa fina e sabor agradável, não têm conseguido conquistar os mercados das zonas temperadas por dificuldades de conservação. BATATA­DOCE (Ipomea batatas L. ) Originária de uma região muito vasta, que se estende desde a Península do Iucatão ao norte até ao sul do rio Orinoco, compreendendo o território da Colômbia, Equador e norte do Peru. Não admira que se tivessem diferenciado, em área tão vasta, tipos de características morfológicas e produtivas algo diferentes. Os espanhóis já encontraram a batata­doce cultivada na América Central e ela fez parte das provas de achamento de novas terras que Colombo trouxe aos Reis Católicos ao regressar do Novo Mundo. José de Anchieta, religioso jesuíta que missionou no Brasil no século XVI, refere a existência da batata­doce naquele território americano, onde as raízes tuberosas «se comem assadas ou cozidas, são de bom gosto, servem de pão a quem não tem outro»; e Gabriel Soares de Sousa, que foi um conhecido e progressivo agricultor em terras brasileiras na mesma época, chama a atenção para a facilidade com que a planta se reproduz, porquanto sendo «naturais da terra se dão nela de tal maneira que onde se plantam uma vez nunca mais se desinçam». Reconheceram­ ­lhe os portugueses boas características alimentares e até de alimento fresco, e devem ter providenciado para uma sua difusão imediata. Em 1538 a cultura da batata­doce já estava instalada nos Açores, nomeadamente na Terceira. De acordo com um anónimo escritor português quinhentista, as raízes parecem­se «com inhame e tem quase o sabor de castanhas». Na segunda metade do século XVI já há referências à cultura da batata­doce nalguns países do continente europeu, nomeadamente Portugal, Espanha e Itália. No que diz respeito à introdução em África, refira­se que antes de 1550 já um anónimo piloto português citava a sua existência em São Tomé, onde a população a aceitou bem, «fazendo dela o principal sustento». Ao Oriente a batata­doce chegou por dois caminhos diferentes. Um, o dos portugueses, que levaram a partir do Brasil, através do Atlântico e do Índico, os clones antilhanos, que passaram da Índia à Indonésia, à China e ao Japão. Outro, o dos espanhóis, que levaram para o Oriente os clones mexicanos pelos galeões de comércio que faziam ligações entre o porto mexicano de Acapulco e a cidade de Manila, nas Filipinas. BATATEIRA (Solanum tuberosum L.) A batateira é originária da América do Sul, das terras altas andinas, possivelmente do Chile à Colômbia, onde, em regiões de elevada altitude, ainda hoje é possível encontrar formas silvestres. Só no Peru conhecem­se cerca de dez mil cultivares de batateira. O tubérculo desta planta já era muito utilizado pelas populações, americanas antes da chegada dos europeus. Admite­se também que os portugueses já teriam encontrado a batateira cultivada no Brasil, possivelmente em regiões mais frescas. O vocábulo batata já é utilizado por cronistas ibéricos do século XVI e de uma análise dos textos parece poder concluir­se que se refeririam a esta solanácea. É curiosa a expressão de Pêro de Magalhães de Gândavo, referente ao Brasil, de que «há outras raízes como batatas», que não parece referir­se à batata­doce. Supõe­se que a batateira terá sido introduzida pelos portugueses e espanhóis na Europa logo a seguir ao descobrimento do Novo Mundo, e depois por outros povos europeus, mas a realidade é que a cultura não se consolidou. Há referências à introdução da batata em Espanha em 1573. Por volta de 1590 iniciou­se a cultura na Irlanda e na Inglaterra, tendo como ponto de partida tubérculos recolhidos nos barcos espanhóis que vinham da América. Há também referências à batateira no século XVII em vários países do Centro da Europa. Supõe­se hoje que a cultura da batateira só se difundiu tardiamente na Europa, sobretudo a partir do século XVIII, por estar difundida a crença de que o seu consumo provocaria a lepra. Este argumento pode ter assumido considerável peso, mas também será de ter em conta os hábitos alimentares dos europeus, que não incluíam produtos, como a batata, que tinham dificuldades de conservação, salvo aqueles que se destinavam ao consumo imediato, como a cenoura e o nabo. Com o tempo, a batateira conseguiu impor­se nos climas temperados de todo o mundo, constituindo hoje uma cultura do maior interesse na alimentação humana e animal e como matéria­prima para várias indústrias. Alimento de fácil digestão, a batata é actualmente um produto essencial na alimentação dos portugueses, sendo consumida cozida, assada, frita, ou utilizada como matéria­prima em numerosas indústrias (farinha, puré, dextrina, glucose, álcool, amido, etc.). BAUNILHA (Vanilla planifolia Andr.) A baunilha parece ser originária das florestas tropicais do México, mas é provável que essa ou outra espécie semelhante estivesse difundida numa área mais vasta, que incluía as terras do norte do Brasil. Na década de 1520, o soberano azteca Moctezuma ofereceu ao conquistador Hernán Cortez uma papa à base de cacau e milho moídos aromatizada com baunilha. Os frutos foram depois trazidos para a Europa, onde o seu perfume foi muito apreciado, sendo a baunilha utilizada como condimento aromático, em pastelaria, doçaria e na confecção de licores. Os europeus, nomeadamente os ingleses, franceses e holandeses, logo que estabeleceram contactos mais estáveis com a América, deverão ter também introduzido a baunilha noutros continentes. Mas o sucesso destas transplantações foi relativo, por dificuldades de fecundação, pois embora a planta crescesse nalguns locais em boas condições, não frutificava. Descobriu­se mais tarde que a flor da baunilha era fecundada por uma espécie de insectos existente apenas nas regiões de origem americanas. O processo de fecundação artificial desta orquídea exótica seria descoberto apenas em meados do século XIX, permitindo a partir de então uma maior difusão da cultura da baunilha, que foi nomeadamente introduzida pelos portugueses em São Tomé, onde chegou a sua cultura a assumir apreciável interesse. CACAUEIRO (Theobroma cacao L.) Originário das partes superiores das bacias do Orinoco e do Amazonas. Admite­se que durante muito tempo a planta foi valorizada apenas pela polpa açucarada que envolve as sementes, que são amargas na maior parte dos casos e a partir da qual se produziam bebidas doces ou fermentadas. Terá sido depois de se descobrir o elevado valor alimentar e aromático da semente que o cacaueiro se expandiu, sobretudo para norte e para leste, tendo desempenhado entre as populações da América Central um lugar de indiscutível mérito, a tal ponto que as sementes não apenas serviam de iguaria, mas também funcionavam como moeda de troca. Cristóvão Colombo escrevia em 1492, no diário da sua primeira viagem, que os habitantes das terras novamente descobertas «deitavam um grão numa escudela de água e bebiam­na», dizendo os índios que o acompanhavam que «era coisa muito sã». Mais tarde, na sua última viagem ao Novo Mundo, cruzou­se com uma embarcação de índios que, entre outras mercadorias, transportava essas estranhas sementes. Na década de 1520, Hérnan Cortez foi recebido na corte do soberano azteca Moctezuma com xocoatl, uma bebida produzida a partir de sementes de cacau trituradas e torradas, misturadas com farinha de milho (americano), e aromatizada com baunilha. Os espanhóis não apreciaram muito a bebida. Utilizando as sementes de cacau torradas e moídas, suprimiram­lhe a farinha de milho e outros produtos nela usados e juntaram­lhe o açúcar produzido pela cana sacarina que entretanto haviam introduzido, e assim prepararam uma bebida agradável que difundiram pela Europa. Hernán Cortez escreveria depois para Espanha que o «cacau é uma fruta como amêndoas, que eles vendem moída, e têm­na em tanta consideração que serve de moeda em toda a terra, e com ela compram todas as coisas necessárias nos mercados». Para adquirir o aroma que lhe era próprio, a semente de cacau era sujeita a uma tecnologia que envolvia uma destruição do sabor amargo e o aparecimento de compostos que, durante a torra, exibiam o flavour a chocolate, tão apreciado. Os espanhóis trouxeram as sementes do cacaueiro para Espanha e com elas o processo de torra das sementes, e assim difundiram na Europa, durante muitos anos em sistema de exclusivo, a bebida do cacau, extraordinariamente aromática e estimulante. Sobretudo nas cidades portuárias europeias, e também em Portugal, apareceram estabelecimentos onde se servia o chocolate, cujo número de apreciadores não parou de crescer. Mais tarde, generalizar­se­ia o uso do cacau com leite e o fabrico das mais variadas pastas de chocolate. Esta bebida deu lugar a intensos debates entre teólogos e naturalistas, que discutiam se com a sua ingestão se quebravam ou não os jejuns religiosos. Ciente das propriedades estimulantes e afrodisíacas do cacau, o padre José de Acosta escrevia na década de 1590 que no Novo Mundo «os espanhóis, e mais ainda as espanholas feitas à terra, perdem­se pelo negro chocolate». Há informações vagas de que o cacaueiro terá sido introduzido pelos europeus no Oriente e possivelmente também África logo após a descobrimento da América, mas sem qualquer sucesso. Também no Brasil a cultura, visando a obtenção da semente, levou tempo a consolidar­se, apesar de se tratar de uma planta nativa das suas terras do norte interior. A cultura do cacau em regiões de influência portuguesa, como o Brasil, São Tomé e Angola, generalizar­se­ia apenas nos século XIX e XX. A teobromina e a cafeína são responsáveis pelas propriedades tónicas e estimulantes das sementes do cacaueiro. CAJUEIRO (Anacardium occidentale L.) Originário do litoral atlântico da América tropical, incluindo as Antilhas, ou somente do nordeste do Brasil, como defendem alguns autores. Os espanhóis não referem o cajueiro nas suas primeiras descrições da América Central, o que faz admitir que o não conheciam. Os portugueses encontraram­no no Brasil, onde se integrava no conjunto das árvores mais estimadas pelas populações locais, que dele tudo obtinham, da raiz aos frutos: alimentos, remédios, madeira, lenha, gomas, repelentes para animais, conservantes para barcos e redes, etc. Os índios do Brasil já preparavam uma bebida açucarada e alcoólica a partir do sumo do falso­fruto, que os portugueses também apreciaram e usaram. Introduzido muito cedo em Cabo Verde, possivelmente daqui seguiu para a Índia, onde tão facilmente se adaptou que se comportou como subespontâneo. Outros autores fazem admitir que o cajueiro também passou directamente do Brasil para a Índia, o que até tem lógica, tendo em conta os trajectos das navegações da época. Garcia de Orta, numa obra publicada em Goa em 1563, não faz qualquer referência ao cajueiro, admitindo­se que no tempo em que escreveu ainda não tivesse chegado à Índia; mas o naturalista Cristóvão da Costa, que em 1578 publicou um tratado sobre a história natural asiática, já menciona o cajueiro, dizendo que em Cochim se encontrava «em muitos jardins e hortas». Um pouco mais tarde, em 1585, o padre Fernão Cardim referia­se ao cajueiro do Brasil: «Estas árvores são muito grandes e formosas»; e acrescentava: «a flor se dá em cachos que fazem umas pontas como dedos, e nas ditas pontas nasce uma flor vermelha de bom cheiro, e após ela nasce uma castanha, e da castanha nasce um pomo do tamanho de um repinaldo, ou maça camoeza; é fruta muito formosa, e são alguns amarelos, e outros vermelhos, e tudo é sumo». Esta planta, que tinha principal merecimento na semente e no falso­fruto, adquiriu importância devido ao bálsamo que contém no mesocarpo, rico em fenóis. É matéria­prima de numerosos produtos industriais. CUCURBITÁCEAS (Cucurbita spp.) Pertencentes a esta família conhecem­se espécies diversas, vulgamente designadas por abóboras, originárias de vários continentes e cultivadas há milhares de anos. Para algumas, de cultura muito antiga e muito difundidas, é hoje muito difícil precisar a sua origem e explicar como se espalharam pelo mundo. Pensa­se que as espécies do género Cucurbita eram desconhecidas na Europa antes do descobrimento da América. Os portugueses e os espanhóis deverão ter introduzido muito cedo estas plantas na Europa e será possivelmente da mesma época a consociação com o milho que ainda hoje se mantém no norte litoral de Portugal. Frei Cristóvão de Lisboa e Gabriel Soares de Sousa, dois autores portugueses que escreveram sobre o Brasil, referem a existência naquele território dos gerimús (abóboras meninas), «das quais há dez ou doze castas, cada uma de sua feição [...], mas não tão tamanhas como as da casta de Portugal». As abóboras eram uma importante componente da dieta dos povos ameríndios, que comiam a polpa cozida e as pevides torradas; as cascas eram utilizadas como recipientes. FEIJOEIROS (Phaseolus spp.) O termo ‘feijão’ é substantivo comum que designa sementes de plantas de géneros e espécies diferentes, originárias de vários continentes e conhecidas na Europa em épocas não inteiramente coincidentes. O Phaseolus vulgaris L., ou feijoeiro vulgar, é de indiscutível origem americana, tendo sido desde cedo introduzido na Europa, onde modificou profundamente os hábitos alimentares das populações rurais, fazendo concorrência à fava, à ervilha e à lentilha, já muito utilizadas. O feijão fazia parte da alimentação das populações do império azteca, aparecendo o seu cultivo frequentemente associado ao do milho. Esta espécie já era cultivada no Brasil quando lá chegaram os portugueses. Gabriel Soares de Sousa escreve no seu tratado sobre o Brasil que se dão «nesta terra infinidade de feijões naturais dela, uns são brancos, outros pretos, outros vermelhos e outros pintados de branco e preto, os quais se plantam à mão e quando nascem põem­lhe[s] a cada um, um pau por onde trepam». Outro tratadista português do século XVI, Pêro de Magalhães de Gândavo, refere a existência de feijões «nesta província» do Brasil, enquanto Frei Cristóvão de Lisboa, já no século XVII, se refere à «comenda que quer dizer feijão havendo­o de quatro ou cinco castas e a comendagura que também são feijões de pau». É hoje geralmente assente que os portugueses trouxeram o Phaseolus vulgaris para a Europa e o difundiram pelo mundo tropical logo no século XVI. O feijoeiro e o feijão provocaram profundas transformações na agricultura e na alimentação em quase todo o mundo, sobretudo pela facilidade de conservação, armazenamento e transporte. Outras espécies do mesmo género já eram cultivadas na europa e no Oriente antes das grandes viagens dos descobrimentos, e a maioria ainda hoje se cultiva, embora com menor importância económica que o feijoeiro­vulgar. GIRASSOL (Helianthus annus L.) Planta de origem americana, que na época dos descobrimentos já se estendia por uma vasta região compreendida entre o Peru e o sul dos Estados Unidos. As populações ameríndias utilizavam­na como planta ornamental, devido às suas vistosas e grandes folhas, usando também as sementes na alimentação, torradas ou moídas em farinha. Os aztecas chamavam­ ­lhe chimalacatl ou ‘flor do sol’. Foi rapidamente importada para a Europa por espanhóis e portugueses, difundindo­se com relativa facilidade como planta ornamental. O naturalista espanhol Nicólas Monardes escrevia na década de 1570 que «é uma planta de invulgar grandeza, pois alcança duas lanças de altura, sendo a flor igualmente invulgar, pois é a maior e mais singular flor que já vi, pois é maior que um prato». Só nos princípios do século XVIII se verificou que era economicamente possível extrair das sementes um óleo utilizável na alimentação humana e para fins industriais. O óleo de girassol actualmente faz parte da dieta alimentar de uma grande parte da população mundial. GOIABEIRA (Psidium gujava L.) Originária de uma vasta região do território americano que vai do sul do México até à Colômbia e ao Peru. O cronista espanhol Gonzalo Fernández de Oviedo, na década de 1520, dá pela primeira vez a conhecer a existência da planta aos europeus através dos seus escritos: «dá umas maçãs mais maciças que as maçãs de cá [de Espanha], e de maior peso, embora de idêntico tamanho, que têm muitas pepitas, ou melhor dizendo, estão cheias de uns grãos muito pequenos e duros». Mais tarde, o naturalista sevilhano Nicólas Monardes fará referência num dos seus tratados à «semente daquele fruto tão celebrado pelos índios e pelos espanhóis, a que chamam goiaba», dizendo que «é fruta agradável, sã e de boa digestão». Gabriel Soares de Sousa, um dos maiores agricultores do Brasil quinhentista, anota esta planta, parecendo­lhe ser muito vulgar, pelo que é de admitir que as terras brasileiras do norte possam também estar incluídas na respectiva área de origem. Compara as goiabeiras a «macieiras», dizendo que «esta fruta se come toda e tem a ponta de azedo muito saboroso, da qual se faz marmelada que é muito boa». Talvez por isso a planta tenha sido muito estimada pelos portugueses, numa época em era fundamental dispor de alimentos que se pudessem conservar e utilizar durante as longas viagens marítimas, como a goiabada. Foi largamente difundida no mundo tropical por portugueses e espanhóis, de tal forma se adaptando que em quase todos os locais se comporta como subespontânea, aparecendo nos terrenos abandonados e até na mata, resultante de sementes deixadas pelos pássaros. Os frutos da goiabeira constituem uma das fontes mais importantes de vitamina C nas regiões tropicais, sendo por isso regularmente consumidos pelas populações regularmente consumidos pelas populações. MANDIOQUEIRA (Manihot esculenta Krantze) Planta originária da América do Sul, conhecida e utilizada desde tempos muito antigos pelos índios guaranis. Ainda hoje é possível encontrar formas silvestres nos campos e nas terras do Paraguai e do Brasil. Os portugueses já encontraram esta planta muito cultivada ou explorada no Brasil, pois a partir dela obtinham­se produtos muito diversificados, desde as folhas, que eram consumidas como hortaliça, até uma farinha alimentar, passando por uma bebida fermentada, que, com modificações mais ou menos intensas, ainda hoje se prepara. Pêro de Magalhães de Gândavo, em 1576, descreve o processo de fabrico desta curiosa bebida: «a qual fervem primeiro, e depois de cozida mastigam­na umas moças virgens e espremem­na em uns potes grandes e daí a três ou quatro dias a bebem». As farinhas de mandioca eram a principal fonte de subsistência de alguns povos ameríndios. As descrições dos primeiros cronistas ibéricos são algos confusas quando se referem a diversas plantas produtoras de tubérculos e raízes tuberculosas. Numa das suas viagens ao Novo Mundo, Colombo recebeu de um cacique da Española (Haiti) um pão a que chamavam caçabi, preparado a partir da raiz de mandioca. Para a elaboração deste alimento era necessário ralar a raiz e prensar a pasta assim obtida, para dela se extraírem os componentes venenosos. Este processo é claramente apresentado por um escritor espanhol nos princípios do século XVII, António Vásquez de Espinosa, num texto referente também à ilha de Española: «o principal e vulgar pão que nela se come é o cazabe, que se faz a partir de uma raiz chamada yuca, uma espécie de nabo galego; para fazerem o pão ou cazabe, que é o principal sustento dos índios, ralam a yuca e espremem o suco, que é um mortal veneno. Com a yuca ralada fazem umas tortilhas grandes, espécie de rodelas brancas e finas, que constituem o vulgar pão desta ilha e das demais». Os autores da época citam a existência de duas espécies: uma, a mandioca, que contém ácido cianídrico que se retira por maceração e lavagem, ficando uma «água peçonhenta» que mata quem a bebe, e que corresponde às actuais mandiocas amargas, muito mais produtivas e mais cultivadas, depois de se conhecer como se elimina o princípio tóxico; outra, é o aipim, que corresponde às actuais mandiocas doces, isentas de ácido cianídrico. Os portugueses desde cedo exportaram a mandioca para outros continentes, e nomeadamente para a África ocidental, onde ainda hoje constitui uma das bases da alimentação das populações. Não se dispõe de informação muito segura quanto à forma como a mandioca foi recebida no oriente, onde certamente também terá sido introduzida durante o século XVI. Como escrevia o padre José de Acosta em 1590, «estas tortilhas conservam­se durante muito tempo, pelo que são trazidas nos navios que vêm daquelas partes [...], servindo de biscoito a toda a gente». MARACUJASEIROS (Passiflora spp.) Este nome é dado a mais de 400 espécies distintas, todas elas trepadeiras, pertencentes à família das passifloráceas, originárias da América do Sul, algumas delas, senão a maioria, do território brasileiro. O padre Fernão Cardim referia­se em 1585 ao maracujá brasileiro: «Dá uma fruta redonda como laranjas, outras à feição de ovo, uns amarelos, outros pretos». Frei Cristóvão de Lisboa, referindo­se no século XVII às espécies de «frutos pequenos» da região do Maranhão, cita cinco variedades de maracujaseiros, que alastram pelo chão e vão também «por riba das árvores e pode[m] fazer latada». Os frutos contêm no seu interior um conjunto de sementes envolvidas num arilo e mergulhado num líquido ácido e muito aromático. A planta é essencialmente utilizada pelo sumo, hoje muito apreciado. Sob o ponto de vista da sua utilização, encontram­se hoje essencialmente duas espécies: uma mais vulgar e mais difundida, o chamado maracujá­pequeno, de frutos amarelo­laranja ou roxos; e outra menos vulgar, e também menos difundida, o maracujá­grande, de maiores dimensões, usado na produção de geleias e compotas. As folhas utilizam­se na preparação de uma infusão calmante e sedativa. Das sementes extrai­se um óleo alimentar, que também é utilizado no fabrico de verniz. MILHO AMERICANO (Zea mays L.) Embora no Antigo Mundo existissem diversos ‘milhos’, o chamado milho americano é indiscutivelmente originário do Novo Mundo, passando a ser conhecido e consumido na Europa apenas depois das viagens de Colombo. Constituía a base da alimentação das grandes civilizações pré­colombinas, estendendo­se o seu cultivo por todo o continente americano. O cronista espanhol Francisco López de Gomara, referindo­se em meados do século XVI à viagem de descobrimento de 1492, afirma que Colombo trouxe de volta «dez índios, quarenta papagaios [...], maíz, de que fazem pão [...], como testemunho do que havia descoberto». Os soberanos espanhóis, de acordo com o mesmo cronista, «ficaram maravilhados por naquelas partes não se encontrar trigo e por todos comerem pão feito daquele maíz». Os espanhóis rapidamente transplantaram o milho para Sevilha, e em 1498 o próprio Colombo escrevia sobre «uma semente que produz uma espiga como maçaroca, que eu levei para lá, e que já se cultiva muito em Castela». Os portugueses foram buscar o milho a Espanha, havendo notícias de plantações de milho em Portugal já no século XVI. Também terão trazido milho directamente do Brasil para Cabo Verde e para a costa africana. Um anónimo piloto português, que escrevia antes de 1550, refere que em «Cabo Verde se dá muito milho branco e grado de maçaroca e tanto que carregam nele navios para muitas partes». O mesmo autor precisa que na ilha da Santiago «quando chega o mês de Agosto começa­se a semear o grão que chamam milho zaburro; nas Índias ocidentais chama­se mahis», o que significa que por volta de 1545 já o milho americano tinha chegado a África, já era cultivado e já se tinha alguma experiência da sua cultura. O tratadista Gabriel Soares de Sousa, escrevendo em 1587, refere­se ao milho como planta muito conhecida no Brasil. Considera­o natural da terra e transmite importantes informações sobre a forma de consumo: «Este milho come o gentio assado por fruta e fazem seus vinhos com ele cozido, com o qual se embebedam, e os portugueses que comunicam com o gentio não se desprezam dele, e bebem­no mui valentemente». Actualmente, muitos derivados do milho americano fazem parte da alimentação de largas camadas da população mundial, quer sejam as maçarocas, os preparados à base de farinha de milho (caldos, papas e pão) ou os óleos de milho. As folhas secas eram muito usadas para encher colchões e travesseiros, enquanto as canas servem para aquecimento dos fornos de pão. As barbas de milho são utilizadas como sedativos e diuréticos. PAPAIEIRA (Carica papaya L.) A papaieira ou mamoeiro é originária do sul do México, sendo referida pelos cronistas espanhóis da primeira metade do século XVI. Em finais desta centúria já era cultivada em lugares tão diferentes como o Brasil ou as Filipinas. Com efeito, levada por portugueses e espanhóis, a papaeira difundiu­se por todo o mundo tropical. Para o seu sucesso contribuiu decerto a curiosa particularidade de produzir frutos todo o ano. Frei Cristóvão de Lisboa, screvendo sobre o Brasil no século XVII, mencionava «uma casta de árvore que dá uma fruta a modo de marmelos grandes mas costeados como o melão, a cor é amarela dentro, tem uma semente negra do tamanho de munição, pequena, redonda; dela se faz conserva e se come». A papaia é um fruto muito aquoso, relativamente pobre em açúcares, mas muito refrescante e muito digestivo. Como se conserva dificilmente, é utilizada como fruta de consumo ou como matéria­prima para fabrico de compotas. As folhas da papaeira podem ser usadas para tirar nódoas ou manchas da roupa, enquanto a polpa é utilizada no fabrico de cremes faciais e de champôs. Das camadas superficiais do fruto retira­se a papaína, que é largamente utilizada na indústria (cerveja, fiação, atenuamento de carnes). PIMENTEIROS (Capsicum spp.) Os pimenteiros são de origem americana e já entravam em grandes doses na alimentação das populações locais antes da chegada dos europeus. Considera­se que eram uma das suas principais fontes de algumas vitaminas, funcionando como tempero da comida, tal como o sal entre os europeus. O pimenteiro mais conhecido é o Capsicum annuum L., de cultura anual, que dá frutos normalmente de maiores dimensões e de tecidos mais espessos e suculentos. Algumas variedades dão frutos picantes (pimento­picante ou malagueta), que são comidos ao natural ou integrados em molhos; outras, dão frutos não picantes (pimento doce), que podem ser comidos crus, em saladas, assados ou fritos, ou integrados em pratos tradicionais. Os frutos bem maduros, depois de secos e moídos, dão origem ao pimentão (ou colorau), picante ou doce conforme a natureza dos frutos de que provém. Os portugueses e os espanhóis introduziram os pimenteiros americanos na Europa, onde fazem hoje parte integrante da horticultura tradicional. O Capsicum frutescens L., que produz frutos pequenos, oblongos e fortemente picantes, é uma planta vivaz, muito rústica, que hoje se comporta como subespontânea em todo o mundo tropical. Colombo trouxe­a para a Europa logo em 1493 e refere­a nos seus escritos, ao descrever a ilha Española: «existe muito axi, que é a sua pimenta [...], e toda a gente a utiliza, pois é muito saudável». Tanto uma como outra espécie só muito recentemente são referidas em África, mas tudo indica que fizeram parte do lote das que ali foram introduzidas logo no século XVI pelos portugueses. Existem muitas formas e tipos de pimentos, diferentes pelo porte, pelo tamanho e pela forma, porque é entre eles muito frequente a fecundação cruzada. Os pimentos na indústria podem ser valorizados pela matéria corante (vitamina A) ou pelo picante, devido à capsaicina, que é um composto muito irritante para os olhos. Tanto os pimentos doces como os picantes fazem hoje parte integrante da nossa alimentação, havendo muita gente que não dispensa o piripiri como condimento. QUINEIRAS (Cinchona spp.) Existem diversas espécies de quineiras, todas elas originárias das terras altas da América do Sul. Os extractos das suas cascas eram utilizados pelas populações locais no combate contra o paludismo, mas esse segredo não foi revelado pelos ameríndios aos invasores espanhóis, talvez por admitirem vencê­los pela doença, já que seria mais difícil levá­los de vencida pelas armas. Os missionários jesuítas em serviço no Peru parece terem estado na origem da difusão mundial do pó preparado a partir da casca de quineira, utilizado para o tratamento do paludismo. O imperador chinês Kangxi, em finais do século XVII, terá sido curado de febres palúdicas pelos jesuítas que residiam em Pequim. A quineira é bem o exemplo da aplicação pelos europeus dos conhecimentos empíricos que no Novo Mundo obtiveram acerca das propriedades medicinais de certos produtos de origem americana. TABACO (Nicotiana tabacum L.) O tabaco tem origem americana, possivelmente muito alargada na área, e já estava profundamente integrado nos hábitos de praticamente todas as populações ameríndias quando os europeus aportaram ao Novo Mundo. Diversos observadores referem o consumo desta planta em locais variados da América, logo a seguir à viagem inaugural de Colombo. O almirante genovês refere­se ao tabaco no diário da sua primeira viagem, dizendo que nalgumas ilhas das Antilhas «mulheres e homens andam com um tição nas mãos, de certas ervas, para tomarem seus fumos». O cronista Bartolomé de Las Casas, que mais tarde se baseou nos escritos de Colombo, acrescenta mais pormenores: «são umas ervas secas, metidas numa certa folha, seca também [...], e acendem­nas por uma parte e pela outra chupam ou sorvem ou recebem para dentro aquele fumo, com o qual se adormecem as carnes e quase que embebeda, e dizem que assim não sentem o cansaço. A estes canudos chamam eles tabacos». Em certas regiões, as folhas de tabaco eram queimadas em fogueiras, para se aspirar o fumo produzido; noutras regiões, o tabaco era inalado com o auxílio de canas, de cachimbos ou de instrumentos em forma de Y; e noutras regiões, o tabaco moído era enrolado em folhas de tabaco secas e assim fumado. De qualquer forma, os primeiros testemunhos ibéricos são unânimes em afirmar que o fumo do tabaco provocava alteração dos sentidos, embriaguez e mesmo delírios. Os espanhóis trouxeram as folhas de tabaco para a Europa como produto medicinal, já que lhes reconheciam uma série de propriedades benéficas para uma grande variedade de doenças. Nicólas Monardes foi um dos primeiros médicos europeus a estudar o tabaco, defendendo, numa obra publicada em meados do século XVI, as imensas virtudes curativas das suas folhas para fins tão diversos como: catarro, vertigens, remela dos olhos, cefaleias, nebulosidades da vista, surdez, úlcera do nariz, dores de dentes, úlceras e aftas das gengivas, reumatismo, tosse rebelde, mal do estômago, síncope, cólica, hidropisia, vermes, hemorróidas, dores uterinas, ciáticas, tumores, úlceras profundas, hemorragias, úlceras varicosas, gangrena, sarna, escrófulas, carbúnculo, mordedura de cobras venenosas e cães raivosos e venenos das flechas. Também os portugueses encontraram no Brasil uma larga utilização da planta do tabaco pelo ameríndios, com objectivos medicinais e rituais. O padre Fernão Cardim, em 1585, escreve sobre a «erva santa» do Brasil, que «é umas das delícias, e mimos desta terra», acrescentando que «são todos os naturais, e ainda os portugueses, perdidos por ela, e têm por grande vício estar todo o dia e noite deitados nas redes a beber fumo, e assim se embebedam dela, como se fora vinho». O jesuíta Luís de Goes trouxe pela primeira vez sementes de tabaco do Brasil para Portugal, que foram plantadas com sucesso. Jean Nicot, embaixador de França em Lisboa entre 1559 e 1561, conheceu aqui o tabaco e, alertado para as propriedades curativas notáveis que lhe atribuíam, levou folhas para Paris, que foram usadas para tratamento das enxaquecas da rainha Catarina de Médicis. Por isso anda hoje o seu nome associado à nicotina, um dos princípios activos do tabaco. Os portugueses introduziram o tabaco em África, onde foi bem aceite, e no Oriente, onde a sua cultura se difundiu com relativa facilidade. O contacto dos europeus com os povos americanos levou­os a substituir nos cigarros, já conhecidos no Velho Mundo há muitos séculos, as ervas aromáticas, ópio e outros produtos que já usavam, pelo tabaco. A difusão do hábito de fumar tabaco na Europa, trazido da América por portugueses e espanhóis que regressavam do Novo Mundo, provocou enormes controvérsias sociais e científicas, debatendo­se intensamente desde o século XVI as virtudes e os malefícios deste hábito. Nos primeiros anos do século XVII, James I de Inglaterra propunha a proibição do fumo do tabaco, «esse hábito nojento à vista, desagradável ao cheiro, perigoso ao cérebro e nocivo ao peito, que espalha em roda do fumo exalações tão infectas como se saíssem das cavernas do inferno». Curiosamente, esta posição não andava longe dos actuais conhecimentos médicos, que sublinham os terríveis efeitos negativos para a saúde do fumo do tabaco. Contudo, apesar de serem hoje amplamente conhecidos os malefícios da outrora designada ‘erva santa’, o consumo mundial do tabaco continua a aumentar, e nele se apoiam os governos para a resolução de alguns problemas financeiros, fazendo incidir sobre o tabaco pesados impostos. TOMATEIRO (Lycopersicon esculentum Mill.) O tomateiro é originário do continente americano, possivelmente das regiões de altitude da América do Sul, onde ainda hoje se encontram formas silvestres. O tomate era utilizado na alimentação de algumas populações ameríndias, sobretudo no México, onde entrava na composição de numerosos pratos, nomeadamente através de um molho obtido por mistura com pimento picante ou chili. Trazido para a Europa pelos viajantes Ibéricos, rapidamente se difundiu, sendo particularmente apreciado em Itália, onde lhe deram o nome de ‘pomodoro’. Os espanhóis levaram­no também para as Filipinas, de onde passou à Ásia continental. A planta foi melhorada na Europa. O tamanho dos frutos aumentou, a percentagem de polpa subiu em relação ao conjunto, os frutos que inicialmente, pelo menos alguns, seriam amarelos adquiriram uma tonalidade vermelha. O cronista açoriano Gaspar Frutuoso, escrevendo em finais do século XVI, refere­se­lhe como planta de muito interesse e variadas aplicações, dizendo que «o tomate é ao mesmo tempo fruto, hortaliça e tempero». O tomate, que é muito rico em vitaminas e açúcar, come­se fresco, e também em várias formas de conserva (sumo, concentrado, tomate em cubos, tomate pelado, ketchup), tendo actualmente um papel importante na alimentação.