Microeconomia II Cursos de Economia e de Matemática Aplicada à Economia e Gestão AULA 5.4 Provisão de Bens Públicos de forma descentralizada: a solução de Lindahl Isabel Mendes 2007-2008 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 1 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal Em teoria, os efeitos sobre a eficiência económica associados à falha de mercado caracterizada pela existência de bens públicos puros, podem ser ultrapassados internalizando os bens públicos puros nas decisões dos agentes. Lindahl (1919) e Wicksell (1896) descreveram o processo de internalização dos bens público puros, fazendo os consumidores pagarem um preço pelo seu consumo. Wicksell propôs pela 1ª vez que os consumidores só deveriam pagar pela provisão do bem público, no máximo, uma quantia igual ao benefício marginal individual associado ao seu consumo ⇒ preços personalizados. Lindahl sugeriu posteriormente que os preços personalizados de Wicksell poderiam ser gerados (revelados) através de um processo de tâtonnement de equilíbrio, semelhante ao que se estudou em Micro I, no Equilíbrio Geral ⇒ Preços de Lindahl. Samuelson (1958) demonstrou que os preços de Lindahl gerariam uma afectação do bem público eficiente à Pareto ⇒ condição de Samuelson (AULA 5.3) 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 2 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 1. Os preços personalizados Lindahl – Wicksell Seja um problema de consumidor do seguinte tipo: D i = 1, 2, …, N consumidores que consomem um bem público X e bem privado q nos quais podem gastar um rendimento M; D assuma-se que as preferências dos consumidores por bem público e bem privado são hierarquizadas por uma função de utilidade quasi – linear do tipo: U i ( X i ,qi ) = U i ( X i ) + qi D Cada consumidor i vai ter de pagar um preço personalizado pelo benefício do uso do bem público pi; para simplificar, assume-se que o preço do bem privado é igual à unidade ⇒ pq = 1. 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 3 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 1. Os preços personalizados Lindahl – Wicksell (continuação) O problema de decisão do consumidor é: maxU i = U i ( X i ) + qi X i* ,qi suj a : pi X i + qi = M i A Lagrangeana deste problema é: Li ( X i ,qi , λ i ) = U ( X i ) + qi + λ i [ M i − pi X i − qi ] E as condições relevantes de 1ª ordem são dadas por: 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 4 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 1. Os preços personalizados Lindahl – Wicksell (continuação) ∂U i ∂Li ∂X = 0 ⇔ ∂X − λi pi = 0 i i ∂Li = 0 ⇔ 1 − λ = 0 i ∂qi (1) (2) Resolvendo (1) e (2) para os λi’s e compondo os termos obtém-se: ∂U i pi = ∂X i 13-05-2008 (3) pi é o preço personalizado do consumidor i que lhe maximiza a sua função de utilidade Isabel Mendes/MICRO II 5 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 1. Os preços personalizados Lindahl – Wicksell (continuação) Seja, agora, o problema de produção do bem público X: X é produzido por uma empresa. A sua receita média é igual à soma dos preços personalizados dos consumidores. O problema de maximização de lucro da empresa é: N max Π ( X ) = ∑ pi X − CT ( X ) X* i =1 Sendo a condição de 1ª ordem dada por: 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 6 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 1. Os preços personalizados Lindahl – Wicksell (continuação) N ∑p i =1 i = CMg ( X ) Condição de equilíbrio para a empresa produtora de X O equilíbrio geral (no consumo e na produção) compatível com um óptimo à Pareto é alcançado quando for determinado um vector de preços personalizados pi do tipo {p*1, p*2, …., p*N} para o qual se verifica que: 1º) a quantidade de bem público desejada seja igual para todos os N consumidores e igual a = X* : para esta quantidade verifica-se a igualdade TMS X*,qi = p*i; 2º) a quantidade X* maximiza o lucro da empresa produtora do bem público; ou seja, para esta quantidade verifica-se a seguinte igualdade: N p* = ∑ p*i = CMg ( X * ) i =1 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 7 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 1. Os preços personalizados Lindahl – Wicksell (continuação) 3º) Das condições definidas em 1º) e 2º) é imediata a conclusão de que, para o vector de preços personalizados óptimos {p*1, p*2, …., p*N} , se verifica a condição de Samuelson, porque, para estes preços: N ∑ TMS N = ∑ p*i = p* = CMg( X*) i =1 i =1 equilibrio no produtor X *,qi equilibrio no consumidor 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 8 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 2. Como é que a entidade pública conhece os preços personalizados? Lindahl propôs o seguinte esquema de tâtonnement apoiado na figura de um leiloeiro, semelhante àquele que foi descrito nos capítulo das Trocas Eficientes (ver últimas aulas de MICRO I). O papel do leiloeiro é: 1º) propor vários vectores de preços personalizados aos consumidores; para cada vector de preços que é proposto, o leiloeiro assegurará sempre que o seu somatório iguala o custo marginal de aprovisionamento do bem público; 2º) recolher as intenções de consumo dos consumidores, para cada vector de preços personlaizados, em termos de bem público Xi; 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 9 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 2. Como é que a entidade pública conhece os preços personalizados? (continuação) 3º) Se, para um determinado vector de preços personalizados, as intenções de consumo de bem público não forem iguais para todos os consumidores, o leiloeiro volta a apresentar um novo vector de preços personalizados, reajustado às intenções de procura de cada consumidor; 4º) Este processo interactivo continua em número de iteracções necessário, até que o leiloeiro obtém o vector de preços personalizados de equilíbrio. 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 10 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados Quando os cidadãos são interrogados acerca das suas disponibilidades para pagar por bens públicos, existem fortes incentivos para que os indivíduos não revelem a sua verdadeira preferência. Tratando-se de um bem público, cada cidadão sabe que todos os restantes cidadãos irão pagar por ele; logo, ele tem um incentivo para beneficiar do bem público a custo zero, ou a um custo inferior, deixando os outros pagarem por ele, na totalidade ou em parte. Este comportamento é designado de free riding. Em termos da linguagem do mecanismo de Lindahl o free riding significa que o consumidor declara pretender uma quantidade de bem público inferior à sua verdadeira preferência, para poder pagar um preço personalizado mais baixo na iteracção final de equilíbrio. Mas, se todos os consumidores adoptarem a mesma estratégia, a procura média de bem público revelada será necessariamente inferior à procura óptima, o que leva a um equilíbrio inferior ao que seria efectivamente desejado. 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 11 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) Os problemas associados a comportamentos de free riding e da subsequente subrevelação das preferências verdadeiras por bem público, podem ser formalmente analisados pelo seguinte problema formal. Seja: D Um consumidor i, com i = 1, 2, …, N consumidores, que consome bem público X e bem privado q; D As preferências são hierarquizadas por uma função de utilidade quasilinear em q ⇒ não há efeito rendimento no consumo de bem público para nenhum consumidor ⇒ a provisão óptima de bem público não depende do rendimento dos consumidores: U i ( X ,qi ) = β i ln ( X ) + qi , com βi = preferência do consumidor i pelo bem público; 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 12 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) D Cada consumidor maximiza a sua função de utilidade em ordem a Xi e qi estando sujeitos à seguinte restrição orçamental: pi X i + qi = M i Onde pi = preço personalizado de Xi, o preço de q é igual à unidade e M é o rendimento. D Assume-se que o custo marginal de produção do bem público é igual à unidade - CMg(X) = 1. A função de Lagrange é: L ( X i ,qi , λi ) = β i ln ( X i ) + qi + λi [ M i − pi X i − qi ] 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 13 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) E as condições de 1ª ordem são dadas por: βi ∂L ∂X = 0 ⇔ X − λi pi = 0 (1) i i ∂L = 0 ⇔ 1 − λ = 0 (2) i ∂qi Resolvendo (1) e (2) para λi e compondo os termos obtém-se: pi = 13-05-2008 βi Xi (3) ⇔ Xi = βi pi Isabel Mendes/MICRO II 14 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) A igualdade (3) diz que, se não existirem efeitos rendimento no consumo de bem público, então os preços personalizados não dependem da riqueza do consumidor; só dependem das suas preferências pelo bem público dadas por βi . Em equilíbrio, os preços personalizados são iguais aos preços de Lindahl ⇒ as equações (3) pode ser reescrita da seguinte forma: pi = βi X * (4) Adicionando (4) para todos os N consumidores e igualando os preços personalizados ao custo marginal de produção do bem público obtém-se: 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 15 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) N βi N ∑ p =∑ X i =1 i i =1 * = 1 (5) Resolvendo, agora (5) em ordem a X* obtém-se: N X * = ∑ βi (6) i =1 A equação (6) diz que a provisão óptima de bem público na ausência de efeitos de rendimento depende das preferências ou da valorização β que lhe é atribuída pelos consumidores. 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 16 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) Para conhecer a utilidade que o consumidor obtém no equilíbrio de Lindahl, substitui-se na função de utilidade U i ( X i ,qi ) = β i ln ( X i ) + qi 1º) qi por Mi – piX* (o preço do bem privado é igual à unidade); 2º) pi e X* pelos resultados (4) e (6) , respectivamente; Obtém-se: 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 17 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) X* PP N βi N βi ⇔ U i ( X*,qi ) = β i ln ∑ β i + M i − N ∑ i =1 i =1 N β ∑ i X* i =1 pi qi N ⇔ U i ( X*, qi ) = β i ln ∑ β i + M i − β i (7 ) i =1 O resultado (7) diz que, aos preços de equilíbrio de Lindahl e na ausência de efeitos rendimento, a utilidade do consumidor depende das preferências reveladas por ele. 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 18 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) Quais são os efeitos sobre (7) se o consumidor i revelar uma preferência falsa acerca da quantidade de bem público – bi - , relativamente à que ele efectivamente prefere - βi - ? Se o consumidor i revelar bi em vez da sua preferência verdadeira βi , tal que bi < βi então o nível de utilidade que obterá no equilíbrio de Lindahl é: Ui ( X*,qi ) = βi ln bi + ∑β j + Mi − bi j ≠i Onde: ∑β j ≠i 13-05-2008 j (8) é a soma das preferências de todos os outros consumidores diferentes do consumidor i. Isabel Mendes/MICRO II 19 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) O problema do consumidor i praticante da revelação falsa é, agora, o de calcular b*i que maximiza (8) ⇒ a seguinte condição: ∂Ui ( X*,qi ) ∂bi =0⇔ βi b*i +∑ β j −1 = 0 (9) j ≠i Resolvendo o lado direito de (9) em ordem a b*i obtém-se: b*i = β i − ∑ β j (10) j ≠i 13-05-2008 Isabel Mendes/MICRO II 20 5.4 Provisão de Bens Públicos: Solução de Lindhal 3. Problemas associados à revelação dos preços personalizados (continuação) O resultado (10) confirma que o problema na maximização da utilidade no âmbito do esquema de Lindahl é os consumidores mentirem acerca da sua preferência real por bens públicos. Se todos os N consumidores mentirem e se se assumir que as funções de utilidade são iguais para todos, então: - β i = β, ∀ i = 1,…,N consumidores; - bi = b, ∀ i = 1,…,N consumidores. Infere-se que, das expressões anteriores, cada consumidor, no equilíbrio de Nash, revelará: b* = 13-05-2008 β N ⇒ X Nash N N βi i =1 i =1 N = ∑ b*i = ∑ Isabel Mendes/MICRO II = X* N 21