Nós Propomos! 2014/2015 - Agrupamento de Escolas Amato Lusitano, Castelo Branco “Roteiro pela Herança Judaica de Castelo Branco” Guilherme Lino Pombal | José Alberto Ferreira | Mariana Neno de Resende Professora Orientadora: Celeste Gonçalves “Será difícil, se não impossível, abrir a História de Portugal, seja ela civil, política ou religiosa, científica ou literariamente considerada, sem tropeçarmos em cada página com algum eco relativo à raça judaica.” Paulo, Amílcar (1985). Os Judeus Secretos em Portugal (1.ª edição). Lisboa: Editorial Labirinto. Castelo Branco, povoação alcandorada e protegida por uma lomba talhada em escarpa (na serra da Cardosa), surge como uma marco na defesa fronteiriça e nó de ligação entre o Alto Alentejo e a Beira Interior. O seu território, conquistado por D. Afonso Henriques, foi depois doado à Ordem do Templo, tendo o seu povoamento sofrido as dificuldades inerentes à atração de população para as localidades raianas. Para o crescimento económico e demográfico de Castelo Branco contribuiu o papel dos judeus, que, apesar das frequentes desavenças com a maioria cristã, habitavam num sector privado no espaço intramuralhas – a Judiaria. Com efeito, a formação de comunas judaicas é denominador comum a muitas localidades transfronteiriças, de povoamento difícil, atendendo à significativa diáspora judaica, que, desde 586 a.C., vem a preencher os quatro cantos do mundo. Em Portugal, a sua presença é anterior aos Visigodos, sendo que a fundação da nacionalidade trouxe tempos de grande prosperidade ao povo judeu. Já com a Inquisição, a partir do século XII, o povo judeu passou a ser bastante perseguido e os seus hábitos culturais oprimidos e punidos. Surgiu, assim, o Criptojudaísmo, que consiste na prática da fé judaica e dos seus costumes em segredo. Nas judiarias medievais, geralmente um arruamento único, vigoravam restrições impostas pela maioria cristã, designadamente o fecho da Judiaria ao fim da tarde impedindo os Judeus de abandonarem a rua, sob pena de serem açoitados em praça pública, para além do uso de distintivos especiais. Tudo isto visava impedir Página também, do facto de muitos judeus serem cobradores de impostos. 1 “contaminações”, ao mesmo tempo que se estimulava um ódio popular, consequência, A judiaria de Castelo Branco é, pela primeira vez, documentada no reinado de D. Fernando (1367-1383), através de uma carta de arrendamento, altura em que comuna judaica se crê já organizada. A comunidade judaica de Castelo Branco terá estado intimamente ligada à expansão urbanística da vila, enquanto fonte de receita para o erário real, que os sujeitava a um tributo especial. Com o alvará manuelino que dita a conversão geral, de 1497, muitos dos judeus portugueses emigram ou deslocam-se para as zonas raianas. Surgem os “cristãos-novos” e são desmanteladas as judiarias. Desde então, a memória judaica tem vindo a desvanecerse. Todavia, restam-nos algumas marcas – físicas e documentais –, também patentes em Castelo Branco, e que, em nosso entender, encerram um enorme potencial turístico. Figura 1. Correspondência entre o atual mapa do centro histórico e a judiaria de Castelo Branco. Legenda: área abrangida pela Judiaria; provável zona de neutralidade e protecção entre a judiaria e os acessos ao castelo; PJ – Porta da Judiaria; PV – Portada Vila. Fonte: Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Beneviste, Universidade Nova de Lisboa (2009). Castelo Branco - Mapa das Ruas da Judiaria. Acedido em 19 de janeiro de 2015, em http://www.catedra-alberto- benveniste.org/_fich/15/Mapa_da_Judiaria_de_Castelo_Bra nco.jpg. A formação de grandes blocos, enquanto tendência aglutinadora de inúmeras realidades, tem vindo a suscitar um debate sobre as formas de reafirmação dos territórios mais débeis, como Castelo Branco. Daqui emerge a necessidade de uma estratégia que, em nosso entender, passa pela valorização especificidades dos territórios, de forma a torna-los identificáveis através de um conceito de cultura enquanto forma de afirmação de novas centralidades, privilegiando as características únicas das populações. Nesse sentido, os novos paradigmas de localidades como Castelo Branco passam impreterivelmente pela redescoberta dos localismos: microterritórios, imagem de diferença, como representa a aposta no turismo judaico, que aqui preconizamos. O turismo judaico, que consiste na visita a espaços associados à cultura e tradição monetária. Os dados mais recentes, disponibilizados pelo Turismo de Portugal, afirmam Página geral, enraizados hábitos de turismo, alicerçados numa significativa disponibilidade 2 judaicas, encerra um enorme potencial quando consideramos que os judeus têm, de modo que 27 mil israelitas visitaram Portugal em 2013, o que, apesar da reduzida expressão no global do turismo israelita, representa um acréscimo de 50% em relação ao ano anterior. Note-se, contudo, que Israel não é o único mercado emissor deste tipo de turismo: também os Estados Unidos da América, o Brasil ou a França são relevantes neste contexto, para além dos inúmeros portugueses que, crescentemente, procuram conhecer melhor uma faceta esquecida do nosso passado coletivo. No caso português, o turismo judaico foi, recentemente, definido como produto turístico estratégico pela Secretaria de Estado do Turismo, tendo em conta o enorme potencial que as judiarias portuguesas encerram e que constitui já um nicho em crescimento. Por se situarem maioritariamente no interior, as judiarias são uma forma de diversificar a oferta turística nacional, atualmente muito dependente do eixo “Sol & Praia” (com o Algarve, Lisboa e Madeira a representarem 84% das dormidas anuais, segundo a PricewaterhouseCoopers). Neste contexto, está a ser levada a cabo uma campanha de promoção do turismo judaico português junto dos principais mercados emissores, o que prefigura a oportunidade adequada para apostar no desenvolvimento de roteiros como o aqui apresentado, considerando a tendência para a expansão deste nicho de mercado. Por outro lado, os proveitos gerados por este turismo podem ser maximizados através, por exemplo, do desenvolvimento de programas temáticos em torno do Judaísmo, quer no âmbito da iniciativa privada (como já fazem algumas unidades hoteleiras da região, mas não em Castelo Branco; ou, ainda, alguns comércios com oferta de produtos kosher), quer na esfera pública (com a dinamização de itinerários turísticos, a disponibilização de informação ou a promoção de iniciativas de divulgação da herança judaica). Em suma, trata-se de desenvolver cadeias de valor baseadas no património histórico e cultural, procurando incutir dinamismo económico e social a regiões onde ele escasseia. Para o efeito, o itinerário proposto desenvolve-se na Zona Histórica da cidade, marcada por ruas estreitas e íngremes, onde predomina a função habitacional, com uma população idosa e de parcos recursos. Face a este cenário é nosso entender que a vocação turística desta área carece de um processo mais intenso de desenvolvimento – algo que se pode turístico que, com alguma periodicidade (mensal, por exemplo) permita, tanto a residentes Página Em face deste subaproveitamento, vimos propor a instituição de um itinerário 3 materializar tendo por base a promoção da memória judaica, por muitos desconhecida. como a turistas (especialmente), explorar os espaços físicos e a memória judaica de Castelo Branco. Este itinerário, que seria guiado, estaria à responsabilidade e organização da Câmara Municipal de Castelo Branco, por intermédio do Posto de Turismo (estrutura à qual a autarquia tem atribuído crescente importância política, num claro reconhecimento do potencial turístico da cidade). O seu financiamento basear-se-ia nos fundos que o Listenstaina, a Noruega e a Islândia (membros do Espaço Económico Europeu) atribuem aos países da Coesão (da União Europeia), com preferência para o turismo judaico. O itinerário proposto, destinado ao público em geral, compreenderia cerca de 1800 metros, num trajeto com uma duração de 1h15min (tempo estimado), onde poderíamos Página 1. Concentração dos turistas na Praça do Município, junto à estátua de Amato Lusitano (João Rodrigues de Castelo Branco, judeu, um dos vultos da medicina medieval): sendo um espaço aberto de dimensões relevantes, poderá albergar um número variável de turistas; acresce o facto de ser um ponto central e, como tal acessível, da cidade (distando 700 metros de uma plataforma intermodal). Aqui constituir-se-ia uma boa oportunidade para enquadrar a memória da presença judaica em Castelo Branco, começando por recordar aquele que foi um dos mais notáveis portugueses do seu tempo – Amato Lusitano, que chegou a ser médico na corte papal. 2. Trajeto em Mini-Bus até ao Castelo: atendendo ao declive que marca a Zona Histórica, seria mais cómodo e atrativo o transporte dos turistas desde a Praça do Município até ao Castelo, em sentido ascendente, num percurso de 1 quilómetro realizado em 4 minutos; estes minutos providenciariam a oportunidade para enquadrar historicamente a génese histórica da povoação, culminando no castelo, de onde se obtêm magníficas vistas sobre a cidade e a região. 3. Percurso a pé, com guia, explorando os portados quinhentistas mais relevantes com ligação aos Judeus, Cristãos-Novos e Criptojudaísmo: partindo de uma cota de 480 metros, iniciar-se-ia um percurso descendente até aos 400 metros, durante o qual se percorreriam as ruas do Mercado, do Arressário, dos Peleteiros, da Misericórdia, do Muro, do Caquelé e d’Ega. Ao longo destas ruas, seriam destacados e explicitados 12 portados quinhentistas, assim como a Igreja da Misericórdia Velha, que constituiriam o mote para abordar as seguintes temáticas: o papel dos judeus na expansão urbanística; a importância da comunidade judaica em Portugal antes de 1500; as manifestações arquitetónicas do culto judaico em Castelo Branco; estrutura e funcionamento da judiaria; evidências do criptojudaísmo nos portados quinhentistas; as personalidades associadas aos judeus albicastrenses – Amato Lusitano, Afonso de Paiva e Fernando Pessoa. 4. Término do roteiro, no início da Rua d’Ega, o principal eixo da Judiaria: o “Roteiro pela Herança Judaica de Castelo Branco” dar-se-ia por concluído na rua d’Ega, ponto próximo de vários outros marcos turísticos, possibilitando a descoberta de mais recantos da capital da Beira Baixa, como o Jardim do Paço ou o Parque da Cidade. 4 considerar 4 fases: Figura 2 – o percurso pedestre sugerido (800 metros, aproximadamente), com os pontos de interesse Página software Autocad, fotografias dos autores e mapas da CMCB. 5 associados ao Judaísmo, Criptojudaísmo e Cristãos-Novos. Fonte: elaboração própria com recurso a