Um cavalo de Tróia na ciência portuguesa

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OPINIÃO
Um cavalo de Tróia na
ciência portuguesa
GONÇALO CALADO 09/07/2014 ­ 14:11
Como bem sabiam os gregos na guerra de Tróia, o
que nenhum castelo aguenta, por muito bem
projectado que seja, é a destruição por dentro.
Na construção de um edifício, damos mais ou menos ênfase a
determinadas características, fazendo depender a nossa escolha dos fins
a que este se destinará. Isto é válido tanto para edifícios concretos,
prédios, museus ou monumentos edificados, como para estruturas mais
abstractas, como um sistema nacional de saúde, de segurança social ou
no que aqui me interessa, de ciência, tecnologia, investigação e
conhecimento. Talvez nestes casos a melhor analogia seja com um
castelo, que se quer robusto, operacional e sobretudo transmissor de
confiança, não só aos que lá vivem e trabalham como a toda a população
que a ele recorrerá em circunstâncias adversas.
Longe de estar terminado (e é bom que nunca esteja), o edifício da
ciência em Portugal mudou várias vezes de arquitectura e velocidade de
construção. Olhamos para ele e não vislumbramos a corrente
arquitectónica que o inspirou, com uma série de camadas mais díspares
do que estratos geológicos sobrepostos, que acabam por enfraquecê­lo.
Ainda assim, prefiro compará­lo a um castelo, pelas razões acima
expostas.
Como bem sabiam os gregos na guerra de Tróia, o que nenhum castelo
aguenta, por muito bem projectado que seja, é a destruição por dentro.
As paredes internas resistem mal a pancadas violentas de dentro para
fora. Embrulhados num cavalo de Tróia, entraram no castelo os
dirigentes da política de ciência com as suas mãos de tesoura a conjugar
eufemisticamente o verbo podar em todas as direcções, não deixando
pedra sobre pedra.
Mal estaríamos se em situações de guerra se dispensasse grande parte
dos soldados, por mais rasos que fossem, ficando com uma pirâmide de
patentes invertida. É exactamente o que se passa com os investigadores.
Mal estaríamos se durante um cerco ao Castelo de Silves se ordenasse
esvaziar a cisterna para metade, para reduzir custos de manutenção. É
exactamente o que se passa com o financiamento das unidades de
investigação.
Quando já pouco restar, vamos todos ter força para projectar outro
edifício, tentando aprender com os erros do passado. É bom que por fora
apresente uma estrutura coesa, indicadora de crescimento e esperança
no futuro. No entanto, talvez nos devamos preocupar mais com a sua
resistência às adversidades internas. Neste caso, a analogia com um
castelo deixa de fazer sentido. Talvez uma estrutura do tipo parque de
entretenimento para crianças hiperactivas e prepotentes, que tudo
tentam destruir e que só obedecem aos pais que nunca estão presentes,
seja uma boa alternativa.
Biólogo ([email protected])
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