TÍTULO: ENTOMOLOGIA MOLECULAR FORENSE: COMPARAÇÃO QUANTITATIVA E QUALITATIVA DE AMOSTRAS DE DNA DE DÍPTEROS NECRÓFAGOS OBTIDAS PELA TÉCNICA DE SALTING OUT CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: BIOMEDICINA INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS AUTOR(ES): ARIEL DE CAMPOS MIRON BARNEI ORIENTADOR(ES): ROGÉRIA MARIA VENTURA COLABORADOR(ES): DANIELA RUIZ GARCIA, VALÉRIA BRITO FRANCO 1. RESUMO As Ciências Forenses constituem uma área de estudos aplicada à produção de provas técnicas científicas, com a finalidade de contribuírem com a elucidação de causas na justiça. Uma destas áreas é a Entomologia Forense que estuda artrópodes, em suas várias fases, que podem infestar imóveis (causas urbanas), alimentos (causas da indústria alimentícia) e compor a fauna cadavérica (área médico-legal). Nesta última área, a Entomologia Forense permite estimar o intervalo pós-morte (IPM) de um cadáver. Para extrair quaisquer evidências a partir dos achados entomológicos é necessário que haja a identificação da espécie do inseto encontrado. Essa identificação geralmente é feita a partir das características morfológicas do espécime coletado. Porém, em muitos casos essa diferenciação torna-se difícil, pois há muitas semelhanças entre certas espécies em estágios iniciais de desenvolvimento. Essa identificação pode ser ampliada graças ao aperfeiçoamento de técnicas da Biologia Molecular que analisa o material genético contido nos insetos em diferentes fases do seu ciclo de vida. Estas análises fazem parte da Entomologia Molecular Forense. É possível também realizar a identificação do indivíduo através do material da larva e a identificação de material genético diferente do cadáver e do inseto, ou seja, do possível suspeito, com as análises moleculares. Análises experimentais anteriores realizadas pelo nosso grupo aprimoraram a técnica de extração de DNA de “salting out” para amostras de insetos necrófagos. Para isto, exemplares de todas as fases evolutivas de dípteros foram submetidas ao método modificado com duas etapas adicionais de purificação com clorofórmio. Os resultados revelaram a aplicabilidade deste método. No presente estudo, avaliamos de forma comparativa, a quantidade e a qualidade (grau de pureza) do DNA obtido de amostras de diferentes fases do ciclo de vida dos dípteros necrófagos. Os resultados revelaram que entre as amostras de DNA analisadas, as de larvas foram as que geraram maior quantidade e qualidade, sendo portanto, altamente indicadas para a utilização na Entomologia Molecular Forense. 2. INTRODUÇÃO A Entomologia é o estudo da interação dos insetos com o homem e o meio ambiente. Como sub-área desta ciência, a Entomologia Forense constitui uma ferramenta de suma importância para a resolução de causas na justiça. Pode ser utilizada em casos de investigação criminal, determinando a causa, local e modo da morte, intervalo pós-morte e identificação de suspeito e vítima (VELHO et al,2012). Entre os insetos de interesse forense estão os necrófagos da ordem Diptera, que compreende cerca de 86.000 espécies conhecidas, sendo uma das maiores ordens de insetos. As espécies que fazem parte desta ordem podem ser encontradas em quase todos os habitats. No Brasil, as principais famílias de dípteros necrófagos são a Musciidae, Calliphoridae e Sarcophagidae (OLIVEIRA-COSTA, 2011). Sob o ponto de vista morfológico, os dípteros em geral, apresentam apenas um par de asas, encontrando-se o segundo par reduzido a halteres, utilizado na estabilização do voo, e um par de olhos compostos. As larvas dos dípteros possuem corpo de consistência mole, de tonalidade creme e sem membros de locomoção, não se encontrando a cabeça diferenciada (CAINÉ, 2010). Para os estudos forenses é muito importante a identificação de insetos da fauna cadavérica. Contudo, nem sempre a correta identificação morfológica é possível, principalmente quando se encontram somente larvas e pupas. A Biologia Molecular é uma ferramenta muito útil na Entomologia Forense para auxiliar a identificação das larvas e pupas de dípteros necrófagos, obtidas em cadáveres ou em cenas de crime sem cadáver mas, com manchas biológicas infestadas. Através da análise de marcadores moleculares específicos pode-se identificar com exatidão a espécie de inseto ao qual a larva pertence e assim, pode-se avaliar o IPM, a identidade genética do cadáver, entre outras informações ( IDE, 2014 ;MARTINS et al.,2013). As análises genéticas de DNA de insetos adultos contudo, também são importantes, pois estes também podem conter material biológico do cadáver utilizado para a sua alimentação. (CAINÉ, 2010). A padronização de técnicas de extração de DNA e a avaliação da eficácia destas técnicas em amostras das diferentes fases de ciclo de vida dos insetos podem contribuir significativamente com a Entomologia Molecular Forense. 3. OBJETIVOS O objetivo desse estudo é avaliar de forma comparativa a quantidade e a qualidade (grau de pureza) do DNA obtido de amostras de diferentes fases do ciclo de vida (larvas, pupas e insetos adultos) dos dípteros necrófagos, a partir de extrações realizadas pelo método de salting out modificado (MELO & VENTURA, 2013). 4. METODOLOGIA 4.1 Coleta, preservação e identificação Os espécimes de dípteros que fizeram parte desse estudo foram coletados em armadilha adaptada do modelo proposto por Ferreira (1978 apud GUIMARAES & GUIMARAES, 2003) na região Litoral Sul de São Paulo no período de Junho de 2013 e região metropolitana de São Paulo no período de Julho de 2013. As armadilhas foram confeccionadas com garrafas PET e as iscas utilizadas foram peixes. As armadilhas foram distribuídas em diferentes ambientes de aspectos ecológicos distintos, fixadas de 1 a 10 metros do solo por aproximadamente quinze dias. Entre os períodos de 15 a 20 dias após a colocação das armadilhas, foram realizadas as coletas dos insetos adultos, larvas e pupas na armadilha. Esses insetos adultos foram identificados por métodos convencionais de diferenciação morfológica, comparando-os com as formas descritas em atlas e livros de Parasitologia, Biologia e Entomologia Forense (REY, 1992; JUNIOR & SASSON, 1981; OLIVEIRA-COSTA, 2011). Algumas pupas foram acondicionadas em potes de coleta para posterior maturação e identificação. As larvas em diferentes estágios também foram devidamente identificadas morfologicamente com o guia on-line de identificação de larvas de insetos dípteros (PINHO, 2008). 4.2 Extração do DNA pelo método de Salting-out Amostras unitárias de larvas, pupas e insetos adultos de espécies de dípteros das famílias Muscidae, Calliphoridae e Sarcophagidae foram utilizadas para a extração de DNA pelo método de salting-out modificado (MELO & VENTURA, 2013). As amostras foram maceradas em 1000µl de PBS 1X e centrifugadas a 10.000 rpm por 2 minutos. Constituíram-se assim os pellets de células. Para a extração adicionou-se aos pellets 600µl de Buffer A e misturou-se até dissolvê-los totalmente. Após a dissolução, adicionou-se 20µl de SDS 10% e homogenizou-se as amostras por inversão. Em seguida, adicionou-se 100µl de Pronase E, homogenizou-se novamente as amostras por inversão, e estas foram incubadas por 20 minutos em temperatura de 60ºC. Após a incubação adicionou-se 100µl de NaCl saturado (5M) e misturou-se vigorosamente por 10 minutos. Em seguida, centrifugou-se as amostras a 10.000 rpm durante 10 minutos. Os sobrenadantes foram transferidos para um novo tubo e adicionou-se 1000µl de EtOH (etanol) absoluto gelado. Após a homogeneização, as amostras foram mantidas overnight a -20ºC para precipitação do DNA. As amostras foram então, centrifugadas em 10 000 rpm por 10 minutos. O EtOH absoluto foi descartado e adicionou-se 400µl de EtOH 70% gelado para a lavagem dos pellets de DNA, misturando por inversão de tubos. Em seguida, as amostras foram centrifugadas a 10 000 rpm por 10 minutos. Após retirada do EtOH, foi realizada a secagem dos pellets em estufa à 37 oC. Os pellets de DNA foram ressuspensos em H2O Milli-Q estéril. As amostras foram preservadas a 4 oC ou 20oC. As amostras de DNA extraídas pelo método de salting-out foram submetidas a análise em espectrofotômetro para verificar a concentração de DNA e sua pureza. O valor de pureza é calculado através da relação Abs260/Abs280 que deve estar entre 1,8 e 2,0. Para valores inferiores a 1,8, considera-se contaminação da amostra e a concentração do DNA em µg/ml é calculada na fórmula ABS260 x FATOR DE DILUIÇÃO x FATOR CONSTANTE (50). Realizou-se a eletroforese em gel de agarose a 0,8% das amostras de DNA obtidas e observou-se o perfil eletroforético em transluminador de luz UV. 5. DESENVOLVIMENTO Os casos mais relevantes publicados na história da Entomologia Forense foram referentes à primeira aplicação entomológica que ocorreu em 1235, na China (BENECK, 2001), e o caso do corpo da criança oculto sobre o piso de uma residência na França, onde Bergeret, em 1855, utilizou a Entomologia como ferramenta auxiliar na elucidação do homicídio (PUJOL-LUZ ET AL., 2008). No Brasil, Edgard Roquette Pinto, no Rio de janeiro e Oscar Freire, na Bahia iniciaram estudos na área entomológica. Estes pesquisadores obtiveram ótimos resultados, porém pela falta de atualização de dados taxonômicos, biológicos e técnicos, além da grande diversidade biológica e restrições jurídicas e éticas tiveram dificuldade no andamento desses estudos (PUJOL-LUZ ET AL., 2008). As técnicas comumente utilizadas para estabelecer a IPM são as análises de vestígios, observação externa do cadáver, do esfriamento do corpo, dos livores de hipóstase, da rigidez cadavérica e de outros sinais que podem ser indicativos para determinar a cronotanatognose (diagnóstico do tempo da morte). O entomologista forense pode auxiliar na análise dos espécimes coletados na cena do crime, para indicar o tempo post-mortem com maior precisão graças ao seu vasto conhecimento de morfologia, biologia e ecologia de insetos necrófagos (VELHO ET AL., 2012). A estimativa do IPM pelo estudo entomológico é efetuada segundo um de dois métodos. Um dos métodos, geralmente utilizado nas primeiras fases do processo de decomposição cadavérica, utiliza a informação relativa à estimativa da idade dos estádios imaturos que aproveitam o cadáver como fonte de alimento. Os insetos utilizados para esta estimativa são geralmente dípteros pertencentes às famílias, Calliphoridae e Sarcophagidae. Uma vez que estes dípteros tenham depositado ovos no cadáver, a estimativa da idade dos ovos, das larvas ou das pupas mais antigos fornecerá um IPM mínimo (CATTS, 1990; ANDERSON, 1995). O outro método baseia-se na progressiva sucessão de artrópodes encontrados no cadáver (CATTS & GOFF, 1992) e no fato de cada fase da decomposição cadavérica atrair seletivamente determinadas espécies. A análise desta sucessão poderá, assim, fornecer informação sobre o tempo decorrido após a morte, com estimativas dos intervalos mínimos e máximos de IPM (CAINÉ, 2010). Como o método de identificação, ainda, alguns entomologistas coletam as ninfas dos cadáveres em análise e as mantém em laboratório com armazenamento e temperatura adequada até que se tornem pupa e eclodam, dando origem a novos insetos adultos, para assim identifica-las pela morfologia e calcular o tempo aproximado da morte (MARTINS et al., 2013). Nestes casos, para a confirmação taxonômica das espécimes pode-se aplicar técnicas de Biologia Molecular, como a amplificação específica de segmentos do genoma da suposta espécie, por PCR (CAINÉ, 2010). 6. RESULTADOS 6.1. Coleta e identificação morfológica A coleta e identificação morfológica, realizada segundo os critérios da taxonomia clássica de dípteros, foram efetuadas conforme descrito por MELO & VENTURA (2013). Resumidamente, após a coleta e triagem por coloração, tamanho e morfologia dos insetos necrófagos, foi realizado uma analise taxonômica e identificaram-se espécimes das famílias Sarcophagidae, Calliphoridae e Muscidae. 6.2. Extração de DNAg das espécimes de dípteros Para a extração do DNA pelo método de salting-out foram utilizadas larvas, pupas e insetos adultos das espécimes Sarcophagidae, Muscidae e Calliphoridae devidamente identificados e acondicionados em álcool 70%. As amostras foram ressuspensas em H2O Milli-Q estéril e analisadas por espectrofotometria para verificar a concentração de DNA e sua pureza. Foi possível obter amostras de DNA de todas as espécimes de insetos analisados pela metodologia de salting-out, que é simples e de fácil manipulação. Contudo, as amostras obtidas de insetos adultos e pupas revelaram um grau de pureza inferior a 0,07 e quantidades inferiores à 40 microgramas de DNA. Por outro lado, as amostras obtidas de larvas revelaram quantidades e grau de pureza melhores do que as de pupa e de insetos adultos, conforme mostrado na tabela 1. Tabela 1. Espectrofotometria de DNA de larvas de insetos necrófagos para obtenção de quantidade de DNA e para avaliação do grau de pureza 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A identificação precisa da espécie de uma prova entomológica representa um passo crucial na análise forense. Espécies taxonomicamente relacionadas podem divergir substancialmente nas taxas de crescimento e hábitos ecológicos. O diagnóstico da espécie baseado nas características morfológicas/anatômicas do espécime pode revelar-se inútil na distinção de estádios imaturos, quer devido a estes, não raras vezes, serem morfologicamente indistinguíveis, quer devido à inexistência de chaves para a sua classificação. A utilização do DNA na caracterização destes estádios encontra-se amplamente descrita na literatura científica (Mazzanti et al, 2010; Cainé, 2010). A técnica proposta nesse estudo para a obtenção do material genético, mostrouse válida para a extração das larvas de Chrysomya spp e Sarcophaga spp de 10mm a 13mm. Provavelmente esse resultado foi acarretado pela quantidade de células e proteínas que o imaturo possui na sua fase larval mais avançada. A metodologia de salting-out que é simples, de fácil manuseio e de baixo custo mostrou que é possível sua utilização na Entomologia Molecular Forense. Uma vez obtida a amostra de DNA, várias outras técnicas moleculares podem ser aplicadas na identificação de insetos imaturos ou espécies desmembradas. 8. FONTES CONSULTADAS ANDERSON, G. The use of insects in death investigations: an analysis of cases in British Columbia over a five year period. Canadian Society of Forensic Science Journal; 1995; 28:277-292; BENECKE, M. A brief history of forensic entomology. Foresnsic science international. v.120, n.2, p.114, 2001; CAINÉ, L.S.R.M. Entomologia Forense: Identificação genética de espécies em Portugal. 2010. 109f. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde, ramo de Ciências Biomédicas) – Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Portugal; CATTS, E. Analyzing Entomological Data, In: Catts E. and Haskell N. Editors, Entomology and Death: A Procedural Guide, South Carolina: Joyce’s Print Shop; 1990. p. 124-137; CATTS, E.; GOFF, M. Forensic Entomology in Criminal Investigations. Annual Review of Entomology; 1992; 37:253-272; GARCIA, D. 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