Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Introdução À saída da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha e a União Soviética encontravam-se numa situação semelhante de isolamento internacional, afastadas do sistema pelas potências vencedoras da Grande Guerra e severamente punidas pelos tratados de paz que se seguiram à sua derrota. Para o objeto deste trabalho, importa localizar as suas perdas na Europa Oriental. A Alemanha, por um lado, viu o seu território nacional ser separado em dois com o estabelecimento de uma Polónia independente e com a criação de um corredor terrestre que lhe dava acesso ao Mar Báltico, o corredor de Danzig. A própria cidade de Danzig, outrora alemã, ficou sob a proteção da Sociedade das Nações como uma cidade semiautónoma. Por outro lado, a União Soviética, ainda Rússia Soviética na altura, perdeu os territórios da Finlândia, Letónia, Estónia, Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia. À exceção da Ucrânia que integrou em 1922 a União, todos os outros países ganharam a independência com a derrota alemã. A juntar às perdas territoriais, ambos os países não foram convidados a integrarem a recém-criada Sociedade das Nações, confirmando o seu isolamento internacional, isolamento esse que ia para além do plano político e diplomático. O quadro que se apresenta assim é ilustrativo da situação adversa e idêntica que os dois países tiveram de enfrentar à saída da Primeira Guerra Mundial. Não será de estranhar, portanto, que os dois países tenham sentido a necessidade de uma aproximação mútua de modo a poderem abandonar o seu isolamento, ainda que parcialmente. O primeiro grande marco dessa aproximação deu-se com a assinatura do Tratado de Rapallo em 1922, onde as duas partes restabeleceram plenamente as suas relações diplomáticas que tinham sido interrompidas desde 1918, resolveram as pretensões mútuas, assim como marcou o início de um aumento significativo nas trocas comerciais entre os dois países, revestido de maior importância dada a falta de trocas com as potências ocidentais. Estas trocas comerciais mantiveram-se constantes e relevantes até à ascensão ao poder na Alemanha do partido Nazi e de Hitler que ditou uma quebra significativa de qualquer tipo de relações entre a Alemanha e a Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 1 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais União Soviética, tanto a nível económico como diplomático. As trocas comerciais baixaram para níveis simbólicos, quebrando assim a tendência que se tinha sentido durante a década de 20 de aproximação diplomática, económica e militar, entrando-se assim num novo ciclo de relações frias entre dois países ideologicamente antagónicos que só um realismo político verificado nas duas partes, assim como renitências do Reino Unido e França, puderam pôr fim em 1939. Antes de se passar ao relato dos acontecimentos que levaram ao pacto e a uma análise mais profunda das intenções e decisões tomadas pelos decisores políticos envolvidos em todo o processo, é importante deixar apontadas as motivações dos dois mais importantes políticos envolvidos nesta questão. São eles Adolf Hitler, líder e fundador da Alemanha Nazi e Josef Estaline, líder da União Soviética. Hitler e a ideologia nazi tinham objetivos bastante claros e definidos para a política externa alemã. Um dos principais conceitos era o do Lebensraum, ou a necessidade da Alemanha de novos territórios onde a sua crescente população se pudesse instalar, assim como a necessidade das matérias-primas necessárias para o desenvolvimento do país. Associada a essa expansão territorial estava ainda o desejo de unir os alemães que não se encontravam na Alemanha, os Auslandsdeutsch, mas antes disseminados por uma série de países vizinhos, alguns deles com comunidades alemãs significativas. Este conceito do Lebensraum estava intimamente ligado a um outro termo, o Drang nach Osten, que significava a necessidade do povo alemão em se expandir para Leste, para terras eslavas. Estes conceitos foram usados por Hitler no seu livro Mein Kampf onde ele defendia claramente a necessidade de expansão para o Leste, nomeadamente para a Rússia, não só pela expansão territorial, mas também pela grande necessidade de matérias-primas que a Alemanha tinha, matérias-primas essas que a Rússia era rica. Outro dos objetivos maiores da política externa nazi era a necessidade de fazer justiça pelas condições impostas à Alemanha após a sua derrota na Primeira Guerra Mundial. Hitler considerava que a Alemanha tinha sido humilhada pelas potências vencedoras e pretendia trazê-la mais uma vez para a primeira linha das nações, não só ao lhe restituir os territórios perdidos, mas em termos de transformar Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 2 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais por completo o sistema internacional em vigor que era absolutamente incompatível com seus intentos. Finalmente, associada à ideologia nazi estava a luta contra o comunismo, que aliás era recíproca, que Hitler julgava ser uma criação do povo judeu. Estaline, por seu lado, estava à frente de um país que, como já foi referido, também tinha sofrido as suas perdas após a Primeira Guerra Mundial, mas que se encontrava já numa situação interna bastante mais pacificada quando comparada com os primeiros anos da revolução bolchevique. O objetivo máximo de Estaline era a segurança das fronteiras da União Soviética. E ele tinha a profunda convicção que a União Soviética estava absolutamente cercada de inimigos, pelo que só poderia contar com ela mesma para assegurar esse objetivo. A ascensão ao poder de Hitler só veio aprofundar ainda mais essa noção. Por um lado, as potências capitalistas ocidentais procurariam desestabilizar a União Soviética sempre que houvesse oportunidade, por outro lado a Alemanha nazi e o seu profundo ódio pelo comunismo não poderia ser tolerada. Aos olhos de Estaline, estes dois lados estavam em pé de igualdade em termos de perigo para a segurança do país. No entanto, acompanhado desta convicção de absoluto isolamento internacional e consciência que a União Soviética só poderia contar com ela mesma, estava também um lúcido pragmatismo. O processo lógico de Estaline para a política externa não estava toldado por um fundamentalismo ideológico. Na política externa soviética esta convicção não se traduzia num isolamento da União Soviética ou abstração do que se passava a nível internacional. Ao invés disso, Estaline interagia com os diferentes lados consoante as mais-valias que isso trouxesse para o seu país de modo a assegurar o máximo de benefícios possível para o seu país. Para a segurança das fronteiras da União Soviética era também necessário dar uma especial atenção aos territórios que a circundavam. Na Europa, isso significava uma zona territorial que ia desde a Finlândia até à Roménia. Como se verá mais à frente, esta noção da segurança das fronteiras será o eixo através do qual toda a política externa de Estaline nos anos finais da década de 30 seguirá. Nomeadamente na criação de zonas de influência e de um perímetro de defesa que circundava as Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 3 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais fronteiras da União Soviética de modo a que permitissem uma margem de manobra maior na defesa do país afastando o mais possível o perigo estrangeiro. Enquanto este era o objetivo máximo de Estaline, o facto de a União Soviética ter perdido uma parte significativa dos seus territórios europeus com a paz separada de Brest-Litovsk de 1918 tinha também um peso nas motivações de Estaline. A opção de os recuperar não estava, de modo nenhum, posta de parte. Se tal se demonstrasse possível, seria um objetivo a ser perseguido. Ao longo deste trabalho tentar-se-á encontrar a resposta para a questão de se a política externa soviética, nos anos que antecederam a assinatura do Pacto MolotovRibbentrop, respeitou e seguiu os princípios propostos pela teoria do realismo ofensivo. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 4 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais O Realismo Ofensivo A teoria do realismo ofensivo, uma teoria inserida na escola realista das Relações Internacionais, foi desenvolvida por John Mearsheimer no seu livro “The Tragedy of Great Power Politics”. Como teoria realista que é, partilha com o realismo clássico diversos elementos, como a assunção de que o sistema internacional é anárquico, que não há qualquer entidade supranacional que gira os conflitos que surgem entre os estados. Contudo diverge em alguns pontos, especificamente nas causas que levam as grandes potências, o alvo focado da teoria por serem as grandes potências que maior capacidade possuem em afetar a política internacional e como ela se desenvolve, a agir da forma que agem. Uma dessas divergências é a de que o que molda a ação dos estados não é a natureza humana e a sua inerente vontade de poder, como Morgenthau defendeu, mas antes o desejo dos estados em garantirem a sua segurança1. E para atingir a sua segurança, os estados agem agressivamente no plano internacional, tentando ganhar mais poder às custas de outros estados pois, com um aumento de poder, aumenta também a sua segurança e aumentam as suas hipóteses de sobrevivência. O realismo ofensivo afasta-se também de outra corrente realista, a do realismo defensivo, na medida em que, apesar de considerar, como o realismo defensivo, que o objetivo máximo dos estados é garantir a sua segurança e sobrevivência, os meios que usam para o atingir são diferentes. O realismo defensivo sustenta que os estados procuram manter o equilíbrio do poder, sem buscar mais poder para garantir a sua segurança, não desestabilizando assim o sistema internacional. O realismo ofensivo, por outro lado, defende que o facto de um certo estado ter garantida a sua segurança num determinado momento não será suficiente para travar a sua busca por mais poder. O facto de o amanhã ser uma incógnita, assim como os desejos dos estados com quem partilha a “arena internacional”, faz com que os estados não se contentem com um nível mínimo de segurança. Como já referido, maior poder significa 1 MEARSHEIMER, John J. – The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 2001 (p.21) Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 5 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais automaticamente uma maior probabilidade de sobrevivência pelo que estes devem lutar sempre por esse poder, se possível até à hegemonia global. No entanto, devido à barreira física que representam grandes massas de água, a probabilidade de algum estado alguma vez vir a atingir a hegemonia global é muito escassa. Nem mesmo os Estados Unidos, o “primeiro hegemónico regional da era moderna”2, teve intenções de conquistar territórios na Ásia ou Europa. Dada esta impossibilidade, o autor defende que os estados procuram antes atingir o estatuto de hegemonia regional e, assim que o conseguem, devem impedir que outros estados atinjam igualmente esse estatuto. E para o conseguirem têm à sua disposição uma série de estratégias que o autor desenvolve, que mais à frente serão abordadas. Em segundo lugar, é também do interesse dos estados maximizar a sua riqueza e aumentar o seu peso no total da riqueza mundial 3. E fazem-no porque riqueza, ou poder económico, permite-lhe construir umas forças armadas que lhes deem a capacidade de perseguir os seus objetivos de política externa. Isto significa que eles devem procurar eles mesmos aumentar o seu poder económico, mas também evitar que os seus adversários façam o mesmo, ao impedir que estes controlem zonas ricas do globo4. Em terceiro lugar, os estados procuram aumentar o poder das suas forças terrestres, ou exércitos, assim como a marinha e força aérea como suporte a esses exércitos5. Em quarto e último lugar, os estados procuram uma vantagem nuclear sobre os seus adversários. Apesar de este requisito ter hoje em dia uma grande importância na política internacional, no espaço temporal abordado neste trabalho a bomba nuclear ainda não tinha sido desenvolvida, pelo que a sua observação não poderá ser efetuada. 2 Op. Cit., p.141 Op. Cit., p.143 4 Op. Cit., p.144 5 Op. Cit., p.145 3 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 6 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Em resumo, Mearsheimer oferece cinco fundamentos com os quais sistematiza o realismo ofensivo6: 1. O sistema internacional é anárquico, isto é, o sistema é composto por estados soberanos que não têm qualquer autoridade central sobre eles. Não há qualquer organismo supranacional com capacidade de limitar a ação dos estados; 2. As grandes potências possuem capacidade militar ofensiva que lhes dá a capacidade de infligir nos outros estados danos, com possibilidade de destruição dos mesmos; 3. Os estados não têm, nem podem ter, a certeza sobre as intenções dos outros estados. Mais concretamente, não podem ter a certeza que outro estado não use a sua capacidade ofensiva militar contra si. Além disso, o que hoje é certo amanhã poderá deixar de ser, pelo que uma postura descontraída relativamente a estados cujos interesses possam ser partilhados durante um período de tempo, não garanta que se perpetue no tempo; 4. A sua sobrevivência é o primeiro objetivo de qualquer estado. Tem por objetivo a integridade das suas fronteiras e a autonomia da sua ordem política interna; 5. As grandes potências são atores racionais. Agem de uma determinada forma, sabendo que a forma como agem afeta o comportamento dos outros estados e vice-versa. Estes são os cinco princípios basilares da teoria realista ofensiva que, quando conjugados, fazem com o que os estados assumam posturas agressivas. Enquanto estes princípios se aplicam aos estados em geral, outros conceitos importantes ajudam a compreender a política de Estaline no período de 1933, ano da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, até 1939. A União Soviética foi uma grande 6 Op. Cit., p. 31 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 7 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais potência que durante este período, sob a política externa de Estaline, foi um bom exemplo da ação de um estado numa lógica que se insere no realismo ofensivo. Estes outros princípios tornar-se-ão claros ao longo das próximas páginas enquanto os eventos forem relatados. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 8 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Estratégia para aumentar o poder Segundo o autor, os estados possuem vários mecanismos ou estratégias para aumentar o seu poder relativo. Entre estes encontram-se a guerra, a chantagem, o bait and bleed e, por último, o bloodletting que é uma variante do bait and bleed. Guerra A guerra é a estratégia principal usada pelos estados para aumentar o seu poder, mas também a mais controversa devido aos danos não só materiais que provoca, mas também humanos, sociais, etc.. Mearsheimer opõe-se à ideia de que a guerra não compensa. Segundo ele, esta ideia de que a guerra é uma iniciativa que em última análise traz aos seus intervenientes mais consequências negativas do que positivas assenta em quatro pressupostos: o primeiro é o de que todos os intervenientes acabam por perder a guerra. Ele nega-o ao dar vários exemplos de guerras iniciadas por estados que acabaram por ter efeitos positivos ao estado que a iniciou. Segundo um estudo referido por si, de 1815 a 1980 foram iniciadas 63 guerras, onde em 39 dessas 63 guerras o estado que abriu as hostilidades acabou por vencer 7. Um desses exemplos que tem ligação direta com o tema deste trabalho é a guerra iniciada pela Alemanha contra a Polónia em 1939, onde a primeira conseguiu conquistar a segunda com enorme sucesso8. O segundo pressuposto assenta na ideia de que devido à proliferação da bomba nuclear, é praticamente impossível grandes potências iniciarem uma guerra entre si. O autor defende que apesar de tornar a guerra entre grandes potências menos provável, não elimina por completo essa possibilidade9. O terceiro e quarto pressupostos aceitam o facto de que as guerras podem ser ganhas, mas a grande custo. Quer a nível económico, quer a nível dos benefícios de guerra. A nível económico é argumentado que o preço de criar e manter um império é 7 Op. Cit., p.39 Idem 9 Op. Cit., p. 147 8 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 9 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais muito alto já que para o atingir é necessário ter níveis elevados de despesa militar o que a longo prazo acaba por comprometer a competitividade económica dos países. A nível dos benefícios da guerra, estes acabam por ser curtos e o estado vitorioso nunca acaba por gozar completamente as suas conquistas a nível económico devido aos nacionalismos que acabam sempre por existir o que torna a missão de controlar as populações locais muito difícil, especialmente na era da informação. A resposta poderia ser a repressão, mas isso por sua vez provoca reações violentas 10. A resposta de Mearsheimer à primeira argumentação é a de que, em muitos casos, é verdade é que a diferença entre os custos e os benefícios é muito curta, pelo que nesses casos iniciar uma guerra não será aconselhável. Contudo, há casos históricos que vão contra esta argumentação, como é o caso dos Estados Unidos da América na primeira metade do séc. XIX e da Prússia entre 1862 e 1870. Para além disso, o facto de um estado gastar muitos recursos económicos em orçamentos de defesa significar perda de competitividade económica não é necessariamente verdadeiro. Os Estados Unidos desde 1940 têm investido grandes quantidades nas suas forças armadas continuamente, não obstante, possuem a maior economia mundial. Por outro lado, o Reino Unido possuiu durante o séc. XIX um império que se estendia globalmente e apesar de eventualmente ter perdido competitividade económica, poucos economistas associam esta perda ao investimento militar 11. Referindo-se ao caso que poderá ser mais ilustrativo da correlação direta entre investimento militar excessivo e declínio económico da União Soviética nos finais da década de 1980, Mearsheimer afirma que não é unânime a ideia que as duas coisas estão interligadas. Relativamente ao segundo ponto, o dos escassos benefícios proporcionados por uma guerra Mearsheimer volta novamente a negar a sua validade. Afirma que a riqueza de um território pode ser extraída através de impostos, confiscação da produção fabril ou mesmo das próprias instalações fabris, dos recursos naturais (como petróleo)12’13. Referindo-se concretamente ao aspeto da facilidade ao acesso à 10 Op. Cit., p. 148 Op. Cit., p.149 12 idem 11 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 10 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais informação e à rápida expansão desta, Mearsheimer faz referência a um estudo que sustenta que as novas tecnologias apesar de terem um potencial subversivo, tornam a coerção e repressão de movimentos contra a ocupação mais fácil 14. Mearsheimer, no entanto, refere que mesmo que se aceite a ideia de que a conquista de um território não é lucrativa há três outras formas de um estado agressor vitorioso alterar a balança do poder a seu favor 15: 1. Usar parte da população do estado ocupado no seu exército ou em trabalho forçado. Casos da França Napoleónica ou Alemanha Nazi, por exemplo; 2. Conquista de faixas de território que possam ser usadas estrategicamente. Quer como zonas tampão contra possíveis agressões ou que serviam como ponto de partida para um futuro ataque. Casos como o ataque da União Soviética à Finlândia em 1939-40 ou o ataque à Polónia pela Alemanha Nazi em 1939. 3. Uma guerra pode servir para provocar tantos danos a outro estado que lhe retire o estatuto de grande potência. Por outro lado, o estado agressor pode anexar o estado derrotado, desmilitarizá-lo, desmantelar a sua capacidade produtiva ou dividi-lo em vários outros estados menores. Chantagem Um segundo meio que os estados têm à sua disposição para aumentar o seu poder é ameaçando o uso das forças militares caso as suas reivindicações não sejam acedidas. A vantagem deste meio é a de que um estado pode atingir os objetivos a que se propôs sem os custos associados a uma guerra. Contudo, é improvável que o uso destas estratégias promova grandes alterações na balança do poder, já que as grandes 13 Op. Cit., p.150 idem 15 idem 14 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 11 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais potências têm meio militares de aproximado poderio. Deste modo, esta estratégia funcionará apenas com estados de menor poderio16. A título de exemplo, a Alemanha Nazi conseguiu com que o Reino Unido e a França aceitassem que esta anexasse os Sudetas. Segundo o autor, deste caso notou-se uma alteração da balança do poder17. Bait and Bleed A terceira estratégia disponível aos estados para aumentarem o seu poder consiste num estado x provocar uma guerra prolongada entre dois outros estados rivais de modo a que esses estados se desgastem entre si, enquanto o estado x assiste ao confronto intacto18. Contudo, esta estratégia tem uma série de dificuldades. A primeira é a dificuldade em empurrar dois estados rivais a iniciarem uma guerra entre si, especialmente uma guerra que ambos não querem combater. Em segundo lugar, há o risco de ambos os estados perceberem que estão a ser empurrados para uma guerra entre si por um terceiro estado rival, com todos as complicações associadas a essa descoberta que esse terceiro estado terá. Por último, há também a possibilidade de um dos estados empurrados para a guerra conseguir vencer a guerra de uma forma decisiva e rápida, o que significará que em vez de perder poder, ganhará. Neste caso, o estado que os empurrou para uma guerra em primeiro lugar ficará numa posição mais fragilizada do que a que tinha à partida 19. 16 Op. Cit., p.152 Op. Cit., p.153 18 Idem 19 Op. Cit., p. 154 17 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 12 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Bloodletting Por último, a estratégia de bloodletting, como referido atrás, uma variante do bait and bleed, o objetivo é certificar-se que uma guerra em que um rival, ou mais, esteja envolvido se prolongue e lhe custe o máximo possível. Neste caso, o estado que prossegue esta estratégia (o bloodletter) não toma a iniciativa para provocar uma guerra no rival, mas certifica-se somente que essa guerra já previamente iniciada independentemente se prolonga no tempo. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 13 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Estratégias para suster agressores Para além dos estados seguirem estratégias que lhes permitam aumentar o seu poder relativo, de modo a alcançarem o maior poder possível têm também de se certificar que os seus rivais não ganham também eles poder. Geralmente, os elevados orçamentos militares das grandes potências são suficientes para dissuadir outro estado a procurar aumentar o seu poder às custas de outras grandes potências, contudo o aparecimento de potências revisionistas que procuram desestabilizar a balança de poder exige uma resposta que pode vir de duas formas: através do balancing ou através do buck-passing20. Balancing Com esta estratégia os estados tomam para si a responsabilidade de garantir o equilíbrio do poder impedindo a potência revisora de o desestabilizar. O estado que assume essa responsabilidade tem à sua disposição três formas de garantir o statu quo21: 1. Utilizará todos meios diplomáticos à sua disposição e tornará claro que, se necessário, entrará em guerra para o garantir. A tónica da sua ação passa pela confrontação em vez da conciliação, e faz com que fiquem claros os limites até onde evitará entrar em guerra com o estado agressor, após a transgressão destes não se inibirá de iniciar uma guerra para garantir o statu quo22; 2. Os estados ameaçados podem garantir alianças defensivas que garantam uma ação comum contra o potencial estado agressor. Esta ação denominada de external balancing23, é limitada num sistema bipolar já que não existem mais grandes potências com quem fazer 20 Op. Cit., p. 155 Op. Cit., p. 156, p. 157 22 Op. Cit., p. 156 23 idem 21 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 14 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais alianças, sendo possível, no entanto fazer alianças com potências menores. O apelo desta estratégia é que, com a criação de uma aliança, tanto os custos e riscos de contestar as intenções do estado agressor são divididos, especialmente em caso de guerra, como aumentam a sua capacidade militar relativamente à do agressor. Contudo, esta estratégia tem os seus contras, nomeadamente a lentidão e dificuldade que se sente com estas alianças defensivas, tanto na sua criação, como na sua aplicação quando necessárias dado o natural aparecimento de conflito de interesses entre os estados signatários; 3. Por último, os estados podem mobilizar recursos próprios para aumentarem o seu poder, seja através de aumento do orçamento de defesa ou aumento do recrutamento. Em oposição ao external balancing, esta estratégia é conhecida como internal balancing24. Contudo, o grau de aumento de poder que uma grande potência pode sentir com o internal balancing é limitado, uma vez que as grandes potências já despendem elevadas quantias nos seus orçamentos de defesa. Buck-Passing Esta estratégia consiste em colocar a responsabilidade de contrariar o estado agressor num outro estado, esperando que este o faça individualmente. Deste modo, o estado que passa essa responsabilidade pode permanecer numa posição sem risco, enquanto o outro corre todos os riscos. Isto pode ser feito de quatro formas 25: 1. O buck-passer26 procura cair nas boas graças do agressor ou, se tal não for possível, não o provocar de modo a que este centre as suas atenções noutro estado; 24 Op. Cit., p. 157 Op. Cit., p. 158 26 O buck-passer é o estado que passa a responsabilidade para um outro, o buck-catcher. 25 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 15 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais 2. O buck-passer procura manter uma relação distante com o buckcatcher26 de modo a que a sua relação com o estado agressor não sofra quaisquer revezes desnecessários, mas também para que não seja envolvido numa guerra ao lado do buck-catcher. 3. Procurando manter um elevado orçamento de defesa de modo a que os estados olhem para o buck-passer como um adversário poderoso e não como um estado que não teria capacidade de se defender de uma forma eficaz, tornando-se assim num apetecível alvo. Por outro lado, é aconselhável um investimento elevado nas suas forças armadas de modo a ter condições de se defender caso o “buck”, isto é, a responsabilidade de contrariar o estado agressor, caia sobre si. Quer sendo o primeiro alvo do agressor, quer sendo após uma vitória decisiva deste sobre o buck-catcher. 4. Numa alusão ao bait and bleed referido nas estratégias para aumentar o próprio poder, a quarta forma pressupõe que o buckcatcher permita ou promova o aumento do poder do buck-catcher de modo a que, caso uma guerra seja iniciada com o estado agressor, este tenha boas condições de dividi-la com o agressor e portanto prolongá-la o máximo tempo possível. O realismo ofensivo de Mearsheimer proíbe o uso de duas estratégias possíveis aos estados: o apaziguamento e o bandwagoning27. Isto deve-se ao facto de na base destas duas estratégias estar a concessão de poder a um estado agressor 28. Na estratégia do apaziguamento, o estado ameaçado faz concessões ao estado agressor que ameaçam a balança do poder, nomeadamente territoriais, quer seja parte do território ou a sua totalidade 29. Com isto, o estado ameaçado procura apaziguar de tal modo o estado agressor que este acabe com os seus intentos expansionistas. Com o 27 Mearsheimer define bandwagoning da seguinte forma: “Bandwagoning happens when a state joins forces with a more powerful opponent, conceding that its formidable new partner will gain a disproportionate share of the spoils they conquer together.” Op. Cit., p. 162, 163 28 Op. Cit., p. 162 29 Op. Cit., p. 163 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 16 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais bandwagoning o estado ameaçado procurar aliar-se ao estado agressor mais poderoso, procurando com isso recolher alguns dos despojos de guerra 27. Nesta segunda estratégia de concessão voluntária de poder, o estado não tem qualquer intenção de contrariar o estado agressor, ao contrário do apaziguamento 30. O termo bandwagon foi popularizado por Kenneth Waltz no seu livro “Theory of International Politics”. Nele, Waltz aplica o termo principalmente para a política interna num contexto eleitoral, mas não só. Também o faz relativamente à política externa dos estados, onde a sua adoção por estes produz os efeitos propostos por Mearsheimer, isto é, ganhos para estados que, caso se mantivessem afastados das maiores potências, só sairiam a perder: “(…)bandwagoning is sensible behavior where gains are possible even for the loser and where losing does not place their security in jeopardy. Externally, states work harder to increase their own strength, or they combine with others, if they are falling behind. In a competition for the position of leader, balancing is sensible behavior where the victory of one coalition over another leaves weaker members of the winning coalition at the mercy of the stronger ones” 31. 30 “Unlike the bandwagoner, who makes no effort to contain the aggressor, the appeaser remains committed to checking the threat.”, op. cit., p. 163 31 WALTZ, Kenneth – Theory of International Politics. Massachusetts. Addison-Wesley Publishing Company, 1979 (p.126) Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 17 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Enquadramento Estrutura do poder soviético A subida ao poder de Estaline determinou uma alteração da estrutura política interna da União Soviética. Estaline trouxe consigo uma forma diferente de tomar decisões políticas e isso teve reflexo na forma como a União Soviética abordou a ameaça nazi e a resposta que lhe deu. De igual maneira, a forma como Estaline ascendeu ao poder foi determinante como, nos anos de consolidação do seu poder, alterou esta estrutura política herdada de Lenine e, assim, transformou a estrutura política soviética à sua volta e forma que orbitasse sob a sua pessoa. O órgão máximo da estrutura política soviética era o Politburo, criado em 1919. Os seus membros eram eleitos pelo Comité Central do Partido Comunista da União Soviética e reportavam ao Comité Central e ao congresso do Partido, sendo composto por dez membros permanentes e três candidatos. Em 1932, era constituído pelo Secretário-Geral, Estaline, o presidente do Sovnarkom32, o presidente do TsIK URSS33, três representantes do partidos locais, o diretor do Gosplan 34 e os diretores dos comissariados da Defesa, Indústria Pesada e Transportes Ferroviários. A sua ação centrava-se em seis áreas centrais: política externa, defesa, segurança interna, indústria pesada, agricultura e transportes. A regularidade com que este órgão se reunia em 1923, ano em que Estaline foi Secretário-Geral na totalidade 35, era elevada. No total, o Politburo reuniu-se 80 vezes nesse ano, o recorde registado durante todo o mandato de Estaline até à sua morte, tendo decrescido regularmente desde então. Em 1928, reuniu 53 vezes, em 1933 24 vezes e em 1939, ano da assinatura do pacto, 2 vezes apenas, com um recorde mínimo de decisões tomadas, quatro36´37. Esta redução de sessões tem duas razões principais, 32 Conselho dos Comissariados do Povo. Comité Central Executivo da União Soviética. 34 Órgão responsável pelos planos quinquenais. 35 Ascendeu a Secretário-Geral em novembro de 1922. 36 REES, E. A., The Nature of Stalin’s Dictatorship: the Politburo, 1924-1953. Hampshire. Palgrave Macmillan. 2004. (p.27) 33 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 18 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais a primeira é que em 1933 o Politburo foi transformado num órgão consultivo apenas. O esvaziamento do poder do Politburo foi algo que ocorreu gradualmente ao longo das décadas de 1920 e 1930, com diversas alterações ao seu funcionamento que foi sofrendo. Isto deveu-se à segunda razão pelas quais o Politburo viu o número de sessões decrescer: a centralização do poder na pessoa de Estaline. Molotov justificou a violação dos procedimentos democráticos como uma contrapartida para uma rápida resolução dos problemas38. De facto, esta rápida resolução dos problemas teve frutos relativamente à ratificação do pacto, tendo esta sido concluída de uma forma muito diligente. O Orgburo e o Secretariado foram criados igualmente em 1919, como órgãos equiparados, em termos de poder, ao Politburo. Contudo, este último ganhou predominância sobre os primeiros. O Secretariado era o ramo executivo do Politburo e do Ogburo e encarregado de se certificar que as resoluções votadas eram aplicadas. À semelhança do Politburo, as sessões realizadas por este órgão político também foi decrescendo ao longo das décadas de 20 e 30. Como exemplo, o Ogburo reuniu-se 44 vezes em 1928, sendo que em 1937 reuniu-se 6 vezes, tendo uma ligeira subida nos três anos seguintes. O Secretariado, por sua vez, sofreu a maior quebra. Em 1928, reuniu 43 vezes, tendo deixado de reunir por completo em 1936. De referir também que, de 1928 a 1940 só por três vezes Estaline assistiu às reuniões do Secretariado 39. O Comité Central Executivo tinha funções legislativas, de acordo com a Constituição. Era usado para conferir legitimidade às decisões políticas que emanavam dos órgãos governamentais, controlados pelo Partido 40. O Sovnarkom, o Conselho dos Comissariados do Povo, estava intimamente ligado ao Politburo. Este órgão dedicavase aos assuntos económicos, sociais e administrativos. Contudo, apesar de haver um comissariado para a política externa, esta era tratada diretamente pelo Politburo. Maxim Litvinov, que chefiou a política externa de 1930 a 1939 e esteve encarregado de 37 Em 1923, foram tomadas 1487 decisões. Op. Cit., p.26 39 Op. Cit., p.32 40 Op. Cit., p.35 38 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 19 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais conter o expansionismo alemão durante a maior parte da década, antes da sua substituição por Molotov, sendo comissário para esse departamento da União Soviética pertencia, naturalmente, ao Sovnarkom. Contudo, uma vez que o Politburo assumia a responsabilidade direta da política externa, a posição de Litvinov estava naturalmente muito debilitada, pois tinha sempre de reportar ao Politburo as suas decisões tendo assim a sua liberdade de ação muito reduzida. Será muito importante ter este facto presente no relato e análise futuros dos eventos que decorreram antes da assinatura do pacto, uma vez que dará uma compreensão mais profunda da relação de forças que existia internamente no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Litvinov a juntar à relação de forças no plano internacional. À limitação natural do posto de Litvinov, há que juntar ainda o facto de o presidente deste órgão político, membro do Politburo como já referido, e assim, com direto acesso a Estaline, ser Vyacheslav Molotov com quem Litvinov não mantinha uma boa relação ou partilhava de ideais semelhantes quanto à linha que a política externa soviética deveria seguir. Nada menos que o seu sucessor na pasta dos negócios estrangeiros. A centralização do poder por Estaline ocorreu de uma forma progressiva e constante. A consolidação do seu poder foi conseguida quer através da eliminação sucessiva dos seus opositores políticos quer através da manutenção de pessoas leais à sua volta. Em 1924, Estaline isolou a Oposição de Esquerda liderada por Trotsky no Comité Central. Em 1926/27, derrotou a Oposição Conjunta, na qual Trotsky tinha formado uma aliança com os antigos aliados de Estaline, Zinoviev e Kamenev. Em 1928/29, avançou contra os “direitistas” Rykov, Bukarine e Tomsky, derrotando-os. De acordo com vários historiadores, Estaline conseguiu esta centralização de poder e recorrente vitória sobre os seus opositores devido ao seu controlo do Secretariado, que lhe permitia controlar as delegações que participavam os congressos do Partido e, assim, controlar as discussões, assim como o processo de eleição do Comité Central41. Esta consolidação do poder foi posta à prova, assim como a sua liderança, com o falhanço da política da coletivização e consequente enorme escassez de alimentos 41 Op. Cit., p.20 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 20 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais em 1932/33. Estaline sofreu críticas relativamente à sua ação no processo, tendo havido opositores que exigiram a demissão do líder soviético. No entanto, já não existiam mecanismos constitucionais para o derrubar 42. A par dos problemas internos da União Soviético, a ameaça externa também ajudava Estaline. O crescimento do Japão no Extremo Oriente e ameaça às fronteiras orientais soviéticas, assim como a subida de Hitler ao poder, em conjugação a crise da fome na população, empurrou os líderes soviéticos para um decréscimo de encontros nos diferentes órgãos políticos. A prática de expor e justificar políticas perante conselhos de responsáveis políticos foi sido abandonada, e assim os mecanismos de liderança coletiva e “accountability” coletiva desapareceram 43, ao mesmo tempo que os membros dos órgãos políticos iam sendo povoados por apoiantes de Estaline. Por esta altura, o líder soviético tratava dos assuntos nacionais a partir do seu gabinete, com encontros privados com os responsáveis dos diferentes departamentos de governação, o que lhe dava um controlo incomparavelmente maior do que o que teria se tivesse de reunir através do Politburo. Apoiado pelos seus braços-direitos e homens-fortes, Molotov e Kaganovich, Estaline delegava-lhes muitas funções. Contudo, esta delegação de poderes não lhe diminuía o poder. Como Rees refere de uma forma concisa através de quatro pontos44: 1. Estaline detinha muito mais poder que qualquer de um dos seus braçosdireitos. Era o principal homem na União Soviética e o seu ideólogo; 2. Estaline tinha criado as suas carreiras, assim como dos restantes membros do Politburo; 3. Pessoalmente, Estaline era muito mais implacável que os dois, ao mesmo tempo que ambos lhes tinham uma grande reverência. Não era uma relação entre iguais; 42 Op. Cit., p.40 Idem 44 Op. Cit., p. 42 43 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 21 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais 4. Estaline possuía outras formas de obter informação para além de Molotov e Kaganovich. Desta forma, Estaline controlava complemente a política interna soviética, pelo que é seguro afirmar que tudo que se passou de relevância durante o período tratado neste trabalho, foi feito com o seu conhecimento e consentimento. Estrutura do poder nazi A estrutura política da Alemanha Nazi não seguia normas constitucionais bem definidas, nem detinha um corpo de órgãos políticos que detinham, à semelhança de outro regime ditatorial como a União Soviética, uma série de competências prédefinidas e dos quais era esperada uma ação política específica. Pelo contrário, o regime nazi orbitava em volta de um homem, Adolf Hitler, o Führer. Ele representava sozinho o povo alemão e era esperado dele que liderasse o destino da nação alemã rumo à vitória. Uma ideia central da sua aceção do poder era o Führerprinzip, no qual ele definia a autoridade de cada líder para baixo e responsabilidade para cima 45. Este princípio baseava-se na aversão que Hitler tinha pelo processo democrático e pela decisão coletiva. Ele era defensor da liderança de um homem só, liderança essa que todos os inferiores tinham de respeitar e seguir. A proliferação de organismos criados durante o reinado de Hitler, criação que o próprio apoiava, sem linhas demarcadoras entre si, isto é, sem competências próprias bem definidas e separadas, criou dentro do regime uma constante luta de forças entre os dirigentes nazis. Jeremy Noakes refere em “Nazi Germany”, numa citação de um membro do regime, que “uma característica da administração Nacional Socialista era que cada pessoa que se sentisse suficientemente forte fazia o que quisesse no seu setor e não se permitia a estar impedido por qualquer consideração por outras 45 CAPLAN, Jane, Nazi Germany. Londres. Oxford University Press. 2008. (p.75) Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 22 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais autoridades, competências, pessoas ou interesses”46. Como consequência desta anarquia vivida no regime, vários problemas internos surgiam como guerras entre organismos, o mesmo tipo de trabalho feito vários vezes, trabalho sem qualquer valor ou fim, falta de produtividade, entre outros problemas da mesma natureza. Relativamente ao Reichstag, o parlamento alemão, o primeiro objetivo de Hitler era assegurar o controlo deste com o maior número possível de deputados nacional-socialistas. O meio que ele seguiu para atingir este fim foi através da convocação de eleições antecipadas para 1933. Durante o período eleitoral que se seguiu, Hitler, através do controlo da comunicação social e através de medidas excecionais que limitavam a ação dos adversários políticos através do seu posto de Chanceler atingiu o sucesso para o seu partido. O resultado foi um aumento de cerca de 11% em apenas quatro meses, passando de 33% nas eleições de novembro de 1932, para 43.9% em março de 1933. O passo seguinte foi a tentativa de aprovação da Lei da Concessão de Plenos Poderes, uma alteração constitucional que reduziria grandemente os poderes do parlamento e que permitiria ao Chanceler aprovar leis sem consultar o parlamento. Uma vez que o Partido Nazi ainda não possuía maioria, Hitler procurou a expulsão dos deputados comunistas do Reichstag, que foi conseguida depois do incêndio no Reichstag por um comunista, sob o pretexto de controlar os excessos do Partido Comunista da Alemanha, e ainda conseguido os votos do Partido do Centro, o que lhe garantia a maioria de dois terços necessária para a alteração constitucional. Esta foi conseguida e a lei promulgada. Uma outra vertente muito importante do regime nazi eram os braços armados do Partido Nazi: as SS e as SA. A organização que detinha mais poder, as SS, sofreu uma evolução ao longo dos anos em que o Partido Nazi liderou os destinos da Alemanha. As SS eram constituídas por um conjunto de instituições, entre elas a política secreta, a Gestapo. Infiltraram-se em vários setores das sociedade alemã, tendo atingido enorme poder dentro da Alemanha. A título de exemplo, possuíam membros dentro do exército, organizavam os territórios conquistados e tomaram 46 Op. Cit., p. 76 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 23 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais controlo dos campos de concentração, tendo sido responsáveis pelo extermínio dos judeus e outros alvos do ódio nazi. À semelhança de Estaline, Hitler também consolidou o poder interno através da eliminação dos seus opositores políticos que seguiam a sua ideologia. A célebre Noite das Facas Longas marcou o assassinato de vários militantes nazis que não se alinhavam com Hitler, nomeadamente membros das SA, assim como seguidores do Strasserismo, uma vertente do nazismo que defendia diferentes formas de continuar a revolução nazi. A partir deste momento, o papel das SA perdeu grande parte da sua importância, tendo sido relegadas para um segundo plano relativamente às SS. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 24 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Descrição dos eventos antecedentes à assinatura do pacto Período de 1933 a 1938 A subida ao poder de Hitler deu início a uma nova era na relação entre a União Soviética e a Alemanha. O seu discurso inflamado contra o comunismo e a necessidade de uma expansão territorial para este era uma ameaça clara à segurança da União Soviética. No entanto, Estaline não tomou esta ameaça como séria logo em 1933, ano da subida ao poder de Hitler. Ao invés disso, ele acreditava que Hitler estava destinado ao fracasso e que a sua eventual saída do poder abriria caminho aos comunistas alemães. Tão convicto estava ele desse desfecho que ordenou ao partido comunista alemão e aos seus militantes que votassem no partido nazi 47. Mas Estaline estava errado quanto à fragilidade ou incapacidade de Hitler em manter-se no poder. Ao longo dos anos seguintes, Hitler foi consolidando o seu poder pelo que era importante agora perceber que tinha vindo para ficar e Estaline tinha de agir em concordância. Como referido na introdução, os objetivos da política externa nazi eram claros e públicos, já que Hitler tinha-os enunciado no seu livro Mein Kampf. Entre eles, a expansão territorial às custas da União Soviética era bem clara e Estaline estava consciente desse facto. Isto era mais perigoso para a segurança da União Soviética dado o facto de esta não estar em condições de fazer frente à Alemanha sozinha, ainda que por vezes Estaline quisesse passar essa imagem. Como Mearsheimer refere, as grandes potências temem-se a elas próprias e olham-se com grande suspeição, sempre preocupadas com as intenções perigosas, antecipando perigo, mesmo guerra 48. Neste caso, este sentimento, por si só já natural entre os estados, era exacerbado em Estaline pelo facto das intenções de Hitler em expandir a Alemanha às custas da União Soviética estarem claras no livro que escreveu enquanto esteve na prisão. Além desse facto, Mearsheimer refere ainda que as grandes potências não são agressores cegos 47 FISHER, David, READ, Anthony – The Deadly Embrace: Hitler, Stalin, and the Nazi-Soviet Pact 19391941. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 1988 (p. 15) 48 MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.33 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 25 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais que procuram a destruição de outros estados a todos os custos sem qualquer análise das variantes em jogo. Eles entendem, como Estaline entendeu bem a situação que tinha em mãos, que só podem ganhar poder às custas dos adversários quando têm a capacidade para o fazer. Até lá, adiarão uma ação ofensiva, focando os esforços em garantir a sua defesa e a defesa da balança de poder de modo a que o estado mais poderoso, neste caso a Alemanha, esteja em condições de ser atingido 49. Assim sendo, a Estaline apresentavam-se três opções em como agir com este facto: 1. A procura por matérias-primas para alimentar a crescente população alemã, passava pela conquista da Ucrânia e das suas planícies férteis. Como tal, a primeira opção seria abdicar da Ucrânia e permitir que a Alemanha a ocupasse sem oposição; 2. O eventual confronto que se avistava no futuro entre a União Soviética e a Alemanha e a incapacidade da primeira em fazer frente sozinha à segunda, significava que era necessária uma aproximação às potências capitalistas liberais, isto é, França e Reino Unido, e assim criar uma frente comum que fizesse frente aos excessos de Hitler e às suas pretensões territoriais; 3. A última opção era a de tomar a iniciativa e a dar a Hitler o que ele pretendia, as matérias-primas tão necessárias para a expansão da Alemanha e do seu povo, esperando com isso amenizar os seus intentos em levar guerra à União Soviética. Ficava claro desde a primeira hora que a primeira opção de abdicação da Ucrânia estava fora de questão, pelo que seria necessária uma abordagem simultânea à segunda e terceira hipóteses. O sistema internacional de Versalhes que saiu da Primeira Guerra Mundial não era bem visto pelos comunistas para além de terem sido excluídos da mesma. Assim sendo, a ideia da segurança coletiva, um dos princípios basilares da Sociedade das 49 MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.37 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 26 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Nações, nunca tinha sido usado como bandeira dos comunistas no plano internacional. Acontece que a subida ao poder de Hitler e o perigo que este representava para a União Soviética significava uma alteração da estratégia política dos comunistas, que se viam na necessidade de usar os meios necessários para travar o avanço nazi e o fortalecimento alemão. Em termos concretos da política externa soviética, isto significou a assinatura de uma série de tratados de não-agressão com os estados vizinhos da União Soviética, nomeadamente Estónia, Letónia, Polónia e Roménia. A assinatura destes tratados não era meramente a promessa de não entrar em guerra com estes estados, significava também o reconhecimento formal da sua existência e das fronteiras criadas após a Primeira Guerra Mundial. Estaline estava portanto a abdicar do direito da União Soviética nestes territórios em troca de uma segurança das fronteiras. Para além destes tratados, Estaline assinou ainda com a França um pacto de assistência mútua com a Checoslováquia, onde estes países se comprometiam a prestar assistência caso a Checoslováquia fosse atacada, mas apenas se a França o fizesse primeiro. Com este tratado Estaline dava um dos primeiros passos para uma cooperação com as potências capitalistas liberais, mas ainda assim demonstrando uma reserva clara quanto ao compromisso dado, garantido que a União Soviética não fosse deixada sozinha pela França na ajuda à Checoslováquia ao garantir a cláusula de só o fazer caso a França o fizesse primeiro. O grande passo seguinte na procura de uma frente comum contra Hitler foi a entrada em setembro de 1934 da União Soviética na Sociedade das Nações. A partir deste momento, a União Soviética tornar-se-ia um dos maiores promotores da segurança coletiva, tentando várias iniciativas junto dos diversos estados europeus para travar a Alemanha. A figura de proa desta nova linha de ação era Maxim Litvinov, o responsável da política externa soviética. Este era um homem que não tinha tanta desconfiança das potências capitalistas liberais como Estaline, pelo que a sua linha de ação passava por uma aproximação destas em detrimento da Alemanha. A união da Alemanha com a Áustria a 12 de março de 1938, com o Anschluss, deu início à expansão territorial alemã e confirmou os piores receios dos soviéticos. A Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 27 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais ideia da procura pelo Lebensraum não era meramente propaganda nazi, era um objetivo real que seria perseguido por Hitler. Como tal, os soviéticos tinham de agir junto dos outros países, convocando o Reino Unido, França e Estados Unidos a 17 de março para uma ação conjunta contra a Alemanha. Esta proposta foi recebida com muitas reservas já que os três países não queriam ser envolvidos num conflito com Hitler. Os Estados Unidos continuavam na sua linha de não intervenção nos assuntos europeus, a França estava preocupada com a crise política interna e o Reino Unido, pela voz de Chamberlain, não queria confrontar Hitler e considerava a ideia impraticável. Como tal, os esforços soviéticos em quebrar a expansão territorial alemã logo de início foram interrompidos pelas reservas das maiores potências que advogavam a segurança coletiva. O alvo da pressão nazi seguinte foi a Checoslováquia, que detinha uma elevada população alemã nos Sudetas, população essa que Hitler queria incorporar na nação alemã. A pressão alemã foi aumentando ao longo do ano de 1938 sobre a Checoslováquia, não encontrando grande oposição junto das potências. A Checoslováquia encontrava-se isolada, ao mesmo tempo que o Reino Unido, seguindo a lógica de apaziguamento de Chamberlain, ia preparando os checoslovacos para fazerem concessões às exigências de Hitler. A União Soviética, por sua vez, continuava a sua pressão junto da França e Reino Unido para a criação de uma frente comum de oposição a Hitler. Mais uma vez, estas pressões não tinham resposta, já que entre a União Soviética e a França e Reino Unido havia uma conceção completamente diferente de como a questão da expansão alemã deveria ser abordada. Enquanto a União Soviética fazia todos os esforços possíveis para parar Hitler o mais cedo possível na sua expansão territorial e assim evitar que a sua vez chegasse como tanto temia, França e Reino Unido continuavam convictos na doutrina do apaziguamento, acreditando que ao ceder às exigências de Hitler e ao dar-lhe o que ele queria, ele eventualmente pararia e ficar satisfeito. As renitências francesas e britânicas levaram a que os soviéticos tomassem medidas mais concretas e de um âmbito militar junto da Checoslováquia. A 2 de Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 28 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais setembro Estaline comunicou ao Presidente checoslovaco Eduard Benes que a União Soviética estava disposta a dar assistência militar ao seu país caso os alemães o atacassem, mesmo que a França não o fizesse. Durante o mês de setembro, à medida que a situação nos Sudetas ia aumentando de conflitualidade ao ponto de a 15, após motins da população alemã na região e consequente instauração da lei marcial pelo Presidente Benes, os soviéticos começavam a juntar tropas na Ucrânia. No entanto, devido ao facto da União Soviética não partilhar fronteiras nem com a Checoslováquia nem com a Alemanha, era necessário que ou a Polónia ou a Roménia permitissem a passagem de tropas pelos seus territórios, reivindicações que não foram aceites. Apenas a Roménia permitia a abertura do seu espaço aéreo, o que resultou no envio de aviões soviéticos. A Polónia, por sua vez, continuava irredutível por duas razões. A primeira pelo facto de temerem o facto que, caso tropas soviéticas entrassem em território polaco, estas nunca mais sairiam; a segunda pelo facto de já terem acordado com os alemães a receção de territórios pertencentes aos Sudetas com uma minoria de habitantes polacos para a Polónia 50. Chamberlain, por sua vez, continuava a fazer concessões a Hitler à margem dos checoslovacos. Sempre que era acordado um ponto, Hitler faria uma nova reivindicação que ultrapassa o já aceite. Decidido a pôr fim à questão, Chamberlain propôs uma conferência conjunta entre o Reino Unido, Alemanha, Itália, França e Checoslováquia para decidir o destino dos Sudetas, a ser reunida em Munique a 29 de setembro. A União Soviética foi deliberadamente excluída, já que os britânicos tinham a convicção que a sua presença na conferência resultaria numa paralisação das conferências dada a sua profunda convicção em travar Hitler e a garantir a integridade territorial checoslovaca, para além do facto de não terem confiança nas pretensões soviéticas. Nessa reunião foi decidida a evacuação total dos Sudetas, tendo os checoslovacos – que tinham sido afastados das conversações – de abandonar todas as instalações intactas, assim como abandonar no local todos os equipamentos militares, assim como bens pessoais da população. Nenhuma compensação seria paga ao Estado 50 FISHER, David, READ, Anthony , Op. Cit., idem, p.28-29 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 29 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais checoslovaco, nem às famílias afetadas. Com esta decisão, a Checoslováquia viu-se completamente despida de todas as medidas defensivas que tinha vindo a criar ao longo dos anos, nomeadamente a linha defensiva de fortificações ao longo da fronteira, assim como parte importante da sua capacidade militar. Estava portanto completamente desprovida de qualquer capacidade de fazer frente a mais concessões alemãs no futuro. Quando os soviéticos tomaram conhecimento do acordado nos Acordos de Munique, o sentimento de total deceção não foi escondido. Potemkin, o ViceComissário para os Assuntos Externos da União Soviética disse ao embaixador francês em Moscovo: “Meu pobre amigo, que fizeram vocês? Para nós não nos resta outra alternativa senão uma quarta divisão da Polónia.”. Este comentário demonstra perfeitamente como os soviéticos encaravam agora a forma de parar Hitler. Os seus esforços ao longo de 1938 em espelhar o conceito de segurança coletiva em medidas concretas tinham sido mal recebidas pelos líderes ocidentais, que procuravam uma diferente abordagem à questão alemã, e como tal estava claro que essa via não era eficaz na garantia da segurança da União Soviética. Estaline tinha agora de abrir caminho a uma aproximação à Alemanha e começar a encarar de forma mais séria e dedicada a terceira hipótese: o apaziguamento de Hitler à sua própria maneira. A tentativa de aliança com as potências capitalistas não estava a ter sucesso. A crença de Estaline de que a União Soviética estava completamente sozinha e de que dependia somente de si para garantir a sua segurança ganhava cada vez mais força. Como Mearsheimer refere, “states cannot depend on others for their own security. Each state tends to see itself as vulnerable and alone, and therefore it aims to provide for its own survival51”. Esta noção de que tanto a Alemanha, como as potências capitalistas liberais procuravam a destruição da União Soviética não era recente. Estaline compreendia-o bem e tinha uma suspeição imensa pelos dois lados. A questão aqui em causa era a de que uma aliança com as potências liberais ocidentais afiguravase muito mais provável de atingir dado o antagonismo ideológico entre o nazismo e 51 MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.33 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 30 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais comunismo. Contudo o realismo ofensivo defende que alianças são “casamentos de conveniência temporários”. O que é hoje um aliado, amanhã será um inimigo, como o contrário poderá suceder52. Nesta lógica, Estaline vai tentar uma aproximação à Alemanha de modo a precaver-se de um eventual fracasso total de aliança antinazi com a França e Reino Unido. Mais uma vez, o que movia Estaline nesta aproximação a estas últimas potências, à Sociedade da Nações ou ao conceito de segurança coletiva, não era nada mais, nada menos que um meio para atingir um fim: a segurança do seu país. Período de 1938 a 1939 O primeiro passo nesse sentido foi dado no final do ano de 1938, quando Estaline, pela pessoa do embaixador soviético na Alemanha, fez saber ao Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joachim von Ribbentrop, através do diretor do departamento da política económica alemão, Emil Wiehl, que os soviéticos estavam prontos a retomar as conversações de crédito que tinham sido interrompidas em março. Mas não só, os soviéticos estavam prontos “a abrir uma nova era nas relações germano-soviéticas”53. Durante todo o ano de 1938, Hermann Göring, como cabeça do Plano de Quatro Anos, vinha alertando para a necessidade extrema de matériasprimas de modo a que o Plano pudesse ser concluindo com sucesso. Durante os primeiros meses de 1938, por exemplo, as fábricas de munições só tinham recebido um terço da sua quota de ferro e aço. O caminho para as negociações iniciou-se a 11 de janeiro de 1939, quando Estaline respondeu ao pedido alemão de retomar as negociações a partir do zero. Nessa resposta Estaline afirma que quer que essas negociações sejam feitas em Moscovo. Isto afirmaria ao mundo o novo estatuto da Alemanha para a política externa soviética. Apesar das dúvidas de Ribbentrop, a necessidade extrema dos bens que a União Soviética estava pronta a comercializar com a Alemanha obrigou-o a aceitar a proposta. 52 53 Idem FISHER, David, READ, Anthony , Op. Cit., idem, p. 47 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 31 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Schnurre, o homem encarregado de liderar as negociações do lado alemão, iria a Moscovo no final do mês secretamente onde trataria dos assuntos em questão. No entanto, essa visita foi interrompida quando os jornais franceses e britânicos relatavam de forma sensacional a visita de uma comitiva alemã a Moscovo para tratar de uma aproximação económica dos dois países. Ribbentrop, que nesta altura, negociava uma aproximação da Alemanha à Polónia chamou Schnurre de volta à Alemanha, onde as negociações seriam retomadas na embaixada. Esta tomada de decisão não agradou a Estaline, que interpretou este acontecimento como uma jogada da Alemanha para humilhar a União Soviética internacionalmente. No entanto, Estaline estava mais ressentido com a França e o Reino Unido, pelo que ele continuava dedicado a uma aproximação à Alemanha. A 27 de janeiro, um artigo no jornal britânico “News Chronicle”, – que seria integralmente publicado no jornal soviético Pravda - assinado por um jornalista que tinha ligações próximas ao embaixador soviético que usava-o regularmente para transmitir as opiniões soviéticas, declarava que os britânicos e franceses tinham ignorado deliberadamente os soviéticos, enquanto os alemães e polacos tinham iniciado conversações para acordos comerciais. Nesse artigo, declarava-se ainda que a União Soviética não tinha intenções de dar qualquer ajuda ao Reino Unido e à França caso estes entrassem em conflito com a Alemanha e a Itália. A União Soviética concluiria acordos com os seus vizinhos na condição de estes a deixarem em paz. Terminava ainda dizendo que do ponto de vista do governo soviético, não havia grandes diferenças entre a França e Reino Unido de um lado, e a Alemanha e Itália do outro. O facto de Estaline ter reproduzido o artigo no Pravda indiciava que não estava apenas a preparar o mundo para uma alteração de postura nas relações internacionais, mas também a preparar a própria população da União Soviética para uma alteração da política que até 1938 vinha sendo seguida. A resposta, de Hitler veio três dias depois, no seu discurso de comemoração do sexto aniversário da sua ascensão ao poder. Ao contrário dos outros discursos que fazia, onde atacava de uma forma prolongada a União Soviética e o comunismo, neste Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 32 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais discurso, e pela primeira vez, não inclui qualquer ataque ao comunismo ou à União Soviética, numa demonstração de reconhecimento das intenções de uma aproximação entre os dois países. Esta aparente disposição de aproximação entre os dois líderes, não parou a caminhada de Hitler. Durante o mês de fevereiro, a Alemanha celebrou uma série de acordos com os países da Europa Oriental, fechando o cerco à União Soviética. Hitler aumentava a propaganda contra o que restava da Checoslováquia, novos governos pró-Alemanha surgiam na Roménia e Jugoslávia, iniciando acordos de vendas de armas. A 24 de fevereiro, a Hungria junta-se ao Pacto Anti-Comintern, ao passo que a Bulgária demonstrava vontade de se seguir à Hungria. No início do mês de março, as negociações dos créditos iniciadas no início do ano tinham chegado a um impasse enquanto notícias da chegada de uma delegação britânica a Berlim para negociações sobre comércio entre os dois países chegavam a Moscovo. A União Soviética não se encontrava numa posição confortável. Estaline, no seu discurso do 18º Congresso do Partido Comunista Soviético a 10 de março, reitera as afirmações feitas em janeiro em que condenava o Reino Unido, França e Estados Unidos por terem sido incapazes de castigar a Alemanha, Japão e Itália pelos seus atos agressivos. Acusa-os de não se comprometerem à segurança coletiva apesar de terem condições económicas e militares para o fazerem, ao mesmo tempo que afirma que a União Soviética iria em assistência às vítimas de agressão que viam a sua independência em risco. Ainda relativamente às potências capitalistas liberais, Estaline acusava-as de, ao intervirem, estavam a incentivar os agressores a continuarem com as suas políticas expansionistas, dando a entender que ao permitirem que o Japão se envolvesse com a União Soviética, ou a Alemanha nos assuntos dos países europeus, apenas estava a criar condições para que estes se enfraquecessem mutuamente, para depois, nos “interesses da paz” imporem as suas condições nos beligerantes enfraquecidos. Estaline neste discurso enviava mensagens tanto à França e Reino Unido, como à Alemanha. Em primeiro lugar, avisava os primeiros que ao seguirem a política de não-intervenção e ao permitirem à Alemanha que seguisse o seu caminho sem Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 33 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais oposição, estariam a jogar um jogo perigoso que poderia resultar num duro golpe para eles mesmos. Em segundo lugar, fazia notar à Alemanha que a União Soviética estava disposta a ter relações de paz e comércio com todos os países. Essa era a sua posição e permaneceria assim desde que esses países não atentassem a paz da União Soviética ou fossem contra os seus interesses. Estaline deixou ainda a entender que o partido “deveria ser cuidadoso e não permitir que o nosso país fosse empurrado para conflitos por países que procuram a guerra e que estão habituados a que os outros tirem as castanhas do lume por eles”. Esta frase viria a ser bastante a usada no futuro, e fazia referência a uma passagem do Mein Kampf que falava no incómodo da Alemanha em ter de tirar “as castanhas do lume” pela Inglaterra do virar do século. No final desse mês, Hitler continuava a sua política expansionista na Europa, sendo o alvo desta vez a Lituânia e uma faixa de terra que lhe tinha sido dada após a Primeira Guerra Mundial: Memel e o seu porto. A 20 de março, cinco dias após a invasão sem qualquer resistência do que restava da Checoslováquia, Hitler faz um ultimato à Lituânia para cedesse de imediato essa faixa de terra. Sem esperar por uma resposta, Hitler inicia viagem pessoalmente para tomar controlo a Memel. Para Estaline isto representava um perigo real de Hitler iniciar agora uma expansão para os países bálticos, que ele considerava na órbita de influência da União Soviética, para além do facto de, caso Hitler iniciasse uma anexação destes países, a Alemanha se aproximar demasiado do coração da Rússia, nomeadamente de Leningrado ou mesmo de Moscovo. Pelo fim do mês, os britânicos tinham finalmente mudado de estratégia e assumido o perigo que representava o expansionismo alemão, que teria de ser enfrentado e não apaziguado, após rumores de um ataque iminente alemão à Polónia e à Roménia. A 31 de março, o Reino Unido e França comprometiam-se a garantir por completo a independência da Polónia. Com esta garantia Estaline tinha tido uma vitória sem nada ter feito por isso. Isto significava que caso a Alemanha atacasse a Polónia, o Reino Unido e França teriam de entrar em guerra em defesa da Polónia, o que significava que Hitler teria de dedicar as atenções à frente ocidental e não à União Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 34 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Soviética. Isto daria bastante tempo a Estaline para aumentar as defesas da URSS, enquanto se mantinha afastado da guerra. Mas não só, a garantia da independência da Polónia pelas potências capitalistas liberais significava que a União Soviética era agora cobiçada pelos dois lados em oposição, já que nenhum destes queria a União Soviética contra eles. Os britânicos estavam conscientes deste perigo e consideravam que com esta garantia, a posição natural dos soviéticos seria então de se manter afastada. Estaline estava portanto numa posição muito confortável e com uma grande margem de manobra para atingir o melhor acordo para a União Soviética. Apesar disso, devido à personalidade naturalmente desconfiada de Estaline das intenções reais de ambos lados, ele ainda temia um acordo final entre o Reino Unido e Alemanha o que significaria uma alteração em 180 graus da posição da União Soviética. Enquanto agora estava aparentemente numa posição confortável, caso esse acordo se desse, a Alemanha tinha o caminho aberto para uma guerra com a União Soviética e atingir o seu objetivo final. De modo a evitar que isso acontecesse, a 14 de abril, o embaixador soviético em Londres, Ivan Maisky comunicou a Lord Halifax, o Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, que a União Soviética estava pronta a iniciar conversações para fazer parte de uma garantia conjunta da Roménia. Halifax não pretendia algo do género. Queria antes uma declaração unilateral soviética de apoio à Roménia como modo de dissuasão de um ataque alemão a esse país. Tal era também rejeitado pela União Soviética que não queria “tirar as castanhas do lume” aos outros países. O objetivo permanecia o da segurança coletiva. O modo de negociação dos soviéticos era bastante rígido, não dando qualquer mostra de cedências ao lado contrário, pelo que Litvinov recomendou que a União Soviética começasse a mostrar algumas cedências para que um acordo pudesse ser alcançado. Por esta altura, no entanto, Litvinov já não se encontrava nas boas graças de Estaline e do Politburo, após as tentativas completamente frustradas da União Soviética em transpor o conceito de segurança coletiva para um acordo concreto com a França e Reino Unido. As propostas de Litvinov tinham ainda de passar por uma Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 35 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais avaliação prévia do Politburo antes de serem transmitidas oficialmente. Foi o que se passou com a resposta soviética à proposta britânica de 14 de abril. Quatro dias depois, dia 18, a resposta foi dada com oito artigos, três dos quais não negociáveis: 1. Os três países teriam de concluir um acordo de 5 a 10 anos onde garantiam dar assistência mútua, incluindo assistência militar, em caso de agressão na Europa contra qualquer um dos três; 2. Os três países dariam ajuda, assistência militar incluída, aos países da Europa Oriental entre o Báltico e o Mar Negro que fizessem fronteira com a União Soviética, em caso de agressão a algum deles; 3. Os três países negociariam e concluiriam o mais brevemente possível um acordo no conteúdo e forma da assistência militar a ser dada segundo as suas obrigações. Estas propostas não foram recebidas calorosamente pelos britânicos, que, como demonstrado no passado, tinham sérias dúvidas quanto a uma aproximação concreta à União Soviética. A 29 de abril, onze dias depois, Halifax, numa reunião com Maisky, afirmava que ainda não tinham uma resposta às propostas soviéticas. Por seu lado, os franceses estavam mais recetivos à proposta soviética, à exceção da cláusula relativa aos países bálticos. Estaline, não deixava de jogar nos dois campos. Desde os Acordos de Munique que as duas opções de aproximação ao Reino Unido e França ou Alemanha estavam em cima da mesa, pelo que continuava a estudar as duas hipóteses. A 21 de abril, Estaline pergunta ao seu embaixador em Berlim, Merekalov, se os alemães começarão uma guerra ou não com a União Soviética. A resposta dada pelo Merekalov foi mais que clara. Os alemães atacariam a Polónia no Outono de 1939, aproximando a Alemanha da fronteira soviética. Os alemães tentariam então assegurar a neutralidade alemã enquanto lidavam com a França, para depois, quando a França estivesse Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 36 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais subjugada, iniciariam um ataque à União Soviética num espaço de dois ou três anos 54. A resposta britânica continuava a não chegar, até que na noite de 3 de maio, o embaixador britânico em Moscovo, William Seeds, comunicava a Litvinov que o Reino Unido ainda não tinha chegado a uma decisão. Assim que a manhã chegou, Litvinov foi informado que tinha sido afastado do seu cargo. O homem a substituir-lhe seria Vyacheslav Molotov, um opositor interno seu. O afastamento de Litvinov era uma demonstração também de uma alteração de política externa no futuro. As tentativas de Litvinov em assegurar uma aliança com o Reino Unido e França, inseridas numa lógica de segurança coletiva, tinham falhado a toda a linha, pelo que se impunha uma mudança de política definitivamente. Para Anthony Read e David Fisher, o facto de Litvinov ser um forte apoiante de uma aliança com as potências capitalistas liberais, mas também o facto de ele ser judeu, era um sinal muito forte de Estaline a Hitler que ele estava pronto a aceitar propostas para um acordo55. Hitler, por sua vez, compreendeu claramente a mensagem de Estaline. Num comentário mais tarde aos seus generais comentou que o sinal lhe tinha atingido “como uma bala de canhão. A demissão de Litvinov foi decisiva.”56. Quando recebeu a notícia, Hitler deu ordens a Joseph Goebbels para parar com qualquer propaganda contra a União Soviética 57. Neste momento, e tal como tinha acontecido após os Acordos de Munique, Estaline estava cada vez mais consciente do perigo que corria ao dedicar-se quase exclusivamente à aproximação das potências capitalistas liberais. A alteração de comportamento Apesar da substituição de Litvinov por Molotov, as negociações com o Reino Unido e a França não foram abortadas. Molotov, nos dias seguintes conseguiu com que os britânicos e franceses aceitassem a maioria das reivindicações soviéticas. Por outro lado, a chegada de Molotov significava também um desejo mais vivo de 54 STEINER, Zara – The Triumph of the Dark: European International History 1933-1939. S.l.. Oxford University Press, 2011. p. 881 55 FISHER, David, READ, Anthony – Op.Cit., idem. p.75 56 Ibid. 57 Ibid. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 37 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais aproximação à Alemanha. Nesta lógica, Astakhov, conselheiro da embaixada soviética em Berlim, perguntou aos alemães se a demissão de Litvinov causaria alguma alteração na sua atitude para com a União Soviética. A resposta britânica à proposta soviética veio finalmente no dia 8 de maio, em que os britânicos reiteravam o desejo de ver a União Soviética garantir as independências dos países à imagem do que o Reino Unido e França tinham feito. Bonnet, o responsável pela diplomacia francesa, fiel à sua convicção de uma postura mais conciliatória com os soviéticos tinha dúvidas quanto a esta abordagem, já que sabia que os soviéticos não pretendiam garantir as independências dos países vizinhos mas sim uma aliança bem definida com o Reino Unido e França. Para além disso, cada vez mais sinais chegavam de uma aproximação da União Soviética à Alemanha. No dia 14, os soviéticos deram a sua resposta à contraproposta britânica. Rejeitavam-na, querendo um pacto de assistência mútua, uma extensão das garantias à Estónia, Letónia e Finlândia e um acordo militar concreto. Mais uma vez é visível a preocupação de Estaline em criar um cordão de segurança à volta da União Soviética de modo a afastar o mais possível os alemães das suas fronteiras. A noção da zona de influência soviética nos países fronteiriços era por esta altura, já bastante evidente. No Reino Unido, a oposição à posição de Chamberlain ia crescendo, temendose o cenário de uma União Soviética neutral em caso de guerra com Alemanha. Também os jornais britânicos favoreciam uma aliança com os soviéticos. Assim, a 24 de maio, o governo britânico acedeu a iniciar conversações para uma aliança entre os três países. No entanto, o governo britânico não tinha, apesar da aceitação em iniciar conversações, acedido por completo às exigências soviéticas, reservando para si ainda alguma margem de manobra. Ao iniciar as conversações, queria que a aliança fosse inserida no âmbito da Sociedade das Nações, o que não foi aceite por Molotov, que referia o facto de qualquer estado-membro poder frustrar as ações da União Soviética. Para além deste facto, a questão dos países que não queriam uma ajuda soviética ainda não tinha sido resolvida, por temerem o que a entrada de tropas soviéticas pudesse significar. Os soviéticos pretendiam que as suas reivindicações fossem Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 38 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais ignoradas e uma solução de defesa da União Soviética lhes fosse imposta. Os britânicos respondiam que tal não lhes podia ser imposto contra a sua vontade. O que esta dialética demonstrava eram os diferentes objetivos dos dois lados, presentes desde o início da expansão alemã em 1938. Os soviéticos, conscientes da inevitável guerra com a Alemanha queriam preparar-se para ela, os britânicos queriam evitá-la. Enquanto as negociações com os britânicos e franceses decorriam, Estaline preparava as aproximações à Alemanha. A 9 de maio, um relatório chega às mãos de Estaline que concluia, coincidindo com o relato dado por Merekalov, que os alemães preparavam a invasão da Polónia e acreditavam que, dada a incapacidade do Reino Unido e França em fazer frente ao exército alemão, esta guerra acabaria por ser localizada. O relatório falava ainda no desejo de Hitler na Ucrânia e nos estados bálticos e a sua anexação à Alemanha, afastando-os da União Soviética. Durante o mês de maio, agentes soviéticos dão informações aos alemães dos desenvolvimentos das conversações com o Reino Unido e França de modo a fazê-los sentir que um acordo estava cada vez mais perto de ser atingido. A juntar às preocupações de Estaline, no mês de junho chegaram relatórios da vontade de Hitler em resolver a questão polaca a todos os custos, mesmo que isso significasse uma guerra em duas frentes, pelo que Hitler não se sentiria inibido por uma aliança entre a União Soviética e Reino Unido. Mais: Hitler esperava que os soviéticos tomassem a iniciativa para um acordo entre os dois países, já que a União Soviética não tinha qualquer interesse numa guerra com a Alemanha nem em defender a integridade territorial do Reino Unido ou França. Em meados de junho, preocupados com um eventual acordo entre a União Soviética e Alemanha, o embaixador alemão Schulenburg comunica a Molotov o desejo de Hitler em normalizar as relações entre os dois países. Ao mesmo tempo, os britânicos dão uma resposta aos soviéticos que não abordava a questão das garantias aos países que não a queriam. O impasse mantinha-se, enquanto relatos de encontros entre soviéticos e alemães aumentavam a pressão sobre os britânicos, tal e qual como acontecia com os alemães. Apesar disso, os britânicos estavam convencidos que a alternativa a uma aliança militar entre o Reino Unido e a União Soviética era o Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 39 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais isolamento, o que estava longe dos planos de Estaline, que não se queria ver na situação de estar sozinho contra a força da Alemanha. Ainda que os britânicos concebessem a possibilidade de um acordo entre a União Soviética e a Alemanha, tinham a convicção que o antagonismo ideológico impediria a conclusão com sucesso de algum tipo de aliança entre os dois países. As negociações continuaram durante o mês de junho com propostas e contrapropostas, que chocavam com a intransigência dos soviéticos. Estes continuavam a querer garantias dos países bálticos e da Finlândia, a aceitação do conceito de “agressão indireta” a esses estados que pressupunha que qualquer aproximação destes estados à Alemanha constituía uma agressão indireta à União Soviética o que daria legitimidade para agir militarmente contra esses países e finalmente o acordo simultâneo das questões políticas e militares da aliança. Por esta altura, os franceses também já tinham informações das intenções de Hitler em atacar a Polónia no final de agosto, pelo que forçava o Reino Unido a aceitar as condições impostas pelos soviéticos. As diferenças entre a União Soviética e Reino Unido, apesar dos rumores e pressão vindos do lado alemão, não deixavam de ser significativas. Nesta altura o que estava em cima da mesa para os britânicos era a aceitação do atropelo das independências dos países que circundavam a União Soviética a favor dos soviéticos, tal como tinha sido feito anteriormente a favor de Hitler. Tal era inaceitável, pelo que duas posições inflexíveis tinham a tarefa complicada de atingir um acordo. Este acordo só poderia ser alcançado caso esses mesmos países aceitassem uma garantia da União Soviética o que para eles seria o mesmo que o fim da sua existência como estados soberanos. O mais vocal contra esta solução era a Polónia que duvidava tanto da União Soviética, como temia que uma aproximação a esta irritasse Hitler e ditasse finalmente a invasão militar. Para Estaline, o objetivo não era travar a expansão alemã às custas de países pequenos, mas antes travar a expansão alemã antes que esta chegasse às fronteiras soviéticas. Se isso significava o fim da independência dos estados vizinhos, assim seria. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 40 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Uma nova tentativa de desbloquear o processo foi feita a 1 de julho, quando o lado franco-britânico propunha a garantia contra agressão direta numa cláusula secreta para os países bálticos e Finlândia, mas também Suíça, Holanda e Luxemburgo. Molotov aceitou a ideia da cláusula secreta, mas rejeitou a inclusão da Holanda e Suíça, que ainda não tinham reconhecido o governo soviético, mas também que não só agressão direta fosse incluída. Também a indireta devia ser abrangida. Dois dias depois, aceitou a inclusão dos dois países, mas na condição da Polónia e Turquia concluírem acordos de assistência mútua com a União Soviética, assim como adicionar ao facto de “agressão indireta”, um golpe de estado interno ou inversão da política externa a favor do agressor. Apesar do impasse nas negociações quanto à questão da agressão indireta, as negociações militares para a aliança são aceites a 25 de julho. São enviados do lado britânico e francês, militares de pouco conhecimento da União Soviética, assim como a sua viagem seria feita num barco lento e antigo. No final do mês de julho, as negociações entre a União Soviética e a Alemanha avançam, com o facto de a Alemanha ter sido incapaz de assegurar uma aliança do Japão, mas também do prazo final para a invasão da Polónia se aproximar a largos passos. No dia 24 é delineado um plano de três fases para melhorar as relações germano-soviéticas: um acordo comercial, um em cultura e questões de imprensa e finalmente um sobre as questões políticas. Os alemães demonstraram que as oposições britânicas não seriam encontradas nas negociações alemãs, nomeadamente quanto à questão da garantia da independência dos países bálticos ou da Finlândia. Para além disso, desde cedo que a relação entre a União Soviética e o Japão não era pacífica, tendo chegado a haver confrontos militares entre os dois países na Manchúria. Também essa era uma questão que os alemães tinham a capacidade de resolver. A 8 de agosto, num relatório enviado por Astakhov a Molotov sobre o ponto de situação das negociações, este referiu as suas dúvidas quanto às intenções a longo prazo dos alemães, assim que a União Soviética fosse neutralizada na questão de um eventual ataque à Polónia. Aparentava também que em troca de um desinteresse Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 41 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais soviético na questão de Danzig, a Alemanha declarava o seu interesse nos países bálticos, com exceção da Lituânia, na Bessarábia, Polónia russa e finalmente abandonariam as suas pretensões na Ucrânia. Molotov ficou satisfeito com as condições mas respondeu que tais preparações teriam de ser feitas em Moscovo. A 14 de agosto, Hitler, após uma reunião com os generais sobre a invasão da Polónia, decidiu que Ribbentrop deveria ir a Moscovo encontrar-se com Estaline. A reunião entre Molotov e Schulenburg deu-se a 15 de agosto, onde Molotov questionou o alemão se tinham chegado a alguma conclusão sobre um tratado de não-agressão, ao qual Schulenburg não deu uma resposta clara. Esta pergunta dava a entender que Estaline estava a tomar seriamente a questão de um acordo germano-soviético, ao mesmo tempo que queria clarificar se os alemães estavam dispostos a garantir a neutralidade alemã. Seguindo a mesma linha de ação, relatos de melhoramento das negociações com o Reino Unido e Polónia foram passados para os alemães de modo causar ainda maior pressão a Hitler para a conclusão de um acordo rápido que garantisse a neutralidade soviética na questão polaca. Contrastante com a abertura às reivindicações soviéticas do lado alemão encontrava-se a situação nas negociações com o Reino Unido e França. Após uma viagem longa de onze dias, a delegação militar chega finalmente à União Soviética onde se encontra no dia seguinte para iniciar as conversações. Do lado soviético, a comitiva era liderada pelo Marechal Voroshilov, que abordou a questão da passagem de tropas soviéticas por terceiros estados, ao qual recebeu a resposta de que não tinha sido atingido qualquer sucesso nesse capítulo. Dada esta resposta, o soviético deixou claro que a menos esta questão fosse resolvida, não adiantaria continuar com as negociações. Esta última reunião expôs por completo as diferenças entre os dois lados e como era difícil a conciliação de objetivos. Os soviéticos pretendiam a passagem das tropas pelos países vizinhos, algo que os britânicos não estavam dispostos, nem podiam dar. Para os soviéticos isto significava que os britânicos não levavam a questão da aliança suficientemente a sério, caso contrário ignoravam as exigências destes estados, tal como tinham feito com a Checoslováquia em 1938. Os franceses, por seu Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 42 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais lado, continuavam a fazer esforços para forçar os polacos a aceitarem esta condição, o que resultava sempre numa resposta negativa, dado o seu medo que se tal fosse aceite os alemães declarariam guerra imediatamente. A 17 de agosto, Molotov e Schulenberg encontravam-se novamente. Numa reunião onde se avançou mais do que o que se tinha avançado em meses com os britânicos, os soviéticos viram os seus desejos de um pacto de não-agressão aceites. A proposta alemã consistia num pacto com uma duração de 25 anos, uma garantia conjunta dos países bálticos e a moderação da Alemanha no conflito entre a União Soviética e o Japão. A resposta soviética, após pressão alemã de que uma resposta devia ser dada imediatamente, já que Hitler sabia que a data da invasão da Polónia estava perigosamente perto, foi dada dois dias depois onde Molotov propõe um acordo de duração de cinco anos, onde são delimitadas zonas de influência na Polónia e países bálticos. Sugeria também que Molotov se apresentasse em Moscovo nos dias 26 e 27. Nesse mesmo dia da resposta soviética foram terminados com sucesso os acordos comerciais entre os dois países. Numa carta enviada diretamente a Estaline, Hitler exige que Ribbentrop chegasse a Moscovo no mínimo no dia seguinte. No dia 23, Estaline recebe Molotov para a assinatura do pacto. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 43 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais O Tratado Molotov-Ribbentrop O Articulado O Governo do Reich Alemão e o Governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas desejosas de fortalecer a causa da paz entre a Alemanha e a URSS, e procedendo das provisões fundamentais do Acordo de Neutralidade concluído em abril, 1926 entre a Alemanha e a URSS, chegaram ao seguinte Acordo: Artigo 1º Ambas Altas Partes Contratantes obrigam-se a si mesmas a abandonar qualquer ato de violência, qualquer ação agressiva, e qualquer ataque entre si, seja individualmente ou conjuntamente com outras Potências; Artigo 2º Caso uma das Altas Partes Contratantes seja alvo de uma ação beligerante por uma terceira Potência, a outra Alta Parte Contratante não deve, de qualquer forma, fornecer o seu apoio a essa terceira Potência; Artigo 3º Os Governos das duas Altas Partes Contratantes deverão manter no futuro contacto contínuo entre si para o fim de consulta para troca de informações em problemas que afetem interesses comuns; Artigo 4ª Caso disputas ou conflitos surjam entre as Altas Partes Contratantes, nenhuma deverá participar de qualquer maneira em qualquer grupo de Potências que tenha como alvo, direta ou indiretamente, a outra Parte. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 44 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Artigo 5º Caso disputas ou conflitos surjam entre as Altas Partes Contratantes sobre problemas de uma forma ou doutra, ambas as Partes devem resolver estas disputas ou conflitos exclusivamente através de uma troca amigável de opinião ou, se necessário, através da criação de comissões de arbitragem. Artigo 6º O presente Tratado é concluído por um período de dez anos, sob condição de, desde que nenhuma das Altas Partes Contratantes o denuncie um ano antes da expiração deste período, a validade deste Tratado deverá ser automaticamente estendida por mais cinco anos. Artigo 7º O presente Tratado deverá ser ratificado no mais breve período possível. As ratificações deverão ser trocadas em Berlim. O Acordo deverá entrar em força assim que for assinado. Protocolo Adicional Secreto Artigo 1º No caso de acontecer algum arranjo territorial e político das áreas que pertencem ao aos estados bálticos (Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia), a fronteira do norte da Lituânia deverá representar a fronteira das esferas de influência da Alemanha e da U.R.S.S.. Nesta ligação, o interesse da Lituânia na área de Vilna será reconhecido por ambas as Partes. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 45 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Artigo 2º No caso de acontecer algum arranjo territorial e político das áreas que pertencem ao estado polaco, as esferas de influência da Alemanha e da U.R.S.S. deverão ser delimitadas aproximadamente pelas linhas dos rios Narev, Vistula e San. Na questão de caso os interesses de ambas as Partes forem favoráveis à manutenção de um estado polaco independente e de como tal estado deverá ser delimitado, só poderá ser determinado definitivamente no decurso de desenvolvimentos políticos futuros. Em qualquer caso, ambos os governos resolverão esta questão através de um acordo amigável. Artigo 3º Em relação ao Sul da Europa, a Parte soviética chama a atenção do seu interesse na Bessarábia. A Parte alemã declara o seu desinteresse político nessas áreas. Artigo 4º Este protocolo deverá ser tratado por ambas as Partes como estritamente secreto. Moscovo, 23 de agosto, 1939 Pelo Governo do Reich Alemão V. Ribbentrop Plenipotenciário do Governo da U.R.S.S. V. Molotov Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 46 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Consequências do pacto A assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop entre duas potências naturalmente antagónicas marcou uma viragem na relação entre as duas de 1939, ano da assinatura, até ao ano de 1941, ano da quebra do pacto pela Alemanha nazi e consequente invasão, dando como aberta a frente oriental da guerra na Europa. Além de divisões territoriais, através da demarcação de zonas de influência atribuídas a cada um dos estados contratantes, o Pacto Molotov-Ribbentrop também abriu caminho a uma cooperação próxima entre os dois países, através dos acordos comerciais celebrados que beneficiaram as duas partes e também da promessa de não envolvimento em conflitos que as partes estejam envolvidas. Quanto às esferas de influência criadas, à União Soviética ficariam atribuídas as zonas dos países bálticos (Lituânia excluída), Finlândia, Bessarábia e finalmente parte da Polónia, através dos rios Narev, Vistula e San, enquanto à Alemanha eram atribuídas a restante parte da Polónia e a Lituânia. Seria ainda criado um pequeno estado polaco entre os dois países. O que cada país faria na sua esfera de influência estava em aberto. Após a invasão da Polónia, em setembro, Estaline propôs uma alteração ao Pacto, rejeitando a criação de um estado polaco nas fronteiras assim como uma alteração às respetivas zonas de influência. A troco de uma parte da Polónia, Estaline ficaria com direito à Lituânia. Relativamente à Finlândia, foi exigido ao governo finlandês que a fronteira entre os dois países recuasse 30 quilómetros e que destruíssem todas as fortificações no Istmo da Carélia. Ainda foram exigidas concessões territoriais no Golfo da Finlândia, no Mar de Barents, assim como a permissão para instalar uma base militar em território finlandês. A recusa do governo finlandês em aceder às exigências soviéticas marcou o início da Guerra de Inverno. Esta guerra, à partida, parecia uma vitória fácil para a União Soviética, mas as condições meteorológicas e complicações de outra ordem dificultaram a vitória soviética. Esta acabou por acontecer, ditando a anexação Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 47 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais de parte do território finlandês à União Soviética, territórios que hoje ainda permanecem sob alçada russa. Sobre os países bálticos, Estónia, Letónia e Lituânia foi feita pressão pela União Soviética para se juntarem ao gigante comunista, o que acabou por acontecer. Sobre a Bessarábia, a União Soviética fez um ultimato à Roménia para que abandonasse o território, que acabou por ceder ao fim de quatro dias ditando a anexação deste pela União Soviética. As relações económicas entre a Alemanha e a União Soviética foram também alvo de melhoramentos e a integração económica aprofundada. Foi acordado entre os dois países o envio de grandes quantidades de matérias-primas em troca de bens manufaturados, material fabril e equipamento. Em 1940, a União Soviética representava 34% do petróleo importado pela Alemanha, assim como de elevadas percentagens de vários bens essenciais58. 58 STEINER, Zara, Op. Cit., p.917 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 48 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais O pacto do ponto de vista do realismo ofensivo Neste capítulo far-se-á uma análise da política externa soviética durante todo o processo que antecedeu a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop, ponto por ponto, comentando as diferentes ações tomadas por Estaline e o seu respetivo homem forte para a política externa. Primeiramente Maxim Litvinov, que tinha uma visão de aproximação às potências democráticas ocidentais (Reino Unido e França) e era favorável ao conceito de segurança coletiva da Sociedade das Nações. Após a sua demissão e com a ascensão de Vyacheslav Molotov, a União Soviética muda de postura e adota uma visão mais pragmática das suas relações internacionais. Persegue uma política de proteção exclusiva da independência soviética, estando disponível para fazer tudo o possível para o atingir. Esta postura ditou uma aproximação à Alemanha nazi, antagonista em todos os sentidos possíveis, vontade que se verificou recíproca, culminando na assinatura do Pacto Motolov-Ribbentrop a 23 de agosto de 1939 e que ditou um período de paz entre as duas nações até à declaração de guerra pela Alemanha e o começo da Operação Barbarossa. Enquadrando a política externa soviética nas diferentes estratégias do realismo ofensivo, quer para aumentar o próprio poder, como para prevenir o aumento do poder de potências adversárias, poder-se-á notar que ao longo da década de 1930 esta deu uso a grande parte dessas estratégias. O que se fará é, à medida que os eventos marcantes da década de 30 foram ocorrendo e os decisores políticos soviéticos foram reagindo aos mesmos, ir fazendo a correspondência às diferentes estratégias - guerra, chantagem, bait and bleed, bloodletting, balancing ou buck-passing – onde tais tiverem sido seguidas, assim como às estratégias que não são aconselhadas a serem seguidas: bandwagoning e apaziguamento. À medida que as diferentes estratégias foram usadas, perceber-se-á que a União Soviética teve resultados diferentes no que toca ao sucesso na procura pelo seu objetivo maior: segurança das fronteiras e integridade territorial. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 49 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Importante também será acompanhar, quando necessário, as diferentes decisões dos opositores da União Soviética: Reino Unido, França e Alemanha, em concreto. Visto que cada uma destas potências manteve, na maior parte, uma linha constante na sua política externa, poder-se-á comparar as diferentes estratégias empregadas por cada uma e como tais estratégias resultaram para cada uma. Antes de se avançar para a análise da política externa soviética, uma referência relativamente à estratégia que Hitler seguiu durante a década de 30. À semelhança de Estaline, a política externa de Hitler pode ser inserida no âmbito do realismo ofensivo. Isto deve-se ao facto de Hitler ter tido uma abordagem baseada na chantagem na sua política externa. Com vista a atingir a expansão territorial que pretendia para a Alemanha, Hitler forçou os estados que se lhe opunham a aceitar as suas reivindicações insinuando que, caso estas exigências não fossem aceites, os estados que as rejeitassem podiam empurrar o continente europeu para a guerra. Por outro lado, o facto de ter conhecido poucas resistências às suas exigências, impeliu-o a continuar esta estratégia de chantagem, pois percebia que para os líderes europeus, nomeadamente os governos do Reino Unido e França, prezava-se mais a paz e o apaziguamento das intenções nazis que a manutenção da balança de poder e o statu quo na Europa. Como tal, a estratégia que Hitler adotou para a Alemanha foi também um sucesso, pois conseguiu um aumento significativo da área territorial deste estado sem quaisquer danos para este. O facto de Hitler durante a década de 30 ter aumentado bastante a produção militar do país e tamanho das forças armadas, indo contra o Tratado de Versalhes, ajudava a antever que se preparava para um eventual conflito militar59 pelo que o facto de ter atingido a expansão territorial de uma forma pacífica e sem pôr em uso o novo material de guerra foi um ganho significativo para a Alemanha. 59 De referir, relativamente a este ponto, que também na sua decisão de aumentar o poderio militar alemão Hitler agiu em concordância com os fundamentos do realismo ofensivo. Como será referido mais à frente neste capítulo em maior detalhe, Mearsheimer defende que os estados devem ter sempre presente a possibilidade de outros estados iniciarem uma guerra contra si e, sendo assim, devem-se preparar para tal eventualidade. Uma das formas de o conseguirem é através do investimento nas suas forças armadas. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 50 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais A análise da política externa da União Soviética começa com a sua adesão à Sociedade das Nações, em setembro de 1934, com o então responsável pela política externa Maxim Litvinov como o principal promotor desta adesão. A adesão da União Soviética à Sociedade das Nações foi consequência da tomada de consciência dos decisores políticos soviéticos do perigo que representava a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha. Era sabido dos líderes soviéticos o desejo de expansão de Hitler para Este, em direção à União Soviética em busca de território e matérias-primas. Esta adesão representava também o desejo dos soviéticos em aproximar-se das potências democráticas ocidentais com vista a deter a ameaça nazi, no quadro da segurança coletiva. O conceito da segurança coletiva era um dos pilares da organização que antecedeu a ONU, fazendo parte dos famosos Catorze Pontos de Wilson. A segurança coletiva consistia em criar uma força conjunta de países que fizesse frente a qualquer estado agressor, numa ação concertada, garantindo assim o statu quo. Assim sendo, com a adesão à Sociedade das Nações, a União Soviética iniciou o seu caminho da persecução do balancing, uma das estratégias para deter agressores. Diz-nos Mearsheimer que uma das formas de conseguir fazê-lo é tentando criar uma aliança defensiva contra o estado agressor 60, neste caso a Alemanha. Foi precisamente isto que a União Soviética tentou atingir quando surgiu a primeira ação ofensiva de Hitler, com o Anschluss. Como já referido no capítulo 4 deste trabalho, a União Soviética tentou alcançar um acordo com as democracias ocidentais de forma a encontrar uma solução conjunta quando essa anexação se deu. Contudo, esbarrou com a indisponibilidade do Reino Unido, França e Estados Unidos. Não era do desejo destas potências a criação de uma ação conjunta contra a Alemanha, por diversas razões, nem a criação de uma 60 MEARSHEIMER, John J. – The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 2001, p.156 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 51 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais aliança defensiva com um país que não se aproximava do seu espetro político e com quem tinham tantas divergências e desconfiança mútua. O Reino Unido e a França, em primeiro lugar, por partilharem da fé na estratégia de apaziguamento relativamente à Alemanha, especialmente o Reino Unido. Os Estados Unidos, por, nesta época, ainda seguirem uma política externa, em certo grau, isolacionista e por não se quererem envolver conflitos fora do continente americano. O passo seguinte dado pela União Soviética que seguiu a estratégia de balancing, deu-se com a crise que se seguiu ao Anschluss: os Acordos de Munique a anexação dos Sudetas. Novamente, a União Soviética tentou uma aproximação ao Reino Unido e à França, mas, novamente, estas intenções não foram correspondidas. De tal modo que a própria União Soviética foi mantida fora das negociações que deram origem aos Acordos de Munique, o que era uma prova clara da não intenção das potências democráticas ocidentais em testarem uma aproximação à potência comunista. Cada lado tinha uma visão diferente de como a abordagem às exigências de Hitler deviam ser encaradas. Por um lado, a União Soviética que temia a expansão alemã mais que as potências ocidentais, precisamente por na mente de Estaline estar a ideia de que uma guerra entre os dois países ser uma hipótese possível a médio prazo. Como tal, encetou os esforços possíveis para, no âmbito da segurança coletiva, dividir a responsabilidade de travar a Alemanha e a sua expansão. Esta estratégia tinha duas vantagens para a União Soviética: em primeiro lugar, a possibilidade da criação de uma ação conjunta contra a Alemanha permitiria à União Soviética dividir com duas outras grandes potências a responsabilidade de travar uma potência expansionista. Esta possibilidade pouparia em grande medida a União Soviética do esforço enorme que uma guerra provoca aos estados, quer em bens materiais, de guerra ou outros, de destruição de infraestruturas e, principalmente, Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 52 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais poupava a sua população de uma guerra que certamente traria – como se comprovou, mais tarde, na própria Segunda Guerra Mundial – graves baixas. Em segundo lugar, dada a localização geográfica das três potências, percebe-se facilmente que a parte mais pesada da resposta alemã a uma possível guerra, cairia na França principalmente, e no Reino Unido dada a sua proximidade. Deste modo, a União Soviética entraria numa posição de segurança, que lhe traria força e espaço de manobra quanto ao grau de envolvimento nesta guerra. Este fator está ligado, de certa forma, a outras duas estratégias propostas pelo realismo ofensivo como forma de lidar com um estado agressor: o buck-passing e bait and bleed, ainda que não corresponda fielmente aos modos como essas estratégias podem/devem ser aplicadas. Por outro lado, a postura do Reino Unido e França, quando enquadradas no realismo ofensivo, considera-se uma estratégia errada. Apesar de empenharem-se em travar os desejos expansionistas de um terceiro estado, fizeram-no de forma errada, pois, ao concederem às exigências de Hitler, concederam poder à Alemanha, o que quebra um dos pilares do realismo. Conceder poder a um outro estado desestabiliza a balança de poder e ameaça o equilíbrio entre os estados, pois fortalece um estado opositor enquanto se fragiliza a própria posição, em relação. Como diz Mearsheimer, “appeasement is likely to make a dangerous rival more, not less, dangerous” 61. Estes episódios, o Anschluss e os Acordos de Munique, serviram para Estaline perceber em que ponto estava em relação ao seu posicionamento perante as potências democráticas. A possibilidade de encontrar no Reino Unido e França dois parceiros para travar, à força, a expansão alemã era remota. Apesar de não ter abandonado por completo esse barco, Estaline percebeu que não se podia limitar na sua abordagem à questão alemã, pelo que, apesar de ter continuado os esforços para encontrar uma solução com estes dois estados, avançou para uma política externa mais fria e pragmática. Significa isto encetar esforços para negociações com o estado expansionista, a Alemanha. 61 Op. Cit., p.164 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 53 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais A estratégia de balancing manteve-se durante o resto do mandato de Litvinov, embora continuando com fraco sucesso, pelas incompatibilidades se manterem entre a União Soviética e Reino Unido e França. Apesar de esta estratégia ter perdido fulgor com a saída de Litvinov, na verdade a União Soviética nunca a abandonou por completo. Manteve, até à assinatura do pacto de não-agressão, as negociações com as potências democráticas ocidentais para a conclusão de uma aliança que tivesse o objetivo de deter a expansão alemã. Tal aliança não foi concluída pelas exigências de ambas as partes serem mutuamente consideradas inaceitáveis e os estados envolvidos não terem conseguido ultrapassar as divergências que os separavam. Com a chegada à liderança da pasta dos Negócios Estrangeiros de Vyacheslav Molotov, a postura da União Soviética sofreu alterações e a sua política externa começou a seguir caminhos que, até então, ainda não tinham sido explorados. Isto deve-se ao facto de Molotov estar mais próximo das ideias que Estaline tinha para a política externa do seu país. As resistências naturais do regime soviético à Alemanha nazi não eram tão fortes com Molotov. Por outro lado, a desconfiança em relação às intenções do Reino Unido e França cresceu significativamente. Este facto, enquanto dificultou a criação de uma aliança com estes estados, facilitou também a aproximação à Alemanha e, acima de tudo, abriu caminho à persecução de novas estratégias para afastar o perigo das suas fronteiras e preservar a independência da União Soviética. Por outras palavras, o que a mudança de homem forte da política externa soviética significou foi a abertura para seguir estratégias que não envolvessem a União Soviética como uma parte ativa na contenção da Alemanha, nomeadamente o buckpassing e bait and bleed. A ação centrou-se especialmente no buck-passing, isto é, empurrar o Reino Unido e França para a contenção da Alemanha e, ao mesmo tempo, afastar as atenções de Hitler da União Soviética. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 54 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Como referido no capítulo 2 deste trabalho, Mearsheimer diz-nos que uma das formas que um estado pode atingir o objetivo de passar a responsabilidade de contenção para um terceiro estado é ao fazer os possíveis para cair nas boas graças do estado agressor ou, caso esse feito seja difícil de atingir, pelo menos não provocá-lo. Quando analisamos a história da década de 30, mais concretamente após os Acordos de Munique e após Estaline ter ficado ressentido da exclusão da União Soviética dos mesmos e frustrado por esbarrar na indisponibilidade do Reino Unido e França em avançar para uma ação mais concreta e agressiva contra a Alemanha, vemos que o líder soviético seguiu essa linha. No artigo que foi publicado no jornal estatal Pravda, a 27 de janeiro de 1938, é feita a distinção entre as democracias ocidentais e a Alemanha ao ser afirmado que enquanto os primeiros tinham ignorado a União Soviético, a segunda tinha iniciado conversações para acordos comerciais. Em segundo lugar, é afirmado que para Estaline não havia grandes diferenças entre o Reino Unido e França e Alemanha e Itália. Este ponto, em especial, é importante por duas razões: 1. Ao afirmar que não há grandes diferenças entre os dois blocos, está a nivelar a sua relação entre ambos. Isto é, está a afastar-se do Reino Unido e França, com quem tinha uma história de aproximação até à data ao procurar ativamente uma ação conjunta contra a Alemanha; 2. Por outro lado, ao passar a Alemanha para o patamar das democracias ocidentais está a elevar o estatuto desta perante a União Soviética, tendo em conta o passado já referido. A relação dos dois países até à data era tão distante e antagónica que isto significou, na prática, uma aproximação. Estas afirmações foram, acima de tudo, uma operação de charme lançada a Hitler que acabaram por dar resultados. No seu discurso de celebração da tomada do poder, três dias depois, Hitler corresponde o desejo de aproximação e omite referências e ataques à União Soviética, quebrando o que até então já era uma Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 55 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais tradição nestes discursos “celebratórios”. De notar que todas estas mensagens eram muito subtis, já que ambos os lados se testavam mutuamente. Até este momento apenas os primeiros passos de aproximação à Alemanha estavam a ser dados, pelo que nenhum dos dois estados se coibia de fortalecer a sua posição perante o outro. Hitler continuava a apertar o cerco à União Soviética e Estaline continuava as negociações com o Reino Unido e França. Apesar disso, Estaline continuava a enviar mensagens subtis nos seus discursos relativamente à disposição da União Soviética em “ter relações de paz e comércio com todos os países”62. No mesmo discurso em que o afirma, no 18º Congresso do Partido Comunista Soviético, Estaline deixa uma afirmação que é paradigmática da postura que adotava para o seu país: “ [A União Soviética] deveria ser cuidadoso e não permitir que o nosso país fosse empurrado para conflitos por países que procuram a guerra” O que Estaline afirma é que o interesse superior era o da União Soviética e o objetivo máximo era a sobrevivência do estado soviético. Isto vai ao encontro de um dos pontos fundamentais dados por Mearsheimer 63 que diz que a sobrevivência é o primeiro objetivo de qualquer estado. Tem por objetivo a integridade das suas fronteiras e a autonomia da sua ordem política interna 64. Foi precisamente isto que Estaline procurou com a persecução do balancing e adoção da segurança coletiva como um dos pilares da política externa soviética no passado. Não era por convicção ideológica e crença no poder de união dos estados para combater estados agressores e desestabilizadores da balança de poder. Fê-lo para dividir com outros estados o peso de tal combate e, assim fazendo, minimizar os possíveis danos à integridade da União Soviética. 62 Ver página 14 deste trabalho. Op. Cit., p. 31 64 Ver página 28 deste trabalho. 63 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 56 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Neste momento, no entanto, tal estratégia já se tinha provado ineficaz, visto os hipotéticos aliados não estarem interessados em encetar esforços mais diretos de contenção da Alemanha. Adotando as novas estratégias de buck-passing e bait and bleed, Estaline procura atingir o mesmo fim de uma diferente forma. Percebendo que o Reino Unido e França não estavam interessados em juntar-se à União Soviética e avançar contra a Alemanha, mesmo depois de acharem necessário travar Hitler por meios mais eficazes, Estaline abandona a exclusividade de ação no balancing e inicia esforços para melhorar a relação com o estado agressor com encontros entre intermediários dos dois governos. Após um ano de 1939 em que as negociações com as democracias ocidentais desenvolviam-se com muita dificuldade e onde as divergências não conseguiam ser ultrapassadas e pontos de acordo encontrados, Estaline acabou, por fim, por ter sucesso na sua estratégia. Onde Reino Unido e França dificultavam a negociação à União Soviética, a Alemanha não teve pejo em encontrar soluções para ultrapassar o que, à partida dada a natureza dos dois regimes, impossibilitava um entendimento entre os dois estados. O pacto Molotov-Ribentropp é assinado e a União Soviética isola o Reino Unido e França na contenção da Alemanha ao mesmo tempo que garante paz para o seu país. O que Estaline atingiu foi garantir para a União Soviética o afastamento de uma guerra para a qual, por altura da assinatura do tratado, todos os estados se preparavam enquanto empurra os dois blocos inimigos para uma guerra entre si, fragilizando as suas posições, enquanto fortalece a sua. Quer por via da garantia de paz entre a Alemanha e a União Soviética, quer por via do acordo conseguido para a definição de zonas de influência que dividiam a Europa entre os dois estados. Este acordo abriu as portas a Estaline para uma expansão das suas fronteiras, o que significava um aumento de poder, ao mesmo tempo que criava uma zona tampão à volta do coração da União Soviética ao afastar as suas fronteiras centenas de quilómetros para oeste. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 57 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Por outro lado, o pacto de não-agressão com a Alemanha significava que os dois blocos inimigos se iriam cruzar numa guerra entre grandes potências, o que, por definição, significa, dado o poder militar deste tipo de potência, uma guerra prolongada entre si. Portanto, Estaline tinha todas as razões para ter ficado satisfeito com a conclusão deste acordo com a Alemanha. Para ele significava o enfraquecimento mútuo de três grandes potências no continente europeu, ao mesmo tempo que, a União Soviética, estando numa posição de segurança poderia fortalecerse militarmente e, caso o desejasse, entrar numa fase final da guerra contra o estado que tivesse em vias de perder a guerra para, assim, conseguir ainda mais ganhos. Apesar da jogada inteligente de Estaline na assinatura do pacto com um mais que possível inimigo futuro, a verdade é que apesar da estratégia de buck-passing ter sido um sucesso, a estratégia de bait and bleed não o foi uma vez que o sucesso das forças armadas alemãs ter sido completamente avassalador frente às forças armadas da França. Como Mearsheimer alerta, o bait and bleed tem essa vertente de risco. O facto de um dos estados conseguir uma vitória rápida sobre o outro significa que, em vez de perder poder através de uma guerra prolongada, acaba por ganhar ao controlar o território do estado derrotado, com tudo o que bem associado a esse controlo, principalmente em termos de hard power. Há ainda uns pontos que devem ser referidos relativamente a todos os desenvolvimentos ocorridos pré-assinatura do pacto, nomeadamente erros cometidos por parte dos envolvidos, principalmente da União Soviética que é o objeto deste trabalho e também das diferentes limitações que as democracias ocidentais tinham para encetar uma política externa que assentasse nos mesmos moldes nos quais a política externa foi assente. Em primeiro lugar a ação de Estaline ao longo da década de 30 não foi isenta de erros. O primeiro erro cometido foi a Grande Purga do final da década. O julgamento sumário e assassinato de oficiais militares e opositores políticos. Apesar da aposta que Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 58 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Estaline fazia no fortalecimento das Forças Armadas soviéticas durante este período 65, a perda elevada de oficiais experimentados causou um dano muito grande às Forças Armadas. Mesmo que tenha sido perpetrado com vista a uma suposta estabilização interna, a verdade é que o poderio militar da União sofreu com tais perseguições e execuções. Tendo sido um ato autoimposto tem de ser considerado um erro político de Estaline por ter enfraquecido a sua posição e o seu poder, quando inserido num quadro do realismo ofensivo. Como Mearsheimer refere, os estados devem estar sempre preparados para eventualidade da responsabilidade de conter um estado agressor lhe cair nas mãos. Quando se trata de buck-passing, o estado tem de antecipar sempre esta possibilidade, mesmo que tenha atingido com sucesso essa estratégia e obrigado um terceiro estado a conter o estado agressor. Isto porque o estado agressor pode vencer de uma forma rápida e decisiva o estado que teve de assumir a responsabilidade de contenção66. Foi precisamente isto que aconteceu à União Soviética. A Alemanha acabou por vencer de uma forma indiscutível a França e viu as portas abertas para uma expansão para este, em direção às suas fronteiras 67. O erro de Estaline não foi empurrar a França e Reino Unido para uma guerra com a Alemanha, mas sim ter-se fragilizado com a Grande Purga. 65 STEINER, Zara – The Triumph of the Dark: European International History 1933-1939. S.l.. Oxford University Press, 2011, pp. 870, 871 66 “Buck-passers also build formidable military forces for prophylactic reasons. In a world where two or more states are attempting to buck-pass, no state can be certain that it will not catch the buck and have to stand alone against the aggressor. It is better to be prepared for that eventuality. During the 1930s, for example, neither France nor the Soviet Union could be sure it would not catch the buck and have to stand alone against Nazi Germany. But even if a state successfully passes the buck, there is always the possibility that the aggressor might quickly and decisively defeat the buck-catcher and then attack the buck-passer. Thus, a state might improve its defenses as an insure policy in case buck-passing fails.” MEARSHEIMER, John – Op.Cit., pp. 158, 159 67 “Buck-passing is not a foolproof strategy, however. Its chief drawback is that the buck-catcher might fail to check the aggressor, leaving the buck-passer in a precarious strategic position. (…) the Soviet Union successfully passed the buck to France and the United Kingdom an then sat back expecting to watch Germany engage those two buck-catchers in a long, bloody war. But the Wehrmacht overran France in six weeks during the spring of 1940, leaving Hitler free to attack the Soviet Union without having to worry much about his western flank. By buck-passing rather than engaging Germany at the same time that France and the United Kingdom did, the Soviets wound up fighting a much harder war.” Op. Cit., p.161 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 59 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais O segundo erro de Estaline foi ter acreditado profundamente no pacto de nãoagressão. Segundo um dos cincos fundamentos que Mearsheimer sistematiza: “Os estados não têm, nem podem ter, a certeza sobre as intenções dos outros estados. Mais concretamente, não podem ter a certeza que outro estado não use a sua capacidade ofensiva militar contra si. Além disso, o que hoje é certo amanhã poderá deixar de ser, pelo que uma postura descontraída relativamente a estados cujos interesses possam ser partilhados durante um período de tempo, não garanta que se perpetue no tempo.”. O facto de a União Soviética estar inserida num pacto de nãoagressão com um segundo estado não pode ser garantia que esse pacto seja respeitado. Em primeiro lugar, a Alemanha quebrou o pacto de não-agressão que tinha assinado com a Polónia quando iniciou a sua invasão em 1939. Em segundo lugar, Estaline estava consciente desde muito cedo das intenções de Hitler relativamente à expansão alemã para este em busca do Lebensraum. Em terceiro lugar, a década de 30 foi rica em exemplos em como a palavra de Hitler em termos das garantias que dava a terceiros estados quanto às satisfações dos seus desejos tinha pouco, ou nenhum, valor. Estes três dados postos em conjunto davam razões a Estaline para este se dever ter mantido em estado de alerta para uma eventual quebra de palavra do líder alemão. O descuido e a fé na palavra do líder nazi, acabaram por custar à União Soviética muitas vidas e danos materiais. Por fim, ainda poderá ser apontado um terceiro erro a Estaline. Este consiste na teoria que defende que a União Soviética entrou numa estratégia de bandwagoning relativamente à Alemanha com a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop. Mearsheimer define bandwagoning como o ato de um estado se aliar a um estado mais poderoso, com vista a dividir, ou receber uma parte, o espólio de eventuais conquistas futuras conjuntas 68. Em primeiro lugar, e como referido anteriormente, o 68 “Bandwagoning happens when a state joins forces with a more powerful opponent, conceding that its formidable new partner will gain a disproportionate share of the spoils they conquer together. (…) Bandwagoning is the strategy for the weak. Its underlying assumption is that if a state is badly outgunned by a rival, it makes no sense to resist its demands, because that adversary will take what it wants by force anyway and inflict considerable punishment in the process. The badwagoner must just hope that the troublemaker is merciful.” Op. Cit., p. 163 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 60 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais objetivo que Estaline procurava atingir com a assinatura do pacto de não-agressão com a Alemanha era passar a responsabilidade de contenção desta para um terceiro bloco opositor, enquanto, ao mesmo tempo, garantia a paz e segurança das fronteiras para a União Soviética. Em segundo lugar, o acordo celebrado com a Alemanha apesar de estabelecer futuros contatos regulares entre os dois países, no texto do tratado não se estabelecia uma aliança formal entre os dois estados. A aproximação e consulta mútua existiam, mas os dois estados mantinham a liberdade e as suas políticas externas independentes um do outro, desde que estas não chocassem. Em terceiro lugar, não foi acordado entre os países a divisão futura dos ganhos numa possível guerra, à exceção da Polónia. Após a divisão deste país entre as duas partes contratantes, mais nenhuma obrigação de divisão de ganhos territoriais ficou estabelecida. Em quarto lugar, apesar do enfraquecimento sentido após as purgas estalinistas, a diferença das forças armadas entre os dois países não justifica a afirmação de que um estado (a Alemanha) era muito mais poderoso que o outro e que o que restaria à União Soviética era esperar que o acordo trouxesse possíveis ganhos futuros e que a alternativa de oposição frontal seria devastadora. De facto, no ano de 1939 a União Soviética possuía o maior exército na Europa com um milhão e duzentos mil homens69, o que é muito significativo apesar do seu atraso tecnológico 70. Assim, demonstrados estes pontos, ficam dúvidas sobre a validade da afirmação de que Estaline optou por uma estratégia de bandwagoning com a assinatura do pacto. É ainda importante referir um aspeto relativamente às potências democráticas, o Reino Unido e França, relativamente ao seu papel durante a década de 30 e como a sua ação perante as exigências alemãs foi condicionada de uma forma que regimes totalitários como o alemão e soviético nunca poderiam ser. Ao contrário da Alemanha 69 STEINER, Zara, Op. Cit., p. 869 “The main problem was Russia’s relative technological and industrial backwardness which dated back to Tsarit times. The flight of technicians after the revolution and the subsequent purges of their successors made it imperative to solicit foreign technical assistance, whether by overt or covert means.” Op. Cit., p. 874 70 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 61 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais nazi e da União Soviética, a opinião pública nos regimes democráticos em geral, e do Reino Unido e França da década de 30 em concreto, tem um peso sobre as políticas que os decisores políticos prosseguem para os seus países. Os governos democráticos têm que responder perante um eleitorado que se faz ouvir via eleições durante períodos regulares e que, através dessas eleições, mandata os seus representantes eleitos para a prossecução de políticas que foram sufragadas. Para além desse facto, o eleitorado em regimes democráticos tem liberdade para pressionar os seus governos relativamente a políticas com as quais esteja em desacordo. Por outro lado, em regimes totalitários, tal liberdade política não se constata. A ausência de eleições e liberdades para manifestações públicas de desagrado relativamente a políticas que os governos ditatoriais prosseguem é inversamente proporcional à liberdade e margem de manobra que os decisores políticos desses governos têm. Posto isto, os regimes democráticos britânico e francês teriam sempre maior dificuldade em ter uma abordagem mais pragmática e realista dos eventos que conduziram à assinatura do pacto de não-agressão e Segunda Guerra Mundial. A liberdade que os governos soviético e alemão tiveram para assinar um tratado amigável e que definia, para o futuro, uma parceria estreita entre os dois estados, enquanto, no processo, condenava ao desaparecimento os países bálticos, Finlândia e anexação da região oriental da Roménia, os governos democráticos dificilmente a teriam mesmo que os líderes políticos desses governos o desejassem. A justificação de tal ato seria extremamente difícil de aceitar pelo eleitorado. Assim, os estados democráticos estavam pressionados de uma forma que os estados totalitários não estavam, o que certamente condicionou a forma como a resposta dada durante a década de 30 diferiu de forma drástica entre o bloco Reino Unido/França e bloco soviético perante a Alemanha. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 62 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Portugal perante o Pacto Os acontecimentos da década de 30 relatados no início deste trabalho foram acompanhados com as limitações que se viviam na época em Portugal. Os jornais estavam controlados pela Censura, pelo que nunca poderiam ter uma abordagem dos acontecimentos totalmente livres. Pelo contrário, os seus textos relativos aos vários desenvolvimentos dessa década estavam, por diversas vezes, carregados de juízos de valor quanto aos diversos atores políticos que protagonizaram os eventos decorridos. Através de artigos do Diário de Lisboa, conseguimos perceber que o foco da crítica deste jornal centrava-se na ação da União Soviética, com uma desconfiança patente no que trata às decisões deste país comunista e declarações dos seus dirigentes políticos, tecendo por vezes comentários relativamente à falsidade das suas ações e desconfiança com que estes devem ser encarados. Das diferentes forças em contestação, as democracias ocidentais representadas pelo Reino Unido, aliado preferencial do regime português, pela França e Estados Unidos, as forças fascistas representadas pelo Reich alemão e a Itália, e finalmente os comunistas da União Soviética, são estes últimos quem se deve especialmente temer na sua ótica. Sendo evidente que o lado privilegiado nos relatos jornalísticos seja o britânico, inicialmente não deixam de haver por vezes referências quanto à necessidade de dar o benefício da dúvida ao Hitler, que poderá estar a ser mal interpretado quanto às suas reais intenções, pelo que o receio que se sente na Europa quanto à Alemanha poderá ser infundado. Na edição de 2 de setembro de 1938, este jornal diário faz referência a uma entrevista dada pelo ditador alemão ao jornal francês “Le Journal”, em que, na primeira página, diz71: 71 Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05764.028.07014&bd=IMPREN SA Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 63 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais “Hitler – e não podemos pôr em dúvida a sua absoluta sinceridade. Aliás ele seria um indivíduo sinistro, dado à volúpia do mal e da morte – não quere a guerra, de cujas virtudes descrê, apontando os danos que causa. Porque se arma a Alemanha, tornando-se uma potência militar que infunde respeito? Necessita ser forte entre os fortes, afim de que a sua voz seja escutada e nunca desprezada. (…) Achamos bom o conselho de Hitler: - ‘Os povos carecem de mútua colaboração e eficaz cooperação e não de conflitos que os arruínem.’ (…) Hitler não ignora certamente que, com segunda aventura [uma expansão agressiva como a de Guilherme II, considerada impossível], o ‘crepúsculo do ocidente’, passaria de quimera a certesa. Por isso procede como estadista que raciocina, julga e prevê cautelosamente. Se já obteve alguns êxitos notáveis, agitando e explorando o temor da guerra, convém-lhe agora não abusar, visto que um passo imprudente vinha a ser-lhe mais perigoso que útil.” Da interpretação dada por este jornal diário poderá ser extrapolado que esta seguia em linha com a ideia geral do governo português dada a sua prévia censura à imprensa do país. Do Estado Novo é conhecida a sua animosidade relativamente a regimes comunistas, tendo essa animosidade como expoente máximo a perseguição que a polícia secretamente fazia a militantes comunistas dentro das fronteiras nacionais. Tendo em conta este facto, seria natural que a imprensa censurada fizesse referência a essa ameaça. Pelo contrário, a luz favorável com que era visto o Reino Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 64 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Unido ia ao encontro do favorecimento e proximidade que Salazar promovia relativamente a este antigo aliado português. Apesar desse facto, o acompanhamento dado ao escalar dos acontecimentos foi feito de uma forma recorrente, nem sempre com a máxima prioridade dada, mas tanto as tentativas de negociação, inversões de estratégias dos diversos lados, acordos conseguidos, foram relatadas sempre que se verificavam. Apesar de este jornal dar eco da imprensa europeia relativamente a esses marcos, talvez por limitações próprias, fossem financeiras ou de outra natureza, não deixou de os relatar de uma forma exaustiva. Dados imensos artigos dedicados às mais diversas notícias referentes à escalada de acontecimentos, dar-se-á neste trabalho destaque aos mais importantes desenvolvimentos relativos ao pacto. A título de exemplo, dos marcos mais importantes da década de 1930, o Diário de Lisboa acompanhou com destaque a entrada da União Soviética para a Sociedade das Nações, na sua edição de 18 de setembro de 1934, dia da entrada deste país nessa organização. Esta notícia também serve como um dos melhores exemplos da animosidade latente quando se tratava da União Soviética 72: “Entrou para a Sociedade das Nações o povo que, durante alguns anos, considerou o organismo de Genebra como a mais completa escola de inacção de que havia memoria na historia de todos os tempos. Quem desceu? Quem subiu? Caiu a Russia como a mosca num favo de mel? (…) O sr. Litvinoff deve esfregar as mãos de contente por ver que, enfim, a luz vem… do ocidente. 72 Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05756.020.05227&bd=IMPREN SA Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 65 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais (…) A Russia, ao contrario do que se afirma, não renegou nem renega um unico dos principios ate agora seguidos pelo bolchevismo: a sua doutrina representa um grito de guerra contra a estabilidade organica dos organismos que a elegeram. Dantes, os seus adversarios combatiam-na de longe, inventando-lhes lendas sinistras, fechando-lhes as portas e declarando-a ao largo do convivo humano. Subitamente: mudança de tactica e de cenario. Moscovo desanuvia-se, compõe o rosto, alinda-se, inclina-se para as velhas chancelarias e diz no tom sarcastico que Lenine uzava para socegar os fatigados generais que o imperio lhe legou: - Não vos apresseis, senhores, que a vossa idade demanda, sobretudo, introspeção. Os sovietes acham-se, pois, no seio das Sociedades das Nações, como em sua casa. Serão, ao menos, prudentes e comedidos? Só o Diabo, que é fértil em ardis e promessas enganosas, poderia responder a esta pergunta. Se eles realmente quizessem a paz com o resto do mundo, tinham que submeter-se a rigorosa penitencia e declarar com a maior sinceridade: - Aqui estamos de corda ao pescoço! Haverá alguem que se compraza em tamanha e estupida ilusão? Litvinof não é homem para arrepender-se da sua vida e obra: veio a Genebra para celebrar um triunfo e não para sofrer um desaire. Demais sabe ele que a imensa Russia encerra riquezas que tentam os apetites insaciados dos milionarios… sem milhões. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 66 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Quando uma sociedade abdica da sua moral, mas conserva o culto da materia, embora queimando nesse culto as sagradas memorias do seu passado, está apta para todas as transações. Litvinof, conhecedor emerito dos homens e dos fios secretos que os movem, ao recordar-se das lutas que a Russia teve de sustentar para repelir os seus inimigos, saboreará satisfeito os resultados da sua politica: - Durmo já em leito de príncipes...” A notícia dando a conclusão do Anschluss, a 12 de março de 193873, foi também acompanhada na capa do diário. No artigo referente ao acontecimento, denota-se a compreensão da gravidade deste acontecimento para o rumo que a Europa seguia: “As hipoteses que a ocupação militar da Austria sugere no plano internacional são muitas, e todas igualmente inquietantes, em relação às potências ocidentais: Inglaterra, França e Itália 74. Compreende-se assim que as reacções provocadas nestas capitais, as quais, aliás, devem revestir-se de formas diversas e opostas até em relação a alguns pormenores, sejam demoradas. Não se trata apenas, para estes países, de um episodio de um importancia capital capaz de afectar a sua propria existência: trata-se de todo um sistema de politica que os acontecimentos puseram em causa. O caso austriaco saiu, com o acto ontem praticado, do dominio das negociações. A perturbação que o seu subito agravamento provocou em toda a Europa dá bem medida da gravidade da situação e do significado que as suas repercussões devem assumir, num futuro mais ou menos proximo.” 73 Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05763.027.06811&bd=IMPREN SA 74 À época, apesar de ter assinado o Pacto Anticomintern com a Alemanha e Japão, a Itália não era formalmente aliada da Alemanha. Tal só se veio a suceder em 1939 com a assinatura do Pacto de Aço. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 67 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Quanto à assinatura dos Acordos Munique foram seguidas as opiniões que se faziam sentir nas diversas capitais europeias, através da imprensa local, dando uma importância relativamente menor relativamente a outros eventos. Não houve nenhum grande destaque como foi habitual até então e seria no futuro relativamente a outros marcos históricos na caminhada para a Segunda Guerra Mundial. A invasão da Checoslováquia também foi relatada com destaque de primeira página e, novamente, o fator do perigo que a expansão alemã representava para a Europa estava presente. Criticando a inação face a esse expansionismo por parte das potências ocidentais, que por esta altura, lideradas pelo primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, eram fiéis ao appeasement, o jornal torna claro o risco 75: “Não ha duvida – a Alemanha cresce formidolosamente, por um sistema que consiste em poupar a polvora e afirmar as suas boas intenções. A Checo-Eslovaquia desaparece como os letreiros que vão perdendo as vogais e as consoantes, sem que deles fique a mais que uma vaga lembrança. (…) Chamberlain ainda ontem no parlamento declarou que as fronteiras estabelecidas e sancionadas pelos acordos de Munich seriam inalteraveis, até contra quem ousasse transpô-las. Vinte e quatro horas depois, as tropas alemães apoderamse da Boemia e Moravia e as húngaras penetram na Rutenia. Os acontecimentos desenham-se nitidos em seus contornos, não permitindo ilusões nem quimeras: o ocidente hesita e vacila e o oriente oferece-se ás ambições como um rico fruto no muro dum pomar. Os russos, na previsão cautelosa do futuro, começam a retirar da Ucrania tudo que um invasor absorvente e impetuoso pode necessitar para alimentar os seus exercitos e iniciar uma ocupação fecunda e demorada. É-lhes, porém, impossivel transportar o solo e o sub-solo, com as suas 75 Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05764.028.07211&bd=IMPREN SA Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 68 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais enormes riquesas, que os modernissimos metodos de exploração agronomica e mineira prontamente convertem em fontes de bem estar. Estamos na hora do materialismo: falecem as utupias e triunfam os apetites. Era de prever que, após um deboche de sonho inspirado no desejo de construir a Cidade do Sol, brotasse das raizes do nosso ser a vontade de a destruir. Hitler e Mussolini estão fora dos calculos optimistas em que se comprazem os criadores de luas: possuem essa cousa temivel que se chama a vontade de vencer e dominar. Lloyd George não se enganou a tal respeito. A guerra vem-se preparando como qualquer cousa de inevitavel e funesta, mas não nos esqueçamos de que ela é filha directa da indecisão e da oratoria que se espanejam e volatizam como o fumo. Que enorme castelo de cartas a voar pelos ares! Hitler, calmamente, com a firme confiança de cumprir uma missão divina, espera que o principio de que os povos teem direito a dispor de si se mostre fecundo em bençãos. Checos, eslovacos e ucranios todos se inclinam para ele, rogando-lhe que os ajude a conservar a sua liberdade. Se houvesse qualquer duvida acêrca do seu genio politico, o momento consagra-o na sua plenitude. Enquanto os outros, vitimas de inibições, de respeitos humanos, de discussões interminas e confusas, atacados da melancolica incertesa sobre o valor da guerra como expansão do orgulho, caminham lentamente Hitler coloca-os perante os factos consumados e diz-lhes ainda por cima: - Seria criminoso da vossa parte que lançasseis a Europa num temeroso conflito, quando é certo que nós alemães não fazemos mais que satisfazer as aspirações legitimas de quantos apelam para o nosso auxilio.” O evento que marcou a viragem na orientação da política externa soviética, a demissão do responsável da mesma, Maxim Litvinov, a 4 de maio de 1939 foi assinalado como de relativa pouca importância. De certo modo, é compreensível não Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 69 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais ter sido dado destaque a uma alteração de aparentemente um homem apenas, visto que para se perceber o impacto real que tal substituição veio provocar na União Soviética e na sua relação com a Alemanha nazi só poderia ser notada ao longo dos meses e anos que se seguiram. À altura, o jornal fez notar que a mudança do homem forte da política externa soviética poderia mudar algo, mas relativamente ao Comintern e nas expectativas do governo alemão, assim como as reações nas capitais de França e Reino Unido76: “BERLIM, 4 – Os circulos politicos mostram-se indiferentes perante a demissão de Litvinof, pois declaram não os interessar as questões de pessoas, mas de politica. Trata-se de saber se a politica externa russa – dizem – continuará ou não a apoiar-se no Komintern. Se essa politica, com visos á revolução mundial continua, a atitude da Alemanha – afirmam – não se alterará. Todavia, em Berlim não se esconde a esperança de que a demissão de Litvinof possa perturbar as negociações em curso entre Moscovo e as potencias ocidentais. – (Havas). A substituição foi provocada pelo exercito vermelho PARIS, 4 – O “Jour” informa, a proposito da demissão de Litvinof, que os russos teriam pensado em se retirar das questões europeias. Acrescenta que o exercito vermelho manifestava certa impaciencia e condenava os escrupulos genebrinos de Litvinof, que impediam a conclusão dum acórdo bilateral imediato anglo-russo. – (Havas). A politica russa não sofrerá alteração – diz-se em Londres LONDRES, 4 – Os círculos sovieticos de Londres ainda não receberam nenhuma informação relativa ás circunstancias em que se deu a demissão de Litvinof. Declara-se, todavia, nessas esferas que a mudança de titular na pasta dos Negocios Estrangeiros não implica nenhuma alteração na orientação da diplomacia sovietica. Cita-se, em 76 Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05765.029.07262&bd=IMPREN SA Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 70 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais apoio desta opinião, o facto da politica externa da U.R.S.S. ser fixada por todo o governo soviético, nomeadamente pelo “bureau” politico de que, de resto, Litvinof nunca foi membro – (Havas).” De notar também, que na mesma edição, o Diário de Lisboa dá conta dos avanços nas negociações para a criação de uma aliança entre a União Soviética e o Reino Unido e França77: “PARIS, 4 – O “Journal” noticia de Londres que a resposta á proposta russa não deve tardar e parece que os dirigentes britanicos insistirão por que, em primeiro lugar, a Russia confirme as garantias franco-inglesas, dadas á Polónia e á Romenia. A “Epoque” diz que a aliança russa não é uma solução ideal e comporta riscos enormes que, todavia, é preciso saber aceitar. Tem d resto a impressão de que a aliança será apenas uma solução provisoria. Outro jornal afirma que Chamberlain tem a impressão de que dentro de uma semana os polacos já estarão prontos a trata com Moscovo, pois a ameaça alemã precisar-se-á. Desta forma, o primeiro ministro inglês achou preferivel espera, pois em 15 de maio o representante da Russia terá ocasião de se encontrar em Genebra com Bonnet e Halifax. – (Havas).” Relativamente ao momento final da assinatura do pacto germano-soviético, o Diário de Lisboa começa por relatar, no dia anterior à assinatura do mesmo, a partida do ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joachim von Ribbentrop, para Moscovo a fim de concluir as negociações entre a Alemanha e União Soviética, em destaque de primeira página. Notam que, apesar de reservas, em Berlim se sente que esta é uma grande ocasião. Em Moscovo, apesar da assinatura do mesmo e sabendo do seu conteúdo, o pacto de não-agressão não é incompatível com a continuação das negociações com os britânicos e franceses para a conclusão de uma aliança. Na França e no Reino Unido, contudo, as reações que o jornal conseguiu relatar não se nota ainda 77 Idem Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 71 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais o verdadeiro impacto que este pacto terá no futuro, muito devido ao pouco tempo entre as notícias vindas a público e uma possível declaração oficial. No dia 24, dia da assinatura do pacto, o Diário de Lisboa faz manchete com a assinatura, referindo que “a Espanha deseja manter uma atitude neutral”, numa demonstração da preocupação que também se vivia na Península Ibérica relativamente ao caminho que os dois países seguiriam em termos de alianças. Não só na Europa Central havia o perigo de guerra. Além dessa referência à estância da Espanha relativamente ao mais recente desenvolvimento, o jornal não deixa de dar maior relevo ao grande evento que foi a assinatura de um pacto de não-agressão entre dois inimigos naturais. Descreve os termos do tratado, mas também analisa o momento vivido de uma forma bastante lúcida78: “Das ideias claras brotam as acções rapidas e fecundas, como das atitudes definidas desaparecem os equivocos e as derivações ao acaso. Staline esperava a sua desforra e contava os minutos, na esperança de vingar-se pela perda da ChecoEslovaquia e derrota na guerra de Espanha. Quem são os seus inimigos terriveis e proximos? A Alemanha e o Japão. Está ele em condições de fazer-lhes face? Militarmente, a Russia é uma potencia fragil e sem espírito guerreiro. A propaganda comunista, bem como a luta que ela preconiza não são a mesma cousa que a guerra, tout court. A Alemanha e o Japão representam para ela duas formidandas ameaças – uma a oeste e outra a leste. 78 Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05765.029.07262&bd=IMPREN SA Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 72 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Stalin, não podendo aguentar-se contra elas nos campos de batalha, resolveu transigir, usando de astucia vulpina, do riso sarcastico, a-fim-de ofuscar a Inglaterra e a França que pretendiam cativá-la e atraí-la para uma aliança cujas negociações se arrastavam interminavelmente. O pacto de não-agressão que assinou com a Alemanha não deixa duvidas sobre as suas intenções – defender-se com a imobilidade e atacar com a ironia percuciente, á espreita duma oportunidade… Se o chefe dum Estado tem direito a fazer da má fé um motivo de vitoria e satisfação, Staline deve agora expandir-se com Molotov e dizer-lhe: - Se os nossos amigos ingleses e franceses ainda quiserem negociar, dá-lhes todas as facilidades e faze-lhes todas as concessões, mesmo as inaceitaveis. Após três meses de avanços e recuos, de hesitações e receios, o pacto de nãoagressão apareceu como o Diabo, quando vem turvar inesperadamente a credulidade e a confiança das almas pias, mas desacauteladas. Do tempo perdido e das desilusões sofridas, a França e a Inglaterra têm de aproveitar celeremente a respectiva lição, preparando-se para extrair dela os uteis ensinamentos. A não ser que se opere qualquer surpresa ou mudança brusca, a guerra caminha já em marcha rectilinea. A Polonia vai mais uma vez expôr-se á corrida das armas, jogando o seu ser num acto de fé sublime. Os seus aliados não se esquecerão de velar por ela, protegendo-a contra nova partilha 79, já que tomaram tão sagrado compromisso. (…) A fôrça dita a lei, sem consultar nem a razão nem a consciencia. Fechem-se, pois, os códigos e encham-se os paiois. A Europa e o Mundo, após um deboche de ideologias inconscientes, não acham outra maneira de saír da imensa crise em que se debatem, senão matando e destruindo. A hora, no entanto, não é para vãs lamentações, mas sim para cada qual medir as suas responsabilidades e assumi-las sem precipitação. 79 É interessante a referência do jornal a uma possível partilha futura da Polónia, já que no texto dado a conhecer ao mundo não vinha referência a tal possibilidade. A divisão territorial da Polónia entre a Alemanha e a União Soviética estava consagrada no Protocolo Adicional Secreto do pacto. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 73 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais A Alemanha não anda ás cegas nem procede irreflectidamente: busca o maior imperio territorial e racial, á custa dos tímidos e dos fracos. Quem ousará contrariá-la? Evidentemente, a Inglaterra e a França, que, caso se calassem, mentiriam ao prestigio de que gozam, resignando-se a papeis secundarios. Como isto não está no seu animo, nem na sua nobreza, iremos assistir a uma pugna de gigantes, porventura a mais notavel e tragica da historia. Se o remedio a tamanho mal, que alguns consideram a ruína da nossa civilização, não vier da terra, que Deus intervenha com a sua infinita piedade, a-fim-de dominar o ranger de dentes das bestas-feras. Os acontecimentos não param, quando as fatalidades os conduzem. Os homens são vitimas da sua própria liberdade, se pretendem ser superiores ás leis do seu exercicio. Vença quem vença na guerra, o vencedor vem um dia a ser vencido, desde que ofenda a humanidade. Assim se explica a destruição das cidades, dos reinos e dos impérios que deixaram de acatar as normas essenciais da nossa existência – o bem e a justiça.” Relativamente às restantes potências, o diário relata as preocupações acrescidas que este pacto lhes veio trazer, traduzidas em preparações para a guerra, especialmente nas fronteiras dos países. O que se retém da análise dos vários artigos que o Diário de Lisboa dedicou aos eventos que precederam a assinatura do pacto germano-soviético é que o acompanhamento feito de tais eventos foi feito de uma forma distante. Isto é, a abordagem que o jornal fez foi influenciado pelo isolamento que Portugal viva na época em termos de política externa. A posição oficial do regime era de afastamento dos assuntos europeus no geral, dedicando-se antes à gestão do Império. E quando tal interesse se constatava, era no âmbito da Península Ibérica e do posicionamento espanhol relativamente às diversas forças em disputa. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 74 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais O facto de em nenhum artigo consultado ter havido qualquer referência a uma posição oficial do governo português é ilustrativo do isolamento vivido e do afastamento autoimposto das disputas europeias. O Partido Comunista Português Através das edições do jornal oficial do Partido Comunista Português, é possível perceber como os comunistas portugueses encararam os desenvolvimentos da década de 30. Apesar de este jornal ter sofrido várias interrupções ao longo da década de 30, o jornal manteve-se relativamente ativo durante a década. Comparativamente ao Diário de Lisboa, o seu foco era muito mais interno, de contestação ao regime salazarista e promoção dos ideais comunistas, havendo poucas referências aos desenvolvimentos europeus. No entanto, as referências à União Soviética são muitas, especialmente para fazer o contraponto à situação interna e, sobre os eventos europeus, de promoção da ação soviética e de Estaline. Tentando fazer o acompanhamento feito do Diário de Lisboa relativamente aos eventos de maior importância, é possível perceber as grandes diferenças na abordagem dos mais diversos tema. Enquanto o Diário de Lisboa criticava exaustivamente a ação soviética, o Avante fá-lo exatamente de forma oposta. Por outro lado, o jornal Avante segue a mesma linha de Estaline na crítica que faz tanto aos regimes ditatoriais fascistas, como dos regimes democráticos, não fazendo distinção nas críticas que aponta aos dois casos. Veja-se o caso da entrada da União Soviética para a Sociedade das Nações em setembro de 1934, onde na sua edição de outubro, relata o seguinte80: “Mais uma victoria da politica internacional soviética! Mais um rude fracasso da politica exterior salazarista! 80 Partido Comunista Português – Avante!. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT2002.pdf Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 75 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Caeiro da Mata, o agente do comércio salazarista, recebeu o encargo de protestar contra a admissão da U.R.S.S. na Sociedade das Nações. (…) A U.R.S.S. revelou mundialmente que segue uma politica de paz. A América do Norte reconheceu a União Soviética. O Japão saltou um pouco pela cabeça do cavalo nas combinações anglo-japonezas de repasto da China, de base de apoio para o eventual desencadeamento das hostilidades no Pacífico e da agressão à U.R.S.S. pelo lado do Oriente. Os Hitlers excederam as perspectivas inglesas. Há países, momentaneamente, pouco interessados na guerra. Esbarrondou-se o Pacto dos 4. Na Gran Bretanha cresce a opinião pública popular favoravel à U.R.S.S. e contra a guerra. A Inglaterra não poude de deixar de votar pró-admissão da U.R.S.S. na Sociedade das Nações. E como imperialismo que comanda Portugal, disse ao sr. Caeiro: - “abstemte!” O Caeiro absteve-se. Mas a abstenção da primeira hora ridicularizou, por aqui, a propria velocidade adquirida do “Estado Novo” na campanha de provocação á U.R.S.S. Por outro lado, já não é o caso inédito, o do creado se fazer mais enérgico do que o dono, na defeza dos interêsses do dono. - Fui, sou e serei! – apitou Salazar. (…) Contra a admissão da U.R.S.S. votaram os mestres da “democratica Suissa” e votaram: Carmona, Salazar e o ex-administrador do Banco de Portugal… Litvinov vem trazer a voz do novo mundo proletário à Sociedade das Nações… ¿Porque é que o sr Caeiro votou contra a admissão da U.R.S.S.? 1º A U.R.S.S. entorpece a guerra dos capitalistas, acelera o crescimento das fôrças revolucionarias do mundo inteiro, sobre a própria base da sua politica Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 76 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais inquebrantavel de paz: e a entrada da U.R.S.S. na Sociedade das Nações reforça, do ponto de vista internacional proletário, o papel de paz da U.R.S.S. e amadurece a revolução mundial contra o capitalismo. Portugal fascista vê na guerra de rapina, de ataque à U.R.S.S., e do extermínio proletário e camponês, a tábua de salvação. 2º O contraste entre o bem estar e a miséria, revela-se mais decisivamente à luz do paralelo entre a vida das massas na U.R.S.S. e a vida das massas em Portugal. A entrada da U.R.S.S. na Sociedade das Nações estilhaça, com mais força, essa propaganda provocadora das agências de reclamas salazaristas, que pintam a vida na U.R.S.S. semelhantemente a um operário enforcado numa fouce e num martelo. E a pandilha capitalista e grande agrária, para continuar a engordar a expensas do sangue e da carne dos trabalhadores, não pode deixar de fechar as fronteiras à verdade da vida da União Soviética. A voz de Caeiro da Mata é a mais clara revelação de que os Estados capitalistas nacionais se desmoronam ante a influência mundial da U.R.S.S. e o crescimento das forças revolucionárias no seio daquêles Estados. Mas, é também a vez do prosseguimento da preparação da guerra imperialista coligada contra a U.R.S.S. e da vida de miséria e do terror mais implacavel dentro dos países sugeitos ao fascimo: - a voz do isolamento nacional proletario e camponês e da supressão das liberdades populares. (…)” O jornal Avante também abordou o Anchluss na sua edição da terceira semana do mês de março de 1938. Como era seu apanágio, este jornal comunista exaltava o papel da União Soviética face às consideradas injustas que iam ocorrendo no continente europeu. O caso da anexação da Áustria pela Alemanha não foi exceção e nessa edição, o jornal referia 81: 81 Partido Comunista Português – Avante!. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT2075.pdf Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 77 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais “O Partido Comunista Português saúda o valoroso Exército Vermelho, a maior garantia da Paz mundial e da Independência da U.R.S.S., no momento em que a pata fascista acaba de esmagar a Independência da Áustria.” Acompanhando esta manchete, o jornal divulgou um discurso do marechal soviético Vorochilov. Relativamente à anexação da Áustria, em concreto, o jornal também faz a sua análise do que essa anexação representa no seu prisma, seguindo a mesma linha. Critica as democracias ocidentais pela sua inação face à expansão fascista e o perigo que Hitler representava para a paz europeia: “(…) O segundo acontecimento da semana, na ordem cronológica, é o assalto à A’ustria82. A atitude cobarde das democracias burguesas, o seu falso amor à paz, a paz a todo o preço, tem permitido ao fascismo internacional os golpes mais miseráveis e criminosos que a história regista. Essa “paz” em que temos vivido, permitiu, em face da passividade das nações burguesas, primeiro o assalto do Japão à Manchúria, da Itália à Etiópia, e agora da Alemanha à A’ustria. O fascismo risca nações do mapa, com uma impunidade revoltante. Hitler prepara-se para arrazar a Europa, e enquanto o seu exército entra na A’ustria e os seus aviões voam sôbre um país que tinha o direito de contar com a solidariedade internacional para a defesa da sua independência, a França e a Inglaterra mandam… “notas diplomáticas” protestando energicamente! Que ridículo é tudo isto! Os jornais alemães já anunciam o ataque à Thecoeslováquia, que está, segundo a sua própria frase, apertada na tenaz de ferro do Reich alemão. (…) 82 O primeiro tinha sido a queda do governo francês de direita. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 78 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Essa “paz a todo o preço”83 tão querida às democracias, tem permitido que durante 20 meses a Alemanha e a Itália desembarquem em Espanha corpos de exército, centenas de aviões, tanks, canhões, todo o material de guerra necessário para destruir uma nação que se defende com uma heroicidade única na história do mundo. Cidades arrazadas, campos destruidos, os aviões de Hitler e Mussolini espalham a morte por toda a península enquando as nações “pacíficas”, as “mantenedoras da paz” se reünem ridícula e traiçoeiramente na famigerada “comissão de não intervenção”. Hitler afirmou no seu célebre discurso de 20 de Fevereiro, que não consistiria na Espanha senão um govêrno à sua vontade. As democracias europeias ouviram e calaram-se. E Hitler enviou mais 25.000 soldados e centenas de aviões para Espanha. (…)” A edição seguinte a ser publicada pelo Avante foi em maio de 1939, que abriu com uma declaração abordando o “momento particularmente grave para a vida do nosso povo”, saúda os “heróicos militantes comunistas, os lutadores anti-fascistas e patriotas sinceros” no recomeço da sua publicação. Anteriores a esta edição ocorreram os Acordos de Munique, em setembro de 1938, que não mereceram nenhuma referência nesta edição. Em março do mesmo ano, concluiu-se a anexação da Checoslováquia pela Alemanha, tendo este evento tido uma referência nesta edição, reproduzindo declarações de dois ministros checoslovacos e de Atlee, que se supõe que seja Clement Atlee, futuro primeiroministro britânico e então líder do Partido Trabalhista do Reino Unido, relativamente à anexação. Ainda conclui dizendo84: 83 Aqui referindo-se à política de apaziguamento seguida pelo Reino Unido de Neville Chamberlain e também à política de não intervenção na guerra civil espanhola, que contou com a intervenção de tropas alemãs, italianas e soviéticas. 84 Partido Comunista Português – Avante!. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em: http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT2084.pdf Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 79 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais “Eis claros e autorizados desmentidos á miserável campanha da imprensa portuguesa enfeudada a Hilter e Mussolini, e as manobras tortuosas da reacção internacional que tenta denegrir a U.R.S.S. contra a clara evidência dos factos. Isto foi cuidadosamente ocultado ao povo português. Estas e muitas outras afirmações análogas que nos dispensamos de reproduzir.” Relativamente à demissão de Litvinov, no mês desta edição, não houve qualquer referência do jornal. Maio de 1938 foi o último mês da década de 30 que o jornal Avante publicou edições regulares, sendo que, para além deste mês, só em maio de 1939 voltou a registar uma edição, antes da assinatura do pacto Molotov-Ribbentrop. O jornal só retomaria as edições regulares em 1941, mais precisamente no mês de agosto, quando a União Soviética já estava em plena guerra com a Alemanha. Seja por coincidência ou infelicidade, as edições deste jornal comunista não abrangem o período em que a União Soviética e a Alemanha nazi cooperaram e mantiveram-se numa paz acordada. Teria sido muito importante para este trabalho uma abordagem à assinatura do tratado e como seria encarada essa aproximação, assim como ao período de cooperação que se seguiu à sua assinatura, mas devido à quebra da edição do Avante, não foi possível fazê-lo. Limitou-se a análise ao período disponível, o que, apesar de incompleto, não deixa de ser importante para se poder perceber com que olhos o Partido Comunista Português olhou para os desenvolvimentos europeus e as medidas tomadas por Estaline face à expansão nazi. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 80 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais Conclusão A assinatura do pacto de não-agressão com a Alemanha teve os ingredientes necessários para a União Soviética alcançar o sucesso na ótica do realismo ofensivo. A política externa soviética, liderada por Estaline, seguiu as linhas mestras de ação dos estados, como sugeridas por esta teoria das Relações Internacionais. A persecução da estratégia de balancing, uma estratégia que traz menos riscos aos estados que a procuram, como primeiro passo na ação de contenção da Alemanha pela União Soviética foi o passo acertado. O falhanço desta e passagem para outro tipo de estratégia foi também acertado. Acima de tudo, o reconhecimento do falhanço do balancing e não continuação da aposta nesta, pelo menos exclusivamente, foi importante. A aproximação à Alemanha, numa perspetiva de garantir a paz e segurança para a União Soviética, mas também de empurrar o Reino Unido e França para uma guerra com esta sem o envolvimento dos soviéticos foi fiel à ideia de buckpassing, que acabou por ser um sucesso visto ter sido isso que acabou por se passar durante o início da Segunda Guerra Mundial. Contudo, o falhanço na política externa soviética em todo este processo, que existiu também, não pode ser atribuído por falta de planeamento ou a persecução de estratégias erradas. Os riscos corridos no buck-passing, de o estado que assume a responsabilidade em conter o estado agressor ser rápida e contundentemente vencido, dificilmente poderia ter sido previsto pelos soviéticos, especialmente tendo em conta o estatuto de grande potência da França. Por outro lado, o falhanço em ter garantido, por completo, a paz para a União Soviética na Segunda Guerra Mundial também não pode ser atribuído por erro de planeamento, pois este deveu-se a uma traição da Alemanha. Ainda que, nas suas relações internacionais, os estados nunca devem descansar sobre tratados internacionais pois os estados são livres de os quebrarem, se assim o desejarem, a União Soviética não poderia impedir as intenções da Alemanha quebrar o pacto de não-agressão. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 81 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais O texto final do tratado criava esferas de influência para os dois países, a promessa de não-agressão, assim como a garantia de neutralidade caso um terceiro estado atacasse qualquer uma das partes, nem que nenhum dos dois países ajudasse o terceiro estado. Estaline não só garantiu a paz, como ainda a expansão territorial da União Soviética e, como consequência, o aumento do seu poder. Pela análise feita ao longo do trabalho, com a recolha dos elementos disponíveis e relatos das decisões tomadas como resposta aos diferentes desafios impostos à União Soviético, é possível concluir que a sua política externa foi congruente com os fundamentos do realismo ofensivo e o sucesso que atingiu, deveuse a isso. Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 82 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais BILBIOGRAFIA CAPLAN, Jane. - Nazi Germany. Londres. Oxford University Press. 2008. CARR, Edward H. – German-Soviet Relations between the Two World Wars, 1919-1939. Baltimore. The Johns Hopkins Press, 1951 FISHER, David, READ, Anthony – The Deadly Embrace: Hitler, Stalin, and the Nazi-Soviet Pact 1939-1941. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 1988 GILL, Graeme - The origins of the Stalinist political system. Cambridge: University Press, 2002 GORODETSKY, Gabriel - Soviet foreign policy 1917-1991 : a retrospective. Frank Kass. Londres, 1994 HILDEBRAND, Klaus – German Foreign Policy from Bismarck to Adenauer : the limits of statecraft. Unwin Hyman. Londres, 1989 HITLER, Adolf – Mein Kampf. Mumbai. Jaico Publishing House, 2012 KISSINGER, Henry – Diplomacy. Nova Iorque. Simon & Schuster, 1994 LEE, Stephen J. – The European dictatorships 1918-1945. Londres. Routhledge, 1987 MEARSHEIMER, John J. – The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 2001 REES, E. A., - The Nature of Stalin’s Dictatorship: the Politburo, 1924-1953. Hampshire. Palgrave Macmillan. 2004. STEINER, Zara – The Triumph of the Dark: European International History 1933-1939. S.l.. Oxford University Press, 2011 Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 83 Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Relações Internacionais ULAM, Adam B. - Expansion and coexistence : soviet foreign policy, 1917-73. Nova Iorque. Holt, Rinehart and Winston, 1974 WALTZ, Kenneth – Theory of International Politics. Massachusetts. Addison-Wesley Publishing Company, 1979 WEINBERG, Gerhard L. – Hitler’s Second Book: The unpublished sequel to Mein Kampf, by Adolf Hitler. Nova Iorque. Enigma Books, 2003 WEINBERG, Gerhard L. - The foreign policy Hitler's Germany : Diplomatic revolution in Europe, 1933-36. Chicago. The University of Chicago Press, 1970 Referências Eletrónicas Partido Comunista, Jornal Avante!. Acedido em setembro de 2012, em: http://www.pcp.pt/avante-clandestino Diário de Lisboa. Acedido em setembro de 2012, em: http://www.fmsoares.pt/diario_de_lisboa/ano.php Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 84