Introdução - RUN - Universidade NOVA de Lisboa

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Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em
Relações Internacionais
Introdução
À saída da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha e a União Soviética
encontravam-se numa situação semelhante de isolamento internacional, afastadas do
sistema pelas potências vencedoras da Grande Guerra e severamente punidas pelos
tratados de paz que se seguiram à sua derrota. Para o objeto deste trabalho, importa
localizar as suas perdas na Europa Oriental. A Alemanha, por um lado, viu o seu
território nacional ser separado em dois com o estabelecimento de uma Polónia
independente e com a criação de um corredor terrestre que lhe dava acesso ao Mar
Báltico, o corredor de Danzig. A própria cidade de Danzig, outrora alemã, ficou sob a
proteção da Sociedade das Nações como uma cidade semiautónoma. Por outro lado, a
União Soviética, ainda Rússia Soviética na altura, perdeu os territórios da Finlândia,
Letónia, Estónia, Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia. À exceção da Ucrânia que integrou
em 1922 a União, todos os outros países ganharam a independência com a derrota
alemã. A juntar às perdas territoriais, ambos os países não foram convidados a
integrarem a recém-criada Sociedade das Nações, confirmando o seu isolamento
internacional, isolamento esse que ia para além do plano político e diplomático.
O quadro que se apresenta assim é ilustrativo da situação adversa e idêntica
que os dois países tiveram de enfrentar à saída da Primeira Guerra Mundial. Não será
de estranhar, portanto, que os dois países tenham sentido a necessidade de uma
aproximação mútua de modo a poderem abandonar o seu isolamento, ainda que
parcialmente. O primeiro grande marco dessa aproximação deu-se com a assinatura
do Tratado de Rapallo em 1922, onde as duas partes restabeleceram plenamente as
suas relações diplomáticas que tinham sido interrompidas desde 1918, resolveram as
pretensões mútuas, assim como marcou o início de um aumento significativo nas
trocas comerciais entre os dois países, revestido de maior importância dada a falta de
trocas com as potências ocidentais. Estas trocas comerciais mantiveram-se constantes
e relevantes até à ascensão ao poder na Alemanha do partido Nazi e de Hitler que
ditou uma quebra significativa de qualquer tipo de relações entre a Alemanha e a
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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União Soviética, tanto a nível económico como diplomático. As trocas comerciais
baixaram para níveis simbólicos, quebrando assim a tendência que se tinha sentido
durante a década de 20 de aproximação diplomática, económica e militar, entrando-se
assim num novo ciclo de relações frias entre dois países ideologicamente antagónicos
que só um realismo político verificado nas duas partes, assim como renitências do
Reino Unido e França, puderam pôr fim em 1939.
Antes de se passar ao relato dos acontecimentos que levaram ao pacto e a uma
análise mais profunda das intenções e decisões tomadas pelos decisores políticos
envolvidos em todo o processo, é importante deixar apontadas as motivações dos dois
mais importantes políticos envolvidos nesta questão. São eles Adolf Hitler, líder e
fundador da Alemanha Nazi e Josef Estaline, líder da União Soviética.
Hitler e a ideologia nazi tinham objetivos bastante claros e definidos para a
política externa alemã. Um dos principais conceitos era o do Lebensraum, ou a
necessidade da Alemanha de novos territórios onde a sua crescente população se
pudesse instalar, assim como a necessidade das matérias-primas necessárias para o
desenvolvimento do país. Associada a essa expansão territorial estava ainda o desejo
de unir os alemães que não se encontravam na Alemanha, os Auslandsdeutsch, mas
antes disseminados por uma série de países vizinhos, alguns deles com comunidades
alemãs significativas. Este conceito do Lebensraum estava intimamente ligado a um
outro termo, o Drang nach Osten, que significava a necessidade do povo alemão em se
expandir para Leste, para terras eslavas. Estes conceitos foram usados por Hitler no
seu livro Mein Kampf onde ele defendia claramente a necessidade de expansão para o
Leste, nomeadamente para a Rússia, não só pela expansão territorial, mas também
pela grande necessidade de matérias-primas que a Alemanha tinha, matérias-primas
essas que a Rússia era rica. Outro dos objetivos maiores da política externa nazi era a
necessidade de fazer justiça pelas condições impostas à Alemanha após a sua derrota
na Primeira Guerra Mundial. Hitler considerava que a Alemanha tinha sido humilhada
pelas potências vencedoras e pretendia trazê-la mais uma vez para a primeira linha das
nações, não só ao lhe restituir os territórios perdidos, mas em termos de transformar
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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por completo o sistema internacional em vigor que era absolutamente incompatível
com seus intentos. Finalmente, associada à ideologia nazi estava a luta contra o
comunismo, que aliás era recíproca, que Hitler julgava ser uma criação do povo judeu.
Estaline, por seu lado, estava à frente de um país que, como já foi referido,
também tinha sofrido as suas perdas após a Primeira Guerra Mundial, mas que se
encontrava já numa situação interna bastante mais pacificada quando comparada com
os primeiros anos da revolução bolchevique. O objetivo máximo de Estaline era a
segurança das fronteiras da União Soviética. E ele tinha a profunda convicção que a
União Soviética estava absolutamente cercada de inimigos, pelo que só poderia contar
com ela mesma para assegurar esse objetivo. A ascensão ao poder de Hitler só veio
aprofundar ainda mais essa noção. Por um lado, as potências capitalistas ocidentais
procurariam desestabilizar a União Soviética sempre que houvesse oportunidade, por
outro lado a Alemanha nazi e o seu profundo ódio pelo comunismo não poderia ser
tolerada. Aos olhos de Estaline, estes dois lados estavam em pé de igualdade em
termos de perigo para a segurança do país. No entanto, acompanhado desta convicção
de absoluto isolamento internacional e consciência que a União Soviética só poderia
contar com ela mesma, estava também um lúcido pragmatismo. O processo lógico de
Estaline para a política externa não estava toldado por um fundamentalismo
ideológico. Na política externa soviética esta convicção não se traduzia num
isolamento da União Soviética ou abstração do que se passava a nível internacional. Ao
invés disso, Estaline interagia com os diferentes lados consoante as mais-valias que
isso trouxesse para o seu país de modo a assegurar o máximo de benefícios possível
para o seu país.
Para a segurança das fronteiras da União Soviética era também necessário dar
uma especial atenção aos territórios que a circundavam. Na Europa, isso significava
uma zona territorial que ia desde a Finlândia até à Roménia. Como se verá mais à
frente, esta noção da segurança das fronteiras será o eixo através do qual toda a
política externa de Estaline nos anos finais da década de 30 seguirá. Nomeadamente
na criação de zonas de influência e de um perímetro de defesa que circundava as
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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fronteiras da União Soviética de modo a que permitissem uma margem de manobra
maior na defesa do país afastando o mais possível o perigo estrangeiro. Enquanto este
era o objetivo máximo de Estaline, o facto de a União Soviética ter perdido uma parte
significativa dos seus territórios europeus com a paz separada de Brest-Litovsk de 1918
tinha também um peso nas motivações de Estaline. A opção de os recuperar não
estava, de modo nenhum, posta de parte. Se tal se demonstrasse possível, seria um
objetivo a ser perseguido.
Ao longo deste trabalho tentar-se-á encontrar a resposta para a questão de se
a política externa soviética, nos anos que antecederam a assinatura do Pacto MolotovRibbentrop, respeitou e seguiu os princípios propostos pela teoria do realismo
ofensivo.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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O Realismo Ofensivo
A teoria do realismo ofensivo, uma teoria inserida na escola realista das
Relações Internacionais, foi desenvolvida por John Mearsheimer no seu livro “The
Tragedy of Great Power Politics”. Como teoria realista que é, partilha com o realismo
clássico diversos elementos, como a assunção de que o sistema internacional é
anárquico, que não há qualquer entidade supranacional que gira os conflitos que
surgem entre os estados. Contudo diverge em alguns pontos, especificamente nas
causas que levam as grandes potências, o alvo focado da teoria por serem as grandes
potências que maior capacidade possuem em afetar a política internacional e como ela
se desenvolve, a agir da forma que agem. Uma dessas divergências é a de que o que
molda a ação dos estados não é a natureza humana e a sua inerente vontade de
poder, como Morgenthau defendeu, mas antes o desejo dos estados em garantirem a
sua segurança1. E para atingir a sua segurança, os estados agem agressivamente no
plano internacional, tentando ganhar mais poder às custas de outros estados pois, com
um aumento de poder, aumenta também a sua segurança e aumentam as suas
hipóteses de sobrevivência.
O realismo ofensivo afasta-se também de outra corrente realista, a do realismo
defensivo, na medida em que, apesar de considerar, como o realismo defensivo, que o
objetivo máximo dos estados é garantir a sua segurança e sobrevivência, os meios que
usam para o atingir são diferentes. O realismo defensivo sustenta que os estados
procuram manter o equilíbrio do poder, sem buscar mais poder para garantir a sua
segurança, não desestabilizando assim o sistema internacional. O realismo ofensivo,
por outro lado, defende que o facto de um certo estado ter garantida a sua segurança
num determinado momento não será suficiente para travar a sua busca por mais
poder. O facto de o amanhã ser uma incógnita, assim como os desejos dos estados
com quem partilha a “arena internacional”, faz com que os estados não se contentem
com um nível mínimo de segurança. Como já referido, maior poder significa
1
MEARSHEIMER, John J. – The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton &
Company, 2001 (p.21)
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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automaticamente uma maior probabilidade de sobrevivência pelo que estes devem
lutar sempre por esse poder, se possível até à hegemonia global.
No entanto, devido à barreira física que representam grandes massas de água,
a probabilidade de algum estado alguma vez vir a atingir a hegemonia global é muito
escassa. Nem mesmo os Estados Unidos, o “primeiro hegemónico regional da era
moderna”2, teve intenções de conquistar territórios na Ásia ou Europa. Dada esta
impossibilidade, o autor defende que os estados procuram antes atingir o estatuto de
hegemonia regional e, assim que o conseguem, devem impedir que outros estados
atinjam igualmente esse estatuto. E para o conseguirem têm à sua disposição uma
série de estratégias que o autor desenvolve, que mais à frente serão abordadas.
Em segundo lugar, é também do interesse dos estados maximizar a sua riqueza
e aumentar o seu peso no total da riqueza mundial 3. E fazem-no porque riqueza, ou
poder económico, permite-lhe construir umas forças armadas que lhes deem a
capacidade de perseguir os seus objetivos de política externa. Isto significa que eles
devem procurar eles mesmos aumentar o seu poder económico, mas também evitar
que os seus adversários façam o mesmo, ao impedir que estes controlem zonas ricas
do globo4.
Em terceiro lugar, os estados procuram aumentar o poder das suas forças
terrestres, ou exércitos, assim como a marinha e força aérea como suporte a esses
exércitos5.
Em quarto e último lugar, os estados procuram uma vantagem nuclear sobre os
seus adversários. Apesar de este requisito ter hoje em dia uma grande importância na
política internacional, no espaço temporal abordado neste trabalho a bomba nuclear
ainda não tinha sido desenvolvida, pelo que a sua observação não poderá ser
efetuada.
2
Op. Cit., p.141
Op. Cit., p.143
4
Op. Cit., p.144
5
Op. Cit., p.145
3
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Em resumo, Mearsheimer oferece cinco fundamentos com os quais sistematiza
o realismo ofensivo6:
1. O sistema internacional é anárquico, isto é, o sistema é composto por
estados soberanos que não têm qualquer autoridade central sobre eles.
Não há qualquer organismo supranacional com capacidade de limitar a ação
dos estados;
2. As grandes potências possuem capacidade militar ofensiva que lhes dá a
capacidade de infligir nos outros estados danos, com possibilidade de
destruição dos mesmos;
3. Os estados não têm, nem podem ter, a certeza sobre as intenções dos
outros estados. Mais concretamente, não podem ter a certeza que outro
estado não use a sua capacidade ofensiva militar contra si. Além disso, o
que hoje é certo amanhã poderá deixar de ser, pelo que uma postura
descontraída relativamente a estados cujos interesses possam ser
partilhados durante um período de tempo, não garanta que se perpetue no
tempo;
4. A sua sobrevivência é o primeiro objetivo de qualquer estado. Tem por
objetivo a integridade das suas fronteiras e a autonomia da sua ordem
política interna;
5. As grandes potências são atores racionais. Agem de uma determinada
forma, sabendo que a forma como agem afeta o comportamento dos
outros estados e vice-versa.
Estes são os cinco princípios basilares da teoria realista ofensiva que, quando
conjugados, fazem com o que os estados assumam posturas agressivas.
Enquanto estes princípios se aplicam aos estados em geral, outros conceitos
importantes ajudam a compreender a política de Estaline no período de 1933, ano da
ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, até 1939. A União Soviética foi uma grande
6
Op. Cit., p. 31
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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potência que durante este período, sob a política externa de Estaline, foi um bom
exemplo da ação de um estado numa lógica que se insere no realismo ofensivo. Estes
outros princípios tornar-se-ão claros ao longo das próximas páginas enquanto os
eventos forem relatados.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Estratégia para aumentar o poder
Segundo o autor, os estados possuem vários mecanismos ou estratégias para
aumentar o seu poder relativo. Entre estes encontram-se a guerra, a chantagem, o bait
and bleed e, por último, o bloodletting que é uma variante do bait and bleed.
Guerra
A guerra é a estratégia principal usada pelos estados para aumentar o seu
poder, mas também a mais controversa devido aos danos não só materiais que
provoca, mas também humanos, sociais, etc.. Mearsheimer opõe-se à ideia de que a
guerra não compensa. Segundo ele, esta ideia de que a guerra é uma iniciativa que em
última análise traz aos seus intervenientes mais consequências negativas do que
positivas assenta em quatro pressupostos: o primeiro é o de que todos os
intervenientes acabam por perder a guerra. Ele nega-o ao dar vários exemplos de
guerras iniciadas por estados que acabaram por ter efeitos positivos ao estado que a
iniciou. Segundo um estudo referido por si, de 1815 a 1980 foram iniciadas 63 guerras,
onde em 39 dessas 63 guerras o estado que abriu as hostilidades acabou por vencer 7.
Um desses exemplos que tem ligação direta com o tema deste trabalho é a guerra
iniciada pela Alemanha contra a Polónia em 1939, onde a primeira conseguiu
conquistar a segunda com enorme sucesso8.
O segundo pressuposto assenta na ideia de que devido à proliferação da bomba
nuclear, é praticamente impossível grandes potências iniciarem uma guerra entre si. O
autor defende que apesar de tornar a guerra entre grandes potências menos provável,
não elimina por completo essa possibilidade9.
O terceiro e quarto pressupostos aceitam o facto de que as guerras podem ser
ganhas, mas a grande custo. Quer a nível económico, quer a nível dos benefícios de
guerra. A nível económico é argumentado que o preço de criar e manter um império é
7
Op. Cit., p.39
Idem
9
Op. Cit., p. 147
8
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
9
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muito alto já que para o atingir é necessário ter níveis elevados de despesa militar o
que a longo prazo acaba por comprometer a competitividade económica dos países. A
nível dos benefícios da guerra, estes acabam por ser curtos e o estado vitorioso nunca
acaba por gozar completamente as suas conquistas a nível económico devido aos
nacionalismos que acabam sempre por existir o que torna a missão de controlar as
populações locais muito difícil, especialmente na era da informação. A resposta
poderia ser a repressão, mas isso por sua vez provoca reações violentas 10. A resposta
de Mearsheimer à primeira argumentação é a de que, em muitos casos, é verdade é
que a diferença entre os custos e os benefícios é muito curta, pelo que nesses casos
iniciar uma guerra não será aconselhável. Contudo, há casos históricos que vão contra
esta argumentação, como é o caso dos Estados Unidos da América na primeira metade
do séc. XIX e da Prússia entre 1862 e 1870. Para além disso, o facto de um estado
gastar muitos recursos económicos em orçamentos de defesa significar perda de
competitividade económica não é necessariamente verdadeiro. Os Estados Unidos
desde 1940 têm investido grandes quantidades nas suas forças armadas
continuamente, não obstante, possuem a maior economia mundial. Por outro lado, o
Reino Unido possuiu durante o séc. XIX um império que se estendia globalmente e
apesar de eventualmente ter perdido competitividade económica, poucos
economistas associam esta perda ao investimento militar 11. Referindo-se ao caso que
poderá ser mais ilustrativo da correlação direta entre investimento militar excessivo e
declínio económico da União Soviética nos finais da década de 1980, Mearsheimer
afirma que não é unânime a ideia que as duas coisas estão interligadas.
Relativamente ao segundo ponto, o dos escassos benefícios proporcionados
por uma guerra Mearsheimer volta novamente a negar a sua validade. Afirma que a
riqueza de um território pode ser extraída através de impostos, confiscação da
produção fabril ou mesmo das próprias instalações fabris, dos recursos naturais (como
petróleo)12’13. Referindo-se concretamente ao aspeto da facilidade ao acesso à
10
Op. Cit., p. 148
Op. Cit., p.149
12
idem
11
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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informação e à rápida expansão desta, Mearsheimer faz referência a um estudo que
sustenta que as novas tecnologias apesar de terem um potencial subversivo, tornam a
coerção e repressão de movimentos contra a ocupação mais fácil 14.
Mearsheimer, no entanto, refere que mesmo que se aceite a ideia de que a
conquista de um território não é lucrativa há três outras formas de um estado agressor
vitorioso alterar a balança do poder a seu favor 15:
1. Usar parte da população do estado ocupado no seu exército ou em
trabalho forçado. Casos da França Napoleónica ou Alemanha Nazi,
por exemplo;
2. Conquista de faixas de território que possam ser usadas
estrategicamente. Quer como zonas tampão contra possíveis
agressões ou que serviam como ponto de partida para um futuro
ataque. Casos como o ataque da União Soviética à Finlândia em
1939-40 ou o ataque à Polónia pela Alemanha Nazi em 1939.
3. Uma guerra pode servir para provocar tantos danos a outro estado
que lhe retire o estatuto de grande potência. Por outro lado, o
estado agressor pode anexar o estado derrotado, desmilitarizá-lo,
desmantelar a sua capacidade produtiva ou dividi-lo em vários
outros estados menores.
Chantagem
Um segundo meio que os estados têm à sua disposição para aumentar o seu
poder é ameaçando o uso das forças militares caso as suas reivindicações não sejam
acedidas. A vantagem deste meio é a de que um estado pode atingir os objetivos a que
se propôs sem os custos associados a uma guerra. Contudo, é improvável que o uso
destas estratégias promova grandes alterações na balança do poder, já que as grandes
13
Op. Cit., p.150
idem
15
idem
14
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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potências têm meio militares de aproximado poderio. Deste modo, esta estratégia
funcionará apenas com estados de menor poderio16. A título de exemplo, a Alemanha
Nazi conseguiu com que o Reino Unido e a França aceitassem que esta anexasse os
Sudetas. Segundo o autor, deste caso notou-se uma alteração da balança do poder17.
Bait and Bleed
A terceira estratégia disponível aos estados para aumentarem o seu poder
consiste num estado x provocar uma guerra prolongada entre dois outros estados
rivais de modo a que esses estados se desgastem entre si, enquanto o estado x assiste
ao confronto intacto18. Contudo, esta estratégia tem uma série de dificuldades. A
primeira é a dificuldade em empurrar dois estados rivais a iniciarem uma guerra entre
si, especialmente uma guerra que ambos não querem combater. Em segundo lugar, há
o risco de ambos os estados perceberem que estão a ser empurrados para uma guerra
entre si por um terceiro estado rival, com todos as complicações associadas a essa
descoberta que esse terceiro estado terá. Por último, há também a possibilidade de
um dos estados empurrados para a guerra conseguir vencer a guerra de uma forma
decisiva e rápida, o que significará que em vez de perder poder, ganhará. Neste caso, o
estado que os empurrou para uma guerra em primeiro lugar ficará numa posição mais
fragilizada do que a que tinha à partida 19.
16
Op. Cit., p.152
Op. Cit., p.153
18
Idem
19
Op. Cit., p. 154
17
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Bloodletting
Por último, a estratégia de bloodletting, como referido atrás, uma variante do
bait and bleed, o objetivo é certificar-se que uma guerra em que um rival, ou mais,
esteja envolvido se prolongue e lhe custe o máximo possível. Neste caso, o estado que
prossegue esta estratégia (o bloodletter) não toma a iniciativa para provocar uma
guerra no rival, mas certifica-se somente que essa guerra já previamente iniciada
independentemente se prolonga no tempo.
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Estratégias para suster agressores
Para além dos estados seguirem estratégias que lhes permitam aumentar o seu
poder relativo, de modo a alcançarem o maior poder possível têm também de se
certificar que os seus rivais não ganham também eles poder. Geralmente, os elevados
orçamentos militares das grandes potências são suficientes para dissuadir outro
estado a procurar aumentar o seu poder às custas de outras grandes potências,
contudo o aparecimento de potências revisionistas que procuram desestabilizar a
balança de poder exige uma resposta que pode vir de duas formas: através do
balancing ou através do buck-passing20.
Balancing
Com esta estratégia os estados tomam para si a responsabilidade de garantir o
equilíbrio do poder impedindo a potência revisora de o desestabilizar. O estado que
assume essa responsabilidade tem à sua disposição três formas de garantir o statu
quo21:
1. Utilizará todos meios diplomáticos à sua disposição e tornará claro
que, se necessário, entrará em guerra para o garantir. A tónica da
sua ação passa pela confrontação em vez da conciliação, e faz com
que fiquem claros os limites até onde evitará entrar em guerra com
o estado agressor, após a transgressão destes não se inibirá de
iniciar uma guerra para garantir o statu quo22;
2. Os estados ameaçados podem garantir alianças defensivas que
garantam uma ação comum contra o potencial estado agressor. Esta
ação denominada de external balancing23, é limitada num sistema
bipolar já que não existem mais grandes potências com quem fazer
20
Op. Cit., p. 155
Op. Cit., p. 156, p. 157
22
Op. Cit., p. 156
23
idem
21
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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alianças, sendo possível, no entanto fazer alianças com potências
menores. O apelo desta estratégia é que, com a criação de uma
aliança, tanto os custos e riscos de contestar as intenções do estado
agressor são divididos, especialmente em caso de guerra, como
aumentam a sua capacidade militar relativamente à do agressor.
Contudo, esta estratégia tem os seus contras, nomeadamente a
lentidão e dificuldade que se sente com estas alianças defensivas,
tanto na sua criação, como na sua aplicação quando necessárias
dado o natural aparecimento de conflito de interesses entre os
estados signatários;
3. Por último, os estados podem mobilizar recursos próprios para
aumentarem o seu poder, seja através de aumento do orçamento de
defesa ou aumento do recrutamento. Em oposição ao external
balancing, esta estratégia é conhecida como internal balancing24.
Contudo, o grau de aumento de poder que uma grande potência
pode sentir com o internal balancing é limitado, uma vez que as
grandes potências já despendem elevadas quantias nos seus
orçamentos de defesa.
Buck-Passing
Esta estratégia consiste em colocar a responsabilidade de contrariar o estado
agressor num outro estado, esperando que este o faça individualmente. Deste modo,
o estado que passa essa responsabilidade pode permanecer numa posição sem risco,
enquanto o outro corre todos os riscos. Isto pode ser feito de quatro formas 25:
1. O buck-passer26 procura cair nas boas graças do agressor ou, se tal
não for possível, não o provocar de modo a que este centre as suas
atenções noutro estado;
24
Op. Cit., p. 157
Op. Cit., p. 158
26
O buck-passer é o estado que passa a responsabilidade para um outro, o buck-catcher.
25
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2. O buck-passer procura manter uma relação distante com o buckcatcher26 de modo a que a sua relação com o estado agressor não
sofra quaisquer revezes desnecessários, mas também para que não
seja envolvido numa guerra ao lado do buck-catcher.
3. Procurando manter um elevado orçamento de defesa de modo a
que os estados olhem para o buck-passer como um adversário
poderoso e não como um estado que não teria capacidade de se
defender de uma forma eficaz, tornando-se assim num apetecível
alvo. Por outro lado, é aconselhável um investimento elevado nas
suas forças armadas de modo a ter condições de se defender caso o
“buck”, isto é, a responsabilidade de contrariar o estado agressor,
caia sobre si. Quer sendo o primeiro alvo do agressor, quer sendo
após uma vitória decisiva deste sobre o buck-catcher.
4. Numa alusão ao bait and bleed referido nas estratégias para
aumentar o próprio poder, a quarta forma pressupõe que o buckcatcher permita ou promova o aumento do poder do buck-catcher
de modo a que, caso uma guerra seja iniciada com o estado
agressor, este tenha boas condições de dividi-la com o agressor e
portanto prolongá-la o máximo tempo possível.
O realismo ofensivo de Mearsheimer proíbe o uso de duas estratégias possíveis
aos estados: o apaziguamento e o bandwagoning27. Isto deve-se ao facto de na base
destas duas estratégias estar a concessão de poder a um estado agressor 28. Na
estratégia do apaziguamento, o estado ameaçado faz concessões ao estado agressor
que ameaçam a balança do poder, nomeadamente territoriais, quer seja parte do
território ou a sua totalidade 29. Com isto, o estado ameaçado procura apaziguar de tal
modo o estado agressor que este acabe com os seus intentos expansionistas. Com o
27
Mearsheimer define bandwagoning da seguinte forma: “Bandwagoning happens when a state joins
forces with a more powerful opponent, conceding that its formidable new partner will gain a
disproportionate share of the spoils they conquer together.” Op. Cit., p. 162, 163
28
Op. Cit., p. 162
29
Op. Cit., p. 163
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bandwagoning o estado ameaçado procurar aliar-se ao estado agressor mais
poderoso, procurando com isso recolher alguns dos despojos de guerra 27. Nesta
segunda estratégia de concessão voluntária de poder, o estado não tem qualquer
intenção de contrariar o estado agressor, ao contrário do apaziguamento 30.
O termo bandwagon foi popularizado por Kenneth Waltz no seu livro “Theory
of International Politics”. Nele, Waltz aplica o termo principalmente para a política
interna num contexto eleitoral, mas não só. Também o faz relativamente à política
externa dos estados, onde a sua adoção por estes produz os efeitos propostos por
Mearsheimer, isto é, ganhos para estados que, caso se mantivessem afastados das
maiores potências, só sairiam a perder: “(…)bandwagoning is sensible behavior where
gains are possible even for the loser and where losing does not place their security in
jeopardy. Externally, states work harder to increase their own strength, or they
combine with others, if they are falling behind. In a competition for the position of
leader, balancing is sensible behavior where the victory of one coalition over another
leaves weaker members of the winning coalition at the mercy of the stronger ones” 31.
30
“Unlike the bandwagoner, who makes no effort to contain the aggressor, the appeaser remains
committed to checking the threat.”, op. cit., p. 163
31
WALTZ, Kenneth – Theory of International Politics. Massachusetts. Addison-Wesley Publishing
Company, 1979 (p.126)
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Enquadramento
Estrutura do poder soviético
A subida ao poder de Estaline determinou uma alteração da estrutura política
interna da União Soviética. Estaline trouxe consigo uma forma diferente de tomar
decisões políticas e isso teve reflexo na forma como a União Soviética abordou a
ameaça nazi e a resposta que lhe deu. De igual maneira, a forma como Estaline
ascendeu ao poder foi determinante como, nos anos de consolidação do seu poder,
alterou esta estrutura política herdada de Lenine e, assim, transformou a estrutura
política soviética à sua volta e forma que orbitasse sob a sua pessoa.
O órgão máximo da estrutura política soviética era o Politburo, criado em 1919.
Os seus membros eram eleitos pelo Comité Central do Partido Comunista da União
Soviética e reportavam ao Comité Central e ao congresso do Partido, sendo composto
por dez membros permanentes e três candidatos. Em 1932, era constituído pelo
Secretário-Geral, Estaline, o presidente do Sovnarkom32, o presidente do TsIK URSS33,
três representantes do partidos locais, o diretor do Gosplan 34 e os diretores dos
comissariados da Defesa, Indústria Pesada e Transportes Ferroviários. A sua ação
centrava-se em seis áreas centrais: política externa, defesa, segurança interna,
indústria pesada, agricultura e transportes.
A regularidade com que este órgão se reunia em 1923, ano em que Estaline foi
Secretário-Geral na totalidade 35, era elevada. No total, o Politburo reuniu-se 80 vezes
nesse ano, o recorde registado durante todo o mandato de Estaline até à sua morte,
tendo decrescido regularmente desde então. Em 1928, reuniu 53 vezes, em 1933 24
vezes e em 1939, ano da assinatura do pacto, 2 vezes apenas, com um recorde mínimo
de decisões tomadas, quatro36´37. Esta redução de sessões tem duas razões principais,
32
Conselho dos Comissariados do Povo.
Comité Central Executivo da União Soviética.
34
Órgão responsável pelos planos quinquenais.
35
Ascendeu a Secretário-Geral em novembro de 1922.
36
REES, E. A., The Nature of Stalin’s Dictatorship: the Politburo, 1924-1953. Hampshire. Palgrave
Macmillan. 2004. (p.27)
33
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a primeira é que em 1933 o Politburo foi transformado num órgão consultivo apenas.
O esvaziamento do poder do Politburo foi algo que ocorreu gradualmente ao longo das
décadas de 1920 e 1930, com diversas alterações ao seu funcionamento que foi
sofrendo. Isto deveu-se à segunda razão pelas quais o Politburo viu o número de
sessões decrescer: a centralização do poder na pessoa de Estaline. Molotov justificou a
violação dos procedimentos democráticos como uma contrapartida para uma rápida
resolução dos problemas38. De facto, esta rápida resolução dos problemas teve frutos
relativamente à ratificação do pacto, tendo esta sido concluída de uma forma muito
diligente.
O Orgburo e o Secretariado foram criados igualmente em 1919, como órgãos
equiparados, em termos de poder, ao Politburo. Contudo, este último ganhou
predominância sobre os primeiros. O Secretariado era o ramo executivo do Politburo e
do Ogburo e encarregado de se certificar que as resoluções votadas eram aplicadas. À
semelhança do Politburo, as sessões realizadas por este órgão político também foi
decrescendo ao longo das décadas de 20 e 30. Como exemplo, o Ogburo reuniu-se 44
vezes em 1928, sendo que em 1937 reuniu-se 6 vezes, tendo uma ligeira subida nos
três anos seguintes. O Secretariado, por sua vez, sofreu a maior quebra. Em 1928,
reuniu 43 vezes, tendo deixado de reunir por completo em 1936. De referir também
que, de 1928 a 1940 só por três vezes Estaline assistiu às reuniões do Secretariado 39.
O Comité Central Executivo tinha funções legislativas, de acordo com a
Constituição. Era usado para conferir legitimidade às decisões políticas que emanavam
dos órgãos governamentais, controlados pelo Partido 40. O Sovnarkom, o Conselho dos
Comissariados do Povo, estava intimamente ligado ao Politburo. Este órgão dedicavase aos assuntos económicos, sociais e administrativos. Contudo, apesar de haver um
comissariado para a política externa, esta era tratada diretamente pelo Politburo.
Maxim Litvinov, que chefiou a política externa de 1930 a 1939 e esteve encarregado de
37
Em 1923, foram tomadas 1487 decisões.
Op. Cit., p.26
39
Op. Cit., p.32
40
Op. Cit., p.35
38
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conter o expansionismo alemão durante a maior parte da década, antes da sua
substituição por Molotov, sendo comissário para esse departamento da União
Soviética pertencia, naturalmente, ao Sovnarkom. Contudo, uma vez que o Politburo
assumia a responsabilidade direta da política externa, a posição de Litvinov estava
naturalmente muito debilitada, pois tinha sempre de reportar ao Politburo as suas
decisões tendo assim a sua liberdade de ação muito reduzida. Será muito importante
ter este facto presente no relato e análise futuros dos eventos que decorreram antes
da assinatura do pacto, uma vez que dará uma compreensão mais profunda da relação
de forças que existia internamente no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Litvinov
a juntar à relação de forças no plano internacional. À limitação natural do posto de
Litvinov, há que juntar ainda o facto de o presidente deste órgão político, membro do
Politburo como já referido, e assim, com direto acesso a Estaline, ser Vyacheslav
Molotov com quem Litvinov não mantinha uma boa relação ou partilhava de ideais
semelhantes quanto à linha que a política externa soviética deveria seguir. Nada
menos que o seu sucessor na pasta dos negócios estrangeiros.
A centralização do poder por Estaline ocorreu de uma forma progressiva e
constante. A consolidação do seu poder foi conseguida quer através da eliminação
sucessiva dos seus opositores políticos quer através da manutenção de pessoas leais à
sua volta. Em 1924, Estaline isolou a Oposição de Esquerda liderada por Trotsky no
Comité Central. Em 1926/27, derrotou a Oposição Conjunta, na qual Trotsky tinha
formado uma aliança com os antigos aliados de Estaline, Zinoviev e Kamenev. Em
1928/29, avançou contra os “direitistas” Rykov, Bukarine e Tomsky, derrotando-os. De
acordo com vários historiadores, Estaline conseguiu esta centralização de poder e
recorrente vitória sobre os seus opositores devido ao seu controlo do Secretariado,
que lhe permitia controlar as delegações que participavam os congressos do Partido e,
assim, controlar as discussões, assim como o processo de eleição do Comité Central41.
Esta consolidação do poder foi posta à prova, assim como a sua liderança, com
o falhanço da política da coletivização e consequente enorme escassez de alimentos
41
Op. Cit., p.20
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em 1932/33. Estaline sofreu críticas relativamente à sua ação no processo, tendo
havido opositores que exigiram a demissão do líder soviético. No entanto, já não
existiam mecanismos constitucionais para o derrubar 42.
A par dos problemas internos da União Soviético, a ameaça externa também
ajudava Estaline. O crescimento do Japão no Extremo Oriente e ameaça às fronteiras
orientais soviéticas, assim como a subida de Hitler ao poder, em conjugação a crise da
fome na população, empurrou os líderes soviéticos para um decréscimo de encontros
nos diferentes órgãos políticos. A prática de expor e justificar políticas perante
conselhos de responsáveis políticos foi sido abandonada, e assim os mecanismos de
liderança coletiva e “accountability” coletiva desapareceram 43, ao mesmo tempo que
os membros dos órgãos políticos iam sendo povoados por apoiantes de Estaline. Por
esta altura, o líder soviético tratava dos assuntos nacionais a partir do seu gabinete,
com encontros privados com os responsáveis dos diferentes departamentos de
governação, o que lhe dava um controlo incomparavelmente maior do que o que teria
se tivesse de reunir através do Politburo.
Apoiado pelos seus braços-direitos e homens-fortes, Molotov e Kaganovich,
Estaline delegava-lhes muitas funções. Contudo, esta delegação de poderes não lhe
diminuía o poder. Como Rees refere de uma forma concisa através de quatro pontos44:
1. Estaline detinha muito mais poder que qualquer de um dos seus braçosdireitos. Era o principal homem na União Soviética e o seu ideólogo;
2. Estaline tinha criado as suas carreiras, assim como dos restantes
membros do Politburo;
3. Pessoalmente, Estaline era muito mais implacável que os dois, ao
mesmo tempo que ambos lhes tinham uma grande reverência. Não era
uma relação entre iguais;
42
Op. Cit., p.40
Idem
44
Op. Cit., p. 42
43
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4. Estaline possuía outras formas de obter informação para além de
Molotov e Kaganovich.
Desta forma, Estaline controlava complemente a política interna soviética, pelo
que é seguro afirmar que tudo que se passou de relevância durante o período tratado
neste trabalho, foi feito com o seu conhecimento e consentimento.
Estrutura do poder nazi
A estrutura política da Alemanha Nazi não seguia normas constitucionais bem
definidas, nem detinha um corpo de órgãos políticos que detinham, à semelhança de
outro regime ditatorial como a União Soviética, uma série de competências prédefinidas e dos quais era esperada uma ação política específica. Pelo contrário, o
regime nazi orbitava em volta de um homem, Adolf Hitler, o Führer. Ele representava
sozinho o povo alemão e era esperado dele que liderasse o destino da nação alemã
rumo à vitória.
Uma ideia central da sua aceção do poder era o Führerprinzip, no qual ele
definia a autoridade de cada líder para baixo e responsabilidade para cima 45. Este
princípio baseava-se na aversão que Hitler tinha pelo processo democrático e pela
decisão coletiva. Ele era defensor da liderança de um homem só, liderança essa que
todos os inferiores tinham de respeitar e seguir.
A proliferação de organismos criados durante o reinado de Hitler, criação que o
próprio apoiava, sem linhas demarcadoras entre si, isto é, sem competências próprias
bem definidas e separadas, criou dentro do regime uma constante luta de forças entre
os dirigentes nazis. Jeremy Noakes refere em “Nazi Germany”, numa citação de um
membro do regime, que “uma característica da administração Nacional Socialista era
que cada pessoa que se sentisse suficientemente forte fazia o que quisesse no seu
setor e não se permitia a estar impedido por qualquer consideração por outras
45
CAPLAN, Jane, Nazi Germany. Londres. Oxford University Press. 2008. (p.75)
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autoridades, competências, pessoas ou interesses”46. Como consequência desta
anarquia vivida no regime, vários problemas internos surgiam como guerras entre
organismos, o mesmo tipo de trabalho feito vários vezes, trabalho sem qualquer valor
ou fim, falta de produtividade, entre outros problemas da mesma natureza.
Relativamente ao Reichstag, o parlamento alemão, o primeiro objetivo de
Hitler era assegurar o controlo deste com o maior número possível de deputados
nacional-socialistas. O meio que ele seguiu para atingir este fim foi através da
convocação de eleições antecipadas para 1933. Durante o período eleitoral que se
seguiu, Hitler, através do controlo da comunicação social e através de medidas
excecionais que limitavam a ação dos adversários políticos através do seu posto de
Chanceler atingiu o sucesso para o seu partido. O resultado foi um aumento de cerca
de 11% em apenas quatro meses, passando de 33% nas eleições de novembro de
1932, para 43.9% em março de 1933. O passo seguinte foi a tentativa de aprovação da
Lei da Concessão de Plenos Poderes, uma alteração constitucional que reduziria
grandemente os poderes do parlamento e que permitiria ao Chanceler aprovar leis
sem consultar o parlamento. Uma vez que o Partido Nazi ainda não possuía maioria,
Hitler procurou a expulsão dos deputados comunistas do Reichstag, que foi conseguida
depois do incêndio no Reichstag por um comunista, sob o pretexto de controlar os
excessos do Partido Comunista da Alemanha, e ainda conseguido os votos do Partido
do Centro, o que lhe garantia a maioria de dois terços necessária para a alteração
constitucional. Esta foi conseguida e a lei promulgada.
Uma outra vertente muito importante do regime nazi eram os braços armados
do Partido Nazi: as SS e as SA. A organização que detinha mais poder, as SS, sofreu
uma evolução ao longo dos anos em que o Partido Nazi liderou os destinos da
Alemanha. As SS eram constituídas por um conjunto de instituições, entre elas a
política secreta, a Gestapo. Infiltraram-se em vários setores das sociedade alemã,
tendo atingido enorme poder dentro da Alemanha. A título de exemplo, possuíam
membros dentro do exército, organizavam os territórios conquistados e tomaram
46
Op. Cit., p. 76
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controlo dos campos de concentração, tendo sido responsáveis pelo extermínio dos
judeus e outros alvos do ódio nazi.
À semelhança de Estaline, Hitler também consolidou o poder interno através da
eliminação dos seus opositores políticos que seguiam a sua ideologia. A célebre Noite
das Facas Longas marcou o assassinato de vários militantes nazis que não se alinhavam
com Hitler, nomeadamente membros das SA, assim como seguidores do Strasserismo,
uma vertente do nazismo que defendia diferentes formas de continuar a revolução
nazi. A partir deste momento, o papel das SA perdeu grande parte da sua importância,
tendo sido relegadas para um segundo plano relativamente às SS.
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Descrição dos eventos antecedentes à assinatura do pacto
Período de 1933 a 1938
A subida ao poder de Hitler deu início a uma nova era na relação entre a União
Soviética e a Alemanha. O seu discurso inflamado contra o comunismo e a necessidade
de uma expansão territorial para este era uma ameaça clara à segurança da União
Soviética. No entanto, Estaline não tomou esta ameaça como séria logo em 1933, ano
da subida ao poder de Hitler. Ao invés disso, ele acreditava que Hitler estava destinado
ao fracasso e que a sua eventual saída do poder abriria caminho aos comunistas
alemães. Tão convicto estava ele desse desfecho que ordenou ao partido comunista
alemão e aos seus militantes que votassem no partido nazi 47. Mas Estaline estava
errado quanto à fragilidade ou incapacidade de Hitler em manter-se no poder. Ao
longo dos anos seguintes, Hitler foi consolidando o seu poder pelo que era importante
agora perceber que tinha vindo para ficar e Estaline tinha de agir em concordância.
Como referido na introdução, os objetivos da política externa nazi eram claros e
públicos, já que Hitler tinha-os enunciado no seu livro Mein Kampf. Entre eles, a
expansão territorial às custas da União Soviética era bem clara e Estaline estava
consciente desse facto. Isto era mais perigoso para a segurança da União Soviética
dado o facto de esta não estar em condições de fazer frente à Alemanha sozinha, ainda
que por vezes Estaline quisesse passar essa imagem. Como Mearsheimer refere, as
grandes potências temem-se a elas próprias e olham-se com grande suspeição, sempre
preocupadas com as intenções perigosas, antecipando perigo, mesmo guerra 48. Neste
caso, este sentimento, por si só já natural entre os estados, era exacerbado em
Estaline pelo facto das intenções de Hitler em expandir a Alemanha às custas da União
Soviética estarem claras no livro que escreveu enquanto esteve na prisão. Além desse
facto, Mearsheimer refere ainda que as grandes potências não são agressores cegos
47
FISHER, David, READ, Anthony – The Deadly Embrace: Hitler, Stalin, and the Nazi-Soviet Pact 19391941. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 1988 (p. 15)
48
MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.33
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que procuram a destruição de outros estados a todos os custos sem qualquer análise
das variantes em jogo. Eles entendem, como Estaline entendeu bem a situação que
tinha em mãos, que só podem ganhar poder às custas dos adversários quando têm a
capacidade para o fazer. Até lá, adiarão uma ação ofensiva, focando os esforços em
garantir a sua defesa e a defesa da balança de poder de modo a que o estado mais
poderoso, neste caso a Alemanha, esteja em condições de ser atingido 49. Assim sendo,
a Estaline apresentavam-se três opções em como agir com este facto:
1. A procura por matérias-primas para alimentar a crescente população
alemã, passava pela conquista da Ucrânia e das suas planícies
férteis. Como tal, a primeira opção seria abdicar da Ucrânia e
permitir que a Alemanha a ocupasse sem oposição;
2. O eventual confronto que se avistava no futuro entre a União
Soviética e a Alemanha e a incapacidade da primeira em fazer frente
sozinha à segunda, significava que era necessária uma aproximação
às potências capitalistas liberais, isto é, França e Reino Unido, e
assim criar uma frente comum que fizesse frente aos excessos de
Hitler e às suas pretensões territoriais;
3. A última opção era a de tomar a iniciativa e a dar a Hitler o que ele
pretendia, as matérias-primas tão necessárias para a expansão da
Alemanha e do seu povo, esperando com isso amenizar os seus
intentos em levar guerra à União Soviética.
Ficava claro desde a primeira hora que a primeira opção de abdicação da
Ucrânia estava fora de questão, pelo que seria necessária uma abordagem simultânea
à segunda e terceira hipóteses.
O sistema internacional de Versalhes que saiu da Primeira Guerra Mundial não
era bem visto pelos comunistas para além de terem sido excluídos da mesma. Assim
sendo, a ideia da segurança coletiva, um dos princípios basilares da Sociedade das
49
MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.37
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Nações, nunca tinha sido usado como bandeira dos comunistas no plano internacional.
Acontece que a subida ao poder de Hitler e o perigo que este representava para a
União Soviética significava uma alteração da estratégia política dos comunistas, que se
viam na necessidade de usar os meios necessários para travar o avanço nazi e o
fortalecimento alemão. Em termos concretos da política externa soviética, isto
significou a assinatura de uma série de tratados de não-agressão com os estados
vizinhos da União Soviética, nomeadamente Estónia, Letónia, Polónia e Roménia. A
assinatura destes tratados não era meramente a promessa de não entrar em guerra
com estes estados, significava também o reconhecimento formal da sua existência e
das fronteiras criadas após a Primeira Guerra Mundial. Estaline estava portanto a
abdicar do direito da União Soviética nestes territórios em troca de uma segurança das
fronteiras. Para além destes tratados, Estaline assinou ainda com a França um pacto de
assistência mútua com a Checoslováquia, onde estes países se comprometiam a
prestar assistência caso a Checoslováquia fosse atacada, mas apenas se a França o
fizesse primeiro. Com este tratado Estaline dava um dos primeiros passos para uma
cooperação com as potências capitalistas liberais, mas ainda assim demonstrando uma
reserva clara quanto ao compromisso dado, garantido que a União Soviética não fosse
deixada sozinha pela França na ajuda à Checoslováquia ao garantir a cláusula de só o
fazer caso a França o fizesse primeiro.
O grande passo seguinte na procura de uma frente comum contra Hitler foi a
entrada em setembro de 1934 da União Soviética na Sociedade das Nações. A partir
deste momento, a União Soviética tornar-se-ia um dos maiores promotores da
segurança coletiva, tentando várias iniciativas junto dos diversos estados europeus
para travar a Alemanha. A figura de proa desta nova linha de ação era Maxim Litvinov,
o responsável da política externa soviética. Este era um homem que não tinha tanta
desconfiança das potências capitalistas liberais como Estaline, pelo que a sua linha de
ação passava por uma aproximação destas em detrimento da Alemanha.
A união da Alemanha com a Áustria a 12 de março de 1938, com o Anschluss,
deu início à expansão territorial alemã e confirmou os piores receios dos soviéticos. A
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ideia da procura pelo Lebensraum não era meramente propaganda nazi, era um
objetivo real que seria perseguido por Hitler. Como tal, os soviéticos tinham de agir
junto dos outros países, convocando o Reino Unido, França e Estados Unidos a 17 de
março para uma ação conjunta contra a Alemanha. Esta proposta foi recebida com
muitas reservas já que os três países não queriam ser envolvidos num conflito com
Hitler. Os Estados Unidos continuavam na sua linha de não intervenção nos assuntos
europeus, a França estava preocupada com a crise política interna e o Reino Unido,
pela voz de Chamberlain, não queria confrontar Hitler e considerava a ideia
impraticável. Como tal, os esforços soviéticos em quebrar a expansão territorial alemã
logo de início foram interrompidos pelas reservas das maiores potências que
advogavam a segurança coletiva.
O alvo da pressão nazi seguinte foi a Checoslováquia, que detinha uma elevada
população alemã nos Sudetas, população essa que Hitler queria incorporar na nação
alemã. A pressão alemã foi aumentando ao longo do ano de 1938 sobre a
Checoslováquia, não encontrando grande oposição junto das potências. A
Checoslováquia encontrava-se isolada, ao mesmo tempo que o Reino Unido, seguindo
a lógica de apaziguamento de Chamberlain, ia preparando os checoslovacos para
fazerem concessões às exigências de Hitler. A União Soviética, por sua vez, continuava
a sua pressão junto da França e Reino Unido para a criação de uma frente comum de
oposição a Hitler. Mais uma vez, estas pressões não tinham resposta, já que entre a
União Soviética e a França e Reino Unido havia uma conceção completamente
diferente de como a questão da expansão alemã deveria ser abordada. Enquanto a
União Soviética fazia todos os esforços possíveis para parar Hitler o mais cedo possível
na sua expansão territorial e assim evitar que a sua vez chegasse como tanto temia,
França e Reino Unido continuavam convictos na doutrina do apaziguamento,
acreditando que ao ceder às exigências de Hitler e ao dar-lhe o que ele queria, ele
eventualmente pararia e ficar satisfeito.
As renitências francesas e britânicas levaram a que os soviéticos tomassem
medidas mais concretas e de um âmbito militar junto da Checoslováquia. A 2 de
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setembro Estaline comunicou ao Presidente checoslovaco Eduard Benes que a União
Soviética estava disposta a dar assistência militar ao seu país caso os alemães o
atacassem, mesmo que a França não o fizesse. Durante o mês de setembro, à medida
que a situação nos Sudetas ia aumentando de conflitualidade ao ponto de a 15, após
motins da população alemã na região e consequente instauração da lei marcial pelo
Presidente Benes, os soviéticos começavam a juntar tropas na Ucrânia. No entanto,
devido ao facto da União Soviética não partilhar fronteiras nem com a Checoslováquia
nem com a Alemanha, era necessário que ou a Polónia ou a Roménia permitissem a
passagem de tropas pelos seus territórios, reivindicações que não foram aceites.
Apenas a Roménia permitia a abertura do seu espaço aéreo, o que resultou no envio
de aviões soviéticos. A Polónia, por sua vez, continuava irredutível por duas razões. A
primeira pelo facto de temerem o facto que, caso tropas soviéticas entrassem em
território polaco, estas nunca mais sairiam; a segunda pelo facto de já terem acordado
com os alemães a receção de territórios pertencentes aos Sudetas com uma minoria
de habitantes polacos para a Polónia 50.
Chamberlain, por sua vez, continuava a fazer concessões a Hitler à margem dos
checoslovacos. Sempre que era acordado um ponto, Hitler faria uma nova
reivindicação que ultrapassa o já aceite. Decidido a pôr fim à questão, Chamberlain
propôs uma conferência conjunta entre o Reino Unido, Alemanha, Itália, França e
Checoslováquia para decidir o destino dos Sudetas, a ser reunida em Munique a 29 de
setembro. A União Soviética foi deliberadamente excluída, já que os britânicos tinham
a convicção que a sua presença na conferência resultaria numa paralisação das
conferências dada a sua profunda convicção em travar Hitler e a garantir a integridade
territorial checoslovaca, para além do facto de não terem confiança nas pretensões
soviéticas. Nessa reunião foi decidida a evacuação total dos Sudetas, tendo os
checoslovacos – que tinham sido afastados das conversações – de abandonar todas as
instalações intactas, assim como abandonar no local todos os equipamentos militares,
assim como bens pessoais da população. Nenhuma compensação seria paga ao Estado
50
FISHER, David, READ, Anthony , Op. Cit., idem, p.28-29
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29
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checoslovaco, nem às famílias afetadas. Com esta decisão, a Checoslováquia viu-se
completamente despida de todas as medidas defensivas que tinha vindo a criar ao
longo dos anos, nomeadamente a linha defensiva de fortificações ao longo da
fronteira, assim como parte importante da sua capacidade militar. Estava portanto
completamente desprovida de qualquer capacidade de fazer frente a mais concessões
alemãs no futuro.
Quando os soviéticos tomaram conhecimento do acordado nos Acordos de
Munique, o sentimento de total deceção não foi escondido. Potemkin, o ViceComissário para os Assuntos Externos da União Soviética disse ao embaixador francês
em Moscovo: “Meu pobre amigo, que fizeram vocês? Para nós não nos resta outra
alternativa senão uma quarta divisão da Polónia.”. Este comentário demonstra
perfeitamente como os soviéticos encaravam agora a forma de parar Hitler. Os seus
esforços ao longo de 1938 em espelhar o conceito de segurança coletiva em medidas
concretas tinham sido mal recebidas pelos líderes ocidentais, que procuravam uma
diferente abordagem à questão alemã, e como tal estava claro que essa via não era
eficaz na garantia da segurança da União Soviética. Estaline tinha agora de abrir
caminho a uma aproximação à Alemanha e começar a encarar de forma mais séria e
dedicada a terceira hipótese: o apaziguamento de Hitler à sua própria maneira.
A tentativa de aliança com as potências capitalistas não estava a ter sucesso. A
crença de Estaline de que a União Soviética estava completamente sozinha e de que
dependia somente de si para garantir a sua segurança ganhava cada vez mais força.
Como Mearsheimer refere, “states cannot depend on others for their own security.
Each state tends to see itself as vulnerable and alone, and therefore it aims to provide
for its own survival51”. Esta noção de que tanto a Alemanha, como as potências
capitalistas liberais procuravam a destruição da União Soviética não era recente.
Estaline compreendia-o bem e tinha uma suspeição imensa pelos dois lados. A questão
aqui em causa era a de que uma aliança com as potências liberais ocidentais afiguravase muito mais provável de atingir dado o antagonismo ideológico entre o nazismo e
51
MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.33
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comunismo. Contudo o realismo ofensivo defende que alianças são “casamentos de
conveniência temporários”. O que é hoje um aliado, amanhã será um inimigo, como o
contrário poderá suceder52. Nesta lógica, Estaline vai tentar uma aproximação à
Alemanha de modo a precaver-se de um eventual fracasso total de aliança antinazi
com a França e Reino Unido. Mais uma vez, o que movia Estaline nesta aproximação a
estas últimas potências, à Sociedade da Nações ou ao conceito de segurança coletiva,
não era nada mais, nada menos que um meio para atingir um fim: a segurança do seu
país.
Período de 1938 a 1939
O primeiro passo nesse sentido foi dado no final do ano de 1938, quando
Estaline, pela pessoa do embaixador soviético na Alemanha, fez saber ao Ministro dos
Negócios Estrangeiros alemão, Joachim von Ribbentrop, através do diretor do
departamento da política económica alemão, Emil Wiehl, que os soviéticos estavam
prontos a retomar as conversações de crédito que tinham sido interrompidas em
março. Mas não só, os soviéticos estavam prontos “a abrir uma nova era nas relações
germano-soviéticas”53. Durante todo o ano de 1938, Hermann Göring, como cabeça do
Plano de Quatro Anos, vinha alertando para a necessidade extrema de matériasprimas de modo a que o Plano pudesse ser concluindo com sucesso. Durante os
primeiros meses de 1938, por exemplo, as fábricas de munições só tinham recebido
um terço da sua quota de ferro e aço. O caminho para as negociações iniciou-se a 11
de janeiro de 1939, quando Estaline respondeu ao pedido alemão de retomar as
negociações a partir do zero. Nessa resposta Estaline afirma que quer que essas
negociações sejam feitas em Moscovo. Isto afirmaria ao mundo o novo estatuto da
Alemanha para a política externa soviética. Apesar das dúvidas de Ribbentrop, a
necessidade extrema dos bens que a União Soviética estava pronta a comercializar
com a Alemanha obrigou-o a aceitar a proposta.
52
53
Idem
FISHER, David, READ, Anthony , Op. Cit., idem, p. 47
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Schnurre, o homem encarregado de liderar as negociações do lado alemão, iria
a Moscovo no final do mês secretamente onde trataria dos assuntos em questão. No
entanto, essa visita foi interrompida quando os jornais franceses e britânicos
relatavam de forma sensacional a visita de uma comitiva alemã a Moscovo para tratar
de uma aproximação económica dos dois países. Ribbentrop, que nesta altura,
negociava uma aproximação da Alemanha à Polónia chamou Schnurre de volta à
Alemanha, onde as negociações seriam retomadas na embaixada. Esta tomada de
decisão não agradou a Estaline, que interpretou este acontecimento como uma jogada
da Alemanha para humilhar a União Soviética internacionalmente. No entanto,
Estaline estava mais ressentido com a França e o Reino Unido, pelo que ele continuava
dedicado a uma aproximação à Alemanha.
A 27 de janeiro, um artigo no jornal britânico “News Chronicle”, – que seria
integralmente publicado no jornal soviético Pravda - assinado por um jornalista que
tinha ligações próximas ao embaixador soviético que usava-o regularmente para
transmitir as opiniões soviéticas, declarava que os britânicos e franceses tinham
ignorado deliberadamente os soviéticos, enquanto os alemães e polacos tinham
iniciado conversações para acordos comerciais. Nesse artigo, declarava-se ainda que a
União Soviética não tinha intenções de dar qualquer ajuda ao Reino Unido e à França
caso estes entrassem em conflito com a Alemanha e a Itália. A União Soviética
concluiria acordos com os seus vizinhos na condição de estes a deixarem em paz.
Terminava ainda dizendo que do ponto de vista do governo soviético, não havia
grandes diferenças entre a França e Reino Unido de um lado, e a Alemanha e Itália do
outro. O facto de Estaline ter reproduzido o artigo no Pravda indiciava que não estava
apenas a preparar o mundo para uma alteração de postura nas relações
internacionais, mas também a preparar a própria população da União Soviética para
uma alteração da política que até 1938 vinha sendo seguida.
A resposta, de Hitler veio três dias depois, no seu discurso de comemoração do
sexto aniversário da sua ascensão ao poder. Ao contrário dos outros discursos que
fazia, onde atacava de uma forma prolongada a União Soviética e o comunismo, neste
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discurso, e pela primeira vez, não inclui qualquer ataque ao comunismo ou à União
Soviética, numa demonstração de reconhecimento das intenções de uma aproximação
entre os dois países.
Esta aparente disposição de aproximação entre os dois líderes, não parou a
caminhada de Hitler. Durante o mês de fevereiro, a Alemanha celebrou uma série de
acordos com os países da Europa Oriental, fechando o cerco à União Soviética. Hitler
aumentava a propaganda contra o que restava da Checoslováquia, novos governos
pró-Alemanha surgiam na Roménia e Jugoslávia, iniciando acordos de vendas de
armas. A 24 de fevereiro, a Hungria junta-se ao Pacto Anti-Comintern, ao passo que a
Bulgária demonstrava vontade de se seguir à Hungria. No início do mês de março, as
negociações dos créditos iniciadas no início do ano tinham chegado a um impasse
enquanto notícias da chegada de uma delegação britânica a Berlim para negociações
sobre comércio entre os dois países chegavam a Moscovo. A União Soviética não se
encontrava numa posição confortável. Estaline, no seu discurso do 18º Congresso do
Partido Comunista Soviético a 10 de março, reitera as afirmações feitas em janeiro em
que condenava o Reino Unido, França e Estados Unidos por terem sido incapazes de
castigar a Alemanha, Japão e Itália pelos seus atos agressivos. Acusa-os de não se
comprometerem à segurança coletiva apesar de terem condições económicas e
militares para o fazerem, ao mesmo tempo que afirma que a União Soviética iria em
assistência às vítimas de agressão que viam a sua independência em risco. Ainda
relativamente às potências capitalistas liberais, Estaline acusava-as de, ao intervirem,
estavam a incentivar os agressores a continuarem com as suas políticas expansionistas,
dando a entender que ao permitirem que o Japão se envolvesse com a União Soviética,
ou a Alemanha nos assuntos dos países europeus, apenas estava a criar condições para
que estes se enfraquecessem mutuamente, para depois, nos “interesses da paz”
imporem as suas condições nos beligerantes enfraquecidos.
Estaline neste discurso enviava mensagens tanto à França e Reino Unido, como
à Alemanha. Em primeiro lugar, avisava os primeiros que ao seguirem a política de
não-intervenção e ao permitirem à Alemanha que seguisse o seu caminho sem
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oposição, estariam a jogar um jogo perigoso que poderia resultar num duro golpe para
eles mesmos. Em segundo lugar, fazia notar à Alemanha que a União Soviética estava
disposta a ter relações de paz e comércio com todos os países. Essa era a sua posição e
permaneceria assim desde que esses países não atentassem a paz da União Soviética
ou fossem contra os seus interesses. Estaline deixou ainda a entender que o partido
“deveria ser cuidadoso e não permitir que o nosso país fosse empurrado para conflitos
por países que procuram a guerra e que estão habituados a que os outros tirem as
castanhas do lume por eles”. Esta frase viria a ser bastante a usada no futuro, e fazia
referência a uma passagem do Mein Kampf que falava no incómodo da Alemanha em
ter de tirar “as castanhas do lume” pela Inglaterra do virar do século.
No final desse mês, Hitler continuava a sua política expansionista na Europa,
sendo o alvo desta vez a Lituânia e uma faixa de terra que lhe tinha sido dada após a
Primeira Guerra Mundial: Memel e o seu porto. A 20 de março, cinco dias após a
invasão sem qualquer resistência do que restava da Checoslováquia, Hitler faz um
ultimato à Lituânia para cedesse de imediato essa faixa de terra. Sem esperar por uma
resposta, Hitler inicia viagem pessoalmente para tomar controlo a Memel. Para
Estaline isto representava um perigo real de Hitler iniciar agora uma expansão para os
países bálticos, que ele considerava na órbita de influência da União Soviética, para
além do facto de, caso Hitler iniciasse uma anexação destes países, a Alemanha se
aproximar demasiado do coração da Rússia, nomeadamente de Leningrado ou mesmo
de Moscovo.
Pelo fim do mês, os britânicos tinham finalmente mudado de estratégia e
assumido o perigo que representava o expansionismo alemão, que teria de ser
enfrentado e não apaziguado, após rumores de um ataque iminente alemão à Polónia
e à Roménia. A 31 de março, o Reino Unido e França comprometiam-se a garantir por
completo a independência da Polónia. Com esta garantia Estaline tinha tido uma
vitória sem nada ter feito por isso. Isto significava que caso a Alemanha atacasse a
Polónia, o Reino Unido e França teriam de entrar em guerra em defesa da Polónia, o
que significava que Hitler teria de dedicar as atenções à frente ocidental e não à União
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Soviética. Isto daria bastante tempo a Estaline para aumentar as defesas da URSS,
enquanto se mantinha afastado da guerra. Mas não só, a garantia da independência da
Polónia pelas potências capitalistas liberais significava que a União Soviética era agora
cobiçada pelos dois lados em oposição, já que nenhum destes queria a União Soviética
contra eles. Os britânicos estavam conscientes deste perigo e consideravam que com
esta garantia, a posição natural dos soviéticos seria então de se manter afastada.
Estaline estava portanto numa posição muito confortável e com uma grande margem
de manobra para atingir o melhor acordo para a União Soviética. Apesar disso, devido
à personalidade naturalmente desconfiada de Estaline das intenções reais de ambos
lados, ele ainda temia um acordo final entre o Reino Unido e Alemanha o que
significaria uma alteração em 180 graus da posição da União Soviética. Enquanto agora
estava aparentemente numa posição confortável, caso esse acordo se desse, a
Alemanha tinha o caminho aberto para uma guerra com a União Soviética e atingir o
seu objetivo final.
De modo a evitar que isso acontecesse, a 14 de abril, o embaixador soviético
em Londres, Ivan Maisky comunicou a Lord Halifax, o Ministro dos Negócios
Estrangeiros britânico, que a União Soviética estava pronta a iniciar conversações para
fazer parte de uma garantia conjunta da Roménia. Halifax não pretendia algo do
género. Queria antes uma declaração unilateral soviética de apoio à Roménia como
modo de dissuasão de um ataque alemão a esse país. Tal era também rejeitado pela
União Soviética que não queria “tirar as castanhas do lume” aos outros países. O
objetivo permanecia o da segurança coletiva.
O modo de negociação dos soviéticos era bastante rígido, não dando qualquer
mostra de cedências ao lado contrário, pelo que Litvinov recomendou que a União
Soviética começasse a mostrar algumas cedências para que um acordo pudesse ser
alcançado. Por esta altura, no entanto, Litvinov já não se encontrava nas boas graças
de Estaline e do Politburo, após as tentativas completamente frustradas da União
Soviética em transpor o conceito de segurança coletiva para um acordo concreto com
a França e Reino Unido. As propostas de Litvinov tinham ainda de passar por uma
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avaliação prévia do Politburo antes de serem transmitidas oficialmente. Foi o que se
passou com a resposta soviética à proposta britânica de 14 de abril. Quatro dias
depois, dia 18, a resposta foi dada com oito artigos, três dos quais não negociáveis:
1. Os três países teriam de concluir um acordo de 5 a 10 anos onde
garantiam dar assistência mútua, incluindo assistência militar, em caso
de agressão na Europa contra qualquer um dos três;
2. Os três países dariam ajuda, assistência militar incluída, aos países da
Europa Oriental entre o Báltico e o Mar Negro que fizessem fronteira
com a União Soviética, em caso de agressão a algum deles;
3. Os três países negociariam e concluiriam o mais brevemente possível
um acordo no conteúdo e forma da assistência militar a ser dada
segundo as suas obrigações.
Estas propostas não foram recebidas calorosamente pelos britânicos, que,
como demonstrado no passado, tinham sérias dúvidas quanto a uma aproximação
concreta à União Soviética. A 29 de abril, onze dias depois, Halifax, numa reunião com
Maisky, afirmava que ainda não tinham uma resposta às propostas soviéticas. Por seu
lado, os franceses estavam mais recetivos à proposta soviética, à exceção da cláusula
relativa aos países bálticos.
Estaline, não deixava de jogar nos dois campos. Desde os Acordos de Munique
que as duas opções de aproximação ao Reino Unido e França ou Alemanha estavam
em cima da mesa, pelo que continuava a estudar as duas hipóteses. A 21 de abril,
Estaline pergunta ao seu embaixador em Berlim, Merekalov, se os alemães começarão
uma guerra ou não com a União Soviética. A resposta dada pelo Merekalov foi mais
que clara. Os alemães atacariam a Polónia no Outono de 1939, aproximando a
Alemanha da fronteira soviética. Os alemães tentariam então assegurar a neutralidade
alemã enquanto lidavam com a França, para depois, quando a França estivesse
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subjugada, iniciariam um ataque à União Soviética num espaço de dois ou três anos 54.
A resposta britânica continuava a não chegar, até que na noite de 3 de maio, o
embaixador britânico em Moscovo, William Seeds, comunicava a Litvinov que o Reino
Unido ainda não tinha chegado a uma decisão. Assim que a manhã chegou, Litvinov foi
informado que tinha sido afastado do seu cargo. O homem a substituir-lhe seria
Vyacheslav Molotov, um opositor interno seu.
O afastamento de Litvinov era uma demonstração também de uma alteração
de política externa no futuro. As tentativas de Litvinov em assegurar uma aliança com
o Reino Unido e França, inseridas numa lógica de segurança coletiva, tinham falhado a
toda a linha, pelo que se impunha uma mudança de política definitivamente. Para
Anthony Read e David Fisher, o facto de Litvinov ser um forte apoiante de uma aliança
com as potências capitalistas liberais, mas também o facto de ele ser judeu, era um
sinal muito forte de Estaline a Hitler que ele estava pronto a aceitar propostas para um
acordo55. Hitler, por sua vez, compreendeu claramente a mensagem de Estaline. Num
comentário mais tarde aos seus generais comentou que o sinal lhe tinha atingido
“como uma bala de canhão. A demissão de Litvinov foi decisiva.”56. Quando recebeu a
notícia, Hitler deu ordens a Joseph Goebbels para parar com qualquer propaganda
contra a União Soviética 57. Neste momento, e tal como tinha acontecido após os
Acordos de Munique, Estaline estava cada vez mais consciente do perigo que corria ao
dedicar-se quase exclusivamente à aproximação das potências capitalistas liberais.
A alteração de comportamento
Apesar da substituição de Litvinov por Molotov, as negociações com o Reino
Unido e a França não foram abortadas. Molotov, nos dias seguintes conseguiu com
que os britânicos e franceses aceitassem a maioria das reivindicações soviéticas. Por
outro lado, a chegada de Molotov significava também um desejo mais vivo de
54
STEINER, Zara – The Triumph of the Dark: European International History 1933-1939. S.l.. Oxford
University Press, 2011. p. 881
55
FISHER, David, READ, Anthony – Op.Cit., idem. p.75
56
Ibid.
57
Ibid.
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aproximação à Alemanha. Nesta lógica, Astakhov, conselheiro da embaixada soviética
em Berlim, perguntou aos alemães se a demissão de Litvinov causaria alguma
alteração na sua atitude para com a União Soviética.
A resposta britânica à proposta soviética veio finalmente no dia 8 de maio, em
que os britânicos reiteravam o desejo de ver a União Soviética garantir as
independências dos países à imagem do que o Reino Unido e França tinham feito.
Bonnet, o responsável pela diplomacia francesa, fiel à sua convicção de uma postura
mais conciliatória com os soviéticos tinha dúvidas quanto a esta abordagem, já que
sabia que os soviéticos não pretendiam garantir as independências dos países vizinhos
mas sim uma aliança bem definida com o Reino Unido e França. Para além disso, cada
vez mais sinais chegavam de uma aproximação da União Soviética à Alemanha. No dia
14, os soviéticos deram a sua resposta à contraproposta britânica. Rejeitavam-na,
querendo um pacto de assistência mútua, uma extensão das garantias à Estónia,
Letónia e Finlândia e um acordo militar concreto. Mais uma vez é visível a preocupação
de Estaline em criar um cordão de segurança à volta da União Soviética de modo a
afastar o mais possível os alemães das suas fronteiras. A noção da zona de influência
soviética nos países fronteiriços era por esta altura, já bastante evidente.
No Reino Unido, a oposição à posição de Chamberlain ia crescendo, temendose o cenário de uma União Soviética neutral em caso de guerra com Alemanha.
Também os jornais britânicos favoreciam uma aliança com os soviéticos. Assim, a 24
de maio, o governo britânico acedeu a iniciar conversações para uma aliança entre os
três países. No entanto, o governo britânico não tinha, apesar da aceitação em iniciar
conversações, acedido por completo às exigências soviéticas, reservando para si ainda
alguma margem de manobra. Ao iniciar as conversações, queria que a aliança fosse
inserida no âmbito da Sociedade das Nações, o que não foi aceite por Molotov, que
referia o facto de qualquer estado-membro poder frustrar as ações da União Soviética.
Para além deste facto, a questão dos países que não queriam uma ajuda soviética
ainda não tinha sido resolvida, por temerem o que a entrada de tropas soviéticas
pudesse significar. Os soviéticos pretendiam que as suas reivindicações fossem
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ignoradas e uma solução de defesa da União Soviética lhes fosse imposta. Os
britânicos respondiam que tal não lhes podia ser imposto contra a sua vontade. O que
esta dialética demonstrava eram os diferentes objetivos dos dois lados, presentes
desde o início da expansão alemã em 1938. Os soviéticos, conscientes da inevitável
guerra com a Alemanha queriam preparar-se para ela, os britânicos queriam evitá-la.
Enquanto as negociações com os britânicos e franceses decorriam, Estaline
preparava as aproximações à Alemanha. A 9 de maio, um relatório chega às mãos de
Estaline que concluia, coincidindo com o relato dado por Merekalov, que os alemães
preparavam a invasão da Polónia e acreditavam que, dada a incapacidade do Reino
Unido e França em fazer frente ao exército alemão, esta guerra acabaria por ser
localizada. O relatório falava ainda no desejo de Hitler na Ucrânia e nos estados
bálticos e a sua anexação à Alemanha, afastando-os da União Soviética. Durante o mês
de maio, agentes soviéticos dão informações aos alemães dos desenvolvimentos das
conversações com o Reino Unido e França de modo a fazê-los sentir que um acordo
estava cada vez mais perto de ser atingido. A juntar às preocupações de Estaline, no
mês de junho chegaram relatórios da vontade de Hitler em resolver a questão polaca a
todos os custos, mesmo que isso significasse uma guerra em duas frentes, pelo que
Hitler não se sentiria inibido por uma aliança entre a União Soviética e Reino Unido.
Mais: Hitler esperava que os soviéticos tomassem a iniciativa para um acordo entre os
dois países, já que a União Soviética não tinha qualquer interesse numa guerra com a
Alemanha nem em defender a integridade territorial do Reino Unido ou França.
Em meados de junho, preocupados com um eventual acordo entre a União
Soviética e Alemanha, o embaixador alemão Schulenburg comunica a Molotov o
desejo de Hitler em normalizar as relações entre os dois países. Ao mesmo tempo, os
britânicos dão uma resposta aos soviéticos que não abordava a questão das garantias
aos países que não a queriam. O impasse mantinha-se, enquanto relatos de encontros
entre soviéticos e alemães aumentavam a pressão sobre os britânicos, tal e qual como
acontecia com os alemães. Apesar disso, os britânicos estavam convencidos que a
alternativa a uma aliança militar entre o Reino Unido e a União Soviética era o
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isolamento, o que estava longe dos planos de Estaline, que não se queria ver na
situação de estar sozinho contra a força da Alemanha. Ainda que os britânicos
concebessem a possibilidade de um acordo entre a União Soviética e a Alemanha,
tinham a convicção que o antagonismo ideológico impediria a conclusão com sucesso
de algum tipo de aliança entre os dois países.
As negociações continuaram durante o mês de junho com propostas e
contrapropostas, que chocavam com a intransigência dos soviéticos. Estes
continuavam a querer garantias dos países bálticos e da Finlândia, a aceitação do
conceito de “agressão indireta” a esses estados que pressupunha que qualquer
aproximação destes estados à Alemanha constituía uma agressão indireta à União
Soviética o que daria legitimidade para agir militarmente contra esses países e
finalmente o acordo simultâneo das questões políticas e militares da aliança. Por esta
altura, os franceses também já tinham informações das intenções de Hitler em atacar a
Polónia no final de agosto, pelo que forçava o Reino Unido a aceitar as condições
impostas pelos soviéticos.
As diferenças entre a União Soviética e Reino Unido, apesar dos rumores e
pressão vindos do lado alemão, não deixavam de ser significativas. Nesta altura o que
estava em cima da mesa para os britânicos era a aceitação do atropelo das
independências dos países que circundavam a União Soviética a favor dos soviéticos,
tal como tinha sido feito anteriormente a favor de Hitler. Tal era inaceitável, pelo que
duas posições inflexíveis tinham a tarefa complicada de atingir um acordo. Este acordo
só poderia ser alcançado caso esses mesmos países aceitassem uma garantia da União
Soviética o que para eles seria o mesmo que o fim da sua existência como estados
soberanos. O mais vocal contra esta solução era a Polónia que duvidava tanto da União
Soviética, como temia que uma aproximação a esta irritasse Hitler e ditasse finalmente
a invasão militar. Para Estaline, o objetivo não era travar a expansão alemã às custas
de países pequenos, mas antes travar a expansão alemã antes que esta chegasse às
fronteiras soviéticas. Se isso significava o fim da independência dos estados vizinhos,
assim seria.
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Uma nova tentativa de desbloquear o processo foi feita a 1 de julho, quando o
lado franco-britânico propunha a garantia contra agressão direta numa cláusula
secreta para os países bálticos e Finlândia, mas também Suíça, Holanda e Luxemburgo.
Molotov aceitou a ideia da cláusula secreta, mas rejeitou a inclusão da Holanda e
Suíça, que ainda não tinham reconhecido o governo soviético, mas também que não só
agressão direta fosse incluída. Também a indireta devia ser abrangida. Dois dias
depois, aceitou a inclusão dos dois países, mas na condição da Polónia e Turquia
concluírem acordos de assistência mútua com a União Soviética, assim como adicionar
ao facto de “agressão indireta”, um golpe de estado interno ou inversão da política
externa a favor do agressor. Apesar do impasse nas negociações quanto à questão da
agressão indireta, as negociações militares para a aliança são aceites a 25 de julho. São
enviados do lado britânico e francês, militares de pouco conhecimento da União
Soviética, assim como a sua viagem seria feita num barco lento e antigo.
No final do mês de julho, as negociações entre a União Soviética e a Alemanha
avançam, com o facto de a Alemanha ter sido incapaz de assegurar uma aliança do
Japão, mas também do prazo final para a invasão da Polónia se aproximar a largos
passos. No dia 24 é delineado um plano de três fases para melhorar as relações
germano-soviéticas: um acordo comercial, um em cultura e questões de imprensa e
finalmente um sobre as questões políticas. Os alemães demonstraram que as
oposições britânicas não seriam encontradas nas negociações alemãs, nomeadamente
quanto à questão da garantia da independência dos países bálticos ou da Finlândia.
Para além disso, desde cedo que a relação entre a União Soviética e o Japão não era
pacífica, tendo chegado a haver confrontos militares entre os dois países na
Manchúria. Também essa era uma questão que os alemães tinham a capacidade de
resolver.
A 8 de agosto, num relatório enviado por Astakhov a Molotov sobre o ponto de
situação das negociações, este referiu as suas dúvidas quanto às intenções a longo
prazo dos alemães, assim que a União Soviética fosse neutralizada na questão de um
eventual ataque à Polónia. Aparentava também que em troca de um desinteresse
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soviético na questão de Danzig, a Alemanha declarava o seu interesse nos países
bálticos, com exceção da Lituânia, na Bessarábia, Polónia russa e finalmente
abandonariam as suas pretensões na Ucrânia. Molotov ficou satisfeito com as
condições mas respondeu que tais preparações teriam de ser feitas em Moscovo. A 14
de agosto, Hitler, após uma reunião com os generais sobre a invasão da Polónia,
decidiu que Ribbentrop deveria ir a Moscovo encontrar-se com Estaline. A reunião
entre Molotov e Schulenburg deu-se a 15 de agosto, onde Molotov questionou o
alemão se tinham chegado a alguma conclusão sobre um tratado de não-agressão, ao
qual Schulenburg não deu uma resposta clara. Esta pergunta dava a entender que
Estaline estava a tomar seriamente a questão de um acordo germano-soviético, ao
mesmo tempo que queria clarificar se os alemães estavam dispostos a garantir a
neutralidade alemã. Seguindo a mesma linha de ação, relatos de melhoramento das
negociações com o Reino Unido e Polónia foram passados para os alemães de modo
causar ainda maior pressão a Hitler para a conclusão de um acordo rápido que
garantisse a neutralidade soviética na questão polaca.
Contrastante com a abertura às reivindicações soviéticas do lado alemão
encontrava-se a situação nas negociações com o Reino Unido e França. Após uma
viagem longa de onze dias, a delegação militar chega finalmente à União Soviética
onde se encontra no dia seguinte para iniciar as conversações. Do lado soviético, a
comitiva era liderada pelo Marechal Voroshilov, que abordou a questão da passagem
de tropas soviéticas por terceiros estados, ao qual recebeu a resposta de que não tinha
sido atingido qualquer sucesso nesse capítulo. Dada esta resposta, o soviético deixou
claro que a menos esta questão fosse resolvida, não adiantaria continuar com as
negociações. Esta última reunião expôs por completo as diferenças entre os dois lados
e como era difícil a conciliação de objetivos. Os soviéticos pretendiam a passagem das
tropas pelos países vizinhos, algo que os britânicos não estavam dispostos, nem
podiam dar. Para os soviéticos isto significava que os britânicos não levavam a questão
da aliança suficientemente a sério, caso contrário ignoravam as exigências destes
estados, tal como tinham feito com a Checoslováquia em 1938. Os franceses, por seu
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lado, continuavam a fazer esforços para forçar os polacos a aceitarem esta condição, o
que resultava sempre numa resposta negativa, dado o seu medo que se tal fosse
aceite os alemães declarariam guerra imediatamente.
A 17 de agosto, Molotov e Schulenberg encontravam-se novamente. Numa
reunião onde se avançou mais do que o que se tinha avançado em meses com os
britânicos, os soviéticos viram os seus desejos de um pacto de não-agressão aceites. A
proposta alemã consistia num pacto com uma duração de 25 anos, uma garantia
conjunta dos países bálticos e a moderação da Alemanha no conflito entre a União
Soviética e o Japão. A resposta soviética, após pressão alemã de que uma resposta
devia ser dada imediatamente, já que Hitler sabia que a data da invasão da Polónia
estava perigosamente perto, foi dada dois dias depois onde Molotov propõe um
acordo de duração de cinco anos, onde são delimitadas zonas de influência na Polónia
e países bálticos. Sugeria também que Molotov se apresentasse em Moscovo nos dias
26 e 27. Nesse mesmo dia da resposta soviética foram terminados com sucesso os
acordos comerciais entre os dois países. Numa carta enviada diretamente a Estaline,
Hitler exige que Ribbentrop chegasse a Moscovo no mínimo no dia seguinte. No dia 23,
Estaline recebe Molotov para a assinatura do pacto.
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O Tratado Molotov-Ribbentrop
O Articulado
O Governo do Reich Alemão e o Governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
desejosas de fortalecer a causa da paz entre a Alemanha e a URSS, e procedendo das
provisões fundamentais do Acordo de Neutralidade concluído em abril, 1926 entre a
Alemanha e a URSS, chegaram ao seguinte Acordo:
Artigo 1º
Ambas Altas Partes Contratantes obrigam-se a si mesmas a abandonar qualquer ato de
violência, qualquer ação agressiva, e qualquer ataque entre si, seja individualmente ou
conjuntamente com outras Potências;
Artigo 2º
Caso uma das Altas Partes Contratantes seja alvo de uma ação beligerante por uma
terceira Potência, a outra Alta Parte Contratante não deve, de qualquer forma,
fornecer o seu apoio a essa terceira Potência;
Artigo 3º
Os Governos das duas Altas Partes Contratantes deverão manter no futuro contacto
contínuo entre si para o fim de consulta para troca de informações em problemas que
afetem interesses comuns;
Artigo 4ª
Caso disputas ou conflitos surjam entre as Altas Partes Contratantes, nenhuma deverá
participar de qualquer maneira em qualquer grupo de Potências que tenha como alvo,
direta ou indiretamente, a outra Parte.
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Artigo 5º
Caso disputas ou conflitos surjam entre as Altas Partes Contratantes sobre problemas
de uma forma ou doutra, ambas as Partes devem resolver estas disputas ou conflitos
exclusivamente através de uma troca amigável de opinião ou, se necessário, através da
criação de comissões de arbitragem.
Artigo 6º
O presente Tratado é concluído por um período de dez anos, sob condição de, desde
que nenhuma das Altas Partes Contratantes o denuncie um ano antes da expiração
deste período, a validade deste Tratado deverá ser automaticamente estendida por
mais cinco anos.
Artigo 7º
O presente Tratado deverá ser ratificado no mais breve período possível. As
ratificações deverão ser trocadas em Berlim. O Acordo deverá entrar em força assim
que for assinado.
Protocolo Adicional Secreto
Artigo 1º
No caso de acontecer algum arranjo territorial e político das áreas que pertencem ao
aos estados bálticos (Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia), a fronteira do norte da
Lituânia deverá representar a fronteira das esferas de influência da Alemanha e da
U.R.S.S.. Nesta ligação, o interesse da Lituânia na área de Vilna será reconhecido por
ambas as Partes.
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Artigo 2º
No caso de acontecer algum arranjo territorial e político das áreas que pertencem ao
estado polaco, as esferas de influência da Alemanha e da U.R.S.S. deverão ser
delimitadas aproximadamente pelas linhas dos rios Narev, Vistula e San.
Na questão de caso os interesses de ambas as Partes forem favoráveis à manutenção
de um estado polaco independente e de como tal estado deverá ser delimitado, só
poderá ser determinado definitivamente no decurso de desenvolvimentos políticos
futuros.
Em qualquer caso, ambos os governos resolverão esta questão através de um acordo
amigável.
Artigo 3º
Em relação ao Sul da Europa, a Parte soviética chama a atenção do seu interesse na
Bessarábia. A Parte alemã declara o seu desinteresse político nessas áreas.
Artigo 4º
Este protocolo deverá ser tratado por ambas as Partes como estritamente secreto.
Moscovo, 23 de agosto, 1939
Pelo Governo do Reich Alemão
V. Ribbentrop
Plenipotenciário do Governo da U.R.S.S.
V. Molotov
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Consequências do pacto
A assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop entre duas potências naturalmente
antagónicas marcou uma viragem na relação entre as duas de 1939, ano da assinatura,
até ao ano de 1941, ano da quebra do pacto pela Alemanha nazi e consequente
invasão, dando como aberta a frente oriental da guerra na Europa. Além de divisões
territoriais, através da demarcação de zonas de influência atribuídas a cada um dos
estados contratantes, o Pacto Molotov-Ribbentrop também abriu caminho a uma
cooperação próxima entre os dois países, através dos acordos comerciais celebrados
que beneficiaram as duas partes e também da promessa de não envolvimento em
conflitos que as partes estejam envolvidas.
Quanto às esferas de influência criadas, à União Soviética ficariam atribuídas as
zonas dos países bálticos (Lituânia excluída), Finlândia, Bessarábia e finalmente parte
da Polónia, através dos rios Narev, Vistula e San, enquanto à Alemanha eram
atribuídas a restante parte da Polónia e a Lituânia. Seria ainda criado um pequeno
estado polaco entre os dois países. O que cada país faria na sua esfera de influência
estava em aberto.
Após a invasão da Polónia, em setembro, Estaline propôs uma alteração ao
Pacto, rejeitando a criação de um estado polaco nas fronteiras assim como uma
alteração às respetivas zonas de influência. A troco de uma parte da Polónia, Estaline
ficaria com direito à Lituânia.
Relativamente à Finlândia, foi exigido ao governo finlandês que a fronteira
entre os dois países recuasse 30 quilómetros e que destruíssem todas as fortificações
no Istmo da Carélia. Ainda foram exigidas concessões territoriais no Golfo da Finlândia,
no Mar de Barents, assim como a permissão para instalar uma base militar em
território finlandês. A recusa do governo finlandês em aceder às exigências soviéticas
marcou o início da Guerra de Inverno. Esta guerra, à partida, parecia uma vitória fácil
para a União Soviética, mas as condições meteorológicas e complicações de outra
ordem dificultaram a vitória soviética. Esta acabou por acontecer, ditando a anexação
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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de parte do território finlandês à União Soviética, territórios que hoje ainda
permanecem sob alçada russa. Sobre os países bálticos, Estónia, Letónia e Lituânia foi
feita pressão pela União Soviética para se juntarem ao gigante comunista, o que
acabou por acontecer. Sobre a Bessarábia, a União Soviética fez um ultimato à
Roménia para que abandonasse o território, que acabou por ceder ao fim de quatro
dias ditando a anexação deste pela União Soviética.
As relações económicas entre a Alemanha e a União Soviética foram também
alvo de melhoramentos e a integração económica aprofundada. Foi acordado entre os
dois países o envio de grandes quantidades de matérias-primas em troca de bens
manufaturados, material fabril e equipamento. Em 1940, a União Soviética
representava 34% do petróleo importado pela Alemanha, assim como de elevadas
percentagens de vários bens essenciais58.
58
STEINER, Zara, Op. Cit., p.917
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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O pacto do ponto de vista do realismo ofensivo
Neste capítulo far-se-á uma análise da política externa soviética durante todo o
processo que antecedeu a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop, ponto por ponto,
comentando as diferentes ações tomadas por Estaline e o seu respetivo homem forte
para a política externa. Primeiramente Maxim Litvinov, que tinha uma visão de
aproximação às potências democráticas ocidentais (Reino Unido e França) e era
favorável ao conceito de segurança coletiva da Sociedade das Nações. Após a sua
demissão e com a ascensão de Vyacheslav Molotov, a União Soviética muda de
postura e adota uma visão mais pragmática das suas relações internacionais. Persegue
uma política de proteção exclusiva da independência soviética, estando disponível
para fazer tudo o possível para o atingir. Esta postura ditou uma aproximação à
Alemanha nazi, antagonista em todos os sentidos possíveis, vontade que se verificou
recíproca, culminando na assinatura do Pacto Motolov-Ribbentrop a 23 de agosto de
1939 e que ditou um período de paz entre as duas nações até à declaração de guerra
pela Alemanha e o começo da Operação Barbarossa.
Enquadrando a política externa soviética nas diferentes estratégias do realismo
ofensivo, quer para aumentar o próprio poder, como para prevenir o aumento do
poder de potências adversárias, poder-se-á notar que ao longo da década de 1930 esta
deu uso a grande parte dessas estratégias. O que se fará é, à medida que os eventos
marcantes da década de 30 foram ocorrendo e os decisores políticos soviéticos foram
reagindo aos mesmos, ir fazendo a correspondência às diferentes estratégias - guerra,
chantagem, bait and bleed, bloodletting, balancing ou buck-passing – onde tais
tiverem sido seguidas, assim como às estratégias que não são aconselhadas a serem
seguidas: bandwagoning e apaziguamento. À medida que as diferentes estratégias
foram usadas, perceber-se-á que a União Soviética teve resultados diferentes no que
toca ao sucesso na procura pelo seu objetivo maior: segurança das fronteiras e
integridade territorial.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Importante também será acompanhar, quando necessário, as diferentes
decisões dos opositores da União Soviética: Reino Unido, França e Alemanha, em
concreto. Visto que cada uma destas potências manteve, na maior parte, uma linha
constante na sua política externa, poder-se-á comparar as diferentes estratégias
empregadas por cada uma e como tais estratégias resultaram para cada uma.
Antes de se avançar para a análise da política externa soviética, uma referência
relativamente à estratégia que Hitler seguiu durante a década de 30. À semelhança de
Estaline, a política externa de Hitler pode ser inserida no âmbito do realismo ofensivo.
Isto deve-se ao facto de Hitler ter tido uma abordagem baseada na chantagem na sua
política externa. Com vista a atingir a expansão territorial que pretendia para a
Alemanha, Hitler forçou os estados que se lhe opunham a aceitar as suas
reivindicações insinuando que, caso estas exigências não fossem aceites, os estados
que as rejeitassem podiam empurrar o continente europeu para a guerra. Por outro
lado, o facto de ter conhecido poucas resistências às suas exigências, impeliu-o a
continuar esta estratégia de chantagem, pois percebia que para os líderes europeus,
nomeadamente os governos do Reino Unido e França, prezava-se mais a paz e o
apaziguamento das intenções nazis que a manutenção da balança de poder e o statu
quo na Europa. Como tal, a estratégia que Hitler adotou para a Alemanha foi também
um sucesso, pois conseguiu um aumento significativo da área territorial deste estado
sem quaisquer danos para este. O facto de Hitler durante a década de 30 ter
aumentado bastante a produção militar do país e tamanho das forças armadas, indo
contra o Tratado de Versalhes, ajudava a antever que se preparava para um eventual
conflito militar59 pelo que o facto de ter atingido a expansão territorial de uma forma
pacífica e sem pôr em uso o novo material de guerra foi um ganho significativo para a
Alemanha.
59
De referir, relativamente a este ponto, que também na sua decisão de aumentar o poderio militar
alemão Hitler agiu em concordância com os fundamentos do realismo ofensivo. Como será referido
mais à frente neste capítulo em maior detalhe, Mearsheimer defende que os estados devem ter sempre
presente a possibilidade de outros estados iniciarem uma guerra contra si e, sendo assim, devem-se
preparar para tal eventualidade. Uma das formas de o conseguirem é através do investimento nas suas
forças armadas.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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A análise da política externa da União Soviética começa com a sua adesão à
Sociedade das Nações, em setembro de 1934, com o então responsável pela política
externa Maxim Litvinov como o principal promotor desta adesão. A adesão da União
Soviética à Sociedade das Nações foi consequência da tomada de consciência dos
decisores políticos soviéticos do perigo que representava a ascensão de Hitler ao
poder na Alemanha. Era sabido dos líderes soviéticos o desejo de expansão de Hitler
para Este, em direção à União Soviética em busca de território e matérias-primas.
Esta adesão representava também o desejo dos soviéticos em aproximar-se das
potências democráticas ocidentais com vista a deter a ameaça nazi, no quadro da
segurança coletiva.
O conceito da segurança coletiva era um dos pilares da organização que
antecedeu a ONU, fazendo parte dos famosos Catorze Pontos de Wilson. A segurança
coletiva consistia em criar uma força conjunta de países que fizesse frente a qualquer
estado agressor, numa ação concertada, garantindo assim o statu quo.
Assim sendo, com a adesão à Sociedade das Nações, a União Soviética iniciou o
seu caminho da persecução do balancing, uma das estratégias para deter agressores.
Diz-nos Mearsheimer que uma das formas de conseguir fazê-lo é tentando criar uma
aliança defensiva contra o estado agressor 60, neste caso a Alemanha. Foi precisamente
isto que a União Soviética tentou atingir quando surgiu a primeira ação ofensiva de
Hitler, com o Anschluss.
Como já referido no capítulo 4 deste trabalho, a União Soviética tentou
alcançar um acordo com as democracias ocidentais de forma a encontrar uma solução
conjunta quando essa anexação se deu. Contudo, esbarrou com a indisponibilidade do
Reino Unido, França e Estados Unidos. Não era do desejo destas potências a criação de
uma ação conjunta contra a Alemanha, por diversas razões, nem a criação de uma
60
MEARSHEIMER, John J. – The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton &
Company, 2001, p.156
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aliança defensiva com um país que não se aproximava do seu espetro político e com
quem tinham tantas divergências e desconfiança mútua.
O Reino Unido e a França, em primeiro lugar, por partilharem da fé na
estratégia de apaziguamento relativamente à Alemanha, especialmente o Reino Unido.
Os Estados Unidos, por, nesta época, ainda seguirem uma política externa, em certo
grau, isolacionista e por não se quererem envolver conflitos fora do continente
americano.
O passo seguinte dado pela União Soviética que seguiu a estratégia de
balancing, deu-se com a crise que se seguiu ao Anschluss: os Acordos de Munique a
anexação dos Sudetas. Novamente, a União Soviética tentou uma aproximação ao
Reino Unido e à França, mas, novamente, estas intenções não foram correspondidas.
De tal modo que a própria União Soviética foi mantida fora das negociações que deram
origem aos Acordos de Munique, o que era uma prova clara da não intenção das
potências democráticas ocidentais em testarem uma aproximação à potência
comunista.
Cada lado tinha uma visão diferente de como a abordagem às exigências de
Hitler deviam ser encaradas. Por um lado, a União Soviética que temia a expansão
alemã mais que as potências ocidentais, precisamente por na mente de Estaline estar a
ideia de que uma guerra entre os dois países ser uma hipótese possível a médio prazo.
Como tal, encetou os esforços possíveis para, no âmbito da segurança coletiva, dividir
a responsabilidade de travar a Alemanha e a sua expansão.
Esta estratégia tinha duas vantagens para a União Soviética: em primeiro lugar,
a possibilidade da criação de uma ação conjunta contra a Alemanha permitiria à União
Soviética dividir com duas outras grandes potências a responsabilidade de travar uma
potência expansionista. Esta possibilidade pouparia em grande medida a União
Soviética do esforço enorme que uma guerra provoca aos estados, quer em bens
materiais, de guerra ou outros, de destruição de infraestruturas e, principalmente,
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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poupava a sua população de uma guerra que certamente traria – como se comprovou,
mais tarde, na própria Segunda Guerra Mundial – graves baixas.
Em segundo lugar, dada a localização geográfica das três potências, percebe-se
facilmente que a parte mais pesada da resposta alemã a uma possível guerra, cairia na
França principalmente, e no Reino Unido dada a sua proximidade. Deste modo, a
União Soviética entraria numa posição de segurança, que lhe traria força e espaço de
manobra quanto ao grau de envolvimento nesta guerra. Este fator está ligado, de certa
forma, a outras duas estratégias propostas pelo realismo ofensivo como forma de lidar
com um estado agressor: o buck-passing e bait and bleed, ainda que não corresponda
fielmente aos modos como essas estratégias podem/devem ser aplicadas.
Por outro lado, a postura do Reino Unido e França, quando enquadradas no
realismo ofensivo, considera-se uma estratégia errada. Apesar de empenharem-se em
travar os desejos expansionistas de um terceiro estado, fizeram-no de forma errada,
pois, ao concederem às exigências de Hitler, concederam poder à Alemanha, o que
quebra um dos pilares do realismo. Conceder poder a um outro estado desestabiliza a
balança de poder e ameaça o equilíbrio entre os estados, pois fortalece um estado
opositor enquanto se fragiliza a própria posição, em relação. Como diz Mearsheimer,
“appeasement is likely to make a dangerous rival more, not less, dangerous” 61.
Estes episódios, o Anschluss e os Acordos de Munique, serviram para Estaline
perceber em que ponto estava em relação ao seu posicionamento perante as
potências democráticas. A possibilidade de encontrar no Reino Unido e França dois
parceiros para travar, à força, a expansão alemã era remota. Apesar de não ter
abandonado por completo esse barco, Estaline percebeu que não se podia limitar na
sua abordagem à questão alemã, pelo que, apesar de ter continuado os esforços para
encontrar uma solução com estes dois estados, avançou para uma política externa
mais fria e pragmática. Significa isto encetar esforços para negociações com o estado
expansionista, a Alemanha.
61
Op. Cit., p.164
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A estratégia de balancing manteve-se durante o resto do mandato de Litvinov,
embora continuando com fraco sucesso, pelas incompatibilidades se manterem entre
a União Soviética e Reino Unido e França. Apesar de esta estratégia ter perdido fulgor
com a saída de Litvinov, na verdade a União Soviética nunca a abandonou por
completo. Manteve, até à assinatura do pacto de não-agressão, as negociações com as
potências democráticas ocidentais para a conclusão de uma aliança que tivesse o
objetivo de deter a expansão alemã. Tal aliança não foi concluída pelas exigências de
ambas as partes serem mutuamente consideradas inaceitáveis e os estados envolvidos
não terem conseguido ultrapassar as divergências que os separavam.
Com a chegada à liderança da pasta dos Negócios Estrangeiros de Vyacheslav
Molotov, a postura da União Soviética sofreu alterações e a sua política externa
começou a seguir caminhos que, até então, ainda não tinham sido explorados. Isto
deve-se ao facto de Molotov estar mais próximo das ideias que Estaline tinha para a
política externa do seu país. As resistências naturais do regime soviético à Alemanha
nazi não eram tão fortes com Molotov. Por outro lado, a desconfiança em relação às
intenções do Reino Unido e França cresceu significativamente. Este facto, enquanto
dificultou a criação de uma aliança com estes estados, facilitou também a aproximação
à Alemanha e, acima de tudo, abriu caminho à persecução de novas estratégias para
afastar o perigo das suas fronteiras e preservar a independência da União Soviética.
Por outras palavras, o que a mudança de homem forte da política externa
soviética significou foi a abertura para seguir estratégias que não envolvessem a União
Soviética como uma parte ativa na contenção da Alemanha, nomeadamente o buckpassing e bait and bleed.
A ação centrou-se especialmente no buck-passing, isto é, empurrar o Reino
Unido e França para a contenção da Alemanha e, ao mesmo tempo, afastar as
atenções de Hitler da União Soviética.
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Como referido no capítulo 2 deste trabalho, Mearsheimer diz-nos que uma das
formas que um estado pode atingir o objetivo de passar a responsabilidade de
contenção para um terceiro estado é ao fazer os possíveis para cair nas boas graças do
estado agressor ou, caso esse feito seja difícil de atingir, pelo menos não provocá-lo.
Quando analisamos a história da década de 30, mais concretamente após os Acordos
de Munique e após Estaline ter ficado ressentido da exclusão da União Soviética dos
mesmos e frustrado por esbarrar na indisponibilidade do Reino Unido e França em
avançar para uma ação mais concreta e agressiva contra a Alemanha, vemos que o
líder soviético seguiu essa linha. No artigo que foi publicado no jornal estatal Pravda, a
27 de janeiro de 1938, é feita a distinção entre as democracias ocidentais e a
Alemanha ao ser afirmado que enquanto os primeiros tinham ignorado a União
Soviético, a segunda tinha iniciado conversações para acordos comerciais. Em segundo
lugar, é afirmado que para Estaline não havia grandes diferenças entre o Reino Unido e
França e Alemanha e Itália. Este ponto, em especial, é importante por duas razões:
1. Ao afirmar que não há grandes diferenças entre os dois blocos, está
a nivelar a sua relação entre ambos. Isto é, está a afastar-se do
Reino Unido e França, com quem tinha uma história de aproximação
até à data ao procurar ativamente uma ação conjunta contra a
Alemanha;
2. Por outro lado, ao passar a Alemanha para o patamar das
democracias ocidentais está a elevar o estatuto desta perante a
União Soviética, tendo em conta o passado já referido. A relação dos
dois países até à data era tão distante e antagónica que isto
significou, na prática, uma aproximação.
Estas afirmações foram, acima de tudo, uma operação de charme lançada a
Hitler que acabaram por dar resultados. No seu discurso de celebração da tomada do
poder, três dias depois, Hitler corresponde o desejo de aproximação e omite
referências e ataques à União Soviética, quebrando o que até então já era uma
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tradição nestes discursos “celebratórios”. De notar que todas estas mensagens eram
muito subtis, já que ambos os lados se testavam mutuamente.
Até este momento apenas os primeiros passos de aproximação à Alemanha
estavam a ser dados, pelo que nenhum dos dois estados se coibia de fortalecer a sua
posição perante o outro. Hitler continuava a apertar o cerco à União Soviética e
Estaline continuava as negociações com o Reino Unido e França.
Apesar disso, Estaline continuava a enviar mensagens subtis nos seus discursos
relativamente à disposição da União Soviética em “ter relações de paz e comércio com
todos os países”62. No mesmo discurso em que o afirma, no 18º Congresso do Partido
Comunista Soviético, Estaline deixa uma afirmação que é paradigmática da postura
que adotava para o seu país:
“ [A União Soviética] deveria ser cuidadoso e não permitir que o nosso
país fosse empurrado para conflitos por países que procuram a guerra”
O que Estaline afirma é que o interesse superior era o da União
Soviética e o objetivo máximo era a sobrevivência do estado soviético. Isto vai ao
encontro de um dos pontos fundamentais dados por Mearsheimer 63 que diz que a
sobrevivência é o primeiro objetivo de qualquer estado. Tem por objetivo a
integridade das suas fronteiras e a autonomia da sua ordem política interna 64. Foi
precisamente isto que Estaline procurou com a persecução do balancing e adoção da
segurança coletiva como um dos pilares da política externa soviética no passado. Não
era por convicção ideológica e crença no poder de união dos estados para combater
estados agressores e desestabilizadores da balança de poder. Fê-lo para dividir com
outros estados o peso de tal combate e, assim fazendo, minimizar os possíveis danos à
integridade da União Soviética.
62
Ver página 14 deste trabalho.
Op. Cit., p. 31
64
Ver página 28 deste trabalho.
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Neste momento, no entanto, tal estratégia já se tinha provado ineficaz, visto os
hipotéticos aliados não estarem interessados em encetar esforços mais diretos de
contenção da Alemanha. Adotando as novas estratégias de buck-passing e bait and
bleed, Estaline procura atingir o mesmo fim de uma diferente forma. Percebendo que
o Reino Unido e França não estavam interessados em juntar-se à União Soviética e
avançar contra a Alemanha, mesmo depois de acharem necessário travar Hitler por
meios mais eficazes, Estaline abandona a exclusividade de ação no balancing e inicia
esforços para melhorar a relação com o estado agressor com encontros entre
intermediários dos dois governos.
Após um ano de 1939 em que as negociações com as democracias
ocidentais desenvolviam-se com muita dificuldade e onde as divergências não
conseguiam ser ultrapassadas e pontos de acordo encontrados, Estaline acabou, por
fim, por ter sucesso na sua estratégia. Onde Reino Unido e França dificultavam a
negociação à União Soviética, a Alemanha não teve pejo em encontrar soluções para
ultrapassar o que, à partida dada a natureza dos dois regimes, impossibilitava um
entendimento entre os dois estados. O pacto Molotov-Ribentropp é assinado e a
União Soviética isola o Reino Unido e França na contenção da Alemanha ao mesmo
tempo que garante paz para o seu país.
O que Estaline atingiu foi garantir para a União Soviética o afastamento
de uma guerra para a qual, por altura da assinatura do tratado, todos os estados se
preparavam enquanto empurra os dois blocos inimigos para uma guerra entre si,
fragilizando as suas posições, enquanto fortalece a sua. Quer por via da garantia de paz
entre a Alemanha e a União Soviética, quer por via do acordo conseguido para a
definição de zonas de influência que dividiam a Europa entre os dois estados. Este
acordo abriu as portas a Estaline para uma expansão das suas fronteiras, o que
significava um aumento de poder, ao mesmo tempo que criava uma zona tampão à
volta do coração da União Soviética ao afastar as suas fronteiras centenas de
quilómetros para oeste.
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Por outro lado, o pacto de não-agressão com a Alemanha significava que os
dois blocos inimigos se iriam cruzar numa guerra entre grandes potências, o que, por
definição, significa, dado o poder militar deste tipo de potência, uma guerra
prolongada entre si. Portanto, Estaline tinha todas as razões para ter ficado satisfeito
com a conclusão deste acordo com a Alemanha. Para ele significava o
enfraquecimento mútuo de três grandes potências no continente europeu, ao mesmo
tempo que, a União Soviética, estando numa posição de segurança poderia fortalecerse militarmente e, caso o desejasse, entrar numa fase final da guerra contra o estado
que tivesse em vias de perder a guerra para, assim, conseguir ainda mais ganhos.
Apesar da jogada inteligente de Estaline na assinatura do pacto com um mais
que possível inimigo futuro, a verdade é que apesar da estratégia de buck-passing ter
sido um sucesso, a estratégia de bait and bleed não o foi uma vez que o sucesso das
forças armadas alemãs ter sido completamente avassalador frente às forças armadas
da França. Como Mearsheimer alerta, o bait and bleed tem essa vertente de risco. O
facto de um dos estados conseguir uma vitória rápida sobre o outro significa que, em
vez de perder poder através de uma guerra prolongada, acaba por ganhar ao controlar
o território do estado derrotado, com tudo o que bem associado a esse controlo,
principalmente em termos de hard power.
Há ainda uns pontos que devem ser referidos relativamente a todos os
desenvolvimentos ocorridos pré-assinatura do pacto, nomeadamente erros cometidos
por parte dos envolvidos, principalmente da União Soviética que é o objeto deste
trabalho e também das diferentes limitações que as democracias ocidentais tinham
para encetar uma política externa que assentasse nos mesmos moldes nos quais a
política externa foi assente.
Em primeiro lugar a ação de Estaline ao longo da década de 30 não foi isenta de
erros. O primeiro erro cometido foi a Grande Purga do final da década. O julgamento
sumário e assassinato de oficiais militares e opositores políticos. Apesar da aposta que
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Estaline fazia no fortalecimento das Forças Armadas soviéticas durante este período 65,
a perda elevada de oficiais experimentados causou um dano muito grande às Forças
Armadas. Mesmo que tenha sido perpetrado com vista a uma suposta estabilização
interna, a verdade é que o poderio militar da União sofreu com tais perseguições e
execuções. Tendo sido um ato autoimposto tem de ser considerado um erro político
de Estaline por ter enfraquecido a sua posição e o seu poder, quando inserido num
quadro do realismo ofensivo.
Como Mearsheimer refere, os estados devem estar sempre preparados para
eventualidade da responsabilidade de conter um estado agressor lhe cair nas mãos.
Quando se trata de buck-passing, o estado tem de antecipar sempre esta
possibilidade, mesmo que tenha atingido com sucesso essa estratégia e obrigado um
terceiro estado a conter o estado agressor. Isto porque o estado agressor pode vencer
de uma forma rápida e decisiva o estado que teve de assumir a responsabilidade de
contenção66. Foi precisamente isto que aconteceu à União Soviética. A Alemanha
acabou por vencer de uma forma indiscutível a França e viu as portas abertas para
uma expansão para este, em direção às suas fronteiras 67. O erro de Estaline não foi
empurrar a França e Reino Unido para uma guerra com a Alemanha, mas sim ter-se
fragilizado com a Grande Purga.
65
STEINER, Zara – The Triumph of the Dark: European International History 1933-1939. S.l.. Oxford
University Press, 2011, pp. 870, 871
66
“Buck-passers also build formidable military forces for prophylactic reasons. In a world where two or
more states are attempting to buck-pass, no state can be certain that it will not catch the buck and have
to stand alone against the aggressor. It is better to be prepared for that eventuality. During the 1930s,
for example, neither France nor the Soviet Union could be sure it would not catch the buck and have to
stand alone against Nazi Germany. But even if a state successfully passes the buck, there is always the
possibility that the aggressor might quickly and decisively defeat the buck-catcher and then attack the
buck-passer. Thus, a state might improve its defenses as an insure policy in case buck-passing fails.”
MEARSHEIMER, John – Op.Cit., pp. 158, 159
67
“Buck-passing is not a foolproof strategy, however. Its chief drawback is that the buck-catcher might
fail to check the aggressor, leaving the buck-passer in a precarious strategic position. (…) the Soviet
Union successfully passed the buck to France and the United Kingdom an then sat back expecting to
watch Germany engage those two buck-catchers in a long, bloody war. But the Wehrmacht overran
France in six weeks during the spring of 1940, leaving Hitler free to attack the Soviet Union without
having to worry much about his western flank. By buck-passing rather than engaging Germany at the
same time that France and the United Kingdom did, the Soviets wound up fighting a much harder war.”
Op. Cit., p.161
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O segundo erro de Estaline foi ter acreditado profundamente no pacto de nãoagressão. Segundo um dos cincos fundamentos que Mearsheimer sistematiza: “Os
estados não têm, nem podem ter, a certeza sobre as intenções dos outros estados.
Mais concretamente, não podem ter a certeza que outro estado não use a sua
capacidade ofensiva militar contra si. Além disso, o que hoje é certo amanhã poderá
deixar de ser, pelo que uma postura descontraída relativamente a estados cujos
interesses possam ser partilhados durante um período de tempo, não garanta que se
perpetue no tempo.”. O facto de a União Soviética estar inserida num pacto de nãoagressão com um segundo estado não pode ser garantia que esse pacto seja
respeitado. Em primeiro lugar, a Alemanha quebrou o pacto de não-agressão que tinha
assinado com a Polónia quando iniciou a sua invasão em 1939. Em segundo lugar,
Estaline estava consciente desde muito cedo das intenções de Hitler relativamente à
expansão alemã para este em busca do Lebensraum. Em terceiro lugar, a década de 30
foi rica em exemplos em como a palavra de Hitler em termos das garantias que dava a
terceiros estados quanto às satisfações dos seus desejos tinha pouco, ou nenhum,
valor. Estes três dados postos em conjunto davam razões a Estaline para este se dever
ter mantido em estado de alerta para uma eventual quebra de palavra do líder
alemão. O descuido e a fé na palavra do líder nazi, acabaram por custar à União
Soviética muitas vidas e danos materiais.
Por fim, ainda poderá ser apontado um terceiro erro a Estaline. Este consiste na
teoria que defende que a União Soviética entrou numa estratégia de bandwagoning
relativamente à Alemanha com a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop.
Mearsheimer define bandwagoning como o ato de um estado se aliar a um estado
mais poderoso, com vista a dividir, ou receber uma parte, o espólio de eventuais
conquistas futuras conjuntas 68. Em primeiro lugar, e como referido anteriormente, o
68
“Bandwagoning happens when a state joins forces with a more powerful opponent, conceding that its
formidable new partner will gain a disproportionate share of the spoils they conquer together. (…)
Bandwagoning is the strategy for the weak. Its underlying assumption is that if a state is badly
outgunned by a rival, it makes no sense to resist its demands, because that adversary will take what it
wants by force anyway and inflict considerable punishment in the process. The badwagoner must just
hope that the troublemaker is merciful.” Op. Cit., p. 163
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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objetivo que Estaline procurava atingir com a assinatura do pacto de não-agressão
com a Alemanha era passar a responsabilidade de contenção desta para um terceiro
bloco opositor, enquanto, ao mesmo tempo, garantia a paz e segurança das fronteiras
para a União Soviética. Em segundo lugar, o acordo celebrado com a Alemanha apesar
de estabelecer futuros contatos regulares entre os dois países, no texto do tratado não
se estabelecia uma aliança formal entre os dois estados. A aproximação e consulta
mútua existiam, mas os dois estados mantinham a liberdade e as suas políticas
externas independentes um do outro, desde que estas não chocassem. Em terceiro
lugar, não foi acordado entre os países a divisão futura dos ganhos numa possível
guerra, à exceção da Polónia. Após a divisão deste país entre as duas partes
contratantes, mais nenhuma obrigação de divisão de ganhos territoriais ficou
estabelecida. Em quarto lugar, apesar do enfraquecimento sentido após as purgas
estalinistas, a diferença das forças armadas entre os dois países não justifica a
afirmação de que um estado (a Alemanha) era muito mais poderoso que o outro e que
o que restaria à União Soviética era esperar que o acordo trouxesse possíveis ganhos
futuros e que a alternativa de oposição frontal seria devastadora. De facto, no ano de
1939 a União Soviética possuía o maior exército na Europa com um milhão e duzentos
mil homens69, o que é muito significativo apesar do seu atraso tecnológico 70.
Assim, demonstrados estes pontos, ficam dúvidas sobre a validade da
afirmação de que Estaline optou por uma estratégia de bandwagoning com a
assinatura do pacto.
É ainda importante referir um aspeto relativamente às potências democráticas,
o Reino Unido e França, relativamente ao seu papel durante a década de 30 e como a
sua ação perante as exigências alemãs foi condicionada de uma forma que regimes
totalitários como o alemão e soviético nunca poderiam ser. Ao contrário da Alemanha
69
STEINER, Zara, Op. Cit., p. 869
“The main problem was Russia’s relative technological and industrial backwardness which dated back
to Tsarit times. The flight of technicians after the revolution and the subsequent purges of their
successors made it imperative to solicit foreign technical assistance, whether by overt or covert means.”
Op. Cit., p. 874
70
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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nazi e da União Soviética, a opinião pública nos regimes democráticos em geral, e do
Reino Unido e França da década de 30 em concreto, tem um peso sobre as políticas
que os decisores políticos prosseguem para os seus países. Os governos democráticos
têm que responder perante um eleitorado que se faz ouvir via eleições durante
períodos regulares e que, através dessas eleições, mandata os seus representantes
eleitos para a prossecução de políticas que foram sufragadas. Para além desse facto, o
eleitorado em regimes democráticos tem liberdade para pressionar os seus governos
relativamente a políticas com as quais esteja em desacordo.
Por outro lado, em regimes totalitários, tal liberdade política não se constata. A
ausência de eleições e liberdades para manifestações públicas de desagrado
relativamente a políticas que os governos ditatoriais prosseguem é inversamente
proporcional à liberdade e margem de manobra que os decisores políticos desses
governos têm. Posto isto, os regimes democráticos britânico e francês teriam sempre
maior dificuldade em ter uma abordagem mais pragmática e realista dos eventos que
conduziram à assinatura do pacto de não-agressão e Segunda Guerra Mundial. A
liberdade que os governos soviético e alemão tiveram para assinar um tratado
amigável e que definia, para o futuro, uma parceria estreita entre os dois estados,
enquanto, no processo, condenava ao desaparecimento os países bálticos, Finlândia e
anexação da região oriental da Roménia, os governos democráticos dificilmente a
teriam mesmo que os líderes políticos desses governos o desejassem. A justificação de
tal ato seria extremamente difícil de aceitar pelo eleitorado. Assim, os estados
democráticos estavam pressionados de uma forma que os estados totalitários não
estavam, o que certamente condicionou a forma como a resposta dada durante a
década de 30 diferiu de forma drástica entre o bloco Reino Unido/França e bloco
soviético perante a Alemanha.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Portugal perante o Pacto
Os acontecimentos da década de 30 relatados no início deste trabalho foram
acompanhados com as limitações que se viviam na época em Portugal. Os jornais
estavam controlados pela Censura, pelo que nunca poderiam ter uma abordagem dos
acontecimentos totalmente livres. Pelo contrário, os seus textos relativos aos vários
desenvolvimentos dessa década estavam, por diversas vezes, carregados de juízos de
valor quanto aos diversos atores políticos que protagonizaram os eventos decorridos.
Através de artigos do Diário de Lisboa, conseguimos perceber que o foco da
crítica deste jornal centrava-se na ação da União Soviética, com uma desconfiança
patente no que trata às decisões deste país comunista e declarações dos seus
dirigentes políticos, tecendo por vezes comentários relativamente à falsidade das suas
ações e desconfiança com que estes devem ser encarados. Das diferentes forças em
contestação, as democracias ocidentais representadas pelo Reino Unido, aliado
preferencial do regime português, pela França e Estados Unidos, as forças fascistas
representadas pelo Reich alemão e a Itália, e finalmente os comunistas da União
Soviética, são estes últimos quem se deve especialmente temer na sua ótica.
Sendo evidente que o lado privilegiado nos relatos jornalísticos seja o britânico,
inicialmente não deixam de haver por vezes referências quanto à necessidade de dar o
benefício da dúvida ao Hitler, que poderá estar a ser mal interpretado quanto às suas
reais intenções, pelo que o receio que se sente na Europa quanto à Alemanha poderá
ser infundado. Na edição de 2 de setembro de 1938, este jornal diário faz referência a
uma entrevista dada pelo ditador alemão ao jornal francês “Le Journal”, em que, na
primeira página, diz71:
71
Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05764.028.07014&bd=IMPREN
SA
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“Hitler – e não podemos pôr em dúvida a sua absoluta sinceridade. Aliás ele
seria um indivíduo sinistro, dado à volúpia do mal e da morte – não quere a guerra, de
cujas virtudes descrê, apontando os danos que causa.
Porque se arma a Alemanha, tornando-se uma potência militar que infunde
respeito?
Necessita ser forte entre os fortes, afim de que a sua voz seja escutada e nunca
desprezada.
(…)
Achamos bom o conselho de Hitler:
- ‘Os povos carecem de mútua colaboração e eficaz cooperação e não de
conflitos que os arruínem.’
(…)
Hitler não ignora certamente que, com segunda aventura [uma expansão
agressiva como a de Guilherme II, considerada impossível], o ‘crepúsculo do ocidente’,
passaria de quimera a certesa. Por isso procede como estadista que raciocina, julga e
prevê cautelosamente. Se já obteve alguns êxitos notáveis, agitando e explorando o
temor da guerra, convém-lhe agora não abusar, visto que um passo imprudente vinha
a ser-lhe mais perigoso que útil.”
Da interpretação dada por este jornal diário poderá ser extrapolado que esta
seguia em linha com a ideia geral do governo português dada a sua prévia censura à
imprensa do país. Do Estado Novo é conhecida a sua animosidade relativamente a
regimes comunistas, tendo essa animosidade como expoente máximo a perseguição
que a polícia secretamente fazia a militantes comunistas dentro das fronteiras
nacionais. Tendo em conta este facto, seria natural que a imprensa censurada fizesse
referência a essa ameaça. Pelo contrário, a luz favorável com que era visto o Reino
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Unido ia ao encontro do favorecimento e proximidade que Salazar promovia
relativamente a este antigo aliado português.
Apesar desse facto, o acompanhamento dado ao escalar dos acontecimentos
foi feito de uma forma recorrente, nem sempre com a máxima prioridade dada, mas
tanto as tentativas de negociação, inversões de estratégias dos diversos lados, acordos
conseguidos, foram relatadas sempre que se verificavam. Apesar de este jornal dar eco
da imprensa europeia relativamente a esses marcos, talvez por limitações próprias,
fossem financeiras ou de outra natureza, não deixou de os relatar de uma forma
exaustiva. Dados imensos artigos dedicados às mais diversas notícias referentes à
escalada de acontecimentos, dar-se-á neste trabalho destaque aos mais importantes
desenvolvimentos relativos ao pacto.
A título de exemplo, dos marcos mais importantes da década de 1930, o Diário
de Lisboa acompanhou com destaque a entrada da União Soviética para a Sociedade
das Nações, na sua edição de 18 de setembro de 1934, dia da entrada deste país nessa
organização. Esta notícia também serve como um dos melhores exemplos da
animosidade latente quando se tratava da União Soviética 72:
“Entrou para a Sociedade das Nações o povo que, durante alguns anos,
considerou o organismo de Genebra como a mais completa escola de inacção de que
havia memoria na historia de todos os tempos.
Quem desceu? Quem subiu?
Caiu a Russia como a mosca num favo de mel?
(…)
O sr. Litvinoff deve esfregar as mãos de contente por ver que, enfim, a luz
vem… do ocidente.
72
Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05756.020.05227&bd=IMPREN
SA
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Relações Internacionais
(…)
A Russia, ao contrario do que se afirma, não renegou nem renega um unico dos
principios ate agora seguidos pelo bolchevismo: a sua doutrina representa um grito de
guerra contra a estabilidade organica dos organismos que a elegeram. Dantes, os seus
adversarios combatiam-na de longe, inventando-lhes lendas sinistras, fechando-lhes as
portas e declarando-a ao largo do convivo humano.
Subitamente: mudança de tactica e de cenario.
Moscovo desanuvia-se, compõe o rosto, alinda-se, inclina-se para as velhas
chancelarias e diz no tom sarcastico que Lenine uzava para socegar os fatigados
generais que o imperio lhe legou:
- Não vos apresseis, senhores, que a vossa idade demanda, sobretudo,
introspeção.
Os sovietes acham-se, pois, no seio das Sociedades das Nações, como em sua
casa.
Serão, ao menos, prudentes e comedidos?
Só o Diabo, que é fértil em ardis e promessas enganosas, poderia responder a
esta pergunta. Se eles realmente quizessem a paz com o resto do mundo, tinham que
submeter-se a rigorosa penitencia e declarar com a maior sinceridade:
- Aqui estamos de corda ao pescoço!
Haverá alguem que se compraza em tamanha e estupida ilusão?
Litvinof não é homem para arrepender-se da sua vida e obra: veio a Genebra
para celebrar um triunfo e não para sofrer um desaire.
Demais sabe ele que a imensa Russia encerra riquezas que tentam os apetites
insaciados dos milionarios… sem milhões.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Quando uma sociedade abdica da sua moral, mas conserva o culto da materia,
embora queimando nesse culto as sagradas memorias do seu passado, está apta para
todas as transações.
Litvinof, conhecedor emerito dos homens e dos fios secretos que os movem, ao
recordar-se das lutas que a Russia teve de sustentar para repelir os seus inimigos,
saboreará satisfeito os resultados da sua politica:
- Durmo já em leito de príncipes...”
A notícia dando a conclusão do Anschluss, a 12 de março de 193873, foi também
acompanhada na capa do diário. No artigo referente ao acontecimento, denota-se a
compreensão da gravidade deste acontecimento para o rumo que a Europa seguia:
“As hipoteses que a ocupação militar da Austria sugere no plano internacional
são muitas, e todas igualmente inquietantes, em relação às potências ocidentais:
Inglaterra, França e Itália 74. Compreende-se assim que as reacções provocadas nestas
capitais, as quais, aliás, devem revestir-se de formas diversas e opostas até em relação
a alguns pormenores, sejam demoradas.
Não se trata apenas, para estes países, de um episodio de um importancia
capital capaz de afectar a sua propria existência: trata-se de todo um sistema de
politica que os acontecimentos puseram em causa.
O caso austriaco saiu, com o acto ontem praticado, do dominio das
negociações. A perturbação que o seu subito agravamento provocou em toda a Europa
dá bem medida da gravidade da situação e do significado que as suas repercussões
devem assumir, num futuro mais ou menos proximo.”
73
Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05763.027.06811&bd=IMPREN
SA
74
À época, apesar de ter assinado o Pacto Anticomintern com a Alemanha e Japão, a Itália não era
formalmente aliada da Alemanha. Tal só se veio a suceder em 1939 com a assinatura do Pacto de Aço.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Quanto à assinatura dos Acordos Munique foram seguidas as opiniões que se
faziam sentir nas diversas capitais europeias, através da imprensa local, dando uma
importância relativamente menor relativamente a outros eventos. Não houve nenhum
grande destaque como foi habitual até então e seria no futuro relativamente a outros
marcos históricos na caminhada para a Segunda Guerra Mundial.
A invasão da Checoslováquia também foi relatada com destaque de primeira
página e, novamente, o fator do perigo que a expansão alemã representava para a
Europa estava presente. Criticando a inação face a esse expansionismo por parte das
potências ocidentais, que por esta altura, lideradas pelo primeiro-ministro britânico
Neville Chamberlain, eram fiéis ao appeasement, o jornal torna claro o risco 75:
“Não ha duvida – a Alemanha cresce formidolosamente, por um sistema que
consiste em poupar a polvora e afirmar as suas boas intenções. A Checo-Eslovaquia
desaparece como os letreiros que vão perdendo as vogais e as consoantes, sem que
deles fique a mais que uma vaga lembrança.
(…)
Chamberlain ainda ontem no parlamento declarou que as fronteiras
estabelecidas e sancionadas pelos acordos de Munich seriam inalteraveis, até contra
quem ousasse transpô-las. Vinte e quatro horas depois, as tropas alemães apoderamse da Boemia e Moravia e as húngaras penetram na Rutenia.
Os acontecimentos desenham-se nitidos em seus contornos, não permitindo
ilusões nem quimeras: o ocidente hesita e vacila e o oriente oferece-se ás ambições
como um rico fruto no muro dum pomar. Os russos, na previsão cautelosa do futuro,
começam a retirar da Ucrania tudo que um invasor absorvente e impetuoso pode
necessitar para alimentar os seus exercitos e iniciar uma ocupação fecunda e
demorada. É-lhes, porém, impossivel transportar o solo e o sub-solo, com as suas
75
Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05764.028.07211&bd=IMPREN
SA
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enormes riquesas, que os modernissimos metodos de exploração agronomica e
mineira prontamente convertem em fontes de bem estar.
Estamos na hora do materialismo: falecem as utupias e triunfam os apetites.
Era de prever que, após um deboche de sonho inspirado no desejo de construir a
Cidade do Sol, brotasse das raizes do nosso ser a vontade de a destruir.
Hitler e Mussolini estão fora dos calculos optimistas em que se comprazem os
criadores de luas: possuem essa cousa temivel que se chama a vontade de vencer e
dominar. Lloyd George não se enganou a tal respeito. A guerra vem-se preparando
como qualquer cousa de inevitavel e funesta, mas não nos esqueçamos de que ela é
filha directa da indecisão e da oratoria que se espanejam e volatizam como o fumo.
Que enorme castelo de cartas a voar pelos ares!
Hitler, calmamente, com a firme confiança de cumprir uma missão divina,
espera que o principio de que os povos teem direito a dispor de si se mostre fecundo
em bençãos. Checos, eslovacos e ucranios todos se inclinam para ele, rogando-lhe que
os ajude a conservar a sua liberdade. Se houvesse qualquer duvida acêrca do seu genio
politico, o momento consagra-o na sua plenitude.
Enquanto os outros, vitimas de inibições, de respeitos humanos, de discussões
interminas e confusas, atacados da melancolica incertesa sobre o valor da guerra como
expansão do orgulho, caminham lentamente Hitler coloca-os perante os factos
consumados e diz-lhes ainda por cima:
- Seria criminoso da vossa parte que lançasseis a Europa num temeroso
conflito, quando é certo que nós alemães não fazemos mais que satisfazer as
aspirações legitimas de quantos apelam para o nosso auxilio.”
O evento que marcou a viragem na orientação da política externa soviética, a
demissão do responsável da mesma, Maxim Litvinov, a 4 de maio de 1939 foi
assinalado como de relativa pouca importância. De certo modo, é compreensível não
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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ter sido dado destaque a uma alteração de aparentemente um homem apenas, visto
que para se perceber o impacto real que tal substituição veio provocar na União
Soviética e na sua relação com a Alemanha nazi só poderia ser notada ao longo dos
meses e anos que se seguiram. À altura, o jornal fez notar que a mudança do homem
forte da política externa soviética poderia mudar algo, mas relativamente ao
Comintern e nas expectativas do governo alemão, assim como as reações nas capitais
de França e Reino Unido76:
“BERLIM, 4 – Os circulos politicos mostram-se indiferentes perante a demissão
de Litvinof, pois declaram não os interessar as questões de pessoas, mas de politica.
Trata-se de saber se a politica externa russa – dizem – continuará ou não a apoiar-se
no Komintern. Se essa politica, com visos á revolução mundial continua, a atitude da
Alemanha – afirmam – não se alterará. Todavia, em Berlim não se esconde a esperança
de que a demissão de Litvinof possa perturbar as negociações em curso entre Moscovo
e as potencias ocidentais. – (Havas).
A substituição foi provocada pelo exercito vermelho
PARIS, 4 – O “Jour” informa, a proposito da demissão de Litvinof, que os russos
teriam pensado em se retirar das questões europeias. Acrescenta que o exercito
vermelho manifestava certa impaciencia e condenava os escrupulos genebrinos de
Litvinof, que impediam a conclusão dum acórdo bilateral imediato anglo-russo. –
(Havas).
A politica russa não sofrerá alteração – diz-se em Londres
LONDRES, 4 – Os círculos sovieticos de Londres ainda não receberam nenhuma
informação relativa ás circunstancias em que se deu a demissão de Litvinof. Declara-se,
todavia, nessas esferas que a mudança de titular na pasta dos Negocios Estrangeiros
não implica nenhuma alteração na orientação da diplomacia sovietica. Cita-se, em
76
Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05765.029.07262&bd=IMPREN
SA
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apoio desta opinião, o facto da politica externa da U.R.S.S. ser fixada por todo o
governo soviético, nomeadamente pelo “bureau” politico de que, de resto, Litvinof
nunca foi membro – (Havas).”
De notar também, que na mesma edição, o Diário de Lisboa dá conta dos
avanços nas negociações para a criação de uma aliança entre a União Soviética e o
Reino Unido e França77:
“PARIS, 4 – O “Journal” noticia de Londres que a resposta á proposta russa não
deve tardar e parece que os dirigentes britanicos insistirão por que, em primeiro lugar,
a Russia confirme as garantias franco-inglesas, dadas á Polónia e á Romenia.
A “Epoque” diz que a aliança russa não é uma solução ideal e comporta riscos
enormes que, todavia, é preciso saber aceitar. Tem d resto a impressão de que a
aliança será apenas uma solução provisoria.
Outro jornal afirma que Chamberlain tem a impressão de que dentro de uma
semana os polacos já estarão prontos a trata com Moscovo, pois a ameaça alemã
precisar-se-á. Desta forma, o primeiro ministro inglês achou preferivel espera, pois em
15 de maio o representante da Russia terá ocasião de se encontrar em Genebra com
Bonnet e Halifax. – (Havas).”
Relativamente ao momento final da assinatura do pacto germano-soviético, o
Diário de Lisboa começa por relatar, no dia anterior à assinatura do mesmo, a partida
do ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joachim von Ribbentrop, para Moscovo
a fim de concluir as negociações entre a Alemanha e União Soviética, em destaque de
primeira página. Notam que, apesar de reservas, em Berlim se sente que esta é uma
grande ocasião. Em Moscovo, apesar da assinatura do mesmo e sabendo do seu
conteúdo, o pacto de não-agressão não é incompatível com a continuação das
negociações com os britânicos e franceses para a conclusão de uma aliança. Na França
e no Reino Unido, contudo, as reações que o jornal conseguiu relatar não se nota ainda
77
Idem
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o verdadeiro impacto que este pacto terá no futuro, muito devido ao pouco tempo
entre as notícias vindas a público e uma possível declaração oficial.
No dia 24, dia da assinatura do pacto, o Diário de Lisboa faz manchete com a
assinatura, referindo que “a Espanha deseja manter uma atitude neutral”, numa
demonstração da preocupação que também se vivia na Península Ibérica
relativamente ao caminho que os dois países seguiriam em termos de alianças. Não só
na Europa Central havia o perigo de guerra.
Além dessa referência à estância da Espanha relativamente ao mais recente
desenvolvimento, o jornal não deixa de dar maior relevo ao grande evento que foi a
assinatura de um pacto de não-agressão entre dois inimigos naturais. Descreve os
termos do tratado, mas também analisa o momento vivido de uma forma bastante
lúcida78:
“Das ideias claras brotam as acções rapidas e fecundas, como das atitudes
definidas desaparecem os equivocos e as derivações ao acaso. Staline esperava a sua
desforra e contava os minutos, na esperança de vingar-se pela perda da ChecoEslovaquia e derrota na guerra de Espanha.
Quem são os seus inimigos terriveis e proximos?
A Alemanha e o Japão.
Está ele em condições de fazer-lhes face?
Militarmente, a Russia é uma potencia fragil e sem espírito guerreiro. A
propaganda comunista, bem como a luta que ela preconiza não são a mesma cousa
que a guerra, tout court. A Alemanha e o Japão representam para ela duas
formidandas ameaças – uma a oeste e outra a leste.
78
Fundação Mário Soares – Diário de Lisboa. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?nome_da_pasta=05765.029.07262&bd=IMPREN
SA
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Stalin, não podendo aguentar-se contra elas nos campos de batalha, resolveu
transigir, usando de astucia vulpina, do riso sarcastico, a-fim-de ofuscar a Inglaterra e a
França que pretendiam cativá-la e atraí-la para uma aliança cujas negociações se
arrastavam interminavelmente.
O pacto de não-agressão que assinou com a Alemanha não deixa duvidas sobre
as suas intenções – defender-se com a imobilidade e atacar com a ironia percuciente, á
espreita duma oportunidade… Se o chefe dum Estado tem direito a fazer da má fé um
motivo de vitoria e satisfação, Staline deve agora expandir-se com Molotov e dizer-lhe:
- Se os nossos amigos ingleses e franceses ainda quiserem negociar, dá-lhes
todas as facilidades e faze-lhes todas as concessões, mesmo as inaceitaveis.
Após três meses de avanços e recuos, de hesitações e receios, o pacto de nãoagressão apareceu como o Diabo, quando vem turvar inesperadamente a credulidade
e a confiança das almas pias, mas desacauteladas. Do tempo perdido e das desilusões
sofridas, a França e a Inglaterra têm de aproveitar celeremente a respectiva lição,
preparando-se para extrair dela os uteis ensinamentos. A não ser que se opere
qualquer surpresa ou mudança brusca, a guerra caminha já em marcha rectilinea.
A Polonia vai mais uma vez expôr-se á corrida das armas, jogando o seu ser
num acto de fé sublime. Os seus aliados não se esquecerão de velar por ela,
protegendo-a contra nova partilha 79, já que tomaram tão sagrado compromisso. (…)
A fôrça dita a lei, sem consultar nem a razão nem a consciencia. Fechem-se,
pois, os códigos e encham-se os paiois. A Europa e o Mundo, após um deboche de
ideologias inconscientes, não acham outra maneira de saír da imensa crise em que se
debatem, senão matando e destruindo. A hora, no entanto, não é para vãs
lamentações, mas sim para cada qual medir as suas responsabilidades e assumi-las
sem precipitação.
79
É interessante a referência do jornal a uma possível partilha futura da Polónia, já que no texto dado a
conhecer ao mundo não vinha referência a tal possibilidade. A divisão territorial da Polónia entre a
Alemanha e a União Soviética estava consagrada no Protocolo Adicional Secreto do pacto.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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A Alemanha não anda ás cegas nem procede irreflectidamente: busca o maior
imperio territorial e racial, á custa dos tímidos e dos fracos.
Quem ousará contrariá-la?
Evidentemente, a Inglaterra e a França, que, caso se calassem, mentiriam ao
prestigio de que gozam, resignando-se a papeis secundarios. Como isto não está no
seu animo, nem na sua nobreza, iremos assistir a uma pugna de gigantes, porventura a
mais notavel e tragica da historia. Se o remedio a tamanho mal, que alguns consideram
a ruína da nossa civilização, não vier da terra, que Deus intervenha com a sua infinita
piedade, a-fim-de dominar o ranger de dentes das bestas-feras.
Os acontecimentos não param, quando as fatalidades os conduzem. Os homens
são vitimas da sua própria liberdade, se pretendem ser superiores ás leis do seu
exercicio. Vença quem vença na guerra, o vencedor vem um dia a ser vencido, desde
que ofenda a humanidade.
Assim se explica a destruição das cidades, dos reinos e dos impérios que
deixaram de acatar as normas essenciais da nossa existência – o bem e a justiça.”
Relativamente às restantes potências, o diário relata as preocupações
acrescidas que este pacto lhes veio trazer, traduzidas em preparações para a guerra,
especialmente nas fronteiras dos países.
O que se retém da análise dos vários artigos que o Diário de Lisboa dedicou aos
eventos que precederam a assinatura do pacto germano-soviético é que o
acompanhamento feito de tais eventos foi feito de uma forma distante. Isto é, a
abordagem que o jornal fez foi influenciado pelo isolamento que Portugal viva na
época em termos de política externa. A posição oficial do regime era de afastamento
dos assuntos europeus no geral, dedicando-se antes à gestão do Império. E quando tal
interesse se constatava, era no âmbito da Península Ibérica e do posicionamento
espanhol relativamente às diversas forças em disputa.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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O facto de em nenhum artigo consultado ter havido qualquer referência a uma
posição oficial do governo português é ilustrativo do isolamento vivido e do
afastamento autoimposto das disputas europeias.
O Partido Comunista Português
Através das edições do jornal oficial do Partido Comunista Português, é possível
perceber como os comunistas portugueses encararam os desenvolvimentos da década
de 30. Apesar de este jornal ter sofrido várias interrupções ao longo da década de 30,
o jornal manteve-se relativamente ativo durante a década. Comparativamente ao
Diário de Lisboa, o seu foco era muito mais interno, de contestação ao regime
salazarista e promoção dos ideais comunistas, havendo poucas referências aos
desenvolvimentos europeus. No entanto, as referências à União Soviética são muitas,
especialmente para fazer o contraponto à situação interna e, sobre os eventos
europeus, de promoção da ação soviética e de Estaline.
Tentando fazer o acompanhamento feito do Diário de Lisboa relativamente aos
eventos de maior importância, é possível perceber as grandes diferenças na
abordagem dos mais diversos tema. Enquanto o Diário de Lisboa criticava
exaustivamente a ação soviética, o Avante fá-lo exatamente de forma oposta. Por
outro lado, o jornal Avante segue a mesma linha de Estaline na crítica que faz tanto
aos regimes ditatoriais fascistas, como dos regimes democráticos, não fazendo
distinção nas críticas que aponta aos dois casos. Veja-se o caso da entrada da União
Soviética para a Sociedade das Nações em setembro de 1934, onde na sua edição de
outubro, relata o seguinte80:
“Mais uma victoria da politica internacional soviética! Mais um rude fracasso da
politica exterior salazarista!
80
Partido Comunista Português – Avante!. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT2002.pdf
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Caeiro da Mata, o agente do comércio salazarista, recebeu o encargo de
protestar contra a admissão da U.R.S.S. na Sociedade das Nações.
(…)
A U.R.S.S. revelou mundialmente que segue uma politica de paz. A América do
Norte reconheceu a União Soviética. O Japão saltou um pouco pela cabeça do cavalo
nas combinações anglo-japonezas de repasto da China, de base de apoio para o
eventual desencadeamento das hostilidades no Pacífico e da agressão à U.R.S.S. pelo
lado do Oriente. Os Hitlers excederam as perspectivas inglesas. Há países,
momentaneamente, pouco interessados na guerra. Esbarrondou-se o Pacto dos 4. Na
Gran Bretanha cresce a opinião pública popular favoravel à U.R.S.S. e contra a guerra.
A Inglaterra não poude de deixar de votar pró-admissão da U.R.S.S. na Sociedade das
Nações. E como imperialismo que comanda Portugal, disse ao sr. Caeiro: - “abstemte!”
O Caeiro absteve-se. Mas a abstenção da primeira hora ridicularizou, por aqui,
a propria velocidade adquirida do “Estado Novo” na campanha de provocação á
U.R.S.S. Por outro lado, já não é o caso inédito, o do creado se fazer mais enérgico do
que o dono, na defeza dos interêsses do dono.
- Fui, sou e serei! – apitou Salazar.
(…)
Contra a admissão da U.R.S.S. votaram os mestres da “democratica Suissa” e
votaram: Carmona, Salazar e o ex-administrador do Banco de Portugal…
Litvinov vem trazer a voz do novo mundo proletário à Sociedade das Nações…
¿Porque é que o sr Caeiro votou contra a admissão da U.R.S.S.?
1º A U.R.S.S. entorpece a guerra dos capitalistas, acelera o crescimento das
fôrças revolucionarias do mundo inteiro, sobre a própria base da sua politica
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inquebrantavel de paz: e a entrada da U.R.S.S. na Sociedade das Nações reforça, do
ponto de vista internacional proletário, o papel de paz da U.R.S.S. e amadurece a
revolução mundial contra o capitalismo. Portugal fascista vê na guerra de rapina, de
ataque à U.R.S.S., e do extermínio proletário e camponês, a tábua de salvação.
2º O contraste entre o bem estar e a miséria, revela-se mais decisivamente à
luz do paralelo entre a vida das massas na U.R.S.S. e a vida das massas em Portugal. A
entrada da U.R.S.S. na Sociedade das Nações estilhaça, com mais força, essa
propaganda provocadora das agências de reclamas salazaristas, que pintam a vida na
U.R.S.S. semelhantemente a um operário enforcado numa fouce e num martelo. E a
pandilha capitalista e grande agrária, para continuar a engordar a expensas do sangue
e da carne dos trabalhadores, não pode deixar de fechar as fronteiras à verdade da
vida da União Soviética.
A voz de Caeiro da Mata é a mais clara revelação de que os Estados capitalistas
nacionais se desmoronam ante a influência mundial da U.R.S.S. e o crescimento das
forças revolucionárias no seio daquêles Estados. Mas, é também a vez do
prosseguimento da preparação da guerra imperialista coligada contra a U.R.S.S. e da
vida de miséria e do terror mais implacavel dentro dos países sugeitos ao fascimo: - a
voz do isolamento nacional proletario e camponês e da supressão das liberdades
populares.
(…)”
O jornal Avante também abordou o Anchluss na sua edição da terceira semana
do mês de março de 1938. Como era seu apanágio, este jornal comunista exaltava o
papel da União Soviética face às consideradas injustas que iam ocorrendo no
continente europeu. O caso da anexação da Áustria pela Alemanha não foi exceção e
nessa edição, o jornal referia 81:
81
Partido Comunista Português – Avante!. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT2075.pdf
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“O Partido Comunista Português saúda o valoroso Exército Vermelho, a maior
garantia da Paz mundial e da Independência da U.R.S.S., no momento em que a pata
fascista acaba de esmagar a Independência da Áustria.”
Acompanhando esta manchete, o jornal divulgou um discurso do marechal
soviético Vorochilov.
Relativamente à anexação da Áustria, em concreto, o jornal também faz a sua
análise do que essa anexação representa no seu prisma, seguindo a mesma linha.
Critica as democracias ocidentais pela sua inação face à expansão fascista e o perigo
que Hitler representava para a paz europeia:
“(…) O segundo acontecimento da semana, na ordem cronológica, é o assalto à
A’ustria82.
A atitude cobarde das democracias burguesas, o seu falso amor à paz, a paz a
todo o preço, tem permitido ao fascismo internacional os golpes mais miseráveis e
criminosos que a história regista.
Essa “paz” em que temos vivido, permitiu, em face da passividade das nações
burguesas, primeiro o assalto do Japão à Manchúria, da Itália à Etiópia, e agora da
Alemanha à A’ustria. O fascismo risca nações do mapa, com uma impunidade
revoltante.
Hitler prepara-se para arrazar a Europa, e enquanto o seu exército entra na
A’ustria e os seus aviões voam sôbre um país que tinha o direito de contar com a
solidariedade internacional para a defesa da sua independência, a França e a Inglaterra
mandam… “notas diplomáticas” protestando energicamente! Que ridículo é tudo isto!
Os jornais alemães já anunciam o ataque à Thecoeslováquia, que está, segundo a sua
própria frase, apertada na tenaz de ferro do Reich alemão.
(…)
82
O primeiro tinha sido a queda do governo francês de direita.
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Essa “paz a todo o preço”83 tão querida às democracias, tem permitido que
durante 20 meses a Alemanha e a Itália desembarquem em Espanha corpos de
exército, centenas de aviões, tanks, canhões, todo o material de guerra necessário
para destruir uma nação que se defende com uma heroicidade única na história do
mundo. Cidades arrazadas, campos destruidos, os aviões de Hitler e Mussolini
espalham a morte por toda a península enquando as nações “pacíficas”, as
“mantenedoras da paz” se reünem ridícula e traiçoeiramente na famigerada “comissão
de não intervenção”.
Hitler afirmou no seu célebre discurso de 20 de Fevereiro, que não consistiria
na Espanha senão um govêrno à sua vontade. As democracias europeias ouviram e
calaram-se. E Hitler enviou mais 25.000 soldados e centenas de aviões para Espanha.
(…)”
A edição seguinte a ser publicada pelo Avante foi em maio de 1939, que abriu
com uma declaração abordando o “momento particularmente grave para a vida do
nosso povo”, saúda os “heróicos militantes comunistas, os lutadores anti-fascistas e
patriotas sinceros” no recomeço da sua publicação.
Anteriores a esta edição ocorreram os Acordos de Munique, em setembro de
1938, que não mereceram nenhuma referência nesta edição. Em março do mesmo
ano, concluiu-se a anexação da Checoslováquia pela Alemanha, tendo este evento tido
uma referência nesta edição, reproduzindo declarações de dois ministros
checoslovacos e de Atlee, que se supõe que seja Clement Atlee, futuro primeiroministro britânico e então líder do Partido Trabalhista do Reino Unido, relativamente à
anexação. Ainda conclui dizendo84:
83
Aqui referindo-se à política de apaziguamento seguida pelo Reino Unido de Neville Chamberlain e
também à política de não intervenção na guerra civil espanhola, que contou com a intervenção de
tropas alemãs, italianas e soviéticas.
84
Partido Comunista Português – Avante!. [Consultado em: setembro de 2012]. Disponível em:
http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT2084.pdf
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“Eis claros e autorizados desmentidos á miserável campanha da imprensa
portuguesa enfeudada a Hilter e Mussolini, e as manobras tortuosas da reacção
internacional que tenta denegrir a U.R.S.S. contra a clara evidência dos factos. Isto foi
cuidadosamente ocultado ao povo português. Estas e muitas outras afirmações
análogas que nos dispensamos de reproduzir.”
Relativamente à demissão de Litvinov, no mês desta edição, não houve
qualquer referência do jornal.
Maio de 1938 foi o último mês da década de 30 que o jornal Avante publicou
edições regulares, sendo que, para além deste mês, só em maio de 1939 voltou a
registar uma edição, antes da assinatura do pacto Molotov-Ribbentrop. O jornal só
retomaria as edições regulares em 1941, mais precisamente no mês de agosto, quando
a União Soviética já estava em plena guerra com a Alemanha. Seja por coincidência ou
infelicidade, as edições deste jornal comunista não abrangem o período em que a
União Soviética e a Alemanha nazi cooperaram e mantiveram-se numa paz acordada.
Teria sido muito importante para este trabalho uma abordagem à assinatura do
tratado e como seria encarada essa aproximação, assim como ao período de
cooperação que se seguiu à sua assinatura, mas devido à quebra da edição do Avante,
não foi possível fazê-lo. Limitou-se a análise ao período disponível, o que, apesar de
incompleto, não deixa de ser importante para se poder perceber com que olhos o
Partido Comunista Português olhou para os desenvolvimentos europeus e as medidas
tomadas por Estaline face à expansão nazi.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Relações Internacionais
Conclusão
A assinatura do pacto de não-agressão com a Alemanha teve os ingredientes
necessários para a União Soviética alcançar o sucesso na ótica do realismo ofensivo. A
política externa soviética, liderada por Estaline, seguiu as linhas mestras de ação dos
estados, como sugeridas por esta teoria das Relações Internacionais. A persecução da
estratégia de balancing, uma estratégia que traz menos riscos aos estados que a
procuram, como primeiro passo na ação de contenção da Alemanha pela União
Soviética foi o passo acertado. O falhanço desta e passagem para outro tipo de
estratégia foi também acertado. Acima de tudo, o reconhecimento do falhanço do
balancing e não continuação da aposta nesta, pelo menos exclusivamente, foi
importante. A aproximação à Alemanha, numa perspetiva de garantir a paz e
segurança para a União Soviética, mas também de empurrar o Reino Unido e França
para uma guerra com esta sem o envolvimento dos soviéticos foi fiel à ideia de buckpassing, que acabou por ser um sucesso visto ter sido isso que acabou por se passar
durante o início da Segunda Guerra Mundial.
Contudo, o falhanço na política externa soviética em todo este processo, que
existiu também, não pode ser atribuído por falta de planeamento ou a persecução de
estratégias erradas. Os riscos corridos no buck-passing, de o estado que assume a
responsabilidade em conter o estado agressor ser rápida e contundentemente
vencido, dificilmente poderia ter sido previsto pelos soviéticos, especialmente tendo
em conta o estatuto de grande potência da França. Por outro lado, o falhanço em ter
garantido, por completo, a paz para a União Soviética na Segunda Guerra Mundial
também não pode ser atribuído por erro de planeamento, pois este deveu-se a uma
traição da Alemanha. Ainda que, nas suas relações internacionais, os estados nunca
devem descansar sobre tratados internacionais pois os estados são livres de os
quebrarem, se assim o desejarem, a União Soviética não poderia impedir as intenções
da Alemanha quebrar o pacto de não-agressão.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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O texto final do tratado criava esferas de influência para os dois países, a
promessa de não-agressão, assim como a garantia de neutralidade caso um terceiro
estado atacasse qualquer uma das partes, nem que nenhum dos dois países ajudasse o
terceiro estado. Estaline não só garantiu a paz, como ainda a expansão territorial da
União Soviética e, como consequência, o aumento do seu poder.
Pela análise feita ao longo do trabalho, com a recolha dos elementos
disponíveis e relatos das decisões tomadas como resposta aos diferentes desafios
impostos à União Soviético, é possível concluir que a sua política externa foi
congruente com os fundamentos do realismo ofensivo e o sucesso que atingiu, deveuse a isso.
Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio
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Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
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