COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXVII SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS BELÉM – PA, 03 A 07 DE JUNHO DE 2007 T99 – A13 DISCUSSÃO SOBRE UM ECOSSISTEMA AQUÁTICO DE PEIXES NEOTROPICAIS Sidney Lazaro MARTINS Dr. MSc. Eng. Prof. - Themag Engenharia Ltda e Universidade Anhembi Morumbi. Kikuo TAMADA. Dr. Eng. Prof. - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Carlos Sérgio AGOSTINHO. Dr. Biol. Prof. - Universidade Federal do Tocantins RESUMO A discussão desenvolve-se com a utilização das leis e princípios da física como o Teorema de Transporte de Reynolds, Balanço de Massa e Energia, 1ª e 2ª Leis da Termodinâmica, além da teoria de equivalência entre massa e energia de Einstein, aplicadas a um ecossistema aquático modificado pela barragem, com ênfase a ictiofauna. Discutem-se as alternativas de mitigação de impactos adversos sobre a ictiofauna no ecossistema aquático modificado e se aponta uma solução para discussão na comunidade interessada. Apresenta-se às iterações multidisciplinares para a concepção de barragens objetivando um ecossistema de peixes mais integrado e viável. ABSTRACT Laws and principles of Physics such as the Reynolds Transport Theorem, the Mass and Energy balances, and the 1ST and 2ND Laws of Thermodynamics and the Theory of Relativity or of Mass and Energy Equivalence were applied to a Neotropical aquatic ecosystem modified by a dam, with emphasis on the ichthyofauna. Alternatives for mitigation of adverse impacts in the modified aquatic ecosystem were discussed and a solution was pointed out to the interested community. Multidisciplinary interactions for the conception of dams aiming at a more integrated, feasible fish ecosystem were presented. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 1 INTRODUÇÃO 1. A região neotropical possui uma das maiores diversidades mundial resultantes das condições ambientais favoráveis, incluindo-se o potencial hídrico e, consequentemente da ictiofauna. No Brasil, com mais de 8 milhões de km² de extensão territorial, com várias e ramificadas bacias hidrográficas, com rica e diversificada fauna e flora, há uma produção hídrica de 177 900 m³/s e mais 73 100 m³/s da Amazônia Internacional, representando 53% da produção de água doce do continente Sul Americano, ou seja, 334 000 m³/s e 12% do total mundial (REBOUÇAS, 2006). Devido a esse padrão biogeográfico, tem-se a maior biodiversidade aquática mundial, ou seja, mais de 2/3 de peixes estão em terras continentais. Os rios continentais brasileiros, alguns internacionais, apresentam mais de 3000 espécies de peixes, das quais, parte relevante e sem dúvida importante nos aspectos cultural, esportivo, comercial e ambiental, realiza migrações reprodutivas (piracema) e tróficas, sem as quais a sobrevivência das cadeias energéticas e massa do ecossistema são comprometidas. Os peixes, como qualquer forma de vida, desenvolvem-se em função da conservação e perpetuação da vida. Agem e reagem ao ecossistema procurando locais favoráveis quanto à alimentação, à temperatura e às condições físico-químicabiológica, assim, parte realiza migrações. Os peixes migram nos dois sentidos, isto é, contra e a favor da corrente d’água, e, portanto, precisam da livre circulação nos rios, em função dos seus instintos. O direito ao livre trânsito de peixes num ecossistema é, portanto, a base de subsistência da diversidade, riqueza e abundância. Os vivos constituem um ecossistema terrestre que, por sua vez, interage com outros ecossistemas constituintes formando uma malha interdependente e frágil. Os humanos, ditos animais racionais, parte relevante do ecossistema terrestre, conquistaram a possibilidade de interferir e alterar o hipotético estado de equilíbrio do meio, segundo as suas premissas, vontades e conveniências, em detrimento aos demais. É pueril e inconseqüente, admitir que a interferência humana seja passivamente absorvida pelo ecossistema. Na verdade o ecossistema pode responder lentamente, mas com a mesma intensidade, segundo as leis de conservação de massa e energia. 2. MÉTODO A análise desenvolve-se com a utilização das leis e princípios da física como o Teorema de Transporte de Reynolds, Balanço de Massa e Energia, 1ª e 2ª Leis da Termodinâmica e a Teoria da Relatividade ou Equivalência de Massa e Energia, aplicadas a um ecossistema aquático modificado pela barragem. Discutem-se as alternativas de mitigação de impactos adversos sobre a ictiofauna no ecossistema aquático modificado e se sugere uma solução retardadora de impactos para discussão na comunidade interessada. 3. DISCUSSÃO SOBRE O ECOSSISTEMA AQUÁTICO NEOTROPICAL 4. Com a lei de conservação de massa e energia ou 1ª lei da termodinâmica e a 2ª lei da termodinâmica, um ecossistema é um sistema fechado que mantém ou conserva XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 2 a sua energia e a massa apenas transformando-as, porém parte da energia é sempre acumulada, deteriora e inutilizável devido à entropia e parte da massa, devido à incapacidade de reciclagem, é acumulada sob a forma de poluição (Ver Figura 1). FIGURA 1: Sistema Aquático Modificado pela Barragem. A lei de conservação e massa em um sistema pode ser expressa: ⎢ Dm ⎥ ⎢ DE ⎥ +⎢ =0 ⎢ Dt ⎥ ⎥ ⎣ ⎦ SISTEMA ⎣ Dt ⎦ SISTEMA (1) Onde: m é massa em kg; E é a energia em J e t é o tempo em s. A equação de conservação de massa num sistema com o teorema de transporte é dada pela expressão: ∂t ⎢ Dm ⎥ = ⎢ Dt ⎥ ∫ (ρ * δ∀) + SC∫ (ρ * V * A ) = 0 ⎦ SISTEMA ∂∀ ∀C ⎣ (2) Onde: ∀ é o volume em m³; ∀C é o volume de controle do sistema em m³; ρ é a massa específica em kg/m³; δ∀ é a variação de volume no sistema em m³; SC é a superfície de controle do sistema; V é a velocidade do fluxo em m/s; t é o tempo em s e A é a área de passagem do fluxo. O produto V*A é a vazão em volume em m³/s e o produto ρ*V*A é a vazão em massa em kg/s, ou seja: Q[m³ / s] = V [m / s] * A [m² ] (3) O Q[kg / s] = ρ[kg / m³ ] * Q[m³ / s] (4) A vazão ou fluxo pode ser com qualquer natureza, porém se está destacando em massa e energia. A equação de conservação de energia num sistema com o teorema de transporte é dada pela expressão: ∂E ⎢ DE ⎥ (e * ρ * ∂∀) + ∫ (e * ρ * V * A ) = 0 = ⎢ Dt ⎥ ∂t ∀∫C ⎣ ⎦ SISTEMA SC XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens (5) 3 Onde: E é a energia total no sistema em J; e é a energia específica por unidade de massa em J/kg. Considerando-se que não há variação de volume no sistema, isto é, expansão ou contração, ∂∀ = 0 , as expressões de conservação de massa e energia resultam: ∂t ⎢ Dm ⎥ ⎢ DE ⎥ +⎢ = ⎢ Dt ⎥ ⎥ ⎣ ⎦ SISTEMA ⎣ Dt ⎦ SISTEMA ∫ (ρ * V * A ) +SC∫ (e * ρ * V * A ) = 0 SC (6) O balanço de massa e energia num sistema equilibrado fechado sem expansão e contração, pode ser expresso assim: ∫ (ρ * V * A ) + ∫ (e * ρ * V * A ) = 0 SC (7) SC Com o aumento brutal da massa populacional mundial, hoje somos 6 bilhões, ocorrido após a revolução industrial, as intervenções antrópicas visaram o abastecimento e a energia. As barragens para abastecimento e/ou energia foram conseqüências inevitáveis do aumento da massa populacional humana. Como não há possibilidades imediatas de redução de populações humanas e de suas ações antrópicas geradoras de poluição, só resta à alternativa do desenvolvimento sustentável. As barragens para irrigação, isto é, para a agricultura, transferem massa quase sem retorno ao ecossistema. A pequena parcela de massa retornável chega alterada e degradada. O barramento de rios desvia energia, no caso das hidroelétricas e massa, no caso de abastecimento, ininterruptas dos ambientes aquáticos para uma grande biomassa de humanos consumidores, originando reservatórios imediatamente menos energéticos com orientação para as menores biomassas, conforme o princípio de conservação de massa e energia, ou seja: ∫ (ρ * V * A ) + ∫ (e * ρ * V * A ) ≠ 0 SC (8) SC Nas barragens para aproveitamento energético, a energia retirada do sistema não retorna a não ser como poluição, ou seja, resíduos e produtos indesejáveis. Nas barragens para abastecimento e irrigação, parte da massa retirada do sistema retorna degradada, quase nunca no mesmo ecossistema, mas com qualidade e quantidades diferentes da original e com acréscimos de poluição indesejáveis. A tendência natural do reservatório é a intensificação da redução da biomassa e o empobrecimento verificado em reservatórios monitorados durante décadas, conforme Figura 2 (ODUM, 1985). ODUM (1985) estudou a abundância de peixes entre o segundo e décimo quinto ano após o término da barragem no Lago Francis Case, Dakota do Sul, EUA, no curso principal do rio Missouri Superior. Não há estudos brasileiros de abundância de peixes em reservatórios com as características necessárias e com essa amostragem temporal. Há relatos, como no caso do reservatório da Hidroelétrica Tucurui, no rio Baixo Tocantins, em que o empobrecimento é notório. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 4 200 180 Abundância (t/ano) 160 140 120 100 80 60 40 20 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Tempo de Represamento (ano) FIGURA 2: Empobrecimento de Peixes em reservatórios (ODUM, 1985). O empobrecimento no ecossistema aquático pode ser evidenciado com os anádromos, como no declínio dos cardumes de salmões no Hemisfério Norte, que segundo ANDERSON et al. (2000) e USACE – United States Army Corps of Engineers (2005), pode ser de 90% quando comparado com os de 300 anos atrás, apesar do investimento maciço em repovoamento, em ambientes artificiais para desova (redds) e desenvolvimento e em sistemas para a transposição de peixes em barragens, permitindo o fluxo genético nos dois sentidos (downstream and upstream fishway), é uma realidade incontestável. A redução na abundância de cardumes de salmonídeos do Hemisfério Norte é generalizada. Conseguiu-se, com certeza, mitigar ou postergar o empobrecimento (ver Figura 3). FIGURA 3: Declínio de cardumes de salmões (USACE, 2005). XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 5 O empobrecimento nos reservatórios pode ser verificado pela teoria da relatividade para repor 1 kg de biomassa de peixe instantaneamente em energia no ecossistema: E = m[kg] * c 2 [m² / s² ] = 1kg * (300 000 000m / s) = 9 * 10 16 J 2 (9) O valor de energia igual a 9*1016 J necessário para repor 1 kg biomassa de peixe é impraticável, ainda que a condição temporal imposta também seja irreal, pois a natureza demorou um tempo em escala geológica (milhões de anos) compondo o ecossistema terrestre. Depreende-se que a reposição de biomassa é quantitativamente e qualitativamente difícil em condições temporais não previsíveis tanto quanto a transformação de massa em energia. Os reservatórios são fontes incontestáveis de redução biomassa, riqueza e abundância de peixes. A biomassa dos ambientes semilênticos dos reservatórios castiga severamente os peixes migradores que dependem da dinâmica do meio e dos estímulos externos para reproduzirem. As barragens são obstáculos artificiais formadores dos reservatórios e agravam sensivelmente o déficit no balanço de massa e energia, pois interrompem, entre outros fatores importantes, o fluxo genético de peixes em ecossistemas aquáticos e uma nova resistência ambiental. As alternativas antrópicas possíveis para a recuperação, preservação ou sustentabilidade da biomassa de peixes em ambientes modificados são: remoção de barragens, repovoamento, criadouros e desenvolvedores marginais artificiais e os sistemas para passagem de peixes. A remoção de barragens no exterior é uma mitigação extrema que ocorre por motivos estritamente técnicos operacionais: incapacidade de reservação ou de geração de energia, ou seja, quando é atingida a sua vida útil e quase nunca para restabelecer a natureza, mesmo porque depois de no mínimo 20 anos de operação, esses obstáculos estabeleceram um novo e mais pobre ecossistema. A incapacidade de contenção de volumes de água deve-se à quantidade de transporte de sedimentos que assoreia o reservatório e retorna o fluxo ao regime de rio, quando o transporte de massa para abastecimento e o de energia para consumo humano ficam severamente comprometidos e contra econômicos. A incapacidade de geração de energia ocorre em antigos pequenos aproveitamentos, sem oportunidade de repotencialização, cuja remanescente pode ser pouco aproveitado, ou seja, gera pouco e é contra econômico também, ou mesmo quando a vazão regularizada é insuficiente. Não se sabe, ou melhor, não foram avaliados quais os benefícios da remoção de barragens, de qualquer forma é o início de um novo desbalanço de massa e energia de ecossistema. O repovoamento com ictioplâncton, alevinos, juvenis ou adultos na biomassa dos reservatórios é intenso no Hemisfério Norte sem alcançar êxito em pelo menos manter os estoques. No Brasil, durante décadas de exclusividade para mitigar os efeitos adversos da barragem, os resultados do repovoamento foram inexpressivos. Os estudos recentes demonstram que a alternativa de repovoamento de reservatórios é inviável pela quantidade expressiva de biomassa de peixes necessária para torná-lo produtivo, confirmando a conservação de massa e energia (QUIRÓS, 1999, AGOSTINHO et al., 2005). QUIRÓS (1999) estudou 690 reservatórios em regiões temperadas e tropicais quanto ao processo de produção pesqueira. Na Figura 4 apresenta-se um gráfico simplificado do seu estudo. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 6 FIGURA 4: Produção pesqueira em reservatórios (Quirós, 1999). Depreende-se da Figura 4, como exemplo, que um reservatório neotropical pequeno com 1 km² de espelho de água precisaria duma produção de peixes com cerca de 100 kg/ha/ano. Considerando-se alevinos com aproximadamente 2 a 3 cm e biomassa de 5g (0,005 kg), seriam necessários 2 000 000 alevinos/km²/ano. Nossos reservatórios são maiores do que 1 km² necessitando de valores superiores à capacidade produtiva de todas as estações de piscicultura brasileiras. Outra alternativa de manter ou minimizar a redução de biomassa dos reservatórios são os sistemas para a passagem de peixes. Deve-se entender como um sistema como estruturas que permitam a migração de peixes em todas as suas fases de desenvolvimento, nos dois sentidos, isto é, o livre trânsito para as migrações reprodutivas e tróficas. Os sistemas para a passagem de peixes devem ser concebidos após criteriosa análise para manter a diversidade e equilibrar o ecossistema aquático segundo as suas condições iniciais, ou seja, restabelecer a natureza com biomassa e manter a biodiversidade. Neste aspecto, os inventários são fundamentais como instrumentos de planejamento e decisão. É notório que as intervenções antrópicas no ecossistema, como no caso das passagens para peixes, precisam de um tempo de maturação ou resposta além dos previstos para monitoramento segundo a legislação ambiental vigente no Brasil (2 a 3 anos) e devem estar em constante ou apta às evoluções e melhorias. No Brasil só há passagens para peixes quando da sua migração reprodutiva, ou seja, para o peixe subir contra o fluxo. Não há nenhuma passagem específica para a descida de peixes, contando-se com a sobrevivência, ainda desconhecida, na sua eventual passagem pelas turbinas, vertedores ou mesmo através das passagens para a subida de peixes. É consensual na comunidade científica biológica que passagens para a subida de peixes em barragens devam existir quando há migradores e locais preservados para desova e desenvolvimento a montante de barragens, mas se deve garantir o destino dos peixes a esses locais bem como o seu retorno, conforme esquema proposto na Figura 5. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 7 FIGURA 5: Necessidade de um sistema para a passagem de peixes. A existência de locais preservados para desova e desenvolvimento a montante de barragens é uma alternativa de restabelecer o balanço de massa do ecossistema ou um gerenciamento de estoques. Sem essa condição, os reservatórios estão fadados à pobreza e a baixa diversidade aceleradas. Na natureza a taxa estimada de sobrevivência ou de formação de peixes adultos a partir da desova em ambientes naturais é baixa, não ultrapassando a 0,01% para os migradores neotropicais potamódromos plenos (nos salmonídeos do Hemisfério Norte é de 0,05%, conforme CIGB/ICOLD, 1999). Nos reservatórios os peixes potamódromos sedentários encontram condições propícias ao seu desenvolvimento, com pouco dispêndio de energia, aumento da biomassa, mas reduzindo a diversidade, numa tentativa de balanço de massa e energia, mas sujeitos à resistência ambiental vigente. Nos reservatórios os peixes potamódromos migradores encontram, além da resistência ambiental vigente, outras adversidades tais como: baixa energia; áreas anóxidas; grandes pressões hidrostáticas, grandes pedrações, condições hidrológicas e limnológicas diferenciadas dos ambientes naturais, etc. Essa conjunção de adversidades aliadas baixa taxa de sobrevivência do ictioplâncton conduz a redução acelerada de biomassa. O balanço de massa nos ecossistemas aquáticos formados pelos reservatórios é equacionado na nova natureza, portanto, com o aumento da biomassa de sedentários e a redução da biomassa de migradores, o que se considera como uma redução da biodiversidade. Devido à intervenção antrópica com as barragens e os reservatórios, é necessário potencializar a sobrevivência e manutenção de peixes potamódromos migradores. As alternativas para potencializar a sobrevivência são: preservar os locais de desova e desenvolvimento remanescentes, lagoas marginais artificiais e lançamento de peixes em todas as suas fases de desenvolvimento. As alternativas para manutenção são os sistemas para passagem de peixes e o lançamento de peixes em todas as suas fases de desenvolvimento. Depreende-se que, sem garantia definitiva ou irrefutável, que a biodiversidade de peixes dos ecossistemas aquáticos modificados poderá ser sustentável ou manejada com todas as alternativas disponíveis. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 8 A recuperação e manejo sustentável dos ecossistemas neotropicais aquáticos modificados, principalmente dos que geram energia, é extremamente complexa e difícil. No aspecto quantitativo a conjunção do sistema para a passagem de peixes com o repovoamento de ictioplâncton, alevinos e adultos e lagoas marginais artificiais, são medidas para tentar recompor a sustentabilidade, conforme esquema da Figura 6. No aspecto qualitativo a seletividade no sistema para passagem de peixes, escolha das matrizes genéticas, repovoamento seletivo com lançamento segundo a maior expectativa de vida são medidas para tentar recompor a sustentabilidade do ecossistema, conforme esquema da Figura 6. FIGURA 6: Esquema proposto para a sustentabilidade do ecossistema. 5. ITERAÇÕES MULTIDICIPLINARES NA CONCEPÇÃO DE BARRAGENS A multidisciplinariedade entre os conhecimentos de engenharia, biologia e ecologia devem ser desenvolvidas nos estudos de ecossistemas com identidade para aproveitamentos energéticos, abastecimentos, irrigações e outras finalidades. O planejamento de ecossistemas aquáticos modificados pelas barragens precisa dispor de dados consistentes quanto à ictiofauna, locais disponíveis para desova e desenvolvimento, dados limnológicos, hidráulicos e hidrológicos e ambientais atuais e futuros para decidir sobre a melhor e mais viável alternativa. Os inventários ictiológicos devem ter amostragens distribuídas no espaço e no ciclo hidrológico, atendendo às cheias e estiagens, identificando as espécies, porte e volume, as rotas temporais migratórias reprodutivas e tróficas e os locais preferenciais de desova e desenvolvimento. O estado natural do ecossistema aquático é fundamental para a recomposição da biodiversidade e a sustentabilidade dos novos ambientes modificados. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 9 No cenário brasileiro, o setor hidroelétrico é o principal responsável pelos estudos ictiológicos disponíveis realizados durante as avaliações de impactos ambientais, licenciamentos ou monitoramentos. Há a noção errônea e tendenciosa que os inventários ictiofaunísticos para pequenos barramentos ou hidroelétricas podem ser menos expressivos e abrangentes do que para os grandes empreendimentos. Está postura não é ética segregando o ecossistema e rotulando-o segundo as premissas econômicas humanas. As características físicas e ambientais dos peixes-alvo devem ser conhecidas como uma das ferramentas de planejamento e para conceber estruturas da barragem menos impactante e mais amigável. Há iterações de concepção de barragens que merecem atenção durante o planejamento que precisam da cooperação multidisciplinar no tocante a ictiofauna: a) A grade de tomadas de água no reservatório, convencionalmente é dimensionada para velocidades do fluxo menores do que 1m/s para diminuir a capacidade de arraste de ar, diminuir as perdas de energia no sistema gerador, conter macrófitas, restos de materiais. Pode-se, também, evitar a entrada ou desviar peixes. Para tanto é necessário conhecer as características físicas e motoras dos peixes-alvo, a rota de migração descendente, preferências, hábitos; b) A escolha do tipo de turbina sempre é econômica e nunca ecológica segundo o padrão mundial vigente. A decisão depende do binômio: vazão e queda: As turbinas tipo Pelton são utilizadas para altas quedas, mas não permitem a passagem de peixes em qualquer fase de desenvolvimento, em nenhum sentido, devido a sua concepção mecânica; As turbinas tipo Francis e Kaplan são utilizadas para médias e baixas quedas. São mais amigáveis aos peixes, notadamente as do tipo Kaplan; As turbinas tipo Kaplan com eixo horizontal (Bulbo) são mais amigáveis com a passagem de peixes, mas possuem limite operativo quanto à altura de geração (<15m). A passagem de peixes nos dois sentidos pelas turbinas é possível, mas não se sabe com quais taxas de mortandade e injúrias no ecossistema neotropical. Há estudos brasileiros em desenvolvimento para avaliar os efeitos da pressão e descompressão sobre os peixes, indicando as mortes e seqüelas ocorrem devido à mecânica operacional da turbina que também depende do tamanho, rotação, tipo, etc.; Há estudos no exterior para turbinas tipo Kaplan com eixo vertical, utilizando não pás, mas sim um cursor helicoidal e, portanto, menos traumáticas. Há, neste caso, um dilema a ser resolvido que é o da eficiência na geração de energia, pois há uma queda de cerca 40%, o que inviabiliza economicamente a maioria dos empreendimentos com esse tipo de turbina. Não se conhece nenhum empreendimento com a geração de energia com as turbinas amigáveis; A inevitável atração de peixes para a saída das turbinas, após o tubo de sucção a jusante, devido aos sons de baixa freqüência entre 10 e 1 000 Hz (KYNARD, 1991), é catastrófica quando das interrrupções para a limpeza e a manutenção de unidades geradoras. Mortes com até 40 toneladas de peixes são registradas ou não divulgadas. Técnicas de repulsão física ou química são estudadas, mas sem resultados confiáveis ou menos agressivas ao ambiente. As providências adotadas resumem-se em critérios de fechamento de modo a permitir a fuga dos animais do recinto, com posterior resgate e salvamento. Para minorar a mortandade de peixes no recinto, o seu esvaziamento deve ser em estágios controlados e com oxigenação constante para permitir o salvamento de peixes e caminhos ou mecanismos de condução e retirada de peixes mais eficientes, que devem ser previstos na concepção do empreendimento. A Usina Hidroelétrica Peixe Angical no rio XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 10 Tocantins, operando desde 2004, possui um sistema de salvamento inédito no Brasil, com regras de operação e fechamento de turbinas, oxigenação e esvaziamento parcial com salvamento com condução de peixes através de caçambas basculantes elevadoras; c) Os vertedores de superfície com desníveis de até 9,0 m, resultando em velocidades a jusante da ordem de 15 m/s, devem permitir a passagem para jusante de peixes adultos sem muitos traumas. A escolha da estrutura de dissipação de energia a jusante do vertedor, deve evitar a bacia de dissipação, principalmente com dentes, preferindo-se o tipo roller menos traumáticos tanto nos aspecto de injúrias ou mortes por choque como devido à embolia (excesso de oxigênio). Outras soluções podem ser executadas para minimizar a taxa de mortalidade e injúrias em peixes. Os vertedores de superfície com queda superior a 5,0 m não permitem a passagem de peixes durante a migração reprodutiva, isto é, a subida; d) As estruturas de passagens para peixes neotropicais durante a migração reprodutiva devem ser concebidas quando há locais para preservados para desova e desenvolvimento a montante da barragem. O dimensionamento dessas estruturas deve ser função da capacidade motora dos peixes-alvo e do volume. São incógnitas do dimensionamento as velocidades limites, massa, comprimento e volume de cardumes, preferências de deslocamento, hábitos, teor de oxigenação e temperatura da água e rota durante a migração; As estruturas de passagens para peixes neotropicais durante a migração trófica podem ser específicas ou não específicas. As específicas são dimensionadas para os peixes-alvo de modo a atrair e conduzi-los com a melhor segurança para jusante, sendo denominados genericamente como bypasses. As não específicas são os vertedores, as turbinas e as estruturas de passagem de peixes durante a migração reprodutiva. O dimensionamento dessas passagens durante a migração trófica é função das velocidades, fase de desenvolvimento; massa; comprimento, volume de cardumes, preferências de deslocamento, teor de oxigênio, temperatura da água, capacidade resistiva as pressões durante a migração; As passagens para peixes neotropicais durante a migração reprodutiva tipo elevador e caminhão-tanque, possuem defensores que lhes atribuem a facilidade de locação em arranjos e a seletividade como fatores favoráveis e opositores que lhes atribuem a impossibilidade de retorno de peixes, taxas de mortalidade severas, ciclo de operações muito longo e baixa capacidade de passagem de peixes, dependência da operação humana e mecânica e manutenções constantes como fatores desfavoráveis; e) A introdução de juvenis e adultos de peixes-alvo é uma medida complementar necessária para manejo e conservação da massa e energia do ecossistema. A possibilidade de sobrevivência de peixes adultos e juvenis é maior no reservatório, devido à transparência da água e as suas passagens para jusante da barragem; A introdução de ictioplâncton e alevinos de peixes-alvo é uma medida complementar necessária para manejo e conservação de massa e energia do ecossistema. A possibilidade de sobrevivência ictioplâncton e alevinos nos locais preservados de desova e reprodução a montante da barragem podem ser maiores; f) As lagoas marginais artificiais podem ser concebidas para maximizar o incremento de biomassa de peixes alvo (ictioplâncton e alevinos) antes da sua chegada aos reservatórios, onde a pedração é total (MARTINS et al. 2005). g) O monitoramento da ictiofauna deve ser constante para evidenciar e propiciar o privilégio dos instrumentos de mitigação disponíveis, tentando-se, assim, postergar o empobrecimento inevitável. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 11 6. CONCLUSÕES Sob a ótica da física as mudanças nos ecossistemas aquáticos devido aos barramentos dos cursos de água, principalmente na região neotropical, são irreversíveis, podendo ser apenas mitigáveis. As transferências de massa, inclusive biomassa, e energia do ecossistema modificado são qualitativamente e quantitativamente irrecuperáveis, ou seja, o ambiente modificado pela barragem jamais poderá ser recuperado como o foi quando natural. O não barramento de rios e a preservação e manutenção do ecossistema aquático, principalmente dos locais de desova e desenvolvimento é a solução única quantitativa e qualitativa para o não empobrecimento da ictiofauna, mas os interesses humanos, notadamente os financeiros e os de conforto e subremacia, descartam esta solução. A remoção de barragens (dam removal) não se constitui como uma alternativa para mitigação para ictiofauna, visto que os ambientes já estão consolidados implicando num novo início de recuperação ou mitigação com nova resistência ambiental. As mitigações isoladas como as de reprovoamento ou introdução ou de sistemas para a transposição de peixes não possuem suporte quantitativo e qualitativo para suprir a natureza e, portanto, nem para os ecossistemas modificados neotropicais. Todas as alternativas para mitigar os impactos adversos devido ao barramento de rios são importantes e só o conjunto dessas alternativas podem ser ações resistivas potenciais ao empobrecimento: sistemas para a transposição de peixes, repovoamento, lagoas marginais para desova e desenvolvimento e a escolha adequada e comprometida com o ecossistema dos componentes, equipamentos, operação e monitoramento constante dos ecossistemas. 7. AGRADECIMENTOS Agradece-se a todos que compreendem a necessidade de discussão multidisciplinar sobre a mitigação de impactos em barragens, notadamente sobre a ictiofauna. 8. PALAVRAS-CHAVE PALAVRAS-CHAVE: Balanço de massa e energia em reservatórios; Ecossistemas Aquáticos Modificados; Mitigação de Impactos em barragens. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 10. [1] REBOUÇAS, A. C., BRAGA, B., TUNDISI, J. G. (2006). – “Águas Doces no Brasil, Capital Ecológico, Uso e Conservação”. Português. Pp. 748. 3ª Edição. Escrituras Editora. São Paulo, Brasil. ISBA: 85-86303-41-0; [2] ODUM, E. P. (1985). - “Ecologia Interamericana”. Português. Pp. 434. Rio de Janeiro; XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens 12 [3] ANDERSON, J. M, WHORISKEY, F. G., GEODE, A. (2000). - “Atlantic Salmon on the Brink”. Inglês. Pp. 15-21. Andangered Species Update. Volume 17, number 1; [4] USACE - U.S. ARMY CORPS OF ENGINEERS (2005). - “Columbia River Basin, Dams and Salmon, Factors in Salmon Decline”. Ingles. 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