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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
DENGUE, ZIKA E FEBRE CHIKUNGUNYA: A ABORDAGEM
SOCIOECOLÓGICA DE SAÚDE A PARTIR DE UMA QUESTÃO
SOCIOCIENTÍFICA
Liziane Martins (Universidade do Estado da Bahia – Campus X / PIBID/CAPES)
Grégory Alves Dionor (Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual de Feira de
Santana / CAPES)
Dália Melissa Conrado (Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual de Feira de
Santana)
Nei de Freitas Nunes-Neto (Universidade Federal da Bahia)
Resumo: Pesquisas, no âmbito da educação CTSA, vêm apontando a necessidade de se usar as
ferramentas de ensino de modo contextualizado com o cotidiano dos alunos, bem como a importância
de problematizar questões sociais, econômicas e históricas no ensino de ciências. A educação em
saúde, no ensino de ciências, tem sido cada vez mais relevante e prioritária para a formação de
indivíduos capazes de promover a saúde. Este artigo, de caráter teórico, discute como uma Questão
Sociocientífica (QSC) pode favorecer um Ensino de Biologia que possibilite a inclusão da abordagem
socioecológica de saúde. Para isso, apresentamos um importante tema de saúde e os aspectos
socioambientais envolvidos. Em seguida, apresentamos uma QSC sobre esse tema, com considerações
para sua aplicação no ensino médio.
Palavras-chave: Educação em Saúde; Educação CTSA; Ensino de Biologia; Aedes aegypti.
1 INTRODUÇÃO
Com o aumento dos casos de microcefalia, no Brasil, problemas de saúde recorrentes
dos períodos chuvosos ganharam destaque da mídia e da população, visto que essa doença
passou a ser associada ao vírus Zika. O vetor deste vírus, o mosquito Aedes aegypti,
responsável também pela transmissão da dengue e da febre Chikungunya, se tornou, então, “o
grande vilão” da saúde pública. Devido a isto, uma inquietação com estas doenças foi
instaurada nos serviços de saúde, principalmente pelo aumento do número de notificações,
tomando grandes proporções no que tange à preocupação de toda a sociedade. Uma
mobilização para o combate aos vírus da Zika, da Dengue e da febre Chikungunya tomou
conta de toda a população e o contexto escolar não se eximiu de sua responsabilidade.
Frente a esse cenário, e à importância de se preparar o cidadão para lidar com
problemas socioambientais como os mencionados acima, é relevante indicar a Educação em
Saúde (ES) como um meio de se incluir no Ensino de Biologia discussões dessa natureza.
Todavia, não podemos perder de vista que estudos apontam que as escolas precisam adotar
em suas práticas pedagógicas uma visão mais abrangente de saúde, evitando um foco limitado
principalmente à prevenção de doenças, não a caracterizando apenas como imagem oposta à
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da doença, discutindo a saúde a partir de uma perspectiva mais dinâmica e abrangente do que
a partir de um modelo biomédico de saúde. Dentre as formas de se pensar essa discussão mais
abrangente está a abordagem socioecológica de saúde (BRASIL, 1997; FERREIRA;
DIONOR; MARTINS, 2013). Desse modo, vê-se a necessidade de se avaliar as implicações
de se inserir estratégias e materiais instrucionais que não só discutam os pressupostos teóricos
e práticos da saúde numa perspectiva mais integradora, mas que visem o aprendizado de
forma crítica, reflexiva e empoderadora.
Na abordagem socioecológica, o que determina a saúde dos indivíduos e/ou
comunidades são suas reações frente às condições de risco ambientais, psicológicas, sociais,
econômicas, biológicas, educacionais, culturais, trabalhistas e políticas (HOYOS, OCHOA;
LONDOÑO, 2008). Nesse sentido, o compromisso de promover a saúde não é apenas com
ações de saúde individuais, mas, também, coletivas (e muitas vezes políticas).
Entretanto, na educação, as discussões são focadas sob uma abordagem biomédica,
que pressupõe o significado de saúde como ausência de doença (e encontra uma elaboração
mais cuidadosa em Christopher Boorse [1975, 1977]), sendo esta a visão predominante na
qual se baseia para quaisquer ações relacionadas à saúde do indivíduo. Ou seja, enquanto a
abordagem biomédica se ocupa, sobretudo, de uma visão negativa do processo de saúde (que
seria o enfoque na doença), a socioecológica busca ultrapassar esses limites, considerando a
saúde como a presença de um estado de capacidades e funcionalidades humanas positivas, em
pensamento, sentimento e comportamento (KEYES, 2007). Por essas características, essa
abordagem é mais consonante com os alicerces dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) e da OMS.
Diante deste cenário, da Educação em Saúde, é necessária a adoção de técnicas e
métodos de ensino que possam viabilizar uma discussão do processo de saúde e doença, a
partir de uma visão abrangente, incluindo dimensões sociais, culturais, históricas etc. Para
isso, é importante considerar a necessidade de uma aprendizagem mais ampla dos conteúdos,
considerando suas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais.
Para Conrado e Nunes-Neto (2015), inspirados em Zabala (1998) e Coll et al. (1992),
a dimensão conceitual traz o arcabouço epistemológico, ligado à compreensão dos conceitos e
princípios, bem como o entendimento de evidências e fatos; a dimensão procedimental tem
um caráter metodológico, abordando atividades que necessitam do domínio de procedimentos,
métodos e técnicas; já a atitudinal refere-se aos aspectos axiológicos, principalmente no que
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diz respeito às atitudes, aos valores e às normas referentes a situações que necessitam de um
juízo moral, abordadas por meio de contextos que estimulam reflexões sobre os elementos
éticos e políticos da atividade científica.
A importância de tratar a ES nesta perspectiva está, portanto, na possibilidade de que,
a partir dos processos de ensino e aprendizagem de temas que despertam o interesse dos
estudantes, como a temática Saúde, estes possam desenvolver a sua autonomia para usar o
conhecimento de forma crítica e reflexiva em suas vidas (VENTURI; PEDROSO; MOHR,
2013), tendo a capacidade de relacionar as mais diversas situações do seu cotidiano com os
determinantes de sua própria saúde e os vários fatores da sociedade (socioeconômicos,
ambientais, culturais, entre outros). Como exemplo, citamos a capacidade de refletir sobre os
impactos causados pelo destino inadequado do lixo para a proliferação de mosquitos, ou que
políticas públicas insuficientes ou deficientes, para o atendimento da população em relação à
prevenção e ao tratamento de certas doenças, repercutem socialmente com a emergência de
uma epidemia, por exemplo, provocada por vírus da Dengue, da Zika ou da febre
Chikungunya.
Para isso, conta-se com ferramentas que podem auxiliar na inclusão de questões
sociais e ambientais nos assuntos vinculados ao Ensino de Biologia, podendo isso ser
possível, por exemplo, através de várias estratégias de ensino, em especial ao ensino por meio
de Questões Sociocientíficas (QSCs). Neste contexto, as QSCs são importantes, pois,
geralmente, trazem debates com mais destaque para a sociedade atual, o que favorece o
diálogo e a discussão; além disso, elas exigem do estudante a construção de conhecimentos e
o desenvolvimento de capacidades para pensar criticamente sobre soluções para problemas
atuais de sua realidade, a partir de discussões e reflexões sobre interesses e necessidades que
orientam o desenvolvimento científico e tecnológico, consequências sociais e ambientais da
atividade científica, além de questões morais e éticas relacionadas com a QSC (HODSON,
2013; MARTÍNEZ-PÉREZ et al., 2011; ZEIDLER; NICHOLS, 2009), incluindo os assuntos
vinculados à saúde e seus vários determinantes.
A relevância de utilizar as QSCs para tratar a ES no ensino de ciências está, portanto,
na possibilidade de que, a partir de temas sociais controversos, relacionando-os com
conhecimentos científicos da atualidade, desperte-se o interesse dos estudantes para a
temática Saúde, possibilitando que estes possam aprender conteúdos científicos e também
desenvolver habilidades, valores e atitudes para participar ativamente de ações que melhorem
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as condições de vida para indivíduos, sociedades e ambientes (BENCZE; ALSOP, 2009;
MARTÍNEZ-PEREZ; CARVALHO, 2012; MARTINS et al., 2015). Assim, terão a
capacidade de relacionar as mais diversas situações do seu cotidiano, como os determinantes
de sua própria saúde, e outros vários fatores (socioeconômicos, ambientais, culturais, entre
outros).
A partir dessas discussões, fomentadas pela preocupação da população e das
autoridades governamentais, debater as implicações de doenças como Dengue, Zika e febre
Chikungunya na escola é essencial para os estudantes: entenderem todo o contexto enfocado
pela mídia atualmente acerca dessas doenças, bem como o cenário político envolvido e as
diversas causas da propagação de doenças desta natureza; refletirem sobre as consequências
socioeconômicas do grande número de casos registrados; e traçarem relações entre a atual
conjectura e os aspectos biológicos relacionados, incluindo consequências socioambientais.
Considerando o exposto, o presente estudo objetiva discutir como uma Questão
Sociocientífica (QSC) pode favorecer um Ensino de Biologia que possibilite a inclusão da
abordagem socioecológica de saúde, através do exame de um caso. Assim sendo,
apresentaremos a seguir uma breve discussão sobre os vírus associados a doenças de grande
visibilidade atualmente, transmitidas pelo A. aegypti, e os aspectos socioambientais
envolvidos. Esta seção é importante para contextualizar a QSC, sobre esse tema, apresentada
posteriormente. E, por fim, discutiremos as implicações da proposta abordada, com
considerações para sua aplicação no Ensino Médio.
2 ASPECTOS DA ABORDAGEM SOCIOECOLÓGICA NAS DISCUSSÕES SOBRE
DENGUE, ZIKA E FEBRE CHIKUNGUNYA
O aumento no número de casos de Dengue é alarmante, ocorrendo em mais de 100
países, arriscando cerca de 2,5 bilhões de pessoas a serem contaminadas tanto em áreas
urbanas como nas periurbanas e rurais dos países tropicais e subtropicais (BRAGA; VALLE,
2007). No entanto, o cenário nem sempre foi assim, já que, segundo as autoras, o Brasil
obteve êxito com a campanha de erradicação continental do Aedes aegypti, em 1955. Mas, em
1967, houve sua reintrodução e, seis anos depois, em 1973, foi eliminado o último foco e o
vetor, novamente, considerado erradicado do território brasileiro (BRASIL, 2002; NOBRE,
ANTEZANA; TAUIL, 1994).
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Todavia, segundo Braga e Valle (2007), em 1976, devido a falhas na vigilância
epidemiológica e mudanças sociais e ambientais decorrentes da acelerada urbanização, o
mosquito foi capaz de retornar ao Brasil. Desde então, o Ministério da Saúde tem
desenvolvido ações, como a elaboração de um Plano de Erradicação do Aedes aegypti
(PEAa), que visa combater o vetor, vigiar os portos, aeroportos e fronteiras, informar a
sociedade etc (BRASIL, 2001), sem muito sucesso. Isso porque, segundo Brasil (2001), a não
universalização e a descontinuidade das ações provocaram um aumento no número de doentes
e propagação deste mosquito.
Assim, as causas para os surtos de Dengue, nos últimos anos, são complexas, pois há
muitos aspectos, além da presença do Aedes aegypti infectado, que devem ser considerados
quando tratamos de uma doença como a dengue.
Tauil (2001) ressalta, ainda, que a reintrodução da dengue no cenário nacional não se
deve apenas pela presença do seu agente etiológico, o vírus do gênero Flavivírus, que é
transmitido pela picada do mosquito, mas, sim, por uma série de outras questões. Por
exemplo, o êxodo rural fez com que os problemas de habitação e saneamento básico das
cidades se agravassem. Assim, o abastecimento de água e a coleta de lixo mostraram-se
insuficientes e inadequados, gerando um aumento no número de criadouros potenciais do
vetor (TAUIL, 2001). Associado a essa questão, temos um aspecto econômico a considerar: a
produção industrial moderna produz em grande quantidade recipientes descartáveis, que são
cada vez mais consumidos, e a falta de destino adequado para esses materiais faz com que seu
descarte ocorra em locais inapropriados, contribuindo para a proliferação do mosquito.
Agrega-se a isto o aumento na produção e no consumo de automóveis, pois, segundo Gubler
(1997), por não haver um local adequado para o descarte dos pneus, principal criadouro dos
mosquitos vetores, estes se acumulam nas comunidades e contribuem para a disseminação da
doença.
Neste contexto, e sabendo que, atualmente, cerca de 70% dos municípios brasileiros
possuem notificações de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti (BRAGA; VALLE, 2007),
o cenário se agrava, por este ser, também, o vetor das doenças febre Chikungunya e Zika.
Estas últimas ganharam espaço na mídia devido a uma epidemia nos últimos meses, assim
como a relação entre o vírus Zika e os casos de microcefalia em recém-nascidos.
É importante considerar que as mudanças demográficas e a adoção de
comportamentos não saudáveis e que afetam o meio ambiente, como o consumismo, o
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descarte inadequado do lixo, o descuidado com o acúmulo de água em vasos de plantas e o
depósito de ferro velhos descobertos, bem como a redução de recursos humanos e financeiros
para o desenvolvimento de políticas públicas de educação e saneamento contribuem para este
contexto epidemiológico.
Suk e Semenza (2011) ressaltam que, além da atenção ao sistema público de saúde, é
necessário que reconheçamos que a globalização associada às mudanças ambientais, sociais e
demográficas podem favorecer o contágio dos indivíduos por vírus da Zika e da febre
Chikungunya. Isto pode ter se dado pelo desenvolvimento dos meios de transporte e
viabilidade de locomoção terrestre e aérea, o que possibilita um tráfego maior das pessoas
entre as regiões e, consequentemente, pode levar o vírus para locais, até então, sem casos de
doentes notificados.
Portanto, podemos perceber que discutir Dengue, Zika e febre Chikungunya, no
ensino de ciências, pode remeter a diferentes e variados aspectos (mais do que apenas
informações sobre os vírus, o vetor, os sintomas e os tratamentos), como propõe a abordagem
de saúde socioecológica, pois fatores geográficos, sociais, econômicos, políticos e ambientais
são determinantes para o surgimento e a disseminação destas doenças.
3 PROPOSTA DE UMA QSC PARA DISCUTIR SAÚDE A PARTIR DA
ABORDAGEM SOCIOECOLÓGICA
A seguir, apresentamos uma proposta de ensino baseada em uma QSC, aplicável ao
Ensino Médio e que pode mobilizar conteúdos de diversas áreas, pois as discussões sobre
Dengue, Zika e Chikungunya suscitam reflexões sobre diversas questões, como:
epidemiológicas e socioeconômicas, como o papel desenvolvimento urbano na incidência da
doença (História e Geografia); a influência política e dos meios de comunicação de massa na
produção, no consumo e no descarte de materiais e consequências socioambientais
(Sociologia e Meio Ambiente); os conceitos de saúde e doença, função e mal função, assim
como questões éticas da prática médica (Filosofia); aspectos médico-hospitalares e
farmacológicos (Saúde); aspectos ambientais e anatômico-fisiológicos das doenças
(Biologia); modelagem matemática para a compreensão da dinâmica de disseminação da
doença nos indivíduos e o comportamento da população do vetor (Matemática); educação
popular e educação sanitária (Educação), dentre outras.
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Apesar da relevância desses múltiplos olhares, este trabalho se restringe a duas das
áreas mencionadas acima: Saúde e Biologia. Para tanto, estabelecemos alguns objetivos de
aprendizagem (COLL et al., 1992; ZABALA, 1998) conceituais (C); procedimentais (P); e
atitudinais (A), para o Ensino de Biologia, que podem ser planejados e desenvolvidos a partir
da aplicação dessa proposta de ensino baseada em QSC. Inserimos códigos de cada objetivo
entre parênteses, para facilitar a posterior menção a eles, em questões sugeridas para a
abordagem da QSC em sala de aula. Posteriormente, no Quadro 01, apresentamos uma
proposta de ensino baseada em QSC sobre Dengue, Zika e febre Chikungunya, em formato de
caso.
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Discutir dados numéricos de novos casos dessas doenças no mundo (C1);
Reconhecer as influências ambiental e comportamental no surgimento e na
disseminação da doença (C2);
Caracterizar Dengue, Zika e Chikungunya, para identificar os sinais e sintomas e as
características anatômicas e fisiológicas relacionadas às patologias, bem como formas
de tratamento e controle da doença (C3);
Compreender a abordagem socioecológica da saúde e seus princípios teóricos, por
meio da percepção da variedade de condicionantes que influenciam a saúde individual
e coletiva (C4);
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Compreender, a partir de conceitos e princípios teóricos da ecologia, como fatores ecológicos
influenciam a saúde individual e coletiva (C5);
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Levantar bibliografia que aborda as principais doenças ocasionadas por vírus
transmitidos pelo Aedes aegypti (P1);
Analisar o perfil socioeconômico dos indivíduos em relação com a situação-problema,
associando com os problemas de desigualdade social no Brasil (P2);
Elaborar um quadro comparativo dos sinais e sintomas das três doenças (P3);
Investigar a influência do contexto sociocultural para a manutenção de práticas de
prevenção das doenças (P4);
Avaliar dados epidemiológicos, para discutir se há (ou não) um controle da doença
atualmente (P5);
Listar ações colaborativas para reduzir o risco de contaminação e disseminação dessas
doenças (P6);
Sensibilizar-se sobre a importância de ações individuais e seus reflexos na
comunidade, de modo a reduzir ao máximo os focos de propagação das doenças (A1);
Refletir sobre as causas da falta de investimento nas pequenas cidades, as
consequências das mudanças nos cenários político e econômico, e as formas de se
utilizar os recursos naturais (A2);
Discutir criticamente os valores subjacentes ao poder público e privado, com ênfase
sobre os aspectos políticos, econômicos e sociais, na promoção de saúde local (A3);
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Conhecer e avaliar criticamente as legislações relacionadas com a proteção dos leitos
dos rios e ocupação urbana (ver, por exemplo, leis que tratam sobre as sanções penais
e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, as
normas gerais sobre a proteção da vegetação, a exploração florestal etc.) (A4);
Discutir valores morais, interesses e ideologias presentes nos discursos
(principalmente nos meios de comunicação de massa) e práticas (principalmente nas
políticas públicas e ações coletivas) de combate e de prevenção a essas doenças (A5);
Empoderar-se para exigir políticas públicas de promoção da saúde e de prevenção e
tratamento das doenças (A6).
Quadro 01: Caso sobre Dengue, Zika e febre Chikungunya, para a abordagem da
QSC sobre o tema em sala de aula.
O Parque de entretenimentos ou desentendimentos?
“A crise chegou no interior!” Era a manchete no folheto que convocava os representantes
comerciais da cidade Nova Colônia para discutirem e buscarem uma possível solução para a
queda de empregos e lucros da região.
Nos arredores da cidade, corre o Rio Ouro Azul que, apesar de não ser muito utilizado para a
pesca, devido a pouca quantidade de peixes, sempre foi visto como local de lazer e diversão para
os moradores da cidade de Nova Colônia e as circunvizinhas.
Os micro e pequenos empresários, como os pais de Pedro, que são os principais
movimentadores da economia local, consultaram a associação de moradores e a prefeitura sobre
a possibilidade de construir um complexo de lazer, aproveitando a área dos arredores do rio. O
planejamento previa uma área para prática de esportes, parque infantil, uma praça de
alimentação, quiosques com pequenas lojas, área de ciclismo e caminhada, e trilhas ecológicas.
A prefeitura se comprometeu em acrescentar o parque na rota da coleta de lixo, da vigilância
sanitária e divulgá-lo como ponto turístico da cidade.
Entretanto, devido ao baixo orçamento disponibilizado pelos empresários para a construção
do complexo de lazer, foi necessário reutilizar alguns materiais: na tentativa de criar um
marketing acerca da preocupação com o meio ambiente em torno do parque, utilizaram centenas
de pneus usados em toda a construção, desde a divisória das áreas até os bancos das praças.
Em pouco tempo, o Complexo Ecológico de Lazer Ouro Azul tornou-se atração local e ponto
turístico da cidade, alavancando o comércio da microrregião e mobilizando grande parte da
população, visto que este Complexo se tornou a principal atividade econômica da cidade. Ele
emprega cerca de 100 funcionários, dentre eles os pais de João, e disponibiliza 15 quiosques para
os vários comerciantes venderem ali seus produtos (lanches, roupas de praia, artesanatos etc.).
Além disso, a área em torno do parque passou a se desenvolver, formando um novo bairro,
atraindo novos comerciantes e moradores em apenas um ano de funcionamento. A família de
Mariana foi uma das que se instalaram próximo ao parque.
Nove meses depois, um surto de Dengue, Zika e Chikungunya assolou o país e
principalmente as cidades menores, como Nova Colônia, não estavam preparadas para atender a
demanda pelo serviço de saúde, no caso de uma endemia. A irmã de Mariana começou a
apresentar manchas vermelhas no corpo, nos primeiros dias, sem febre e com pouca dor nas
articulações. Outros casos na vizinhança começaram a aparecer.
A população local se mobilizou e muitos começaram a pedir que o parque fosse desativado,
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para a realização de adaptações e outras medidas necessárias com vistas a evitar um possível
aumento no número de mosquitos na cidade.
Preocupados com a situação, João, Pedro e Mariana iniciaram uma discussão sobre o assunto
na hora do recreio, que se estendeu durante a aula de Biologia.
Pedro: - Eu sei que esse vírus está atingindo muita gente, mas sou a favor da manutenção do
parque aberto. Não tem nada lá que possa propagar essas doenças e é um espaço super legal pra
correr, brincar, comer e encontrar os amigos.
João: - Apesar de eu discordar de Pedro, pois o parque tem aqueles pneus velhos e vem gente
de tudo quanto é lugar, o fechamento do parque prejudicará muitas pessoas, incluindo minha
família.
Mariana: - Vocês só estão pensando em si mesmos! Vocês não moram próximo ao parque e
não tem ninguém doente em casa. O povo só quer aproveitar, mas na hora de limpar e preservar
o parque, cada um se protege em sua casa e ninguém se importa com o espaço público.
- Ouvindo a conversa, a professora pergunta: Vocês concordam ou não com Pedro, João e
Mariana? O que podemos fazer para evitar propagação do vírus e do vetor? E o parque deve ou
não ser fechado?
Abaixo, no Quadro 02, indicamos algumas questões específicas (que podem ser
compreendidas como questões norteadoras) sobre a situação-problema para serem discutidas
em sala de aula e que podem direcionar o estudo sobre o tema da QSC de acordo com a
abordagem socioecológica de saúde. Para explicitar a relação dessas questões com os
objetivos de aprendizagem C, P, e A, acima mencionados, apresentamos, ao final de cada
questão, os códigos referentes a eles.
Quadro 02: Questões relacionadas ao caso “O Parque de entretenimento ou
desentendimentos?” para a discussão sobre o tema da QSC.
1. Quais são as regiões do mundo mais afetadas por essas doenças? (C1)
2. Que condições ambientais e culturais dessas regiões favorecem a proliferação dessas doenças?
(C2, C4, C5, A1, A3)
3. Quais as principais características (sinais e sintomas) dessas doenças? Como diferenciá-las? (C3,
P1 e P3)
4. Que aspectos individuais e coletivos influenciam no surgimento e na disseminação da doença?
Qual a natureza desses aspectos (ambientais, psicológicos, políticos, sociais, econômicos etc.)?
(C4, C5, P4, A1 e A3)
5. Essas doenças são causadas pelo grupo dos arbovírus. Quem são os arbovírus e quais outras
doenças são ocasionadas por este grupo? (P1)
6. Você concorda com as justificativas de Pedro e João para manter o parque aberto? Justifique.
(C2, C5, P2 e A3)
7. Qual sua opinião sobre os argumentos de Mariana sobre o uso de espaços públicos? (C2, C5, P2 e
A3)
8. Se você fosse Mariana, quais seriam suas justificativas para o fechamento do parque? (C2, C5,
P2, A1 e A3)
9. A mídia tem relatado que a Zika, a Dengue e a febre Chikungunya se tornaram um problema de
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saúde pública mundial. Você concorda? Por quê? (P5 e A5)
Se o parque permanecer aberto, que medidas poderão ser tomadas para evitar a contaminação das
pessoas e a disseminação dessas doenças? (P6 e A1)
Quais seriam as consequências para a comunidade, caso o parque seja interditado? (A2 e A3)
Você acha que a criação do Parque foi a ideia mais viável para a situação de crise da cidade?
Justifique. (A2 e A3)
Se o Complexo Ecológico de Lazer Ouro Azul fosse construído a 60m de distância do leito do rio
Ouro Azul, e, sabendo que o rio possui cerca de 30m de largura, o parque obedeceria às atuais
normas de proteção ambiental? Quais as implicações do desmatamento das matas ciliares? (C2,
C4, A3 e A4)
Qual a relação da divulgação, pelos meios de comunicação, por um lado, da importância de se
adotar comportamentos de prevenção individual e coletiva à criação de mosquitos, e, por outro
lado, do incentivo ao consumismo individual a bens de uso particular? (C4, P4 e A5)
Quais as formas de combate que existem hoje para reduzir o número do mosquito? Quais desses
métodos estão associados ao consumo de técnicas ou tecnologias que geram problemas
socioambientais? (P4, A2, A3 e A5)
Se você fosse um morador da vizinhança do parque, que ações você poderia elaborar para exigir
dos governantes de Nova Colônia e dos gestores e empresários do parque para que tomem
providências na prevenção, no controle e no tratamento da comunidade no caso de um possível
surto dessas doenças? (C3, C5, P2, P4, P6, A1, A3 e A6)
As questões sugeridas para serem utilizadas durante o estudo da QSC poderão ser
adaptadas a depender da forma como o professor pretenda utilizá-las (levando em conta todos
os fatores contextuais relevantes, como conhecimentos prévios, tratamento dos conteúdos
relacionados ao tema, sistematização da aula, tempo disponível etc.). Sugerimos, também,
utilizar a QSC juntamente com atividades que visem debates entre os estudantes e
posicionamento justificado sob diferentes pontos de vista. É importante destacar que questões
adicionais poderão ser necessárias, de modo a conduzir a aula, a partir das discussões
propostas pelos estudantes e dos objetivos de ensino pretendidos pelo professor.
Por fim, a partir da proposta apresentada acima, ao considerarmos a abordagem das
dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais dos conteúdos, a partir do uso de QSCs,
poderemos viabilizar, além da aprendizagem de conceitos (associados, por exemplo, à
fisiologia humana, à zoologia, à saúde e à ecologia); o desenvolvimento do raciocínio crítico;
o debate fundamentado; a reflexão sobre valores, interesses e ideologias das sociedades; e a
prática de virtudes, como respeito a diferentes opiniões, responsabilidade e solidariedade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo discutiu as possibilidades se realizar uma Educação em Saúde pautada na
abordagem socioecológica, a partir do uso de uma QSC, articulando três pontos principais: (i)
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assuntos típicos do currículo de Biologia, como os vírus; (ii) temas de relevância atual, a
exemplo de dengue, febre Chikungunya e Zika; e (iii) discussões mais abrangentes de saúde,
incluindo aspectos econômicos, sociais, políticos, ambientais, culturais etc.
A inclusão de discussões mais abrangentes na Educação em Saúde, a partir do uso de
QSCs, é condizente com a abordagem socioecológica de saúde, e visa promover diálogos
entre conteúdos científicos e o contexto socioeconômico e ambiental no qual os indivíduos
estão inseridos, estimulando a capacidade crítico-reflexiva dos alunos, por meio de temas
atuais ligados ao contexto dos estudantes, o que consideramos fundamental para uma melhor
formação e atuação dos estudantes a favor de melhores condições de saúde, tanto individuais,
quanto coletivas e ambientais. Desse modo, o aprendizado do conteúdo científico não fica
limitado à memorização de seus conceitos, mas é expandido para sua aplicação no cotidiano,
juntamente com uma melhor compreensão sobre a natureza da ciência e da tecnologia, ao
incluir discussões sobre interesses e valores inerentes à atividade científica, e sobre suas
conexões com a sociedade e o ambiente.
Diante do agravamento das questões de saúde, como as discutidas aqui, é importante
que a educação, e seus diferentes agentes, se posicionem critica e ativamente, buscando – a
partir do conhecimento científico, mas também provenientes de outras áreas – ações para, ao
menos, mitigar as causas de tais problemas. Esperamos que o presente trabalho possa ser útil
para mais discussões sobre os arbovírus e os aspectos socioecológicos da saúde na ES, entre
outros assuntos; e, a partir disso, possibilitar aplicações em salas de aula de biologia.
REFERÊNCIAS
BENCZE, L.; ALSOP, S. Ecojustice through responsibilist Science Education. In: Annual
Conference of the Canadian Society for the Study of Education, Ottawa, 2009.
BOORSE, C. On the distinction between disease and illness. Philosophy and Public Affairs,
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