MÉDICOS NO EGITO DOS FARAÓS Prof.Dr.HC João Bosco Botelho No Egito antigo, os médicos constituíam um grupo de especialistas reconhecidos com destaque social, hierarquizados, pagos pelo faraó, inseridos nas estruturas do poder político e trabalhavam sob rigoroso controle administrativo: sounou, o médico generalista, o último da escala hierárquica, essa palavra também significa: doente, homem que trata quem tem dor e se interessa por quem sofre. É representada pelo hieróglifo unindo a flecha, o pote e um homem sentado; mer sounou, chefe dos médicos; our sounou, grande médico; senedj sounou, inspetor dos médicos. Junto a essa hierarquização, de certo modo, semelhante aos dias atuais, estão claramente descritos: per âa sounou, o médico da corte; sounou grergetl, o médico das colônias; hérishef Néknet, o médico das minas e dos templos. As doenças eram reconhecidas como castigo de um ou mais deuses. Entre os mais temidos se destacava Sekhmet, com cabeça de leão, sanguinário, causador de doenças e epidemias. O acesso à formação de médicos, nos templos mais importantes, era exclusivo aos ricos e poderosos. É esclarecedora a carta de Uzahor-Resinet, médico-chefe do Egito ao rei persa Dario I: “Sua Majestade, o rei Dario I, senhor de todos os países e do Egito, encontrava-se em Elam, ocasião em que me ordenou que fosse a Saís, no Egito. Tinha ordens para restabelecer as casas de vida que estavam em decadência. Fiz conforme me ordenara Sua Majestade… enchi as casas de estudantes nascidos das famílias nobres, não havia filhos de pobres em seu meio. Coloquei à sua frente homens sábios… Sua Majestade me ordenou que providenciasse para eles tudo que houvesse de melhor, para que estivessem em condições de aprender e de trabalhar. Provi tudo o que era necessário, inclusive todos os instrumentos, de acordo com os registros de tempos idos. Sua Majestade assim procedeu por reconhecer o proveito que se tirava desta arte, conservando a vida a todos os aflitos… e por isso fez reconstruir seus templos e restaurar suas receitas. A profissão médica era administrada pela administração do faraó que impunha severas punições à má prática. Como o deus Sakhmet era o mais importante no panteão relacionado às curas, os sacerdotes desses templos eram os mais requisitados pelos ricos e poderosos. De modo bastante claro existia forte inter-relação entre as medicinas praticadas pelos médicos e as dos sacerdotes: wabu, atuavam sob a proteção de um ou mais deuses; sunu, curadores que não estavam vinculados aos templos e deuses; benzedores, sem instrução médica oficial e agiam munidos de amuletos, rezas e encantamentos. É possível que a presença dos médicos especialistas, descrito por Heródoto, tenham sido resposta social às doenças mais comuns: oftalmologistas ou sounou-irty; abdome ou sounou-khe; ânus ou nerou pehout ou nerihou phout. Como não há registro de sistema monetário antes do Novo Império, é possível que a remuneração dos médicos fosse feita por meio de alimentos como indica o papiro achado junto à necrópole de Ramsés II: dois khars (unidade de medida) de grãos aos dois escribas, três khars ao comerciante e um khar ao médico. A intricada relação entre os médicos e sacerdotes está clara na certeza de que muitas escolas de medicina estavam situadas no templos mais importantes como os de: Menphis, Abydos, El Amarna, Coptos, Esna, Edfou e Saïs. O diretor da escola médica de Saïs e o líder sacerdotal da deusa Neith, a principal divindade dessa cidade usavam a mesma titulação. DEUSAS E DEUSES CURADORES NO EGITO ANTIGO Prof. Dr. HC João Bosco Botelho É possível que as complexas relações abstratas que envolveram deuses e deusas curadoras nas curas de doenças e infortúnios estivessem presentes antes da linguagem escrita. Após o sedentarismo, as primeiras linguagens-culturas, como a do Egito antigo, ampliaram essas idéias mantendo vivo ao longo de três mil anos o panteão de deusas e deuses curadores. Os nomes das divindades variaram nos períodos dinásticos, todavia as concepções teóricas da vida e da morte, da saúde e da doença, giravam em torno das teogonias e teofanias, provavelmente, oriundas de idéias e crenças religiosas dos tempos ágrafos. As máscaras mortuárias, como a de Tutancâmon, de beleza artesanal incomparável, com o objetivo de conservar a fisionomia após a morte, relacionada com a crença no renascimento, reproduziu prática corrente em muitas culturas, em especial, na história do povo egípcio. Os deuses e deusas eram, essencialmente, curadores e protetores contra o mal. Como intermediários do poder divino, os sacerdotes representavam o panteão e a eles cabia a arte de curar e adivinhar. Por essa razão, reverenciados e temidos. Entre os principais deuses e deusas, destacaram-se: – Thoth, um dos mais antigos do panteão, curou Horus da picada do escorpião e as feridas causadas pela luta entre Horus e Set; – Imnhotep, filho de Ptah, representado por incontáveis estatuetas de bronze, achadas nas escavações arqueológicas de vários períodos políticos do Egito antigo; – Isis, a curadora de Ra, possuía o poder de ressuscitar os mortos; ` – Sechmet, a protetora das doenças das mulheres; – Zoser, rei da terceira dinastia, utilizava nas correspondências a designação Sa ou aquele que cura e nas inscrições do templo o título de médico divino. Além dos deuses e deusas, os egípcios acreditavam que objetos, tornados sagrados, tinham o poder de influenciar a vida e a morte, a doença e a saúde: – Sol alado: símbolos da cosmogênese e situava-se no umbral dos pórticos dos templos, câmaras e palácios alertando a todos o extraordinário significado da luz solar; símbolo – Kepher ou Akhpner ou escaravelho sagrado: máximo dos ritos de iniciação, traduzindo a regeneração e paternidade do mundo e dos homens, a renovação da vida e a vida após a morte. Por essas razões, usado como amuletos. Até hoje, em pequenas regiões do sul do Egito e Sudão oriental, o inseto é secado ao sol, triturado, misturado com água e bebido pelas mulheres como tônico infalível para gerar uma grande família; – Uaret: a serpente naja simbolizando o conhecimento e proteção, adornanva o alto da coroa faraônica; As práticas médicas atadas aos deuses e deusas curadores desfrutavam de lugar especial na sociedade egípcia antiga. Dessa forma, não é possível estabelecer, para todos os períodos, um único entendimento, contudo, a partir das fontes médicas, notadamente, nas da XVIII dinastia, isto é, entre 1.400 e 1.800 anos a. C., dominou a idéia de o homem (ser vivente) ser compreendido dividido em três partes: corpo, espírito (representado na forma de pássaro, associado à possibilidade de se descolar após a morte para visitar a múmia) e Ka (parte imutável com personalidade própria que reside no homem, presença permanente durante a vida e após a morte). Assim, sob essa relação, onde a vida e a morte estavam em ordenamento próximo, como etapas sucessivas, a Medicina era entendida como responsável pelos corpos saudáveis, empurrando temporariamente a morte inevitável.