“Sóbombasnãoestãofuncionando”

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Entrevista
Mohamed Arafa
Professor de Direito Criminal da Universidade de
Alexandria (Egito) e de Direito Islâmico na Robert H.
McKinney School of Law, da Universidade de Indiana (EUA)
RODRIGO LOPES
[email protected]
O que motiva jovens muçulmanos de cidades
europeias a se radicalizarem, viajarem para a Síria e o
Iraque, integrarem-se às hordas do Estado Islâmico
para um dia voltar pra casa e cometer atentados
suicidas? A pergunta, que intriga políticos e agentes
de inteligência mundo afora, é parte da solução para
o problema do terrorismo no século 21, na opinião do
pesquisador egípcio Mohamed Arafa. Das periferias
de Bruxelas, por exemplo, saíram terroristas que
cometeram atentados como os de Paris, em novembro, e
da própria capital belga, em março. Professor de Direito
Criminal da Universidade de Alexandria, no Egito, e
de Direito Islâmico na Robert H. McKinney School of
Law, da Universidade de Indiana (EUA), Arafa esteve
em Porto Alegre para palestras em cursos de Relações
Internacionais na PUCRS e na UFRGS. Na entrevista
a seguir, ele fala sobre os desafios do radicalismo, a
islamofobia e como derrotar o Estado Islâmico.
FERNANDO GOMES
“Só bombas não estão funcionando”
Atentados como os de Paris e Bruxelas
significam que o Estado Islâmico transferiu o
front da guerra para a Europa?
Todos esses grupos (extremistas) têm a mesma
ideologia, uma visão muito restrita da religião. Os
muçulmanos, em geral, condenam ataques como os
de Paris, em novembro, ou contra Charlie Hebdo,
contra cristãos em Lahore, enquanto celebravam
a Páscoa. A maioria dos muçulmanos acredita
na fé cristã ou na fé judaica, porque, se você não
acredita nesses credos, você não é considerado um
muçulmano. É parte da fé islâmica acreditar nos
livros cristãos, na Bíblia, ou na Torá judaica. Mas
muitos desses grupos extremistas tentam manipular
ou explorar a interpretação do Alcorão. O termo
jihad, por exemplo, significa que você tem de fazer
algo bom para toda a sua comunidade. Estudar
profundamente significa fazer uma jihad. A maioria
no Ocidente pensa que jihad significa lutar contra os
que não acreditam no Islã. Não é verdade.
É estratégia do EI fazer com que os europeus
pensem que cada refugiado é um terrorista?
Pode ser. Mas não penso que os governos
europeus vão aceitar esse tipo de estratégia.
Esses governos sabem diferenciar quem é ou não
terrorista. Há 1 milhão de refugiados na Europa,
islâmicos, que chegaram à Alemanha, Holanda,
Itália e não têm ligação com o terrorismo. Algo
preocupante está acontecendo na campanha
eleitoral americana. Donald Trump e Ted Cruz,
caso um deles se torne presidente, prometem
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ZERO HORA SÁBADO E DOMINGO, 4 E 5 DE JUNHO DE 2016
banir os muçulmanos. É uma visão radical,
extremista. Ted Cruz não disse isso diretamente.
Mas Donald Trump disse.
O que países como França e Bélgica podem
fazer para evitar que o discurso do Estado
Islâmico atraia os jovens?
Os governos europeus, especificamente Bélgica e
França, têm de focar na questão social e na educação
dessas pessoas. É preciso olhar a raiz do problema.
Questionar por que temos esse tipo de terrorismo?
A pobreza é uma das causas. Outras são violações de
direitos humanos e desemprego.
Esses jovens não se sentem inseridos na
sociedade europeia.
É um problema não só na Europa. No Oriente
Médio, está espraiado por vários países. Você vê
pobreza, desemprego, governos ditatoriais, violações
de direitos humanos. Esses governos não têm que
focar apenas na questão da segurança. Sobre os
jovens, os governos da Europa, dos EUA e até da
América Latina precisam aprender como conversar
com essas pessoas. Olhar os problemas, por que os
jovens estão se engajando nesses grupos extremistas?
Seria bom que se fizesse isso. E não se pode
discriminar os jovens muçulmanos, falar em direitos
humanos no Oriente Médio se você tem o caso da
França, por exemplo, que proibiu mulheres islâmicas
de usarem o véu.
Como acabar com o Estado Islâmico?
Não se trata apenas de um problema para o
Ocidente, mas todo o mundo precisa se unir para
derrotar esses grupos. Em algumas situações, as
principais vítimas são muçulmanos. Veja o caso
da Irmandade Muçulmana no Egito. Eles têm
matado muçulmanos. Se alguém não segue a
ideologia deles, eles não distinguem muçulmanos
de não muçulmanos. Os governos precisam
escutar cuidadosamente os problemas das
pessoas, especificamente nos regimes posteriores
à Primavera Árabe. O mundo precisa não apenas
se preocupar em aumentar a segurança. Precisa
resolver problemas como pobreza, desemprego,
garantir o exercício da liberdade de expressão
para todas as religiões. Só bombas não estão
funcionando.
Qual foi o principal erro dos EUA no Oriente
Médio depois da Guerra do Iraque? Eles não
perceberam a ascensão do EI?
O principal erro foi apenas um: apoiar
regimes ditatoriais no Oriente Médio. A
consequência disso foi o nascimento do Estado
Islâmico. Apoiar regimes ditatoriais significa
violação de direitos humanos, tortura, pobreza,
carência de educação, falta de liberdade de
expressão. Isso levou à implosão de regimes, foi
o que vimos na Primavera Árabe, na Tunísia, na
Líbia, na Síria, no Iêmen. O grande erro foi dos
EUA terem apoiado Mubarak (Hosni Mubarak,
ditador egípcio) por 30 anos ou Kadafi (Muamar
Kadafi, ditador líbio) por 40 anos.
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