Revista Ceciliana Jun 3(1): 40-44, 2011 ISSN 2175-7224 - © 2010/2011 - Universidade Santa Cecília Disponível online em http://www.unisanta.br/revistaceciliana RELATÓRIO DE CASOS POSITIVOS NOTIFICADOS DE DENGUE PELO VETOR AEDES AEGYPTI (DÍPTERA: CULICIDAE) NA REGIÃO DA BAIXADA SANTISTA/SP, ENTRE 1997 A JUNHO DE 2010 Catrine Brejk Mendes¹, Kleber Souza Costa² ¹Universidade Santa Cecília- Santos/SP - [email protected], ²Secretaria de Saúde (SESAU) São Vicente/SP Recebido em: 30/10/10 Aceito em: 10/02/11 Publicado em: 30/06/11 RESUMO Há mais de 200 anos vem se notificando enfermidades como a da Dengue nas Américas, a exemplo a Febre Amarela, ambas possuindo o mesmo vetor em comum, o mosquito Aedes aegypti. O combate a esta espécie no Brasil foi institucionalizado de forma sistematizada, no final do século XIX, quando diversas epidemias de febre amarela urbana ocorriam no país, levando o óbito milhares de pessoas. Na década de 50, o A. aegypti chegou a ser erradicado no país, mas retornou nos anos 80, e a partir de 1990 houve o agravamento e expansão do quadro epidemiológico, atingindo 184.064 casos no ano de 1999. No Estado de São Paulo, a transmissão da Dengue foi detectada pela primeira vez em 1987, e em 1999 registrou-se 15.082 casos, ocorrendo epidemia em diversas regiões do Estado, destacando-se as cidades de Santos, São José do Rio Preto, São Vicente, Cubatão e Guarujá, responsáveis por mais de 70% dos casos do Estado. Atualmente está em circulação no Brasil os 4 sorotipos do vírus (DEN-1, DEN-2, DEN-3, DEN-4). A Secretaria de Vigilância em Saúde registrou 447.769 casos notificados no primeiro trimestre de 2010 a nível federal, sendo a Região Metropolitana da Baixada Santista representada por 10.823 destes registros. Portanto, a Baixada Santista sendo uma das regiões do Estado de São Paulo em destaque nas ocorrências positivas de Dengue, torna-se importante à saúde pública o agrupamento e avaliação dos dados registrados na ultima década sobre a doença na Região. A partir da comparação dos dados entre os municípios, observando o aumento ou diminuição de infecções, entre os níveis endêmicos e epidêmicos, pôde-se analisar possíveis perspectivas de novos surtos epidêmicos na Baixada Santista, associando esta ascensão de casos positivos às mudanças climáticas nos últimos anos, temperaturas elevadas e grande nível pluvial, agregados ao fator antrópico, que possibilita a formação de criadouros e dispersão do vetor. Palavras-chave: Dengue; Aedes aegypti; Epidemia 1. Introdução A Dengue tem como agente transmissor um arbovírus pertencente à família Flaviviridae que inclui aproximadamente 70 vírus, sendo que cerca de 30 causam doenças ao homem. Alguns exemplos dessa família incluem os vírus da Febre Amarela, Encefalite do Nilo, Encefalite de St. Louis, Encefalite Japonesa e outras. São conhecidos quatro tipos imunológicos causadores de Dengue: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN4. Várias espécies de mosquitos do gênero Aedes podem servir como transmissores do vírus. No Brasil, duas espécies estão instaladas: Aedes aegypti, sendo este doméstico, e Aedes albopictus, silvestre. Atualmente, a Dengue é a arbovirose mais comum que atinge o homem (MS/FUNASA 2001). A observação ao aumento da variabilidade genética do vírus é de extrema importância porque as populações humanas estão sendo expostas a diversas cepas virais, e algumas podem escapar da proteção imunológica obtida com a exposição prévia a um dos sorotipos. (HOLMES e col. 1998). Entre os anos de 1995/2001, foram notificados à Organização Panamericana da Saúde - OPAS, entre os países das Américas, 2.471.505 casos, dentre eles, 48.154 da forma hemorrágica e 563 óbitos. No Brasil, foram registrados os sorotipos 1 e 2. Somente no ano de 2000 registrou-se o sorotipo 3 (PAHO 1995). E recentemente, em agosto deste ano, foi registrado a entrada do sorotipo 4 no Estado de Roraima. No Brasil, existem registros de epidemias de Dengue no Estado de São Paulo, que ocorreram nos anos de 1851/53 e 1916 e no Rio de Janeiro, em 1923. Entre essa data e 1980, a doença foi praticamente eliminada do país, em virtude do combate ao vetor A. aegypti, durante campanha de erradicação da febre amarela. Observou-se a reinfestação desse vetor Mendes e Costa, Revista Ceciliana Jun 3(1): 40-44, 2011 em 1967, provavelmente originada a partir dos países vizinhos (FRAIHA 1968). No decorrer da década de 80, foram registrados novos casos de Dengue nos Estados de Roraima, Rio de Janeiro, Alagoas, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Mato Grosso (PONTES e RUFFINONETTO 1994). No Estado de São Paulo, a Dengue foi incluída no rol das doenças de notificação compulsória, em 1986. Em 1987, foram detectados focos na região de Araçatuba, os quais foram controlados, mas em 1991 a mesma região alcançou seu pico epidêmico, confirmando as previsões de risco crescente de ocorrência da arbovirose (COSTA 1995). Em 1999, ocorreram epidemias em diversas regiões do Estado, aproximadamente cem municípios, entre as quais se destacavam Santos, São José do Rio Preto, São Vicente, Cubatão e Guarujá, responsáveis por mais de 70% dos casos do Estado (MS/FUNASA). Como se pôde observar, a doença tem apresentado caráter epidêmico e endêmico variado, com tendência agravante. As mudanças na dinâmica de transmissão da Dengue podem ser explicadas pela baixa prevalência do vírus até recentemente, quando houve maior disponibilidade de hospedeiros humanos. O aumento da concentração humana em ambiente urbano propiciou crescimento substancial da população viral. Entretanto, as alterações ambientais de natureza antrópica têm propiciado o deslocamento e/ou dano à fauna e flora, bem como o acúmulo de detritos e de recipientes descartáveis. Paralelamente, as mudanças nas paisagens têm promovido alterações microclimáticas que parecem ter favorecido algumas espécies vetoras, em detrimento de outras, oferecendo abrigos e criadouros. (HOLMES e col. 1998). O combate ao A. aegypti no Brasil foi institucionalizado de forma sistematizada, a partir do século XIX, quando diversas epidemias de febre amarela urbana ocorriam no país, levando à morte milhares de pessoas. Desde a criação do Serviço Nacional de Febre Amarela (SNFA), em 1946, diversos manuais e guias foram produzidos, com instruções para o controle do vetor. As normas não representam apenas mais uma revisão, mas, sobretudo, trazem importantes mudanças na forma, modelo e tecnologia de controle para erradicação do A. aegypti, tendo-se conseguido êxito por duas vezes. Entretanto, falhas na manutenção possibilitaram a ampla dispersão do vetor. Em 1996, na atual situação epidemiológica, o governo brasileiro aprovou a criação do PEAa (Plano de Erradicação do A. aegypti), com a colaboração da Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS. O Plano incorporou novas práticas e conceitos da erradicação e também princípios do SUS, como a descentralização da política e das ações de controle do vetor para Estados e Municípios, alterando o modelo vigente de gestão centralizada e verticalizada, de prestação de serviço segmentada por procedimentos e equipes específicas para cada doença (MS/FUNASA 2001). Sendo a Região Metropolitana da Baixada Santista uma das regiões do Estado de São Paulo em grande representatividade de casos positivos de Dengue, torna-se importante à saúde pública o agrupamento e avaliação dos dados municipais registrados na ultima década sobre a doença na Região. O presente trabalho visa à comparação dos dados ano-a-ano entre os municípios, avaliando o aumento ou diminuição de infecções na Região, e talvez assim, prever possíveis perspectivas de novos surtos epidêmicos na Baixada Santista, contribuindo também para a atualização de dados da SUCEN e dos Núcleos Municipais de Combate a Dengue. 2. Materiais e Métodos Neste estudo foram utilizados dados oficiais, reconhecidos pelo Ministério da Saúde, de notificações de casos positivos autóctones referentes aos municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista, localizada entre os litorais Norte e Sul do Estado de São Paulo. Compreende 9 municípios: Santos, Cubatão, São Vicente, Guarujá, Praia Grande, Bertioga, Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá, totalizando uma área com de cerca de 2444km² e uma população estimada em 1168428 habitantes (IBGE). Os dados foram disponibilizados pelo Controle de Vetores e Endemias (CVE), desde o ano de 1997 a junho de 2010. Os casos notificados são aqueles confirmados (clinica e laboratorialmente) como positivos em infecção, presença de vetor e foco de criadouros. A confirmação de focos é feita pelos agentes de saúde dos Departamentos de Combate a Dengue, que são preparados para informar a população, identificar e combater focos do vetor A. aegypti, e fazer o controle preventivo de possíveis criadouros. Confirma-se se o caso é autóctone a partir da positividade clínica das infecções registradas nos postos de saúde e hospitais. Então inicia-se o trabalho em campo dos agentes em busca dos criadouros. Um foco positivo é identificado através da coleta de larvas de mosquitos, feitas pelos agentes em campo, que são encaminhadas ao próprio Departamento e a SUCEN (Superintendência de Controle de Endemias) para análise e identificação taxonômica da espécie coletada. Confirmado o foco positivo, entra em ação o combate ao vetor e o controle preventivo dos criadouros. Estima-se que para caso notificado, existam outros 6 sem notificação, devido a falta ou rejeição de informação da população e ao precário serviço de saúde especializado oferecido. Os dados obtidos para este trabalho foram agrupados em tabelas e gráficos para análise comparativa do aumento ou diminuição de casos ao longo da década entre as cidades da Região, observando assim os períodos endêmicos e epidêmicos da doença. Com o informe sobre a Região também é possível uma comparação com o quadro de dados a nível Estadual e Federal, também cedidos pela CVE. 3. Resultados e Discussão Apresentam-se os dados ano-a-ano, de 1997 a junho de 2010, dos 9 municípios que compreendem a Baixada Santista. Os dados foram agrupados na Tabela 1 demonstrando o número de casos autóctones em total/ano e total/cidade. Observa-se que o ano de 2002 foi o que apresentou o maior índice de notificações. O ano de 2010 tem seu índice oficial de notificações positivas, reconhecido pelo Ministério da Saúde, referente ao primeiro semestre do ano. Os números de casos, apenas nesse período (janeiro a junho), já ultrapassou o índice total do ano de 2002. Como mostra a Figura 1, até o ano de 2005 as principais cidades atingidas pelo vírus eram Santos, São Vicente, Praia Grande, Guarujá e Cubatão, que desde o princípio apresentam valores já expressivos, sendo o pico epidêmico da Região entre os anos de 2001 e 2002. Já em 2003, ocorreu queda vertiginosa, permanecendo um quadro endêmico, e a partir de 2006 todas as 9 cidades tiveram positividade de infecção. Observa-se a partir de 2009 um novo potencial ISSN 2175-7224 - © 2010/2011 Universidade Santa Cecília – Todos os direitos reservados. 41 Mendes e Costa, Revista Ceciliana Jun 3(1): 40-44, 2011 crescente de casos, onde o primeiro semestre de 2010 já apresenta número de casos superior ao total registrado no ano de 2009. Esta ascensão de casos positivos é provavelmente devido às mudanças climáticas ocorrentes nos últimos anos, freqüentes períodos de temperaturas elevadas e grande nível pluvial, agregado ao fator antrópico de grande produção e descarte de materiais inservíveis, possibilitando focos de criadouros e dispersão do vetor. Com a análise dos casos da Região, pôde-se agrupar também os casos a nível Estadual e Federal, como apresentados na Tabela 2, e observar uma correlação linear do pico epidêmico entre três níveis, entre os anos de 2001 e 2002, demonstrado no Figura 2. Nota-se a tendência de crescimento, também relacionado entre as três esferas, para a atual ocorrência entre 2009 e o primeiro trimestre de 2010. Para os níveis estadual e federal apenas se tem disponível dados oficiais de 2010 referentes ao período de janeiro a março. Em comparação, já se tem uma possível perspectiva de nova epidemia a nível extraordinário como ocorrido em 2001/2002, mas não oficialmente assumido pelos órgãos da Saúde. FRAIHA, H. Reinfestação do Brasil pelo Aedes aegypti. Considerações sobre o risco de urbanização do vírus da febre amarela silvestre na região reinfestada. Rev Inst Med Trop. São Paulo, 1968; 10(5): 289-94. GUBLER, D.J. Dengue and Dengue Hemorrhagic Fever: It's history and resurgence as a global public health problem, p1-22. In (ed.) Gubler D.J. and Kuno G. Dengue and Dengue Hemorrhagic Fever. (AB International, Wallingford, United Kingdom) 1997. HOLMES, E.C; BARTLEY L.M; GARNET G.P. The emergence of dengue past, present and future In: Krause RM, editor. Emerging Infectors; London: Academic Press; 1998. p. 301-25. [IBGE] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 18 Maio 2010 [on-line]: disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 > [MS/FUNASA] Ministério da Saúde/Fundação Nacional de Saúde, 29 Maio 2010 [on-line]: disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_te xto.cfm?idtxt=24845> 4. Referências [MS/FUNASA] Brasília Ministério da Saúde/ Fundação Nacional de Saúde Dengue instruções para pessoal de combate ao vetor: manual de normas técnicas. - 3. ed, rev. Brasilia, 2001. 84 p. BORGES, S.M.A.A. Importância Epidemiológica do Aedes albopictus nas Américas. São Paulo; 2001. [Dissertação de Mestrado – Faculdade de Saúde Pública da USP] [PAHO] - Organización Panamericana de la Salud. Dengue y dengue hemorrágico en las Américas: guías para su prevención y control. Washington, D.C.; OPS, 1995; vi, 110p. (Publicación Científica; 548). COSTA, A.I.P. Identificação de unidades ambientais urbanas como condicionantes da ocorrência de Aedes aegypti (Diptera Culicidae) e de dengue na cidade de São José do Rio Preto, SP, em 1995. São Paulo, 1995 [Dissertação de Mestrado - Faculdade de Saúde Pública da USP]. PONTES, R.J.S; RUFFINO-NETTO, A. Dengue em localidade urbana da região sudeste do Brasil: aspectos epidemiológicos. Rev Saúde Pública 1994; 28(3): 218-27. [CVE] – Centro de Vigilância Epidemiológica, 13 Agosto 2010 [on-line]: disponível em: <http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/zoo/dengue_d ados.html> [WHO] - World Health Organization. Dengue haemorragic fever Diagnosis, Treatment, prevention and control. 2nd edition; Geneva WHO; 1997. 5. Anexos Tabela 1. Número de casos autóctones confirmados nas cidades da Região da Baixada Santista entre 1995 a 06/2010 Bertioga Cubatão Guarujá Itanhaém Mongaguá Peruíbe P. Grande Santos S. Vicente Total/ ano 1997 0 0 1 0 0 0 0 893 7 901 1998 0 455 196 0 0 0 111 3996 808 5566 1999 0 758 850 0 0 0 111 4685 1936 8340 2000 0 34 5 0 0 0 35 50 12 136 2001 0 2507 2859 0 2 0 280 11325 3051 20024 2002 0 1027 1419 13 0 1 7577 10341 6611 26989 2003 0 40 180 3 0 0 100 925 157 1405 2004 0 32 24 2 2 0 18 511 786 1375 2005 8 111 295 0 1 3 109 1271 321 2119 2006 214 1005 2998 37 15 47 3633 2632 1753 12334 2007 22 264 44 1107 14 397 174 824 133 2979 2008 18 16 21 18 35 2 285 87 20 502 2009 11 12 105 0 17 2 53 139 58 397 29075 2010* 761 1626 9005 153 91 515 4703 8030 4191 Total/ Cidade 1034 7887 18002 1333 177 967 17189 45709 19844 Fonte de dados: (CVE) Centro de Vigilância Epidemiológica ISSN 2175-7224 - © 2010/2011 Universidade Santa Cecília – Todos os direitos reservados. 42 Mendes e Costa, Revista Ceciliana Jun 3(1): 40-44, 2011 Tabela 2. Número de casos autóctones confirmados na Baixada Santista, no Estado de São Paulo e no Brasil entre 1980 a 03/de 2010 (Panorama histórico) Baixada Estado de SP Brasil Santista 1980 0 0 0 1981 0 0 0 1982 0 0 11000 1983 0 0 0 1984 0 0 0 1985 0 0 0 1986 0 0 46309 1987 0 46 88407 1988 0 0 1570 1989 0 0 5357 1990 0 3038 40279 1991 0 3662 104399 1992 0 38 1696 1993 0 638 7374 1994 0 681 56691 1995 0 6048 137308 1996 0 7104 183762 1997 901 2040 249239 1998 5566 10630 507715 1999 8340 15082 184064 2000 136 3532 227957 2001 20024 51668 382480 2002 26989 39179 697998 2003 1405 20390 281005 2004 1375 3049 72481 2005 2119 5789 150827 2006 12334 53714 259514 2007 2979 92345 475496 2008 502 7355 585769 2009 397 9022 393583 2010* 10823 64375 447769 TOTAL 93890 399425 5600049 Fonte de dados: (CVE) Centro de Vigilância Epidemiológica Figura 1 - Dados de 1997 a junho de 2010 ISSN 2175-7224 - © 2010/2011 Universidade Santa Cecília – Todos os direitos reservados. 41 Mendes e Costa, Revista Ceciliana Jun 3(1): 40-44, 2011 Figura 2 - Dados 1997 a março de 2010 ISSN 2175-7224 - © 2010/2011 Universidade Santa Cecília – Todos os direitos reservados. 42