JUDEUS NAS CORTES REAIS PORTUGUESAS PROF. REUVEN FAINGOLD Em seu importante estudo de interpretação histórica sobre a participação dos judeus nas cortes reais da Espanha, o Prof. Haim Beinart analisou sinuoso trajeto percorrido por algumas personalidades judaicas de destaque, desde o período muçulmano até a expulsão do povo judeu das terras espanholas em 1492 1. Nas primeiras observações de seu trabalho, Beinart assinala: «Ao observar detidamente este fenômeno único em seu gênero —o dos cortesãos judeus na Espanha ou, para ser mais exato, o da existência de judeus de diversas origens e posições sociais atuando nas cortes de reis, ministros e comandantes de ordens militares, bispos e abades, cabe a pergunta de como eles chegaram a ocupar postos-chaves nestes diversos reinos, subindo no cenário político e depois desaparecendo, de modo que seus descendentes viessem a exercer, depois deles, as mesmas funções» 2. Durante os últimos anos, tenho pesquisado alguns temas relacionados com a história dos judeus de Portugal 3, e confesso que, mais de uma vez, me perguntei se a presença permanente de cortesãos judeus (Iehudi HaChatser) se repetiria de forma idêntica ou, pelo menos, parecida, na Lusitânia. Hoje em dia, penso que esta pergunta deve ser respondida de forma afirmativa e categórica, embora caiba assinalar que ainda é realmente pouco o que se estudou sobre a projeção alcançada por estes homens da corte em Portugal. O quadro social que se depreende a partir da vasta documentação histórica analisada, nos revela métodos e realizações tanto pessoais quanto coletivas, que podem ser interpretadas de múltiplas e variadas formas 4. Assim como aconteceu na Espanha medieval, surgem também em Portugal personalidades de grande envergadura em suas respectivas gerações, homens fiéis e observantes da fé de Israel, cujas vidas serão regidas de acordo com os seus ritos e costumes. Em todo o território lusitano, atuam personalidades de destaque como D. Yahya ben Yaish, mais conhecido como Yahya ben Yahia, «rabino-mor» e cortesão que serviu ao primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henrique (1128-1185); a quem ajudou a conquistar Santarém dos muçulmanos em 1140, e o mesmo que acolheu os exilados judeus espanhóis perseguidos pelo fanatismo dos almohades por volta de 1148 5. Também podemos citar os nomes de D. Yosef ben Yahia, um excelente colaborador e administrador do rei Sancho I (1185-1211) 6; de Yehudah ben Menir, eficiente ministro das finanças, altamente estimado pelo monarca D. Diniz (1279-1325) 7 e outros tantos judeus, de atuação relevante na área cultural, como D. Yehudah ben Yahia, o cortesão preferido do rei Sancho II, de Portugal (1223-1248) 8, D. Moisés Navarro, o «physico-mor» da corte do rei D. João I (1384-1433); ou D. Yehudah Negro, aquele judeu de Toledo que emigrou para Portugal, convertendo-se em um dos mais famosos poetas da corte de todos os tempos 9. Sem dúvida, estas ilustres figuras lusas cumpriram papel de destaque no mundo judaico da Península Ibérica. Entretanto, é um tanto inexato asseverar que a mera permanência no palácio os transformou em dignos cortesãos. Sem dúvida, não foi este o fator determinante de seus desempenhos, pois contava também a colaboração dos próprios atributos e caracteres pessoais, os quais marcaram profundamente sua irrepreensível projeção histórica. Estes cortesãos citados anteriormente, e outros ainda a serem mencionados, tentaram agir em prol de seu povo, evitando a sua decadência espiritual e prestando apoio naquelas horas de dor vividas na diáspora. Certamente, havendo coexistido em cada um deles sabedoria, temor a Deus, moral tanto na vida pública quanto na particular, estas gerações de líderes comunitários obtiveram o direito de serem considerados dignos dirigentes da nação judaica 10. Contudo, devemos ter bem presente o fato de que, tanto em Portugal quanto na vizinha Espanha, as atividades realizadas por estes homens de elevada estatura moral não corromperam com seus defeitos o caráter do que poderíamos denominar de cortesania judaica. Então, se os cortesãos eram homens de grandes atributos positivos (honestidade, capacidade, dignos de confiança, etc.) faz-se mister perguntar-se: por quê, a partir do fim do século XV, esta instituição ibérica, que denominamos cortesania judaica portuguesa, encontra-se em permanente decadência a ponto de chegar a extinguir-se? Creio que a gradual decadência e posterior desaparecimento desta instituição derivam de várias causas, externas e internas. As causas externas, (sobre as quais estas personalidades judaicas não influenciaram), estão focadas no processo de desenvolvimento do fenômeno em questão, fenômeno este que começou em condições «ibéricas» próprias: a luta dos reinos cristãos em geral, e do luso, em particular, pela reconquista de seus territórios do Islã 11. A recuperação de cidades importantes como Santarém, Silves, Lisboa e outras regiões ricas, determinou uma reorganização do Condado de Portugal. Lá o judeu tinha o seu lugar praticamente assegurado. A forte consolidação religiosa e a precipitada queda dos Estados Ibéricos no final do século XV, irão determinar o fim da hegemonia dos judeus da corte, distanciando-os definitivamente de quase todas as funções palacianas. As causas internas têm sua origem na inter-relação que deixou de existir entre os próprios judeus, em seu desejo de assemelhar-se em quase tudo aos cortesãos gentios e de comportar-se como eles. A força moral e espiritual dos rabinos