FÍSICA GERAL II Editora da Universidade Estadual de Maringá Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini Conselho Editorial Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Científicos Prof. Adson C. Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Prof. Dr. Manoel Messias Alves da Silva Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Raymundo de Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Rosilda das Neves Alves Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis Equipe Técnica Projeto Gráfico e Design Fluxo Editorial Artes Gráficas Marketing Comercialização Marcos Kazuyoshi Sassaka Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marcos Cipriano da Silva Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ SECRETARIA ESPECIAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS FACULDADE DE FÍSICA REITOR Prof. Dr. Carlos Edilson de Almeida Maneschy VICE-REITOR Prof. Dr. Horacio Schneider PRÓ-REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO Profa. Dra. Marlene Rodrigues Medeiros Freitas COORDENADOR GERAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Prof. Dr. José Miguel Veloso DIRETOR DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS Prof. Dr. Mauro de Lima Santos COORDENADORA DO CURSO DE FÍSICA À DISTÂNCIA Profa. Dra. Fátima Nazaré Baraúna Magno Este material foi gentilmente cedido pela UEM Universidade Estadual de Maringa, para o uso restrito da Licenciatura em Física na modalidade a distância sem ônus para a UFPA. Formação de Professores EM FÍSICA - EAD Cesar Canesin Colucci João Mura Maurício Antonio Custódio de Melo FÍSICA GERAL II Maringá 2009 5 Coleção Formação de Professores em Física - EAD Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação: Ivani Baptista - CRB 9/331 Revisão Gramatical: Josie Agatha Parrilha da Silva Edição e Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio Diagramação: Renato William Tavares Capas: Arlindo Antonio Savi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M528f Melo, Maurício Antonio Custódio de Física geral II. / Mauricio Antonio de Melo; João Mura; Cesar C. Colucci. -Maringá : Eduem, 2009. 153. il. (Formação de professores em Física – EAD; v.5) ISBN: 978-85-7628-200-6 1. Física. 2. Gravitação. 3. Termodinâmica. I. Colucci, Cesar C. II. Melo, Maurício Antonio Custódio de, III. Mura João CDD 21. ed. 530 Copyright © 2009 para o autor 1ª reimpressão 2010 revisada Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2009 para Eduem. Endereço para correspondência: Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3261-4103 / Fax: (0xx44) 3261-1392 http://www.eduem.uem.br / [email protected] S umário Sobre os autores ................................................................................... 5 Apresentação da coleção ..................................................................... 7 Apresentação do livro ........................................................................... 9 1 Gravitação .............................................................................................11 2 Equilíbrio Estático ................................................................................ 35 3 Fluidos ................................................................................................. 47 4 oscilações ............................................................................................61 5 ondas Mecânicas ............................................................................... 79 6 temperatura e Calor ........................................................................... 95 7 primeira Lei da termodinâmica ......................................................... 113 8 Segunda Lei da termodinâmica ........................................................133 9 Referências ........................................................................................153 3 FÍSICA GERAL II 4 S obre os autores CESAR CANESIN COLUCCI Bacharel em Física pela Universidade Estadual de Campinas. Obteve seu mestrado (1978) sobre supercondutividade e seu doutorado (1993) trabalhando com materiais magnéticos pela mesma Universidade. Em 1993 foi pesquisador visitante no Max Plank Institut (Stuttgart-Alemanha). Desde 1983 é professor do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá e atualmente ocupa o cargo de Professor Associado. JOÃO MURA Possui graduação em Física (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Estadual de Campinas (1975) e graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (1983). O professor Mura obteve sua especialização em Ensino de Física Experimental (1979), mestrado (2000) e doutorado em Física (2005) pela Universidade Estadual de Maringá. Desde 1976 é professor do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá. Atualmente ocupa o cargo de Professor Associado. MAURÍCIO ANTONIO CUSTÓDIO DE MELO Licenciado em Física pela Universidade Estadual de Maringá (1987), mestrado em Físico-Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (1990), doutorado em Ciências Naturais – Física pela Technische Universität Braunschweig na Alemanha (1995) e realizou um pós-doutorado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1995-1997). Professor da Universidade Estadual de Maringá desde 1997, sendo atualmente Professor Associado. 5 A presentação da Coleção A coleção Formação de Professores – EAD – Física inicia-se com a aprovação do Curso de Educação à Distância em Física (Licenciatura) pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC). O curso terá a mesma carga horária, disciplinas e ementas do curso presencial da Licenciatura em Física da UniversidadeEstadualdeMaringá. OgrandedesafiodoEAD-Física,alémdocursoemsi,éaoportunidadequeele oferecenãosomenteaosalunos,mas,sobretudo,aocorpodocentequelhedásustentação.Essecorpodocenteteráahercúleatarefade,aofinaldosquatroanosde integralizaçãodocurso,escrevermaisdetrintalivrosaseremofertadosgratuitamente para o corpo discente. Essaprimeiraedição,jáoreconhecemos,conteráfalhas,masserãoaquelastípicas deumaatividadepioneira,baseadanumavontadeinequívocadeacertar,deproporcionar um material didático inédito nascido da prática docente de cada um dos autores eorganizadoresdasobraseditadas. Atiragemdaprimeiraediçãoserábastantemodesta,contemplandotãosomente onúmerodediscentesedocentesinscritosnoprograma.Em2008,oitoobrasserão editadas, uma para cada disciplina do curso. E assim em todos os anos sucessivos até aintegralizaçãodocursoemfinalde2011. Aprincípioserãoimpressoscercade200exemplaresdecadatítulo,umavezque os livros serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no Curso de Física, Modalidade de Educação à Distância, ofertado pela Universidade Estadual de Maringá,noâmbitodoSistemaUAB. Cadalivrotrazumavivênciadosdocentesqueajudaramnasuaorganização,sintetizandoebuscandopotencializarosconteúdosquepermeiamcadadisciplina.Buscam umprocessodereflexão,instigaçãohistóricadaciênciaeummanuseiodosinstrumentosquedefiniramafísicaeamatemáticaquesubjazemaosfenômenosfísicosque lhederamorigem. 7 FÍSICA GERAL II Com esse intuito, a presente coleção construiu-se a partir do esforço de uma abnegadaparceladedocentesdoDepartamentodeFísica(e,também,deMatemática, Química,EducaçãoeInformática)daUniversidadeEstadualdeMaringá(UEM),ede professoresconvidados,quebuscamasuperaçãodainérciaeducacionalqueproduziu,emmuitasdécadas,umaquantidadeirrisóriadelicenciadosemFísicanopaís. AgradecemosatodososcolegasdaUEMedemaisIES,alémdaadministraçãocentraldaUEM,que,pormeiodaatuaçãodiretadaReitoriaedediversasPró-Reitorias, não mediu esforços para que os trabalhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneirapossível.Demodobastanteespecífico,destacamosaquioesforçodaReitoria paraqueosrecursosparaofinanciamentodestacoleçãopudessemserliberadosde acordocomostrâmitesburocráticoseosprazosexíguosestabelecidospeloFundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). NoqueserefereaoMinistériodaEducação,ressaltamosoesforçoempreendido pela Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a Distância(SEED/MEC),queemparceriacomasInstituiçõesdeEnsinoSuperior(IES) conseguiramromperbarreirastemporaiseespaciaisparaqueosconvêniosparaliberaçãodosrecursosfossemassinadoseencaminhadosaosórgãoscompetentespara aprovação,tendoemvistaaaçãodiretaeeficientedeumnúmeromuitopequenode pessoasqueintegramaCoordenaçãoGeraldeSupervisãoeFomentoeaCoordenação Geral de Articulação. EsperamosqueessaprimeiraediçãodaColeção Formação de Professores – EAD - Física possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Física (mesmoaquelepresencial),bemcomodeoutroscursossuperioresàdistânciadetodasasinstituiçõespúblicasdeensinosuperiorqueintegramepossamintegraremum futuropróximooSistemaUAB. Marcos Cesar Danhoni Neves Organizador da Coleção 8 A presentação do livro AFísicaabrangeopequenoeogrande,ovelhoeonovo.Domovimentodeelétronsatéaorbitadosplanetas.Doestudodatermodinâmicaatéoscilaçõesdeuminstrumento musical. Este livro didático de Física Geral II tem como objetivo ampliar um poucomaisoelencodeaplicaçõesdosconceitosbásicosdamecânicaeabrirnovas fronteirasdeconhecimento.Ocapítulo1apresentadiscussãobásicasobregravitação, ondeosconceitosdeforça,energiapotencialeconservaçãodomomentoangularsão essenciais.Aquiéapresentadoavocês,pelaprimeiravez,oconceitodecampo.Nocapítulo2juntamosaosconceitosdeforçaetorqueparaentenderoestadodeequilíbrio desistemasmecânicos,chamadosimplesmentedeestática.Paraoestudodosfluidos nocapitulo3,algunsnovosconhecimentosserãoestudadosutilizandoosconceitos deforçaeenergia.Noscapítulos4e5estudaremososcilaçõeseondasmecânicas. Alémderevermosalgunsconhecimentosbásicosdemecânica,esteestudoseráabase paraentendermosfuturamente,porexemplo,asondaseletromagnéticasecircuitosde corrente alternada. Uma introdução ao estudo da termodinâmica é apresentada nos capítulos6,7e8,ondeveremoslimitaçõesdousodosconceitosbásicosdamecânica paradescreverfenômenosqueenvolvamcalor.Aofinaldolivroespera-sequeasua visãosejaampliadaequevocêaprendaumasériedenovosconhecimentosimportantes na física, e, também, possa correlacioná-los com os já anteriormente aprendidos. Cadacapítulotemumasériedeexemplos,quetêmointuitodedesvendaravocê aaplicaçãodosconhecimentosestudados.Elesfazemparteintegrantedotexto,portanto devem ser refeitos e entendidos. Aofinaldecadacapítuloagrupa-seumconjuntodeproblemas.Nãooptamos porumaquantidadeexcessiva,masforamescolhidosdetalformaaconduzi-loaexperiênciadirigidadecompreensãoefixaçãodosconhecimentos.Você,aluno,temcomo tarefafazerosproblemas.Acompreensãoefixaçãotêmmaiorsucessoquandocada um enfrenta a tarefa proposta. OsautoresdedicamestaobraàmemóriadaProfessoraDoutoraMarleteAparecida Zamprônio.Aela,nossotributodereconhecimentopeloesforço,dedicaçãoe,principalmente, amizade demonstrada por ela em nossos anos de trabalho e convivência mútua. 9 FÍSICA GERAL II 10 1 Gravitação 1.1 Um pouco de história - Mundo ocidental 1.2 Leis de Kepler 1.2.1 primeira Lei de Kepler 1.2.2 Segunda Lei de Kepler 1.2.3 terceira Lei de Kepler 1.3 Lei da Gravitação Universal de newton 1.4 o Campo Gravitacional 1.5 Corpos em Órbita Circular - Satélites 1.6 Energia potencial Gravitacional 11 1 GRAVITAÇÃO FÍSICA GERAL II 1.1 Um Pouco de História – Mundo Ocidental 12 Este capítulo está relacionado ao movimento de rotação de partículas ou corpos, em torno de um ponto fixo, de um sistema de referência inercial. Está vinculado à mecânica de rotação dos corpos quando submetidos à ação de uma força central, principalmente, a força gravitacional, que é uma das propriedades da matéria. O movimento das estrelas, da Lua e do Sol pode ter uma explicação relativamente simples, considerando a rotação da Terra em torno de seu eixo, mas apresenta dificuldades quando analisamos o problema em sua plenitude, de forma quantitativa, levando em consideração as forças que os interligam. Nossos ancestrais, muito provavelmente, ao presenciarem certos fenômenos que aconteciam à sua volta, devem ter sentido medo e curiosidade, misturando perplexidade com admiração. Os dias e as noites, o Sol, a Lua e as estrelas, a chuva, os relâmpagos, os trovões e o arco-íris, o calor e o frio, a água, o fogo e o gelo. Todos os eventos eram novidades que se repetiam com certa regularidade, influindo diretamente em suas vidas e pareciam estar ligados entre si. Procurar entender esses eventos era vital para a sobrevivência humana. É sob esse clima que o homem evoluiu até nossos dias e muitas de suas indagações ainda continuam sem respostas. Com o passar do tempo, as observações sistemáticas dos fenômenos deram aos homens a possibilidade de fazer uso das mesmas para sua orientação e, a regularidade das ocorrências, permitiu o estabelecimento de calendários e a previsão de eventos. Com tais conhecimentos, ainda que rudimentares, foi possível criar metodologias que possibilitaram o surgimento de uma ciência vinculada às necessidades básicas de sobrevivência. A Astronomia, cujo objetivo, dentre outros, consiste na observação dos astros, estudando seus movimentos, posições e evolução ao longo de períodos pré-estabelecidos, respondia à necessidade de uma ciência causalista e previsora. A Astronomia pré-histórica, atualmente estudada em conjunto por astrônomos e arqueólogos, já acumulava conhecimentos a respeito dos movimentos do Sol, da Lua, das estrelas e de grupamentos estelares. Além disso, observada a regularidade com que o Sol nascia e desaparecia, foi possível estabelecer uma unidade temporal, chamada de dia. Observando as variações que ocorriam na Lua e que, após certo tempo, retornava à mesma situação e posição em relação às estrelas, o homem primitivo pôde estabelecer outra unidade temporal repetitiva, denominada de mês lunar (mês das fases). Também, foi possível estabelecer a duração do ano ( ainda que impreciso quando comparado ao atual) e as estações do ano com suas variações climáticas. O caminhar errante de certas “estrelas” e a existência de estrelas que pareciam estar fixas no céu, mas que, ao longo de certo período, desapareciam no horizonte de um lado da Terra surgindo no outro lado, instigavam a contagem do intervalo temporal. Muitas outras observações encontram-se registradas em pinturas rupestres nas cavernas, em esculturas e em gravações em blocos de pedras devidamente orientados em relação ao Sol nascente. Com a invenção da linguagem escrita (escrita cuneiforme) pelos povos que habitavam a região da Mesopotâmia (atualmente onde encontra-se o Iraque), os registros dos fatos e fenômenos permitiram que o conhecimento acumulado fosse compartilhado com outros povos. Além da observação prática, ao utilizar os conhecimentos matemáticos existentes, os mesopotâmicos estabeleceram um sistema sexagesimal de numeração, dividindo o círculo em 360 graus, cada grau em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos. Observando o movimento aparentemente circular do Sol e das estrelas “fixas”, estabeleceram a duração do período iluminado (dia) e do período escuro (noite) em doze partes iguais (horas). Cada hora foi dividida em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos, tal como utilizamos hoje. Determinaram o ano trópico, o período de lunação (mês das fases), a inclinação da trajetória anual do Sol por entre as estrelas (eclíptica). Perceberam, ainda, que a velocidade da Lua não era constante ao rotacionar a Terra; previram eclipses lunares (período de Saros); estabeleceram o Zodíaco (faixa em torno da eclíptica onde podem ser encontrados os planetas e as constelações) e a duração da semana, onde cada dia representava um deus-planeta, cujos ciclos de adoração de sete dias, coincidiam com o período de tempo das quatro fases lunares. Desenvolveram e utilizaram equipamentos primitivos, tais como o gnomon, a clepsidra e o pólo, para a compreensão dos fenômenos do céu. Os egípcios desenvolveram, também, uma linguagem escrita (hieróglifos) gravadas em papiro (“primogênito” do nosso papel), onde parte de textos e documentos se perdeu no tempo pela inexorável deteriorização do material utilizado. Estabeleceram um calendário anual baseado nas enchentes e secas do rio Nilo, em cujas margens o império egípcio nasceu e morreu, além de um elaborado calendário lunar. Construíram grandes pirâmides com as faces voltadas para os quatro pontos cardeais. Desenvolveram instrumentos específicos como o merkhet, uma espécie de gnomon, aperfeiçoaram a clepsidra e construíram um relógio de sol, onde a sombra de um eixo (representando o eixo polar) indicava as horas do dia. A Grécia Antiga deixou um legado importantíssimo para a Ciência Moderna. Utilizando-se dos conhecimentos mesopotâmicos e egípcios anteriores, os gregos desenvolveram a matemática, a astronomia, a poesia e a literatura de forma ímpar. Historicamente, a astronomia grega originou-se com Thales de Mileto (século VI a.C.), cujos discípulos previram a curvatura da Terra e o brilho da Lua como reflexo da luz solar. Pitágoras de Samos admitiu a esfericidade da Terra e contribuiu enormemente com a matemática da época. É lembrado em nossos dias através de sua imortal contribuição, batizada de “Teorema de Pitágoras”. A partir de Pitágoras e seus discípulos, a Astronomia teórica grega teve forte desenvolvimento, principalmente através da construção de modelos para explicar os movimentos dos planetas (estrelas errantes), da Terra, do Sol e da Lua. Aristóteles de Estagira, que viveu no século IV a.C., é considerado um dos maiores sábios da Antiguidade. Discípulo de Platão, outro gigante da cultura grega, afirmava que nosso universo era finito e limitado pela esfera das estrelas fixas, além da qual nada existiria. Propunha uma estrutura hierarquizada do universo, possuindo cinco elementos primordiais, sendo quatro pertencentes a Terra (terra, água, ar e fogo) e um elemento divino, o éter, que preencheria os céus e seria o símbolo da perfeição. Acreditava nas formas perfeitas dos círculos e esferas e que a Terra estava no centro do Universo, não possuindo movimento de rotação ou de translação (geocentrismo). O pensamento aristotélico, principalmente aquele que dizia ser a Terra o centro do universo, perdurou por quase 2 mil anos, até ser enterrado pela proposição do modelo heliocêntrico. Coube a Aristarco de Samos, que viveu entre os séculos III e II a.C. em Alexandria, no norte do Egito, a proposição de que o Sol seria o centro do universo (heliocentrismo) e não a Terra, propondo, inclusive, que esta deveria ter movimento de rotação em torno de seu eixo polar e translação em torno do Sol. Em decorrência de tais idéias, quase foi declarado ímpio (herege, infiel), uma punição severíssima para a época. Propôs uma metodologia para medir a distância Terra-Sol, utilizando a distância Terra-Lua como unidade. Elaborou, ainda, uma classificação das estrelas quanto ao brilho, admitindo que as mesmas encontravam-se a distâncias diferentes em relação à Terra. Propôs, também, o método do eclipse para determinar o tamanho e a distância da Lua. Além de Aristarco, a Escola de Alexandria teve importantes matemáticos e astrônomos, destacando-se Eratóstenes, Hiparco e Ptolomeu. Eratóstenes, além da construção da tábua de números primos (conhecida como “crivo de Eratóstenes”), construiu, também, um sistema de coordenadas geográficas. Escreveu vários tratados sobre as posições de estrelas, porém, o trabalho mais importante foi a determinação das dimensões da Terra, pelo método conhecido como Gravitação 13 FÍSICA GERAL II Deferente de Marte Lua Vênus Terra Mercurio Sol Marte Epiciclóide de Marte Figura 1.1 - Modelo Geocêntrico de Ptolomeu (simplificado). Figura 1.2 - Modelo Heliocêntrico de Copérnico (simplificado). “poço de Siene”, quando determinou o comprimento da circunferência terrestre, seu raio, superfície e volume. Hiparco de Nicéia, considerado um dos maiores astrônomos da Antiguidade, escreveu vários tratados sobre Astronomia, Geografia, Matemática e Mecânica, infelizmente, perdidos no tempo, mas lembrado em citações de seus colegas. Inventou o astrolábio, instrumento para a determinação de distâncias angulares, utilizado, inclusive, pelos navegantes do século XV e XVI, descobridores do continente americano. Utilizou a hipótese do movimento circular uniforme para explicar o movimento do Sol, da Lua e dos planetas conhecidos à época. Era defensor das idéias geocêntricas de Aristóteles. Confeccionou um catálogo estelar dando nome às estrelas e estabelecendo suas coordenadas eclípticas. Sistematizou a trigonometria plana e esférica e determinou o ano trópico com grande precisão. Descobriu o movimento de precessão dos equinócios, calculando seu período temporal (cerca de 26 mil anos). Após Hiparco, o último grande astrônomo grego foi Cláudio Ptolomeu, que viveu já na era cristã (século II d.C.). Em seu livro, Almagesto (em árabe, Hi Magisti Sintaxe), difundiu ao mundo as idéias geocêntricas de Aristóteles, criando um modelo complicado de deferentes, epiciclos, excêntricos e equantes, que proporcionou a descrição dos intricados movimentos dos planetas, do Sol e da Lua. Este modelo ficou conhecido como “modelo geocêntrico de Ptolomeu”, sendo o universo limitado à esfera das estrelas. No modelo ptolomaico, a Terra era o centro do Sistema Solar, de tal forma que todos os planetas conhecidos, inclusive o Sol e a Lua, gravitavam ao seu redor (figura 1.1)1. O modelo geocêntrico foi aceito por mais de quinze séculos, influindo enormemente na Filosofia, na Literatura, nas Artes e nas ciências da época. Ptolomeu também descobriu a refração da luz na atmosfera terrestre e o movimento de evecção da Lua (variação da excentricidade da órbita lunar). Após Ptolomeu, a Astronomia não encontra mais sustentação e, praticamente, desaparece dos interesses da época. O pensamento religioso cristão e a falta de interesse sobre o assunto pelo Império Romano, atuaram no sentido de minimizar as idéias científicas, induzindo ao esquecimento todo trabalho desenvolvido até então. O pensamento grego praticamente desaparece e, somente no século VII d.C., como resultado da invasão da Europa pelos árabes, é que o pensamento grego começa a ser redescoberto. Os árabes iniciam a tradução do conhecimento grego para o árabe e, dessa forma, contribuem para sua conservação e divulgação. A partir do século IX, membros da Igreja Católica começam a traduzir os textos árabes para o latim, principalmente as idéias aristotélicas, que são abraçadas, adotadas e tidas como verdadeiras. O pensamento escolástico, decorrente da fusão do pensamento grego com o cristão, a partir do século XII, propicia o aparecimento de centros de estudos que reuniam os grandes pensadores da época, surgindo, assim, as Universidades. O pensamento aristotélico, ensinado nas Universidades até meados do século XVI, tornou-se o pensamento oficial. Porém, o renascimento das idéias, das artes, das ciências foi aos poucos demolindo a conservadora e inquisitorial Idade Média. Em 1543, ano de sua morte, o monge polonês Nicolau Copérnico apresentou uma nova teoria sobre o Universo, resgatando velhas idéias gregas do heliocentrismo de Heráclides e Aristarco. Segundo o modelo de Copérnico, o Universo é constituído por sete esferas concêntricas, sendo a mais externa, a esfera das estrelas, e a mais interna a esfera de Mercúrio. Todas as esferas, exceto aquela das estrelas, giravam em torno de um ponto central, onde se localizava o Sol, daí o modelo ter sido batizado de “modelo Heliocêntrico de Copérnico”. Nota-se, ainda, que o Universo continuava limitado à esfera das estrelas fixas, porém, afirmava Copérnico, que a Terra era um planeta e que todos os planetas giravam ao redor do Sol. Coube a Giordano Bruno, defensor ardoroso das idéias humanistas de Platão, divulgar o modelo heliocêntrico, propondo, inclusive, a infinitude do Universo. A 1 Na verdade, o universo geocêntrico ptolomaico incluía a idéia de uma Terra ligeiramente descentrada (excêntrico). 14 defesa destas posições custou-lhe a vida em 1600, quando foi queimado vivo em praça pública por ordem da Santa Inquisição da Igreja Católica. Outro grande astrônomo do Renascimento foi Tycho Brahe (segunda metade do século XVI). Apesar de ter ligações com as idéias aristotélicas, teve o grande mérito de realizar inúmeras observações planetárias e estelares de grande precisão. Utilizando os preciosos dados coletados pelo seu mestre Tycho Brahe, o astrônomo Johannes Kepler (1571-1630), principalmente, ao estudar os movimentos de planeta Marte, descobriu regularidades importantes, levando-o a propor três relações básicas sobre o movimento planetário, posteriormente batizadas por Newton de “leis de Kepler”. Seu contemporâneo de pesquisas, Galileu Galilei (1564-1642), introduziu o uso do telescópio nos estudos astronômicos realizando importantes descobertas com sua luneta refratora. As montanhas e crateras da Lua, os satélites de Júpiter, as manchas solares, as estrelas difusas da Via Láctea, além das visíveis a olho nu, as fases de Vênus, dentre outras, foram as descobertas mais espetaculares da nova astronomia ótica de Galileu. O sábio italiano, ademais, realizou estudos sobre o plano inclinado, o período pendular, o movimento relativo dos corpos e a razão matemática de um corpo em queda livre. Por sua contribuição experimental às ciências, é considerado o pai do método experimental nas ciências físicas. Também sofreu a ira da Inquisição e quase teve o fim trágico de Giordano Bruno. “Se eu vi mais longe [do que outros] é porque me encontrava em ombros de gigantes”, disse o próprio Isaac Newton (1642-1727), que nasceu no ano em que Galileu morreu. Newton propôs a Lei de força sobre a Gravitação Universal, estabelecendo as bases da Mecânica Celeste. A Lei da Gravitação Universal foi um marco fundamental nos estudos astronômicos, pois conseguia explicar os motivos da atração entre os corpos celestes, estando eles nas vizinhanças da Terra ou nos confins do espaço. Newton inventou, também, o cálculo diferencial e integral; propôs a teoria corpuscular da luz; realizou estudos sobre suas cores e seus espectros. Inventou, também, o telescópio refletor e, para culminar, descobriu as leis da mecânica clássica, batizadas, mais tarde, como as “três leis de Newton”. A Lei da Gravitação Universal de Newton, as três leis de Kepler e outros estudos decorrentes, serão tratados neste capítulo. Gravitação 1.2 Leis de Kepler A constante controvérsia sobre as teorias geocêntrica e heliocêntrica estimulou os astrônomos a realizarem medidas cada vez mais precisas dos movimentos planetários. Um conjunto de medidas obtidas pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, com um grande sextante e uma bússola ao longo de mais de vinte anos de observação planetária e estelar a olho nu, permitiu que seu discípulo, o astrônomo alemão Johannes Kepler, estabelecesse três leis empíricas para o movimento planetário, válidas para todos os planetas do Sistema Solar conhecidos à época (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno). Analisando cuidadosamente os dados sobre o movimento dos planetas, principalmente, do planeta Marte, Kepler percebeu importantes regularidades em seu movimento em torno do Sol se deixasse de trabalhar com órbitas circulares concêntricas. Acabou adotando órbitas elípticas com o Sol ocupando um de seus focos. Percebeu, então, que poderia generalizar seu pensamento para os outros planetas, construindo, assim, as bases da mecânica celeste. Seu modelo continuaria a ser heliocêntrico, mas as órbitas não seriam mais círculos perfeitos como propunham os astrônomos gregos e Nicolau Copérnico. É importante salientar que Kepler não concebia as forças gravitacionais como causa das regularidades observadas por ele, pois o conceito de força, posteriormente formulado por Newton, ainda não estava claro para os astrônomos da época. Kepler acreditava que o que ligava os planetas às suas órbitas ao redor do Sol era uma força de origem magnética. Antes de apresentarmos as Leis de Kepler, é importante ressaltar que o modelo heliocêntrico de Copérnico proporcionou uma troca de referencial importante. No 15 FÍSICA GERAL II modelo geocêntrico de Ptolomeu, a Terra desempenhava o papel de referencial inercial ao descrever o movimento das estrelas e dos planetas conhecidos. No modelo geocêntrico, além da Terra ser classificada como um planeta, o referencial inercial passou a ser o Sol, muito mais adequado quando se estuda o movimento planetário. O referencial inercial fixo no Sol, não girante, tem inúmeras vantagens em relação ao referencial fixo na Terra e girante. Somente quando tratamos de corpos ou partículas próximos à superfície terrestre é que podemos considerar a Terra como referencial inercial. 1.2.1 Primeira Lei de Kepler Normalmente, ao tratarmos de corpos (ou partículas) que executam órbitas em torno de um ponto central, consideramos as órbitas como circulares. A primeira Lei de Kepler apresenta outra visão das órbitas, não as considerando mais como círculos perfeitos, mas sim, como elipses. A órbita circular é um caso especial da órbita elíptica. A lei das órbitas, como é conhecida a primeira lei de Kepler, diz que “ To d o s o s p l a n e t a s s e m o v e m e m ó r b i t a s e l í p t i c a s , estando o Sol em um dos seus focos”. A lei enunciada não explicita a causa do movimento e nem porque a órbita é elíptica. É uma lei empírica que descreve somente o movimento dos planetas em torno do Sol, sem qualquer explicação ou dedução teórica. Coube a Newton, mais de um século depois, deduzir as leis de Kepler a partir das leis gerais do movimento para sistemas mecânicos e da Lei da Gravitação Universal, que é uma lei de força aplicável ao movimento planetário, interagindo à distância. A primeira lei de Kepler é, inclusive, uma consequência direta da lei de força central (força que varia com o inverso do quadrado da distância entre os centros dos corpos envolvidos, para o caso gravitacional). Sua dedução, a partir das leis de movimento e da Lei de Gravitação, não Planeta é tão simples, pois depende de equações diferenciais não estudadas até aqui. Figura 1.3 - Órbita elíptica de um planeta, com o Sol ocupando um dos focos. Periélio e Afélio representam, respectivamente, o ponto mais próximo do Sol e o ponto mais distante deste ocupado por um planeta. Periélio F1 dmín Afélio F2 Sol dmáx O ponto da órbita mais próximo do Sol é chamado de periélio e o mais afastado de afélio. Para um corpo circulando a Terra, o ponto mais distante que este ocupa na órbita é chamado de apogeu e o mais próximo, de perigeu. O raio médio da órbita do planeta rmédio é a média aritmética entre as duas distâncias ao centro do Sol (periélio e afélio), ou, o que é equivale dizer que: o raio médio é o valor do semi-eixo maior da elipse, a. rmédio = d min + d max = a. 2 De acordo com a figura 1.4, a dimensão maior corresponde ao eixo maior da elipse e a dimensão menor corresponde ao eixo menor da A elipse. Semi-eixo menor Sol F1 Planeta Semi-eixo maior F2 Centro Figura 1.4 - Semi-eixos de uma elipse. 16 B Calculando a distância que une o foco S até o planeta (foco do Sol até o planeta) e do foco S’ até o planeta (foco vazio até o planeta), veremos que a soma das distâncias será a mesma para todos os pontos sobre a curva (órbita), independentemente de onde o planeta se encontra. O Sol ocupa um dos focos e, no outro, não há nada (foco vazio). Podemos considerar, também, o Sol e os planetas como partículas, pois suas dimensões são muito menores do que a distância entre eles. As órbitas dos planetas não são elipses muito alongadas, como sugerem as figuras 1.3 e 1.4. Na realidade, as órbitas planetárias são quase circunferências e o elemento geométrico que diferencia uma circunferência de uma elipse é um parâmetro denominado excentricidade, simbolizado pela letra e (figura 1.5). A distância de cada foco da elipse até seu centro (cruzamento dos eixos) é igual a ea, sendo e um número adimensional (excentricidade da elipse) com valor positivo entre zero e um (0 ≤ e ≤ 1), e a, o raio médio da órbita (semi-eixo maior rmédio=a ). Quando e = 0, a elipse transforma-se em uma circunferência e, para excentricidades maiores que um, obtémse parábolas e hipérboles. Gravitação As órbitas planetárias são aproximadamente circulares, com a excentricidade variando de 0,007 (Vênus) até 0,206 (Mercúrio). A da Terra corresponde a e= 0,017. A maior excentricidade corresponde àquela de Plutão, com e=0,25. Newton demonstrou que, quando uma força Figura 1.5 - Excentricidade das órbitas. proporcional a 1/r2 (força central) atua sobre um corpo (corpo ligado ao centro de força gravitacional), as únicas órbitas fechadas possíveis são as elipses e as circunferências (planetas, asteróides, cometas, luas ligadas aos planetas ou ao sol). Para corpos não ligados, como os meteoróides do espaço longínquo e que passam somente uma vez perto do Sol, ainda continua válida a lei do inverso do quadrado à distância, mas as órbitas possíveis são as parábolas e as hipérboles. 1.2.2 Segunda Lei de Kepler A velocidade que um planeta circula o Sol não é igual em todos os pontos da órbita, sendo maior quando o planeta está mais próximo do Sol (periélio) e menor quando está mais distante (afélio), portanto, a velocidade de translação dos planetas é variável. Do afélio para o periélio, o movimento é acelerado e do periélio para o afélio, o movimento é retardado. A explicação física para tais variações na velocidade do planeta está baseada na força de atração gravitacional que o o ent V vim Mo lerado Sol exerce sobre o planeta. Essa força ace F está sempre dirigida para o centro de F massa do Sol (força central). Podemos ver pela figura 1.6 que, do afélio para o periélio, a força gravitacional possui uma componente tangencial no Periélio Afélio F sentido da velocidade de translação, “ajudando” o movimento, enquanto V Mov reta imento que, do periélio para o afélio, a rda F do componente da força é contrária à velocidade de translação, retardando Figura 1.6 - Componentes da força gravitacional no movimento de translação planetária. o movimento. 1 t1 1 2 2 t2 17 FÍSICA GERAL II Na figura 1.7 estão representadas t as áreas A1 e A2 varridas pelos vetoresr posição do planeta. Os intervalos de tempo são Δt1 e Δt2. Se os intervalos de tempo são ∆t A iguais, então, as áreas varridas também r serão iguais, ou seja, A1 = A2. Tendo t descoberto esta relação, Kepler enunciou sua segunda regra (a primeira e segunda lei foram publicadas em 1609, no livro Figura 1.7 - Lei das áreas. Astronomia Nova), também conhecida como lei das áreas, como sendo: A A 1 tD rD ∆t2 A2 1 rC tC B B “A reta (raio vetor) que une o Sol a qualquer planeta descreve (varre) áreas iguais em intervalos de tempos iguais.” Devido à excentricidade da órbita, o espaço percorrido (deslocamento escalar) pelo planeta na região do periélio (ΔS1) é ∆s ∆s A A maior que o espaço percorrido na região Afélio do afélio (ΔS2), ou seja, ΔS1 > ΔS2 (figura Periélio 1.8). Em termos de velocidade média de translação, podemos dizer que ela é maior Figura 1.8 - Deslocamentos escalares e velocidades. na região do periélio do que na do afélio. É possível demonstrar a segunda lei de Kepler através do princípio de conservação do momento angular, considerando o planeta como sistema e supondo que a massa do Sol seja muito maior que a do planeta, de tal forma que o Sol permanece em repouso no centro de força (força central). É importante salientar que a segunda lei de Kepler é válida para qualquer força central, de atração ou de repulsão. Quando é inverno no Hemisfério Norte (janeiro), a Terra está mais próxima do Sol (periélio) do que quando é verão (julho). Para o Hemisfério Sul é o inverso. Em função da órbita da Terra em torno do Sol ser uma elipse ligeiramente achatada, as durações das estações não possuem a mesma quantidade de dias. E se a órbita fosse uma circunferência, como seria a duração das estações? 1 QUESTÃO 1.1 Em seu periélio, o planeta Mercúrio está a 4,60 x 107 km do Sol. No seu afélio, encontra-se a 6,99 x 107 km, e sua velocidade orbital é de 14,00 x 104 km/h. Qual será sua velocidade orbital no periélio? Sugestão: Fazer uso do princípio de conservação do momento angular como constante do movimento. 1 2 2 1.2.3 Terceira Lei de Kepler Aproximadamente 10 anos de dedicação ao estudo pormenorizado das tabelas de Tycho Brahe, Kepler visualizou uma relação entre o período de revolução e o raio médio da órbita dos planetas, que ficou conhecida como 3ª lei de Kepler. A terceira lei de Kepler, também conhecida como lei dos períodos (ou lei harmônica – derivada da harmonia musical), geralmente é deduzida nos livros textos considerando-se órbitas circulares. A dedução baseia-se nas leis de força de Newton (Lei da gravitação e 2ª lei da Mecânica). O raio da órbita é o raio médio r (semi-eixo maior) e o período de revolução (translação) é o ano sideral do planeta T (TTerra = 1 ano). Com exceção de Mercúrio, Marte e Plutão (que não é mais considerado planeta, atualmente), todos os outros possuem órbitas quase circulares (pouco “achatadas”). Mesmo para órbitas elípticas, a terceira lei de Kepler continua válida. Nestes termos, a terceira lei pode ser enunciada da seguinte forma: “O quadrado do período de translação (T2) de qualquer planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da órbita elíptica (r3).” 18 Matematicamente temos: T2 =K. r3 Gravitação O valor de K é constante (em torno de 1) para todos os planetas, conforme pode ser visto na tabela 1. Outras tabelas, que colocam o período de revolução em dias ou em segundos e a distância média Terra-Sol (semi-eixo maior da elipse) em metros (m) ou quilômetros (km), dão valores de K diferentes de 1, mas os novos valores obtidos para todos os planetas são sempre os mesmos (constantes). Tabela 1.1 A 3ª lei de Kepler – Dados dos planetas. Note que o período de revolução em torno do Sol e os raios médios de suas órbitas são diferentes para cada planeta, mas o quociente do quadrado do período pelo cubo do raio médio resulta numa constante aproximadamente igual à unidade. As pequenas diferenças são justificadas pelas incertezas nas medidas para os períodos e semi-eixos maiores das órbitas dos planetas. É importante observar que o período de revolução não depende da excentricidade da órbita. Por exemplo, um asteróide movendo-se em uma órbita elíptica achatada (semi-eixo maior r), terá o mesmo período de revolução que um planeta que descreve uma órbita circular com o mesmo raio r. A diferença está nas suas velocidades, pois o asteróide possuirá velocidades variáveis ao longo da órbita elíptica, enquanto o planeta terá velocidade constante (MCU – movimento circular uniforme). As três leis de Kepler são leis universais, ou seja, valem para o nosso sistema solar e também para outros sistemas do Universo onde exista uma grande massa central atraindo massas menores, inclusive para planetas e seus satélites, naturais ou artificiais (como a Terra). Vale, inclusive, para grandes estruturas do Cosmos como, por exemplo, a massa de bilhões de estrelas ao redor do centro galático. EXEMPLO 1.1 A distância média do sistema Terra-Sol é de 1,50 x 108 km, e o período de revolução da Terra em torno do Sol é de 1 ano. A distância média do sistema Marte-Sol é de 2,28 x108 km. Qual o período de revolução de Marte ao redor do Sol? Solução: Aplicando a Lei dos períodos, temos: TM2 TT2 = 3 rM3 rT Substituindo os valores dados no problema, e sabendo que 1 ano = 365 dias, ficamos com TM ≈ 682 dias 19 1.3 Lei da Gravitação Universal de Newton FÍSICA GERAL II Figura 1.9 - Força gravitacional entre duas partículas. No ano de 1665, a Inglaterra sofria uma grande epidemia de peste e para escapar da morte certa, Newton refugiou-se na casa de seus pais, na pequena aldeia de Woolsthorpe, pois a Universidade de Cambridge fôra fechada. Naquela época, aos 23 anos de idade, Newton estava preocupado em saber qual a causa que mantinha a Lua girando em torno da Terra. Usando a fórmula da aceleração centrípeta proposta por Huygens, Newton calculou sua aceleração centrípeta, supondo ser a órbita da Lua circular. Realizado o cálculo, fez a si próprio uma pergunta intrigante: qual seria a fonte da força que produz tal aceleração? A indagação a respeito da causa que mantinha a Lua acelerada foi a linha mestra para o pensamento de Newton. Consta na história que Newton, ao observar a queda de uma maçã no pomar, indagou: “será que a força que fez a maçã cair não seria do mesmo tipo daquela que mantém a Lua girando ao redor da Terra?”. Com base nessa indagação, o cientista inglês considerou a hipótese de que cada corpo no universo exerce uma força sobre todos os outros corpos ao seu redor. A aceleração centrípeta da Lua calculada por ele induziu ao pensamento de que a causa da rotação da Lua e da queda da maçã seria a mesma. Deveria haver uma força comum que fosse responsável por tais movimentos. Tal força, denominada de força gravitacional, é o fundamento da lei de atração entre massas, conhecida por Lei da Gravitação Universal de Newton. Em conjunto com as três leis de movimento, Newton publicou, em 1687, a lei da gravitação. Estas leis são os pilares da Mecânica Clássica. A lei da gravitação de Newton pode ser enunciada como: “A força entre duas partículas quaisquer, de massas m1 e m2, separadas por uma distância r entre seus centros, é diretamente proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que as separam”. Matematicamente, o módulo da força gravitacional é dado por Fg = G m1 m2 . r2 onde G é uma constante universal, calculada experimentalmente pela primeira vez por Lorde Cavendish, em 1798. Atualmente, seu valor é igual a, G = 6,673 x 10-11 Nm2/kg2. EXEMPLO 1.2 Calcule o módulo da força gravitacional entre o Sol e a Terra, sabendo-se que a distância Terra-Sol é de 150 milhões de quilômetros e suas massas são: MS =2 x 1030 kg e MT = 6 x 1024 Kg. Solução: Aplicando a Lei da Gravitação Universal de Newton, ficamos com M .M Fg = G S 2 T rST Substituído os valores, temos que Fg = 3,6 x 1022 N. É uma força atrativa muito grande! Com relação à Lei da Gravitação Universal devemos destacar alguns aspectos fundamentais: 1- A força gravitacional entre duas partículas é atrativa e constitui um par açãoreação (3ª Lei de Newton), agindo ao longo da linha que une seus centros. Assim, as forças possuem o mesmo módulo, mesma direção, mas sentidos opostos. Matematicamente, em termos vetoriais, temos F12 = − F21 20 2- A constante universal G não deve ser confundida com a aceleração gravitacional g, provocada pela atração gravitacional da Terra sobre um corpo de massa m. Suas dimensões são diferentes, uma vez que a constante G possui um valor único para todo par de partículas que se atrai em qualquer ponto do Universo e, além disso, é uma grandeza escalar. A aceleração gravitacional g é um vetor, não sendo universal e nem constante, uma vez que depende do ponto onde a partícula (corpo) se encontra em relação à Terra (ou de um planeta qualquer), tomada como referencial inercial. 3- A Lei da Gravitação Universal de Newton é uma lei de força simples, considerada uma força fraca quando comparada às forças elétricas, magnéticas e nucleares, não sendo entendida como uma equação de definição de nenhuma das grandezas envolvidas nela (força, massa e comprimento). A lei da gravitação entre partículas relaciona-se somente com as propriedades mensuráveis das partículas envolvidas, implicando na idéia de que a força gravitacional entre elas independe da presença de outras partículas e das propriedades do espaço intermediário. 4- Quando nos referimos aos corpos extensos como, por exemplo, a Terra e o Sol, a lei continua válida, mas devemos considerar cada corpo como composto de inúmeras partículas, calculando as interações (forças) entre elas, par a par, corpo a corpo, através do cálculo integral (também desenvolvido por Newton). Quando se trata de esferas uniformes é possível considerar a idéia do centro de massa para o cálculo da força gravitacional. O que se verifica é que o cálculo da interação entre dois corpos que possuem distribuições de massa com simetria esférica (esferas maciças ou ocas) é o mesmo da interação gravitacional entre duas partículas localizadas em seus centros e possuindo suas massas. 5- Quando tratamos a Terra como um corpo esférico de massa MT, a força gravitacional (módulo) que ela exerce sobre uma partícula ou sobre um corpo esférico de massa m, com separação entre seus centros igual a RT, é dada por, Fg = G MT m . RT2 para o corpo ou partícula situado na parte externa da crosta terrestre. Uma força de mesmo módulo, atuando na mesma direção, mas de sentido contrário é feita pelo corpo ou partícula sobre a Terra (lei da ação-reação). Pergunta: Quando você pula de uma escada, porque é você que cai em direção a Terra e não é a Terra que sobe até você? Para pontos situados no interior da Terra (abaixo da superfície externa) o cálculo é diferente. À medida que caminharmos para o interior da Terra ou de qualquer corpo esférico, somente a massa que está abaixo é que exerce força gravitacional sobre nós. As partes que se situam acima do local onde nos encontramos não têm efeito atrativo. Se chegássemos ao centro da Terra, por exemplo, a força gravitacional seria nula. Por quê? Se abríssemos um túnel reto que passasse pelo centro da Terra e saísse do outro lado e soltássemos um corpo de massa m em uma das aberturas do túnel, ele executaria um movimento retilíneo uniformemente acelerado até o centro da Terra (velocidade máxima) e depois seria desacelerado até atingir a superfície oposta da Terra (velocidade nula). O corpo executaria um movimento harmônico simples, como se fosse um pêndulo simples, com período constante, desde que desprezadas as forças dissipativas. Gravitação m1 m1 R1 Fg Fg r r Fg R2 Fg m2 m2 Figura 1.10 - Força gravitacional entre corpos com simetria esférica (partículas). 21 6- A força gravitacional varia com o inverso do quadrado da distância entre o centro dos dois corpos esféricos que se atraem, ou seja, varia com 1/r2. A variação da força F em função da distância d (d=r) pode ser visualizada na figura 1.11. FÍSICA GERAL II F F Obs.: Dois corpos quaisquer sempre se atraem gravitacionalmente, independentemente do valor de suas massas ou de suas dimensões. Pelo fato da constante G ser muito pequena, a intensidade (módulo) da força atrativa só se torna apreciável se uma das massas for muito grande, como, por exemplo, a Terra. É por esse motivo que duas pessoas próximas não sentem as atrações gravitacionais de uma sobre a outra, mas as forças atrativas existem! Também, deve ser levada em consideração a distância entre os corpos. F/2 F4 F/8 F/16 0 d 2d 3d 4d Figura 1.11 - Variação da força em função da distância d entre os centros dos corpos m d F = mg Figura 1.12 - Campo de força gravitacional produzido por um corpo de massa M. Atuação sobre outro corpo de prova (m). d 1.4 O Campo Gravitacional Na época de Newton, pensava-se a força gravitacional como se fosse uma interação direta entre as massas, conhecida como teoria da ação à distância, posteriormente descartada porque pressupunha que a interação seria instantânea, com velocidade infinita. O conceito de campo (teoria dos campos) só foi desenvolvido bem depois, por Faraday, para o estudo do eletromagnetismo e, posteriormente, aplicado à gravitação. O conceito de campo leva em consideração que uma partícula de massa M provoca uma alteração no espaço em sua volta, criando um campo gravitacional, que atua sobre qualquer outra partícula que penetra na região, exercendo sobre a segunda uma força gravitacional atrativa. Desse ponto de vista, o campo desempenha o papel de intermediário com respeito às forças entre partículas materiais, ou seja, ele é o “transmissor” das forças gravitacionais entre corpos. O campo gravitacional é um campo vetorial onde, a cada ponto do espaço, podemos associar um vetor, denominado de vetor campo gravitacional. Também é um campo estacionário, pois seu valor, em cada ponto, não varia com o passar do tempo. Assim, todo corpo material, por menor que seja, sempre origina um campo gravitacional. A força gravitacional é uma força decorrente do campo gravitacional, o qual, apesar de não poder ser visualizado ou tocado, existe, pois podemos sentir sua presença. Nosso peso, que é a força com que somos atraídos para o centro da Terra, talvez seja o principal efeito que sentimos. O campo gravitacional é uma das propriedades da matéria, dependendo diretamente da massa que o produz. O fato importante a respeito do fenômeno da gravitação é que massas criam campos e, se tivermos duas massas, cada uma exercerá sobre a outra uma força de atração gravitacional. Imaginemos agora um corpo de massa M. Em sua volta, ele cria um campo de forças em decorrência de sua massa. Qualquer outro corpo de massa m (corpo de prova) que for colocado em sua vizinhança “sentirá” o campo gravitacional, ficando sujeito a uma força de atração gravitacional. É o que ocorre, por exemplo, com qualquer corpo que estiver nas proximidades da Terra. Ele será atraído para o centro do planeta devido ao campo gravitacional terrestre. A força gravitacional é uma força de campo (o campo é o transmissor da força), existindo por si só, sem a necessidade de que haja contato entre os corpos. A figura 1.12 mostra o campo gravitacional produzido por um corpo de massa M e sua ação sobre o corpo de prova (massa m) na sua vizinhança. A cada ponto do espaço ao redor do corpo de massa M associamos um vetor, denominado de vetor campo gravitacional, simbolizado pela letra g, que é a aceleração que um corpo de massa m fica submetido quando colocado naquele ponto do campo. O vetor g é definido como sendo a força gravitacional por unidade de massa no ponto considerado, ou seja, g= F . m A força pode ser calculada a partir da intensidade do campo gravitacional, simplesmente multiplicando o vetor aceleração gravitacional pela massa do corpo de 22 prova colocado no ponto. Como a força é uma entidade vetorial, a força gravitacional tem direção radial (mesma direção do vetor g) com sentido dirigido do corpo de prova para o centro da Massa m e módulo igual a mg, comumente denominado de peso. Assim, quando um corpo de prova de massa m for colocado no ponto, ele ficará sujeito a uma força gravitacional, a qual, de acordo com a 2ª Lei de Newton, é dada por por Gravitação F = mg . Sabe-se que o módulo da força de atração gravitacional entre duas massas é dado Fg = G Mm . r2 Igualando os módulos das duas forças e para pontos externos ao corpo criador do campo, resulta que mg = G Mm M ⇒ g =G 2 2 r r Quando, por exemplo, um corpo de massa m é solto nas proximidades da Terra, ele “cairá” na direção do centro da Terra realizando um movimento retilíneo uniformemente variado. No MRUV, a aceleração é sempre constante em módulo, direção e sentido. A direção do vetor campo gravitacional (aceleração gravitacional) é sempre perpendicular à superfície acima do ponto onde está o corpo (direção do fio de prumo) e o sentido é sempre dirigido para o centro do planeta. O módulo da aceleração gravitacional varia de ponto a ponto, sendo adotado o valor de g = 9,80665 m/s2 ao nível do mar e para a latitude de 45° N (Meridiano de Greenwich). Generalizando, podemos dizer que o valor do vetor campo gravitacional, em um ponto qualquer nas proximidades da massa M, depende somente do ponto considerado e da massa do corpo que cria o campo, ou seja, é uma característica do local e não da massa do corpo experimental (corpo de prova). Para um corpo esférico (raio r) e homogêneo, o módulo do campo gravitacional tem as seguintes características: a) para pontos na superfície, g = g0 = G M r2 b) para pontos exteriores ao corpo de massa M (d > r), g =G M d2 c) para pontos no interior do corpo (d < r), o campo gravitacional varia linearmente com a distância, medida a partir do centro do corpo de massa M, ou seja, g é diretamente proporcional à distância do ponto considerado ao centro do corpo (g = Kd), onde K é uma constante. EXEMPLO 1.3 Considerando o raio médio da Terra igual a 6.400 km, a que distância da superfície terrestre uma pessoa tem seu peso reduzido a 1/5? Dados: MT = 6 x 1024 kg. Solução: A massa da pessoa não varia, mas seu peso é reduzido a 1/5 em relação ao da superfície terrestre. Nesta situação, a aceleração gravitacional no ponto é igual a g= 9,8/5 m/s2, que corresponde a uma distância d do centro da Terra, dada por 9,8 6.1024 = 6, 67.10−11. 2 5 d Assim, d = 7,15 x 106 m, ou d = 7.150 km 23 FÍSICA GERAL II A figura 1.13 mostra a variação do campo gravitacional em função da distância ao centro do corpo criador do campo. Figura 1.13 - Variação do campo gravitacional em função da distância ao centro de forças. O campo gravitacional também varia em função da altitude e da latitude sofrendo, ainda, pequenas variações provocadas pelas distorções da simetria esférica da Terra e variações locais de densidade. As tabelas 1.2, 1.3 e 1.4 mostram as variações com a altitude e latitude e, também, as acelerações em cada planeta, inclusive na Lua. Tabela 1.2 - Variação da intensidade do campo Para a Terra, faremos mais algumas gravitacional terrestre em função da altitude. considerações. Nosso planeta não é uma esfera perfeita e, também, não pode ser considerada como um referencial inercial, pois além de estar girando em torno de seu eixo de rotação (aceleração centrípeta), possui movimento de translação em torno do Sol com aceleração variada, além de outras acelerações devidas Tabela 1.3 - Variação da aceleração da gravidade aos movimentos do Sol, da Via Láctea, etc. terrestre em função da latitude. Devido ao movimento de rotação, o peso aparente (pap) de um corpo de massa m sobre a superfície terrestre não é exatamente igual à força de atração gravitacional que a Terra exerce sobre o corpo, denominado de peso real (p0) do corpo. Se utilizássemos um dinamômetro para medir o peso de um corpo sobre a superfície terrestre, veríamos que no equador o corpo tem peso diferente do que nos pólos. No equador, Tabela 1.4 - Intensidade do campo gravitacional um corpo se move em um círculo de raio RT na superfície do Sol e de seus planetas. (considerando a Terra como esfera perfeita) e com velocidade angular ω, havendo, portanto, uma força resultante que “puxa” o corpo para o centro da Terra (força centrípeta), tal que pap = p0 − ω 2 RT Como a massa do corpo não varia, podemos dividir a equação anterior por m, obtendo a relação entre o módulo da aceleração gravitacional aparente (gap) no equador e da aceleração gravitacional real (nos pólos), ou seja, g ap= g 0 − ω 2 RT (no equador – Latitude 0°) 24 Substituindo os dados da Terra, teremos: gap = g0 – 0,0339 m/s2 (no equador - Latitude 0°). Nos pólos, a aceleração centrípeta é nula (distância do corpo ao eixo de rotação é igual a zero), portanto, o peso aparente é igual ao peso real, ou, dito de outra forma, gap = g0 (nos pólos – Latitude 90°) Pelos dados, podemos ver que, considerando a Terra como uma distribuição esférica de massa, a aceleração da gravidade no equador é 0,0339 m/s2 menor do que a aceleração gravitacional nos pólos. Este é um dos motivos de serem as bases de lançamento de satélites próximas do equador. É comum, nos dias de hoje, vermos astronautas flutuando no espaço ou no interior de naves espaciais, como se não tivessem “peso” algum (levitação). Como isso é possível? Para isso, vamos imaginar uma pessoa de massa m, dentro de um elevador que desce com aceleração a. Nessa situação, existem duas forças atuando no corpo da pessoa, que são: seu peso P, que é a força de atração gravitacional da Terra, e a reação normal do assoalho do elevador (N) sobre a pessoa. A intensidade da força normal de compressão (-N) que a pessoa aplica sobre o piso do elevador é seu peso aparente (Pap), que é a força que seria lida por um dinamômetro que estivesse colocado entre a pessoa e o piso. A figura 1.14 permite visualizar a situação proposta. Aplicando a 2ª Lei de Newton para o caso, visto a pessoa e o elevador estarem em movimento acelerado para baixo (MRUV), em módulo, ficamos com P − N = ma ⇒ mg − Pap = ma ⇒ Pap = mg − ma ou seja, = Pap m ( g − a ) . Se o elevador estiver em queda livre, sua aceleração será igual à aceleração da gravidade, resultando num peso aparente nulo, ou seja, a pessoa levitaria dentro do elevador, não exercendo qualquer pressão sobre o piso. Tudo se passa como se a aceleração da gravidade no interior do elevador fosse nula. Essa situação é a mesma que ocorre com um astronauta em órbita. O peso aparente do astronauta é nulo e ele flutua no interior da nave numa situação de imponderabilidade. O astronauta, flutuando no espaço ou no interior da nave, comporta-se como se fosse outro satélite artificial, não exercendo pressão nas paredes da nave. Provocando pequenos impulsos sobre os corpos, os astronautas aproveitam os movimentos inerciais dos corpos, locomovendo-os no interior da nave ou em seu exterior. Gravitação QUESTÃO 1.2 O valor da massa de um corpo sofre variação com a latitude ou com a altitude? Será que na Lua, onde a aceleração gravitacional é, aproximadamente, igual a 1/6 daquela da Terra, a massa do corpo variaria? E seu peso? a g g a N P 1.5 Corpos em Órbita Circular – Satélites Satélites artificiais em órbita ao redor da Terra são um fato corriqueiro na vida moderna. Todas as noites, aproximadamente até as 21 horas, e entre as 4 e 6 horas da manhã, é possível observar satélites executando as mais diversas órbitas, parecendo viajar por entre as estrelas. É importante estudar os fatores que determinam as propriedades das órbitas e como os satélites permanecem em órbita, inclusive a Lua, que é nosso satélite natural. Tais respostas são encontradas na aplicação das Leis de Newton da Mecânica Clássica e na Lei da Gravitação Universal. No curso de Mecânica Clássica, quando estudamos o movimento de um corpo (lançamento na horizontal) vimos que, dependendo do módulo da velocidade de lançamento vo, o corpo cai cada vez mais longe à medida que a velocidade aumenta. Galileu já havia percebido que, desprezando as forças de atrito, o corpo iria cada vez mais longe, inclusive podendo girar em torno da Terra (entrar em órbita). Se você lançar uma pedra na horizontal, do alto de um morro, e desprezar as forças de atrito que consomem energia do movimento, a pedra cairá a certa distância de onde você lançou. Aumentando a velocidade, aumentará a distância de queda. Aumentado cada vez mais a velocidade, chegará um ponto em que a curvatura da Terra passa a ser um fator importante. -N Figura 1.14 - Pessoa dentro de elevador. Forças atuantes. 25 FÍSICA GERAL II v r a Fg v Fg a RT Fg a v Figura 1.15 - Força gravitacional, aceleração e velocidade tangencial em um satélite em torno da Terra. À medida que a pedra avança em sua trajetória, ela continuará “caindo” em torno da Terra, como se a Terra “encurvasse” embaixo da pedra. Prosseguindo neste raciocínio, a pedra continuaria a “cair” em torno da Terra, continuamente, retornando ao ponto de lançamento após certo tempo, ou seja, a pedra entraria em uma órbita circular em torno da Terra e como desprezamos as forças de atrito, o movimento se daria com velocidade constante. Portanto, um movimento circular e uniforme (MCU), onde a aceleração gravitacional seria sua aceleração centrípeta (a força centrípeta na órbita seria igual ao seu peso). As trajetórias realizadas por satélites artificiais têm excentricidades distintas, desde trajetórias quase circulares até órbitas abertas, quando não mais retornam ao planeta. Nosso interesse são as órbitas fechadas (elipses e círculos) onde o corpo retorna ao ponto inicial de entrada em sua órbita. A trajetória circular é a mais simples de ser estudada, pois muitos dos satélites possuem órbitas quase circulares, inclusive, as órbitas dos planetas do sistema solar e da Lua são quase circulares, possuindo pouca excentricidade, podendo ser tratadas como circulares, em primeira aproximação. A única força que atua em um satélite artificial em órbita circular é a atração gravitacional que está orientada para o centro da Terra e, consequentemente, para o centro da órbita. Nesta situação, o satélite realiza um MCU e sua velocidade tangencial é constante em módulo. O satélite não cai em direção à Terra, mas continua “caindo” ao redor dela e sua velocidade tangencial é aquela que ele necessita para manter constante sua distância ao centro da Terra (fig.1.15) De acordo com a lei da gravitação, a força resultante que atua sobre o satélite (módulo da força gravitacional) de massa m, é a atração gravitacional existente entre o satélite e a Terra (MT). A aceleração está sempre dirigida para o centro da Terra e sua direção é sempre perpendicular à velocidade tangencial do satélite. Pela 2ª Lei de Newton, temos que M T m mv 2 = = Fc . Fg G = r2 r Da expressão anterior e para órbitas circulares (raio r), isolando a velocidade, ficamos com v= GM T . r A velocidade tangencial do satélite é uma função do raio da órbita, ou seja, para certa órbita, o satélite terá determinada velocidade em torno da Terra. Note, também, que a velocidade orbital não depende da massa do satélite. A última afirmação implica dizer que, se dividíssemos a estação orbital em várias partes, todas elas continuariam com a mesma velocidade em torno da Terra, constituindo cada parte em si, um satélite artificial, inclusive, os próprios astronautas também se comportariam como satélites artificiais. A velocidade e a aceleração dos astronautas são as mesmas da estação orbital, de tal maneira que não existe nenhuma força empurrandoos contra as paredes da estação ou contra seu piso. Os astronautas estão em estado de imponderabilidade, no qual seus pesos aparentes são nulos, tal como no caso do elevador em queda livre. É devido a esse estado de peso aparente nulo que os astronautas ficam flutuando no interior da nave. Outro dado interessante é que as diversas partes do corpo do astronauta (braços, fígado, coração, cabeça...) também ficam com peso aparente zero, daí, ele não sente nenhuma força empurrando seu estômago contra o intestino, nem o peso de seu braço, nem a pressão da cabeça sobre seus ombros!!! Esta característica das órbitas circulares (peso aparente nulo) também ocorre para qualquer tipo de órbita, inclusive as órbitas abertas, desde que a única força atuante sobre o corpo for a atração gravitacional. Podemos achar o tempo de revolução de um satélite numa certa órbita de raio r. O satélite demora um certo tempo T (período) para percorrer o perímetro do circulo com velocidade v, assim, 26 v= 2πr T Gravitação Substituindo a velocidade, anteriormente explicitada, ficamos com r3 T = 2π . GM T Utilizando a fórmula do período e rearranjando os termos, obtemos T2 4π 2 = = K. r 3 GM T Esta última expressão é a 3ª Lei de Kepler. Note que a constante planetária K não depende da massa do satélite que está orbitando, mas somente da massa do corpo central (centro de força). Para satélites estacionários, normalmente de telecomunicações, o raio da órbita (a partir do centro da Terra), está na faixa dos 42 mil quilômetros. A velocidade de translação (velocidade tangencial) se situa na faixa dos 10,8 mil quilômetros por hora. Assim, o período de revolução é de 24 horas, o mesmo do período de rotação da Terra, portanto, para um observador da Terra, o satélite parece estar parado no espaço como uma estrela fixa. Como os sinais de rádio e TV (ondas eletromagnéticas) se propagam com a velocidade da luz, o tempo de ida ao satélite e volta à Terra, somados ao tempo de distribuição do sinal pelo planeta é muito pequeno, imperceptível aos nossos sentidos. Tudo parece estar acontecendo em tempo real, mas não é assim. EXEMPLO 1.5 Um satélite, a 1000 km de altura em relação à superfície terrestre, orbita circularmente com velocidade escalar constante. Calcule sua velocidade escalar. Solução: Lembre-se que a velocidade é uma velocidade tangencial e que a altura deve ser somada ao raio da Terra, ou seja, r = RT + h. Adotando RT = 6,37 x 106 m e MT = 5,98 x 1024 kg, teremos v= GM T r Substituindo os valores, ficamos com v = 7,36 x 103 m/s2 ≈ 26.500 k/h. O tempo de revolução seria em torno de 1 hora e 45 minutos. Você, estudante, deve observar que a velocidade orbital não depende da massa do satélite. 1.6 Energia Potencial Gravitacional Quando um planeta gira em torno do Sol, as propriedades orbitais permanecem constantes ao longo de milhões de anos. Tal fato sugere que a energia mecânica (cinética + potencial) se conserva no movimento de translação do sistema Sol-planeta. A conservação da energia mecânica é atribuída ao fato de que os dois corpos (Sol e planeta) se comportam como sistema isolado e que as únicas forças que atuam no sistema são suas forças gravitacionais atrativas e conservativas. Como as órbitas são elípticas, a velocidade tangencial do planeta varia a cada ponto da órbita, sendo maior nas proximidades do Sol (periélio) e menor no afélio. Assim, cada vez que o planeta circula ao redor do Sol, deve haver uma troca de energia mecânica nas suas formas cinética e potencial entre o sistema. 27 A energia cinética do sistema planeta-Sol é atribuída, praticamente, somente ao planeta, pois o Sol, como centro atrator e muito mais “pesado” que o planeta, não se move. Com relação a qualquer planeta, a força gravitacional solar é a maior das forças gravitacionais que atua no sistema, constituindo o Sol o centro de forças atrativas que mantêm os planetas presos a ele e gravitando ao seu redor. Nosso sistema de referência inercial está centrado no Sol (a massa M está em repouso) e o planeta é o sistema móvel. O sistema planeta-Sol pode ser tratado como um sistema de dois corpos isolados, de massas m e M, para M>>m, de tal forma que podemos aplicar o princípio de conservação da energia mecânica. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a um satélite orbitando a Terra, ao sistema Terra-Lua, ou mesmo a um cometa passando perto do Sol. A energia mecânica total E do sistema de dois corpos isolados é a soma da energia cinética do corpo girante (massa m) somada à energia potencial gravitacional do sistema, ou seja, FÍSICA GERAL II E = Ecin + U g = constante . Já foi visto que a força gravitacional é conservativa, isto é, o trabalho realizado pela força sobre a partícula só dependo dos pontos inicial e final e não da trajetória efetivamente percorrida. O teorema do trabalho-energia diz que “o trabalho realizado pela resultante F das forças que age na partícula, quando esta se desloca de um ponto a outro da trajetória, é igual à variação de sua energia cinética”, ou seja, W = ∆Ecin . Ao atuar somente forças conservativas, introduzimos o conceito de energia de configuração ou energia potencial U. Neste caso, podemos dizer que, se a energia cinética K da partícula variar de uma quantidade ΔK, quando variar sua configuração (mudança de posição espacial da partícula em relação ao referencial), a energia potencial U do sistema deve variar de uma quantidade ΔU, de igual valor e oposto, de tal forma que a soma das variações das duas energias deve ser nula, isto é, Assim, ficamos com A Fg m ri rf Fg Figura 1.16 - Deslocamento da partícula sob ação da força gravitacional terrestre. B ∆Ecin + ∆U = 0 . ∆Ecin = −∆U . Para uma dimensão, o trabalho realizado por uma força variável dependente da posição(como é o caso da força gravitacional) é dado por rf W = ∫ F (r )dr , ri na qual, ri (ponto A) e rf (ponto B) são as posições inicial e final da partícula (em relação ao referencial adotado) ao longo da trajetória, que pode ser retilínea ou curvilínea, conforme figura 1.16. Em função da equação anterior, ficamos com rf ∆U = − ∫ F (r )dr . ri Em se tratando da Terra, a força gravitacional (Fg) está sempre dirigida para seu centro (para baixo) e o referencial inercial centrado na Terra está dirigido para cima. Assim, o módulo da força gravitacional adquire o sinal negativo, ou seja, Fg (r ) = −G MT m . r2 Substituindo o valor do módulo da força gravitacional na equação da variação da energia potencial, obtemos rf GM T m ∫ ∆U = ri 28 1 1 dr GM m = − − . T r2 rf ri Temos que ∆U = U f − Ui ⇒ U f = ∆U + U i . Gravitação A função energia potencial, quando a partícula se deslocou da posição inicial até a final, é dada por 1 1 Uf = ∆U + U i = −GM T m − + U i . r r i f A escolha de um ponto de referência para a energia potencial é completamente arbitrária. Normalmente, escolhe-se o ponto onde a energia potencial é nula, o que implica dizer que a força gravitacional entre os dois corpos também é nula. Tal ponto ocorre para uma separação infinita entre os corpos. Fazendo Ui→0 quando ri→∞ e retirando os subscritos, ficamos com Ug = − GM T m . r Embora a equação anterior tenha sido deduzida para um sistema isolado Terrapartícula, ela é válida para qualquer par de partículas de massas m1 e m2, com separação entre seus centros de uma distância igual a r, ou seja, Ug = − Gm1m2 . r A equação da energia potencial gravitacional para qualquer par de partículas varia com 1/r, enquanto que a força gravitacional entre elas varia com 1/r2. Além do mais, a energia potencial é negativa a qualquer distância finita, isto é, a energia potencial é nula no infinito e decresce com a diminuição da distância, o que implica dizer que a força é atrativa. Se a força é atrativa, um agente externo (corpo de sua vizinhança) ao aplicar uma força F deve realizar trabalho positivo para aumentar a separação entre elas. O trabalho realizado pelo agente externo produz um aumento na energia potencial quando as duas partículas são separadas, isto é, a energia potencial torna-se menos negativa quando a separação aumenta, visto U variar com 1/r. A energia potencial definida anteriormente é uma energia de ligação do sistema isolado de dois corpos. Isto implica dizer que um agente externo deve fornecer uma quantidade igual a +Gm1m2/r para separar as partículas por uma distância infinita. A equação anterior mostra também que a energia potencial entre as duas partículas é uma característica do sistema m1+m2 e não de cada partícula isoladamente, ou seja, se houver variação da separação, a energia potencial variará, pois cada uma está no campo gravitacional da outra. A força gravitacional pode ser deduzida da expressão da energia potencial do sistema. Para sistemas que apresentam simetria esférica, a relação entre força e energia potencial é dada por dU g (r ) GM T m Fg (r ) = − = − . dr r2 Esta equação permite interpretar de outra forma a energia potencial: “a energia potencial é uma função da posição, tal que sua derivada, com sinal negativo, é igual à força”. Se o agente externo fornece energia maior do que a energia de ligação, a energia restante fica na forma de energia cinética da configuração. A energia mecânica total para um sistema isolado Terra-satélite é dada por = E 1 2 GM T m mv − . 2 r 29 FÍSICA GERAL II A equação mostra que a energia mecânica total pode ser positiva, negativa ou nula, dependendo do valor da velocidade a uma distância específica de separação r. Para órbitas circulares e sabendo que a velocidade a uma distância r do centro do planeta é dada por v= GM T , r então, a energia mecânica total será dada por, E= − QUESTÃO 1.6 Utilizando considerações sobre energia, determinar a velocidade de escape de um corpo de massa m lançado da superfície terrestre. GM T m . 2r A equação da energia mecânica também é válida para órbitas elípticas, mas devemos substituir o valor de r pelo valor do comprimento do semi-eixo maior da elipse. A energia mecânica, o momento angular total e o momento linear total de um sistema planeta-Sol, planeta-estrela qualquer, Terra-Lua, Terra-satélite, são constantes do movimento ao considerar o modelo do sistema isolado. Com relação à Terra, devemos fazer as seguintes observações: a) Vamos considerá-la como uma partícula cuja massa esteja totalmente concentrada em seu ponto central. No ponto coloquemos nosso referencial inercial. Para um corpo de massa m, distante RT do centro da Terra (corpo na superfície terrestre), a energia potencial gravitacional será dada por Ug = − GM T m . RT Se o corpo estiver a uma altura y da superfície terrestre onde o campo praticamente se mantém constante e colocando o referencial inercial na superfície terrestre, apontando para cima (F(y) = -mg), a energia potencial gravitacional na posição y será dada por U ( y ) g = mgy . Nesse caso, para y=0, a energia potencial será nula, e aumentará linearmente com a altura. Supomos que a partícula se desloque do ponto a (cujas coordenadas são yo=0 e vo≠0) ao ponto b (com coordenadas x e v, ambas diferentes de zero). A energia mecânica total deve ser a mesma em qualquer configuração, visto a força gravitacional ser conservativa. Assim, 1 2 1 mv + U g ( y ) = mv02 + U g ( yo ) . 2 2 Observe que, nesta equação, não aparecem a força nem a aceleração. Como a energia potencial inicial é nula e a energia potencial a uma altura y é igual a mgy temos, então, que 1 2 1 2 mv + mgy = mv0 . 2 2 Eliminando as massas, obtemos a equação de Torricelli, ou seja, 2 v= v02 − 2 gy . 30 Exercícios Gravitação 1. Um planeta gira em torno do Sol com raio médio igual a 20 vezes o raio médio da órbita da Terra. Qual seu período orbital em anos e em dias, para que o planeta complete uma revolução em torno do Sol? 2. A distância média (semi-eixo maior) do sistema Saturno-Sol é de 1,43 x 1012 m e seu período de revolução é de 9,35 x 108s. Calcule o valor da constante K, utilizando a lei dos períodos. 3. Dois navios, com 50 mil toneladas cada um, navegam em rotas paralelas separadas por 200 m. Qual o módulo da aceleração de um dos navios em direção ao outro devido à atração mútua entre eles? Trate os navios como partículas. 4. Três esferas uniformes com massas de 2 kg, 4 kg e 6 kg, estão colocadas nos vértices de um triângulo retângulo de lados 3, 4 e 5 m. A massa de 4 kg está no vértice com ângulo reto. Calcule a força gravitacional sobre a esfera de 4 kg. Trate as esferas como sistema isolado. Calcule a energia potencial total do sistema. M a 5. Calcule o módulo e a direção do campo gravitacional em um ponto P sobre a linha divisória perpendicular de duas partículas com massas iguais separadas por uma distância de 2a, conforme figura 1.17. 6. Io, um satélite natural de Júpiter, tem um período de revolução de 1,77 dias e um raio de órbita de 4,22 x 105 km. Determine a massa de Júpiter a partir desses dados. P r M Figura 1.17 - Massas separadas pela distância 2a. 7. Um satélite rasante desloca-se em uma órbita circular logo acima da superfície de um planeta sem ar. Mostre que sua velocidade orbital (vc ) e a velocidade de escape do planeta (ve ) estão relacionadas pela expressão ve = 2vc . 8. A figura1.18 representa uma estação orbital A que gravita em órbita circular de raio r, geoestacionária (período de revolução igual a um dia). Um objeto é lançado da estação para outra que se encontra em B, situada em outra órbita circular de raio 3 r. A posição de lançamento é no ponto C, favorável para que o pacote seja recolhido no ponto M, da órbita de B. O centro do planeta e os pontos M e C estão alinhados. Após quantos dias, depois do lançamento, o pacote será recolhido no ponto M? 9. O campo gravitacional na superfície de um planeta tem intensidade g. Comente o que aconteceria coma essa intensidade se: a) duplicasse a massa do planeta; B M Pacote A r C 3r Figura 1.18 - Estação orbital em órbita elíptica. b) dobrasse o raio do planeta. 10. A que altura, acima da superfície terrestre, deve ser colocado um satélite em órbita circular para que seu período de rotação seja de 12 horas? 31 FÍSICA GERAL II Anotações 32 Gravitação Anotações 33 FÍSICA GERAL II Anotações 34 2 Equilíbrio Estático 2.1 Equilíbrio Estático 2.2 Centro de Gravidade 2.3 Estabilidade do Equilíbrio de Rotação 35 2 EQUILÍBRIO ESTÁTICO FÍSICA GERAL II Estática é o ramo da mecânica que trata do equilíbrio dos corpos. Quando um corpo está imóvel e permanece imóvel no tempo, diz-se que o corpo está em equilíbrio estático. A análise do equilíbrio estático é muito importante nas Engenharias. Os engenheiros devem identificar todas as forças e torques que agem sobre as vigas e os cabos das estruturas, tendo a certeza de que toda a estrutura pode tolerar as cargas que lhe são e serão impostas. A análise das forças e torques em uma peça mecânica ajuda a determinar a sua durabilidade em uso. Observamos pela figura 2.1a que a somatória vetorial das forças externas e dos torques externos é igual a zero. Portanto, o corpo, nesta condição, está em equilíbrio estático. Na figura 2.1b, mesmo sendo a somatória vetorial das forças igual a zero, a somatória vetorial dos torques é diferente de zero. Assim sendo, o corpo girará em torno de seu centro de massa. Muitas vezes, considera-se que a condição para que uma partícula esteja em repouso é a de que a resultante das forças sobre o corpo seja nula. Porém, como podemos observar na figura 2.1b, se o centro de massa permanecer em repouso, é possível que o corpo gire em torno de um eixo ou de um centro. Não há equilíbrio, se houver rotação. Por essa razão, Figura 2.1. para que haja o equilíbrio estático, é necessário também que a resultante dos torques que atuam sobre o corpo, em relação a qualquer ponto, seja nula. Esta condição nos oferece a liberdade de escolher qualquer ponto para o cálculo dos torques, sendo útil em inúmeras situações físicas. Dessa forma, as duas condições necessárias, para que um corpo rígido esteja em equilíbrio estático, são: 1. A somatória vetorial das forças externas que agem sobre o corpo deve ser nula: ∑F i , ext =0 i 2. A somatória vetorial dos torques externos em relação a qualquer ponto deve ser nula: ∑τ i,ext = 0 i Como vimos, podemos descrever a natureza vetorial da rotação, em torno de um eixo fixo, como positiva ou negativa. Os torques anti-horários serão positivos, e os horários, negativos. Um corpo que está em movimento com velocidade constante satisfaz às duas p 0 , temos que, F i ,ext d= condições, mas não está em equilíbrio estático. Como ∑= dt i o momento linear p = mv é constante. Para um equilíbrio estático, p tem que ser L τ i ,ext d= 0 , onde o momento constante e igual à zero. Da mesma forma ∑= dt i angular L = I ω tem que ser constante e igual a zero para que haja um equilíbrio estático. Podemos ver que as duas condições dadas ( mas não são suficientes. 36 ∑F i i , ext =0 e ∑τ i i , ext = 0 ) são necessárias, EXEMPLO 2.1 Duas pessoas seguram uma carga de 50 kg sobre uma tábua de 3 m. A massa da tábua é de 10 kg e a carga está a 1 metro da extremidade A e a 2 metros da extremidade B. Calcule a força que cada pessoa exerce para suportar a carga. Solução: Inicialmente, temos que fazer um diagrama com todas as forças envolvidas. FA Portanto, FB A A primeira condição para que a carga e a tábua estejam em equilíbrio estático é que a somatória vetorial das forças seja igual a zero. Equilíbrio Estático PC 1,0 m PT 3,0 m B 1,5 m 2,0 m ∑ Fi = 0 i FA − PC − PT + FB = 0 sendo, PC = 490 N e PT = 98 N . Assim, FA + FB = 588 N Como FA e FB não são conhecidas (são as forças procuradas), e como temos uma única relação, não é possível determiná-las. A segunda condição é que a somatória vetorial dos torques externos envolvidos em relação a qualquer ponto seja igual a zero. Como esta condição serve para qualquer ponto, escolhemos o ponto A. Portanto, ∑τ i, A =0 i FA (0) − PC (1m) − PT (1,5m) + FB (3m) = 0 PC (1m) − PT (1,5m) + FB (3m) = 0 FB = 212,3 N Podemos perceber que, com a escolha do ponto A, o torque em A é nulo. Agora, para determinar FA , podemos usar a relação FA + FB = 588 N , e, portanto, FA = 588 N − FB ⇒ FA = 375, 7 N EXEMPLO 2.2 Um peso de 80N está sustentado conforme figura ao lado. A viga tem 2m e o seu peso é de 10 N. Encontre a força exercida sobre a viga no ponto A. Solução: Inicialmente, temos que determinar todas as forças que atuam sobre a viga. 37 FÍSICA GERAL II A somatória vetorial das forças externas, que agem sobre o sistema, não traz informação suficiente para resolver o problema. Fy =0 i,B Ty 300 Fx Tx A Tomando os torques em relação a B, de modo que o torque da força desconhecida T seja nulo, teremos: ∑τ T B 80N 10N 1m 1m i Fy ( 2m ) − PV (1m) = 0 Fy = 5 N Analisando a somatória dos torques em relação ao ponto A, temos: ∑τ i, A =0 i − PP ( 2m ) + Ty ( 2m ) − PV (1m) = 0 Ty = 85 N Para determinar a componente de Tx , utilizamos a identidade T trigonométrica tan(45o ) = y T . Assim, x Tx = Ty tan ( 45o ) Tx = 85 N Agora, podemos utilizar que somatória das forças em x é igual a zero. Deste modo, Fx − Tx = 0 Fx = 85 N Portanto, = F 85 Niˆ + 5 Njˆ EXEMPLO 2.3 Uma massa de 10 kg está segura pela mão, com o antebraço fazendo um ângulo de 900 com o braço.A massa do antebraço é de 2 kg. Calcule a força T exercida pelo músculo bíceps. Solução: Os torques exercidos pelo massa e pelo antebraço em relação ao cotovelo devem ser equilibrados pelo torque da força T (bíceps). Assim, ∑τ i , A = 0 i − Pm ( 33cm ) − p y (15cm ) + T (4cm) = 0 T= 10kg ( 9,8m / s 2 ) ( 33cm ) + 2kg ( 9,8m / s 2 ) (15cm ) 4cm T = 882 N Este valor é bastante alto, pois a força do bíceps atua bem próxima ao cotovelo (4 cm) e a bola está mais distante (33 cm). EXEMPLO 2.4 Uma escada AB, pesando 40 N, apóia-se numa parede vertical que faz um ângulo de 600 com a horizontal. Calcule as forças que atuam sobre a escada nos pontos A e B. A escada é provida de rodas em A, de tal forma que se pode desprezar o atrito na parede vertical. 38 Solução: As forças que atuam sobre a escada estão ilustradas na figura ao lado. O peso P está aplicado no centro C da escada. A força FBx é necessária para evitar que a escada escorregue e resulta do atrito com o piso. As forças FBy e FA são as reações normais no piso e na parede. Usando a primeira condição de equilíbrio, temos: ∑F i Equilíbrio Estático A =0 FA 600 C i ∑Fiy = FBy − P = 0 0 P 30 i FBy =P → FBx =40 N ∑F i ix FBy FBx 600 B =FA − FBx =0 Seja L o comprimento da escada.Tomando os torques em relação a B, de modo que os torques das forças desconhecidas FBx e FBy sejam nulos, teremos que ∑τ i iB = FA Usando ∑F i ix =P L sen300 ) − FA L ( sen600 ) = 0 ( 2 L ( sen300 ) ( sen300 ) 2= P= 11,5 N L ( sen600 ) 2 ( sen600 ) P =FA − FBx =0 , obtemos, FBx = 11,5 N 2.2 Centro de Gravidade A figura 2.2 mostra o esquema de um corpo, dividido em diversas partes, que podemos imaginar como partículas. O peso de cada uma dessas partículas é wi e o peso total do corpo é W = ∑ wi . Podemos imaginar, também, que o peso total do conjunto i estivesse concentrado num único ponto, de modo que, se o corpo fosse apoiado no ponto, estaria em equilíbrio. Este ponto é o centro de gravidade X cg , e é definido como o torque correspondente à força W , aplicado neste ponto. Em relação a qualquer ponto, o torque total será igual a resultante dos torques dos pesos das partículas em relação ao mesmo ponto. A coordenada x do centro de gravidade é dada por: X cgW = ∑xi wi Figura 2.2 i Se a aceleração da gravidade for constante sobre toda a extensão do corpo, podemos escrever wi = mi g e W = Mg , assim, X cg Mg = ∑mi g wi i X cg M = ∑mi wi i Esta equação nos dá a coordenada x do centro de massa. Logo, quando o campo gravitacional for uniforme, a coordenada x do centro de massa é igual à coordenada x ao centro de gravidade. O centro de gravidade é o ponto em relação ao qual os torques das forças gravitacionais que atuam sobre as partículas do corpo têm resultante nula. 39 2.3 Estabilidade do Equilíbrio de Rotação FÍSICA GERAL II a) c.m. • b) • c.m. Figura 2.3 O equilibrista a da figura 2.3 anda sobre uma corda esticada e utiliza uma barra rígida retilínea para ajudar o equilíbrio. Este sistema é instável e andar por uma corda assim é, obviamente, só para profissionais. O equilibrista b utiliza uma barra rígida na forma de um U invertido, com dois pesos nas pontas. O centro de massas homem-pesos é muito mais baixo do que o ponto de apoio do sistema (pés). Neste caso, o sistema é estável, pois qualquer deslocamento angular provoca o aparecimento de um torque que tende a retornar o sistema à posição de equilíbrio. Portanto, a estabilidade de um sistema pode ser aumentada se o centro de gravidade for abaixado. Os seres humanos têm problema para ficar de pé ou andar sobre dois pés. O centro de gravidade do corpo humano está numa altura significativa em relação ao nível do solo e o equilíbrio tem que ser mantido sobre a estreita base de apoio proporcionada pelos pés. As crianças demoram meses para ficar em pé e levam cerca de um ano para aprender a andar. Muitos quadrúpedes ficam em pé logo após o nascimento e têm o aprendizado de locomoção muito mais fácil que os humanos por exemplo, pois a respectiva base de apoio é muito mais larga e o centro de gravidade está muito mais baixo do que em nós. Dessa forma, podemos classificar em três categorias o equilíbrio de um corpo em relação à rotação: estável, instável e indiferente. a) estável b) instável U0 < UB c) indiferente U0 > UB U0 = UB Figura 2.4 - Equilíbrio a) estável, b) instável e c) indiferente. O equilíbrio de rotação estável ocorre quando os torques provocados por um pequeno deslocamento angular do corpo em relação à posição de equilíbrio, provocam uma rotação que tende a levar o corpo para a posição de equilíbrio inicial. A figura 2.4a mostra a situação de equilíbrio estável. Quando a caixa gira de um pequeno ângulo em torno de uma aresta, o torque em relação ao ponto de apoio tende a levar a caixa à posição inicial. Veja que, neste caso, a rotação eleva o centro de gravidade e aumenta a energia potencial da caixa (observe a linha tracejada nas duas condições na figura 2.4a). O equilíbrio de rotação instável ocorre quando os torques provocados por um pequeno deslocamento angular do corpo tendem a afastar o corpo da posição original. Por exemplo, uma pequena rotação do bastão (figura 2.4b) provoca sua queda, pois o torque 40 do peso provoca uma rotação que o afasta da posição inicial. A rotação, neste caso, abaixa o centro de gravidade e diminui a energia potencial do bastão (analisar a linha tracejada na figura 2.4b). Comparando a figura 2.4a e 2.4b podemos entender a razão do tamanho da base aumentar a estabilidade: isto está relacionado com a curva de energia potencial de cada caso. Quando a área superficial é grande em relação ao volume o sistema é mais estável, quando a área é pequena o sistema é instável. Um cilindro, que repousa sobre uma superfície horizontal, ilustra o equilíbrio de rotação indiferente (figura 2.4c). Se o cilindro girar, não haverá torque ou força agindo para que retorne à posição inicial ou para que se afaste dela. Na rotação do cilindro, a altura do centro de gravidade não se altera e a energia potencial idem. Resumindo: se um sistema for ligeiramente perturbado de sua posição de equilíbrio, este será estável quando o sistema retornar à posição inicial; será instável, se o sistema se afastar da posição inicial; e indiferente, se não existir torques ou forças que atuem num ou noutro sentido. Equilíbrio Estático EXEMPLO 2.5 A partir do gráfico de energia potencial em função do x, determine, nas posições A, B, C, D e E, se o equilíbrio é estável, instável ou indiferente. Solução: A) Instável, pois qualquer perturbação diminui a energia potencial do sistema e o sistema tende a não voltar à posição A. B) Estável, uma vez que uma pequena perturbação da posição aumenta a energia potencial e o sistema volta à posição B. C) Instável, como em A, onde qualquer perturbação diminui a energia potencial do sistema. D) Estável, como em B, onde uma pequena perturbação da posição aumenta a energia potencial. E) Indiferente, porque uma perturbação não muda o valor da energia potencial. EXEMPLO 2.6 Um caminhão transporta uma caixa homogênea de massa m, altura h e lado L. Qual poderá ser a aceleração máxima do caminhão sem que seja provocado o tombamento da caixa? Admita que o tombamento preceda ao deslizamento da caixa. 41 FÍSICA GERAL II Solução: Mesmo o caminhão estando acelerado ( ∑ F i = m a cm ), pretende-se que a caixa não i tombe. Portanto, a somatória dos torques em relação ao centro de massa da caixa deve ser nula ∑τ i ,ext = 0 . Na direção da aceleração temos somente a força de atrito f , e, i ∑F portanto. Aplicando i,x i = macm , temos f = macm Na vertical não há movimento. Assim, é igual ao peso mg, Aplicando i i i N FN = mg ∑τ ∑F = 0 , e, por essa razão, a força normal F i , ext cosØ , teremos, = 0 , e sabendo que sen ( 900 − Ø ) = L ) ( 2 Como senØ = r FN rsenØ − frcosØ = 0 e h ) ( cosØ = 2 , obtemos, r L h −f = 0 2 2 e FN = mg , resulta que mgL − macm h = 0 FN Usando f = macm acm = g L h Exercícios 1. Uma chapa triangular é constituída pela soldagem de quatro chapas triangulares homogêneas, cada qual com o lado a, como mostra a figura ao lado. A chapa 1 pesa 40N, a 2 pesa 60, a 3 pesa 40N e a 4, 60N. Localizar o centro de gravidade. 2. O centro geométrico coincide sempre com o centro de gravidade de um corpo? 3. Quarenta por cento do peso de um carro é suportado pelas rodas traseiras. As rodas traseiras e dianteiras estão afastadas por 2 metros. Onde está localizado o centro de gravidade do carro em relação às rodas traseiras? 4. Uma placa de 10kg está suportado por um cabo preso a uma travessa de 1m no ponto O (figura ao lado). A massa da travessa é desprezível. Achar a força exercida pela travessa no ponto O e a tensão T na corda. 42 450 O T T 5. Uma placa de 10kg é suportada por um cabo preso a uma travessa de 1 m (figura ao lado). A massa da travessa e do cabo são desprezíveis. Achar a força exercida pelo sistema no ponto O e a tensão T na cabo. Equilíbrio Estático 450 O 6. Uma caixa homogênea de 2m x 1m x 1m está sobre uma tábua inclinada, como mostra a figura. A inclinação é aumentada lentamente. O coeficiente de atrito é suficiente para impedir o escorregamento da caixa. Em que ângulo θ a caixa tombará? 7. Duas forças de 40 N estão aplicadas na borda de uma chapa circular de raio R =10 cm, como mostra a figura. Calcular o torque provocado por este par de forças. 8. Durante uma palestra, um estudante segura uma vara de 2 m e com 5 kg por uma das extremidades, mantendo-a na posição horizontal. Estime as forças que o estudente exerce sobre a vara. (existem duas forças que atuam em direções opostas, separadas pela largura da mão) 9. Uma escada está apoiada contra uma parede vertical sem atrito. O coeficiente de atrito entre a escada e o piso é 0,5. Qual o menor ângulo dentro do qual a escada ficará estacionária? 10. Um móbile é constituído por quatro pesos pendurados em três travessões de massa desprezíveis. Determinar os pesos desconhecidos (A, B e C) para o móbile permanecer em equilíbrio. 43 FÍSICA GERAL II Anotações 44 Equilíbrio Estático Anotações 45 FÍSICA GERAL II Anotações 46 3 Fluidos 3.1 densidade 3.2 pressão em um Fluido 3.2.1 Medidas de pressão 3.3 princípio de pascal 3.4 Empuxo e o princípio de Arquimedes 3.5 dinâmica dos Fluidos 3.5.1. princípio de Bernoulli 47 3 FLUIDOS FÍSICA GERAL II Densidade ρ (kg/m3 ) Ar atmosférico 1,293 Madeira 0,6-0,9×103 Álcool 0,806×10 Gelo 0,92×103 Água 1,00×10 3.1 Densidade 3 3 Água do mar 1,025×103 Alumino 2,70×103 Ferro 7,96×103 Cobre Chumbo 8,93×103 11,6×103 Tabela 3.1 – Densidade de alguns materiais. 48 Fluidos abrangem os gases e os líquidos. Nos fluidos, os conjuntos de moléculas da matéria estão aleatoriamente arranjadas e mantidas juntas por forças exercidas pelas paredes do recipiente. Diferentemente de um sólido, que tem volume e forma definidos, um líquido tem volume e escoa até ocupar a região mais baixa possível do recipiente que o contém. Isto quer dizer que não possui forma definida. As forças coesivas num líquido são fracas e de curto alcance e são frequentemente rompidas pela agitação térmica. Essas ligações, apesar de fracas, mantêm a unidade dos líquidos. Essa unidade é quebrada nos gases, pois a separação média das moléculas é grande diante do tamanho das moléculas. As forças coesivas entre as moléculas são praticamente inexistentes, exceto durante as colisões, que são muito frequentes e muito rápidas. Por isso, um gás não tem volume nem forma definidos. Apesar das diferenças, gases e líquidos têm determinados comportamentos semelhantes e podem ser estudados em conjunto. O estudo dos fluidos foi sempre um grande desafio científico, que provocou o pensamento e a imaginação de grandes físicos. Estes grandes físicos utilizaram-se principalmente dos conceitos de força e conservação. Dessa forma, novas fronteiras do conhecimento foram abertas e propiciaram uma compreensão melhor destes conceitos e da própria Física. Uma propriedade importante dos líquidos e gases (e também dos sólidos) é a razão entre a massa m e o volume V. Esta razão é denominada densidade ρ : massa m = Densidade = ρ volume V 3 No sistema internacional (SI) a unidade da densidade é kg / m , mas normalmente 3 = = cm3 10−3 m3 ). No caso a densidade é dada em kg / l, onde l é a unidade de litro ( 1l 10 específico dos gases o volume é determinado pelo recipiente que o contém. A densidade das substâncias altera-se com a temperatura e a pressão. A maioria dos sólidos e líquidos contraem ligeiramente quando resfriados e também contraem ligeiramente quando sob compressão. Estas mudanças no volume são pequenas, logo, é comum considerar a densidade independente da temperatura e do volume nos sólidos e líquidos. Em contraste, a densidade de um gás depende fortemente da temperatura e da pressão e, por essa razão, é indispensável especificar estas duas grandezas. Adotam-se como condições normais de temperatura e pressão a temperatura de 250C e a pressão atmosférica ao nível do mar. A densidade da água, a 4OC, é de 1000kg / m3 ou 1, 00 kg / l (Tabela 3.1). Uma substância (sólido ou líquido) flutua na água quando a sua densidade for menor que o da água. Isto é, para um mesmo volume, a água tem massa maior do que a substância. A razão entre a densidade de uma substância e a densidade da água é sua densidade relativa. Por exemplo, a densidade da madeira (tabela 3.1) é 600 kg / m3 ; portanto, a densidade relativa da madeira é 0,6 vezes a densidade da água, por isso a madeira flutua. EXEMPLO 3.1 Normalmente, a densidade de uma substância é dada em relação à densidade da água, sendo denominada de densidade relativa. Quais seriam então as densidades relativas do álcool e do ferro? Solução: é Álcool: a densidade do álcool é 0,806 ×103 kg / m3 e da água 3 3 (ver tabela Y.1). Portanto, a densidade relativa do álcool é 1, 00 ×10 kg / m 3 kg 3 kg 0,806 . Isto quer dizer que a densidade do álcool cor 0,806 ×10 3 /1, 00 ×10 3 = m m responde a 0,806 da água. Ferro: a densidade do ferro é 7,96 ×103 kg / m3 (ver tabela 3.1). Assim, a densidade re- lativa do ferro é 7.96 × 103 Fluidos Questão 3.1 Um navio danificado mal pode flutuar no mar. Então ele é rebocado para um porto em um rio. Enquanto é rebocado rio acima, ele afunda. Por quê? kg kg /1, 00 ×103 3 = 7,96 . 3 m m 3.2 Pressão em um Fluido Quando um corpo está imerso em um fluido este exerce em cada ponto da superfície do corpo, uma força perpendicular à superfície. A força que um fluido exerce sobre uma superfície se origina das colisões das moléculas com a superfície. Considerando uma colisão elástica, cada uma delas resulta em uma força F em módulo sobre a superfície, que é dada por ∆p p f − pi mv + (m ( −v )) 2mv = F = = = ∆t ∆t ∆t ∆t vi v= v) . Podemos perceber que na qual, m é a massa da molécula e v sua velocidade ( = f a força resulta na reversão da componente do vetor velocidade da molécula perpendicular à superfície. Um grande número dessas forças ocorre a cada segundo tendo, por resultado, uma força macroscópica constante na superfície. Esta força do fluido F, por unidade de área da superfície A, é a pressão P do fluido: P= F . A No sistema internacional, a unidade de pressão é o pascal (Pa). Como a força é dada em Newton e a área em metro quadrado, temos que Pa = N . m2 Lembremos que a pressão e a força são grandezas diferentes. Observando a F definição de pressão P = , podemos ter uma pressão muito grande a partir de uma A força pequena F ao diminuir a área A sobre a qual a força é aplicada. Podemos, também, criar uma pressão pequena a partir de uma força grande F ampliando a área A de atuação da força. Quando alguém pisa sobre um único prego, ele perfura a pele. Isto não acontece quando alguém pisa sobre uma grande quantidade de pregos, conforme figura 3.1. A grande massa de ar sobre a superfície da Terra exerce uma pressão de cerca de 101kPa sobre a superfície e os corpos sobre ela. Normalmente esta pressão é denominada 1 atmosfera (atm), que constitui uma unidade de medida de pressão. As relações entre estas e outras unidades estão apresentadas na tabela 3.2. Figura 3.1 - Pé sobre uma quantidade grande de pregos (www.phaneo.de). 49 FÍSICA GERAL II 1 Pa 1 bar 1 atm 1 torr 1 psi Figura 3.2 - Coluna de água com altura h e área da seção reta A. Questão 3.2 Na Groenlândia as camadas de gelo podem chegar a 1 km de espessura. Se a densidade do gelo é ρ=920 kg/m3, estime a pressão do gelo sobre o solo. Questão 3.3 Avalie a força horizontal na parte traseira da barragem da represa de Itaipu proveniente da massa de água. Considere somente a largura da parte central da barragem com 960 metros de comprimento e 180 metros de profundidade. Pascal (Pa) Bar (bar) atmosfera (atm) Torr (torr) (mmHg) libra por polegada quadrada (psi) (lb/in2) 1 1,0000·10−5 9,8692·10−6 7,5006·10−3 1,4504·10−4 1,0000·105 1 9,8692·10−1 7,5006·102 1,4504·101 1,0133·105 1,0133·100 1 7,6000·102 1,4696·101 1,3332·102 1,3332·10−3 1,3158·10−3 1 1,9337·10−2 6,8948·103 6,8948·10−2 6,8046·10−2 5,1715·101 1 Tabela 3.2. Tabela de conversão de unidades de pressão. A pressão exercida por um fluido sobre um corpo tende a comprimir o corpo. A razão entre a variação da pressão ∆P e a diminuição relativa de volume ( – ∆V / V ) é denominado de módulo de compressibilidade, B= − ∆P . ∆V / V O módulo de compressibilidade B mede a dificuldade de comprimir um corpo. Quanto menor a diminuição relativa de volume ( ∆V / V ) , maior será o módulo de compressibilidade. O valor de B é elevado para sólidos e líquidos e baixo para os gases. A pressão num lago ou em qualquer oceano aumenta com a profundidade. Como a densidade é aproximadamente constante, o aumento da pressão é aproximadamente linear. Analisemos uma coluna de água de altura h e de seção reta A (figura 3.2). O peso dessa coluna de líquido é = w mg = ρVg = ρ Ahg Se PO for a pressão no topo da coluna de água e P a pressão na base, como F = PA , a força para cima provocada pela diferença de pressão é PA − PO A . Fazendo a somatória das forças, temos, P A − PO A = ρ A hg P − PO = ρ hg 3.1 A diferença de pressão medida na superfície do líquido e medida em uma profundidade h é igual a mgh. EXEMPLO 3.2 Dada uma barragem de uma represa retangular, com 20 metros de largura e 20 metros de profundidade: a) calcule a pressão no fundo da represa e b) determine a força horizontal total que age sobre a represa. Solução: ρ hg ; a) Como P − PO = b) Como = dF PdA = ρ ghLdh . Integrando entre e h H= :F = h 0= h= H ∫ h =0 H ghLdh = ρ gL ∫ = hdh 0 1 ρ gLH 2 . 2 3 7,848.107. Portanto, F (10 = = kg / m3 )(9,81N / kg )(20m)(20m) 2 78480000N 50 3.2.1 Medidas de Pressão Fluidos Evangelista Torricelli1 inventou um instrumento simples para medir a pressão: o barômetro (figura 3.3a). Consistia num tubo longo, fechado em uma extremidade e repleto com mercúrio. Era, então, invertido em um recipiente cheio de mercúrio. A pressão no alto da coluna de mercúrio pode ser considerada como zero, pois a extremidade é fechada. A pressão provocada pela coluna de mercúrio no ponto O deve ser igual à pressão provocada pela atmosfera. Se não fosse o caso, o mercúrio mover-se-ia para um ponto até que o equilíbrio fosse estabelecido. O peso da coluna de mercúrio no tubo é FP = mg , onde a massa é igual ao produto entre a densidade ρ Hg e o volume de mercúrio no tubo ( V = Ah ). Portanto, FP = ρ Hg Ahg . A pressão PO no ponto O é dada por FP ρ Hg Ahg = = = ρ Hg hg . P O A A À medida que a pressão atmosférica varia, a altura da coluna de mercúrio varia e, assim, a altura pode ser calibrada para medir a pressão atmosférica. Para uma pressão = PO 1= atm 101kPa , temos PO = ρ Hg hg = h PO = ρ Hg g Figura 3.3 a) barômetro 101kPa 103 kg × 13,5 9,8m / s 2 ) 3 ( m h = 0, 760m . No barômetro é feita a leitura da pressão diretamente pela altura h. Como esta altura é dependente da densidade do líquido (mercúrio), usa-se a notação direta de 760 mmHg (milímetros de mercúrio), conforme pode ser visto na tabela 3.2. O barômetro de Torricelli mede a pressão absoluta (figura 3.3a). O manômetro (figura 3.3b), por sua vez, mede a diferença da pressão atmosférica e a pressão em um recipiente. A pressão em A é a pressão do recipiente que queremos determinar. Como no caso do barômetro, as pressões em A e B são as mesmas. Se não fossem as mesmas, parte do fluido experimentaria ρ hg . Descobrindo a altura da coluna uma força e se movimentaria. Assim, temos que P − PO = acima do ponto A (altura de A é igual a altura de B) e multiplicando pelo valor da densidade e do valor de g, temos a diferença de pressão P − PO , que é chamada de pressão manométrica. A pressão que medimos do pneu do carro é a pressão manométrica. Atualmente, existe uma série de novos medidores de pressão que se utilizam destes princípios e/ou de outros, que estudaremos posteriormente (condução de calor, capacitância, resistividade elétrica, campo elétrico e magnético). 3.3 Princípio de Pascal Blaise Pascal (1623-1662) foi um filósofo religioso, físico e matemático francês. Trouxe notáveis contribuições para as ciências naturais aplicadas. Realizou estudos importantes em diversas áreas da Física, especialmente sobre fenômenos envolvendo fluidos. Em um de seus tratados, Traité de l’équilibre des liqueurs, que só foi publicado um ano após sua morte, Pascal esclareceu, finalmente, os princípios barométricos da prensa hidráulica e da transmissibilidade de pressões. Estabeleceu aquele que, hoje, é conhecido como o Princípio de Pascal: Figura 3.3 b) manômetro Questão 3.4 É possível construir um barômetro utilizando-se água em vez de mercúrio? Qual seria a altura da coluna de água? 1 Evangelista Torricelli (1608-1647) foi um físico e matemático italiano. Galileu, impressionado com seus estudos, convidou-o para trabalhar como seu secretário e assistente de Galileu. Depois da morte do mestre Galileu, foi então nomeado para substituir-lo como matemático do grão-duque da Toscana e professor de Matemática na universidade de Florença. 51 FÍSICA GERAL II Num líquido em repouso ou equilíbrio, as variações de pressão transmitem-se igualmente e sem perdas para todos os pontos da massa líquida. A prensa hidráulica (figura 3.4) é uma aplicação corriqueira do princípio de Pascal. Um cilindro de raio menor com um pistão é interligado com outro cilindro de Figura 3..4 - Prensa Hidráulica. raio maior, também provido de um outro pistão. Um fluido incompressível (parte mais escura da figura 4) tem a função de transmitir igualmente as variações de pressão entre os dois cilindros. No pistão menor, uma pequena força F1 provoca uma variação de pressão F1 / A1 , que é transmitida para o pistão maior ( P1 = P2 ), como estabelecido pelo principio de Pascal. Assim, podemos escrever: F1 F2 = A1 A2 F2 = F1 A2 . A1 Como a área A2 do pistão grande é maior do que a área A1 do pistão menor, a força F2 é muito maior que a força F1 . EXEMPLO 3.3 Uma prensa hidráulica tem um pistão grande de raio 20 cm e um pistão pequeno de raio 2 cm. Qual a força que deverá ser aplicada ao pistão pequeno para que, no maior, possa sustentar ou elevar um carro de 2000 kg? Solução: A pressão P no pistão pequeno é igual ao quociente entre a força aplicada F1 pela área A1 : P= F1 A1 A força F2 no pistão maior é o produto da pressão P pela área A2 , que é igual ao peso do carro, mg F2 = PA2 = mg → P = A2 Como, pelo principio de Pascal, a pressão é igual nos dois pistões, obtemos F1 mg A π r2 = → F1 = mg 1 = mg 12 A1 A2 A2 π r2 F1 = π (2cm) 2 2 2000 kg 9,8 m / s = ( )( ) π (20cm)2 196 N Temos que tomar muito cuidado, pois, para este caso, a razão entre os dois raios é 10 e a razão final entre as forças é 100. 3.4 Empuxo e o Princípio de Arquimedes Arquimedes de Siracusa (287 a.C. - 212 a.C.) foi um dos mais importantes cientistas da Antiguidade. Ele fez descobertas importantes em geometria e matemática, como, por exemplo, um método para calcular o número π, utilizando séries. Este resultado constitui também o primeiro caso público do cálculo da soma de uma série infinita. Ele concebeu vários tipos de máquinas civis e militares e encontrou, ainda, o princípio da 52 alavanca. Arquimedes contribuiu para a fundação da hidrostática, tendo feito, entre tantas outras descobertas, aquela que leva o seu nome e que ficou conhecida como Princípio de Arquimedes: Fluidos Um corpo total ou parcialmente imerso num fluido sofre um empuxo, debaixo para cima, que é igual ao peso do fluido deslocado. O princípio de Arquimedes pode ser verificado da seguinte forma: um corpo pesado preso a um dinamômetro (conforme a figura 3.5), quando imerso em água, apresenta uma leitura no dinamômetro menor do que quando o corpo não está imerso no líquido. Esta diferença se deve à força que a água exerce sobre o corpo, conhecida como empuxo, E. Esta força fica muito evidente quando trocamos o corpo pesado por uma rolha de cortiça. O empuxo é maior que a força peso quando a rolha é completamente submersa no líquido, fazendo a rolha subir. A rolha encontra uma situação de equilíbrio e flutua quando somente uma parte dela fica submersa, isto é, a força peso se iguala à força empuxo, referente ao volume submerso da rolha. Este principio observado no caso da rolha de cortiça é usado para medir a densidade de líquidos, sabendo-se a massa e determinando o volume imerso no líquido (figura 3.6 e exemplo 3.4). EXEMPLO 3.4 DENSÍMETRO PARA LÍQUIDOS: O objetivo de um densímetro é medir a densidade de líquidos ρliq . A forma mais comum deste instrumento é um tubo de vidro longo fechado em ambas as extremidades (figura 3.6). Este tubo é mais largo em sua parte inferior e possui uma graduação na parte mais estreita. O densímetro deve ser imerso em um recipiente cheio do líquido do qual se deseja determinar a densidade, até que ele possa flutuar livremente. A leitura é realizada observando em que marca da graduação fica posicionada a superfície do líquido, conforme figura 3.6. O empuxo E é igual ao peso do fluido deslocado, isto é, E = ρliqVg . No equilíbrio ( ∑F = 0 ) , o empuxo é igual à força peso do próprio densímetro, ∑F = 0 ρliqVg − mg = 0 m V Pelas equações acima é possível notar que m é a massa do densímetro e que o V é o volume do fluido deslocado. Isto quer dizer que, determinando o volume imerso do densímetro no líquido, encontraremos a densidade do líquido ρliq . Uma das utilidades do densímetro é aquela de inferir a respeito das propriedades dos líquidos através da inspeção de sua densidade, principalmente quando os líquidos são misturas de substâncias. A qualidade do álcool é aferida através de um densímetro colocado diretamente na bomba dos postos de gasolina (também chamado de alcoômetro). A densidade é ligeiramente dependente da temperatura e, por essa razão, juntamente com a medida da densidade, é importante determinar a temperatura do líquido. ρliq = Figura 3.5 Figura 3.6 densímetro Questão 3.5 Projete um densímetro que trabalhe entre a densidade do álcool 0,8kg/m3 e da água. 3.5 Dinâmica dos Fluidos O escoamento de um fluido pode ser regular ou turbulento. Mesmo qualitativamente, descrever o escoamento turbilhonar é muito difícil. Consequentemente, abordaremos somente o escoamento não turbulento de um fluido “ideal”. Os resultados básicos da dinâmica dos fluidos derivam das leis de conservação. Começaremos abordando a conservação de massa. 53 FÍSICA GERAL II Tomemos um fluido em movimento, em um tubo, com velocidade v1 em um ponto 1, cuja secção transversal tem área A1 , conforme ilustra a figura 3.7. Uma determinada massa ∆m1 do fluido atravessa essa secção num intervalo de tempo infinitesimal ∆t . Esta massa ∆m1 está contida num cilindro de base A1 e altura v1∆t . O volume deste cilindro é Av∆t . Se a densidade do fluido é ρ1 , temos para o infinitésimo de massa ∆m= ρ1 A1v1∆t . 1 Consideraremos agora a massa ∆m2 em um ponto 2. Por analogia é fácil chegar ao resultado ∆m= ρ 2 A2 v2 ∆t 2 Por conservação de massa, o infinitésimo de massa ∆m2 que passa por A2 num intervalo de tempo é o mesmo do infinitésimo de massa ∆m1 que passa por A1 no mesmo intervalo de tempo. Portanto, ∆m2 = ∆m1 e, assim, Figura 3.7 - Fluido em movimento em um tubo de ρ1 A= ρ 2 A2 v2 ∆t área de seção reta variável. Os dois cilindros som1v1 ∆t breados têm volumes idênticos. ρ1 A1v1 = ρ 2 A2 v2 . Logo, o produto ρ Av permanece constante ao longo do tubo, representando o fluxo de massa por unidade de tempo, através da secção transversal do tubo. Admitamos agora que o fluido seja incompressível, o que é uma aproximação adequada para a maioria dos líquidos. Assim, temos que a densidade ρ= ρ ), e, portanto, do fluido não muda ( ρ= 1 2 A1v1 = A2 v2 ou seja, Av = constante Este resultado é chamado de equação de continuidade e a grandeza Av de vazão volumar, IV . EXEMPLO 3.5 O sangue corre por uma artéria, cujo raio é de 1,0 cm, à velocidade de 30 cm/s. Qual a velocidade do sangue se o raio da artéria for reduzido para 0,7 cm? (geralmente há uma redução do raio em artérias devido à arterioesclerose, que é o espessamento das paredes arteriais) Solução: Pela equação de continuidade sabemos que Av = constante Chamando o pedaço de artéria normal de A e a reduzida de B, temos AAv A = AB vB AA π rA2 = vB = vA 2 vA AB π rB 2 π (1, 0cm ) = vB = 30cm / s 61, 22cm / s π ( 0, 7cm )2 Assim, a velocidade mais que duplica na área reduzida. 54 3.5.1 Princípio de Bernoulli Fluidos Daniel Bernoulli (17001782), físico e matemático suíço fez importantes descobertas sobre a dinâmica dos fluidos. Em seu trabalho Hydrodynamica de 1738, Bernoulli derivou pela primeira vez uma expressão que relaciona a pressão à velocidade e à altura do fluido. Essa expressão leva o Figura 3.8 - Fluido em movimento num tubo de área de seção reta variável e de elevação variável. seu nome (princípio de Bernoulli). Vamos desenvolver esta expressão usando a conservação da energia mecânica. Consideremos o escoamento de um fluido ideal através de um tubo não uniforme entre os pontos 1 e 2 em um determinado tempo t (figura 3.8). Após um certo tempo ∆t , o fluido desloca-se no interior do tubo e passa a ocupar a região entre 1´e 2´. A massa desta parcela de fluido é ∆m = ρ∆V . Este deslocamento elevou ∆m de y1 para y2 e a velocidade passou de v1 para v2 . A variação da energia potencial desta parcela de fluido é dada por ∆U =∆mgy2 − ∆mgy1 ∆U = ∆mg ( y2 − y1 ) A variação da energia cinética é 1 1 ∆Ecin = ( ∆m ) v22 − ( ∆m ) v12 2 2 1 ∆Ecin = ( ∆m ) (v22 − v12 ) 2 O fluido à esquerda do ponto 1 exerce uma força sobre esta parcela de fluido restante, e o trabalho desta força é dado por W1 = F1∆x1 = P1 A1∆x1 = P1∆V será Da mesma forma, o fluido à direita exerce uma força sobre o ponto 2 e o trabalho W2 = − F2 ∆x2 = − P2 A2 ∆x2 = − P2 ∆V Portanto, o trabalho total é a soma dos dois trabalhos, Wtotal =P1∆V − P2 ∆V =∆V ( P1 − P2 ) Como Wtotal = ∆U + ∆Ecin , ∆V ( P1 − P2 ) =( ρ∆V ) g ( y2 − y1 ) + 1 ( ρ∆V ) (v22 − v12 ) 2 Dividindo cada elemento por ∆V , obtém-se 1 ( P1 − P2= ) ρ g ( y2 − y1 ) + ρ (v22 − v12 ) . 2 Rearranjando os termos, podemos escrever 1 1 P1 + ρ gy1 + ρ v12 = P2 + ρ gy2 + ρ v22 2 2 Como o ponto 2 pode ser qualquer ponto no tubo, temos que a combinação dos valores das grandezas do primeiro termo é constante em qualquer ponto no tubo. Este resultado pode ser escrito como 1 constante P + ρ gy + ρ v 2 = 2 Esta é a equação de Bernoulli, aplicada a um fluido ideal. 55 FÍSICA GERAL II v= 0: Um caso particular é quando o fluido está em repouso, v= 1 1 P1 + ρ gy1 = P2 + ρ gy2 P1 −= P2 ρ g ( y2 − y1 ) P1 − P2 = ρ gh Este resultado já é conhecido (equação 3.1) e descreve que a diferença de pressão entre dois pontos está relacionada à distância entre os pontos e a densidade. Para um fluido que escoa através de um tubo horizontal com uma seção estrangulada, y1 e y2 são idênticos. Portanto, a equação de Bernoulli assume a forma 1 P + ρ v2 = constante 2 Como já vimos, o produto Av permanece constante. Quando o fluido se move e entra na região estrangulada, a área A se torna menor e a velocidade deve aumentar. No 1 2 entanto, P + ρ v permanece constante. Se a velocidade aumenta, então a pressão deve 2 diminuir. Este efeito é denominado de efeito Venturi: Quando a velocidade de escoamento de um fluido aumenta, a pressão diminui. velocidade baixa pressão alta Figura 3.9 - Uma bola de futebol girando sofre uma força perpendicular à trajetória. Figura 3.10 O efeito Venturi explica qualitativamente a sustentação da asa de um avião. A asa de um avião é construída de modo que o ar se mova com velocidade maior na parte de cima do que na parte de baixo, o que resulta em uma pressão na parte de cima da asa menor do que a pressão na parte de baixo da asa. Essa diferença de pressão provoca uma força resultante dirigida de baixo para cima, o que proporciona a sustentação da asa. No futebol também podemos observar o efeito Venturi. Quando uma bola é chutada e gira em torno do seu eixo, há uma transmissão do movimento ao ar em sua volta. Para melhor entendimento do efeito, vamos considerar uma bola estacionária, com o ar fluindo à sua volta, conforme ilustra a figura 3.9. No lado em que a bola gira no sentido contrário ao movimento do ar, a velocidade diminui, e do lado que a bola gira no mesmo sentido do movimento do ar, a velocidade aumenta. Isso resulta numa diferença de pressão e, conseguinte, numa força resultante. Este efeito, descrito pelo físico alemão Heinrich Magnus, em 1853, é conhecido como efeito Magnus. Segundo o historiador James Gleick, Newton já tinha abordado este efeito depois de observar um jogo de tênis. Os resultados quantitativos da equação de Bernoulli têm que ser observados com cuidado, pois algumas vezes apresentam discrepâncias em relação às medições experimentais. A razão das discrepâncias, no caso dos gases, é a compressibilidade do fluido que não foi levada em conta. A viscosidade, no caso dos líquidos, invalida a conservação de energia mecânica. Ademais, o escoamento nem sempre é regular, permanente e/ou livre de turbulências. EXEMPLO 3.6 Um amplo tanque de água tem uma pequena abertura à distância h da superfície do líquido (figura 3.10). Calcule a velocidade de escoamento de água através da abertura. Solução: Usando a equação de Bernoulli e desprezando a velocidade da água na superfície livre, temos que 1 P1 + ρ gy1 + 0 = P2 + ρ gy2 + ρ v22 2 As pressões nos pontos 1 e 2 coincidem, ambas são iguais à pressão atmosférica, Patm, pois os dois pontos estão abertos para a atmosfera: 1 Patm + ρ gy1 + 0= Patm + ρ gy2 + ρ v22 2 = v22 2 g ( y1 − y2 ) v2 = 2 gh 56 No escoamento de um fluido perfeito, nada evita que ele deslize sobre um sólido com velocidade tangencial nula. Num fluido real aparece uma força volumétrica de atrito interno que aparece no deslizamento sobre um sólido. Para caracterizar o grau de atrito interno do fluido, utilizamos um coeficiente chamado de viscosidade. Viscosidade é a resistência que o fluido tem ao escoar. Para descobrir o coeficiente de viscosidade de um fluido, imaginemos o fluido confinado entre duas superfícies planas, paralelas, de áreas A iguais, afastadas uma da outra por uma distância d, conforme visto na figura 3.11. A superfície inferior se mantém imóvel, enquanto que a superfície superior desloca-se com uma velocidade constante v, impulsionada por uma força Fapl constante. Como a velocidade é mantida constante, a aceleração do sistema é igual a zero e a somatória das forças envolvidas é igual zero ( ∑F = 0 ) . Isto quer dizer que a força aplicada Fapl é igual à força de atrito ou de arraste, referente à viscosidade do fluido. É sabido que um fluido real, em contato com uma superfície, permanece em repouso em relação à superfície. Assim, o fluido em contato com a superfície superior se desloca com velocidade vo. A superfície inferior e o fluido em contato com ela permanecem em repouso. Portanto, a velocidade do fluido varia linearmente entre zero e a velocidade vo: v v= 0 y d O escoamento é laminar porque o fluido se desloca em camadas planas paralelas ou em forma de lâminas, que deslizam umas sobre as outras. A força Fapl é diretamente proporcional a velocidade vo e a área A e inversamente proporcional à separação d entre as duas superfícies. A constante de proporcionalidade é o coeficiente de viscosidade η . Portanto, v A Fapl = η 0 . d No sistema internacional, a unidade do coeficiente de viscosidade η é dado por N.s/m2=Pa.s. Ainda se usa com frequência a unidade poise (P), sendo que 1 Pa.s = 10 P A tabela 3.3 mostra o coeficiente de viscosidade de alguns fluidos. Podemos perceber que a viscosidade é dependente da temperatura. Para um líquido, η geralmente diminui com a temperatura. Para gases há um aumento de η com o aumento da temperatura. Fluidos Figura 3.11 Escoamento viscoso EXEMPLO 3.7 Quando partículas esféricas se movem através de um fluido, a força do atrito viscoso é dada pela Lei de Stokes: FS = 6πη rv , na qual r é o raio da partícula, v a velocidade e η é o coeficiente de viscosidade. Utilizando a lei de Stokes, determine a viscosidade do fluido. Solução: O coeficiente de viscosidade pode ser medido através do seguinte experimento: deixase uma esfera cair em um fluido e mede-se sua velocidade terminal. Na velocidade terminal, a força do atrito viscoso iguala-se à força peso da partícula e, portanto, = FS 6= πη rvT mg mg η= 6π rvT Por exemplo, observa-se uma velocidade terminal vT = 0, 024 m / s para partículas de poluente, com raio r = 10−5 m e massa = m 8,3 × 10−12 kg , caindo no ar. Assim, (8,3 ×10 kg )( 9,8m / s ) ⇒ η= 6π (10 m ) ( 0, 024m / s ) −12 η= −5 2 1,8 ×10−5 N .s / m 2 57 FÍSICA GERAL II Para um fluido de viscosidade pequena como a água, a ação da viscosidade se dá geralmente numa camada muito delgada junto à superfície. Nesta camada limite, a velocidade varia rapidamente, desde um valor nulo, no meio do fluido até um valor da velocidade v, junto à superfície. Aumentando a velocidade, esta camada limite “descolase”, havendo aí o aparecimento de vórtices, gerando um refluxo. Com o maior aumento da velocidade, o movimento torna-se turbulento, caracterizado pelo movimento aleatório e, aparentemente, caótico. O tratamento teórico é extremamente difícil e encontra-se incompleto, principalmente o mecanismo que descreve o aparecimento da turbulência e o regime turbulento. Exercícios 1. Um pedaço de cortiça de 0,20 kg é mantido preso a um dinamômetro, que está fixado no fundo do recipiente como mostra a figura 3.12. O dinamômetro indica 8 N. Calcular a densidade da cortiça. 2. Um pedaço de metal pesa 90 N no ar e 56,6 N quando mergulhado na água. Determinar a densidade relativa do metal. Figura 3.12 3. Imagine que você seja capaz de respirar no chão com uma massa de 40 kg sobre a sua caixa torácica. A que profundidade, na água, você conseguiria respirar, admintindo que a área frontal da caixa torácica seja de 0,09 m2? 4. O empuxo sobre um corpo submerso depende da forma do corpo? 5. Por que é mais fácil boiar na água salgada do que na água doce? 6. Um tampo de uma mesa tem 1,00 m x 0,80 m. Que força a atmosfera exerce sobre o tampo? Por que o tampo não se quebra? 7. Supondo que quando seu corpo está flutuando na água doce, 95% do seu corpo fica imerso, que volume de água o seu corpo deslocará quando estiver inteiramente submerso? 8. Uma esfera oca de alumínio, com diâmetro externo de 10 cm, flutua na água com metade do seu volume acima da superfície da água. Determinar o diâmetro interno. 58 Fluidos Anotações 59 FÍSICA GERAL II Anotações 60 4 Oscilações 4.1 Movimento de uma partícula Ligada a uma Mola 4.2 Movimento harmônio Simples 4.2.1 deslocamento, velocidade e Aceleração 4.2.2 Energia no Movimento harmônico Simples 4.3 pêndulo Simples 4.4 pêndulo Físico 4.5 pêndulo de torção 4.6 oscilações Amortecidas 4.6.1 4.7 Energia total de um oscilador Amortecido oscilações Forçadas e Ressonância 61 4 OSCILAÇÕES FÍSICA GERAL II Oscilações ocorrem quando um sistema estável é perturbado de sua posição de equilíbrio. Existem muitos exemplos de oscilações: pêndulo de relógios que se movimentam da direita para a esquerda, ou vice-versa, periodicamente; movimento das cordas e palhetas em instrumentos musicais; moléculas em um sólido que oscilam em função da temperatura; ondas eletromagnéticas, como a luz, que são caracterizadas por vetores oscilantes de campos elétricos e campos magnéticos; circuitos de corrente alternada, tais como instalações domésticas, em que a voltagem e a corrente variam periodicamente. Como podemos ver, o estudo de oscilações é essencial para um melhor entendimento do som, da corrente elétrica e da luz. Um corpo que oscila possui uma posição de equilíbrio estável. Quando o corpo é deslocado desta posição e liberado, surge uma força ou um torque que o faz retornar à posição de equilíbrio. Porém, quando ele atinge o ponto de equilíbrio, a sua energia cinética faz com que ele atravesse o ponto de equilíbrio e atinja um ponto do outro lado. Como ele está deslocado da posição de equilíbrio, surge novamente uma força que o faz retornar a posição de equilíbrio. DEsse modo, o corpo executa um movimento periódico. Os sistemas que estudaremos com movimento periódicos mais simples, são descritos por uma única coordenada, como o deslocamento unidimensional num sistema massa-mola ou o ângulo de desvio do pêndulo. 4.1 Movimento de uma Partícula ligada a uma Mola Consideremos um corpo de massa m, ligado a uma mola, que pode se mover em um trilho horizontal sem atrito, conforme ilustrado na figura 4.1. A mola pode ser esticada ou comprimida e sua massa é desprezível. Se a mola não estiver esticada ou comprimida, o corpo está em repouso em sua posição de equilíbrio, definida como x=0. Quando a massa é deslocada de um Δx de sua posição de equilíbrio, a mola exerce uma força Fx sobre ela, dada pela lei de Hooke, Fx =−k ∆x , na qual, k é a constante de força da mola. Fx é uma força restauradora linear porque é proporcional ao deslocamento da posição de equilíbrio com sentido dirigido sempre para a posição de equilíbrio e oposta ao deslocamento. Isto é, quando o corpo é deslocado para a direita (figura 4.1-II), Δx é positivo e a força elástica Fx é negativa (o sentido da força é para a esquerda). Diferentemente, Δx é negativo e a força elástica Fx é positiva (o sentido da força é para a direita) quando o corpo é deslocado para a esquerda (figura 4.1-IV). Se deslocarmos o corpo para a direita até a posição xb (figura 4.1II) e, a seguir, o libertarmos, a força resultante e a aceleração tem sentido l) Fx = 0 xa para a esquerda. A velocidade aumenta até o corpo atingir a posição de equilíbrio (xa=0) (figura 4.1-III). Quando o corpo está em xa, a força resultante que atua sobre ele é Fx xb igual a zero (Δx=0); porém, devido à sua velocidade, o lI) corpo passa pela posição de equilíbrio. Neste ponto sua velocidade está orientada para a esquerda e a sua aceleração F x = 0 xa está orientada para a direita. Logo, a velocidade diminui lII) até que o corpo pára momentaneamente em xc (figura 4.1IV). Para o caso ideal (sem atrito), │xb│=│xc│. Em Fx xc xc , a força resultante e a aceleração tem sentido para a lV) direita, a velocidade aumenta, o corpo passa novamente pela posição de equilíbrio e pára momentaneamente no ponto xb, repetindo o processo inteiro. Quando isto ocorre, xc xa xb o corpo está oscilando. Caso não existisse atrito, este Figura 4.1 - Sistema movimento se repetiria eternamente. massa-mola em trilho de ar. 62 Um movimento oscilatório é caracterizado pela sua amplitude A e seu período T. A amplitude A do movimento é o módulo máximo do vetor deslocamento do corpo a partir da posição de equilíbrio. Como a amplitude A é o valor máximo do módulo │Δx│, A é sempre positivo. O período T é o tempo correspondente a um ciclo completo. Podemos definir também a frequência f, que é o número de ciclos por segundo. Uma grandeza bastante útil no estudo das oscilações é a frequência angular ω , que é 2π vezes a frequência. f = oscilações 1 T ω = 2π f T= 2π w Tabela 4.1 - Relação entre período T, frequência f e frequência angular w. 4.2 Movimento Harmônico Simples Desenvolveremos agora uma representação matemática do movimento descrito na seção anterior. Como, pela segunda lei de Newton, F=ma, e a=dv/dt=d2x/dt2, temos d 2x F =m 2 . dt No caso anterior, a força restauradora é dada por F =− k ∆x . Fazendo x0 = 0 , temos F = − kx . Substituindo a força F, obtemos d 2x m 2 = − kx dt d 2x k = − x . dt 2 m 4.1 Precisamos agora de uma solução matemática para a equação anterior, isto é, uma função x que satisfaça essa equação (denominada equação diferencial de segunda ordem). Percebemos que a segunda derivada de x não é nula. Portanto, x tem que ser dependente do tempo t. Assim, d 2 x(t ) k = − x (t ) . 2 dt m 4.2 Procuramos uma função x(t ) , tal que a segunda derivada dessa função seja igual à função original com um sinal negativo. As funções trigonométricas seno e cosseno exibem esse comportamento, de maneira que podemos construir uma solução em torno de uma ou de ambas as funções. Uma sugestão para uma função-solução de x(t ) da equação 4.2 é x ( t ) = Acos (ωt ) 4.3 com A e ω sendo constantes. Para provar que a função proposta é uma solução, vamos derivá-la duas vezes e compará-la com a equação 4.2. Assim, dx(t ) d [ Acos (ωt ) ] = = − Aω sen(ωt ) dt dt d 2 x(t ) d [ − Aω sen(ωt ) ] = = − Aω 2 cos (ωt ) dt 2 dt d 2 [ Acos (ωt ) ] = −ω 2 [ Acos (ωt ) ] 2 4.4 dt Comparando 4.2 e 4.4, observamos que função-solução proposta 4.3, x ( t ) = Acos (ωt ) é uma solução válida. Observamos, também, através da comparação, que ω 2 = k . m 63 FÍSICA GERAL II Na figura 4.2, temos a representação da solução proposta x ( t ) = Acos (ωt ) , para diferentes valores de ω . Pela figura vemos que um aumento de ω diminui o período de oscilação e uma diminuição Período T de ω aumenta o período de oscilação. Isto significa que x(t) = Acos (ωt) ω é quem regula o tempo de repetição da oscilação. Por essa tempo t razão, ω é denominada de frequência angular. Assim, com ajuda da tabela 4.1, podemos Período T´ escrever a frequência e o período para um sistema massa-mola x’(t) = Acos(ω´t ), ω´ = 2ω k substituindo a relação ω 2 = m tempo t nas relações do período T e da frequência f: Período T´´ 1 x’´(t) = Acos(ω´´t ), ω´´ = _ ω 2 Figura 4.2 - Gráfico x(t) para diferentes valores de frequência ω . A escala do tempo é idêntica para todos os gráficos. tempo t 2π T= período ω f= frequência ω 2π → T= 2π m k 1 2π k m → f= Como, para cada caso, o movimento pode começar em diferentes posições, podemos acrescentar à nossa solução uma constante de fase δ , que é uma mudança do ângulo inicial (figura 4.3). Fazendo isso, nossa solução pode ser escrita como = x ( t ) Acos (ωt + δ ) x(t) constante de fase 4.5 x(t) = Acos(ωt+δ) A tempo t Figura 4.3 - Gráfico de duas funções cosseno com uma diferença de fase δ . x(t) = Acos(ωt) -A Período T A equação 4.2 e a respectiva solução 4.5 são a base para a análise do movimento harmônico simples (MHS). Se estivermos analisando um sistema e a força for proporcional ao deslocamento, consequentemente, o sistema apresentará uma equação de movimento análoga à equação 4.2 e uma solução análoga à 4.5. 64 EXEMPLO 4.1 Um corpo de massa m1, pendurado numa mola, provoca um estiramento de 10 cm. O corpo é, então, colocado para oscilar verticalmente. a) Determine a frequência do movimento. b) O que acontece com a frequência de oscilação se o corpo m1 for substituído por um de massa m2= m1/2. oscilações Solução: a) A constante elástica da mola pode ser determinada pelo deslocamento produzido pelo do estiramento (Δy=10cm=0,1m). Na posição de equílibrio a somatória das forças é igual a zero ∑F = 0 e, portanto, ( ) ∑F =−m g + k ∆y =0 1 k= A frequência de oscilação é dada por f1 = = f1 w 1 = 2π 2π 1 g 1 = 2π ∆y 2π m1 g ∆y k 1 = m1 2π m1 g ∆y m1 9,81m / s 2 = 1,57 = s −1 1,57Hz 0,1m f1 = 1,57Hz b) Substituindo a massa m1 por m2=m1/2, na frequência f, temos: = f2 1 k 1 2k = = 2π m2 2π m1 = f2 1 2 2π x(t) dt a) deslocamento A = x ( t ) Acos (ωt + δ ) (equação A função -A 4.5) descreve o deslocamento x em função do tempo em um oscilador harmônico. O valor da função cos- v(t) seno está sempre compreendido entre -1 e 1, de modo Aω que o valor de x está sempre compreendido entre –A e A. O valor de A é denominado de amplitude. A figura 4.4a mostra o gráfico do deslocamento x ( t ) . -Aω A velocidade é igual a derivada temporal a(t) Aω² d x ( t ) ), e a aceleração do deslocamento, (v(t ) = dt é igual à derivada temporal da velocidade, -Aω² d [ v(t ) ] = 2 f1 2, 22Hz 4.2.1 Deslocamento, velocidade e aceleração a (t ) = k m1 tempo b) velocidade tempo c) aceleração tempo . Se desejarmos determinar a Figura 4.4 - a) deslocamento, b) velocidade e c) aceleração de um oscilador harmônico. A escala velocidade v e a aceleração a em função do tempo, de tempo é idêntica para todos os gráficos. podemos derivar a equação 4.5 em relação ao tempo: = x ( t ) Acos (ωt + δ ) d x ( t ) d [ Acos (ωt + δ ) ] v(t ) == = − Aω sen(ωt + δ ) dt dt v(t ) = − Aω sen(ωt + δ ) . 4.6 65 FÍSICA GERAL II QUESTÃO 4.1 Uma bola batendo livremente diversas vezes no chão é um exemplo de movimento harmônico simples? O movimento diário de um trabalhador indo para o trabalho e voltando para casa é um exemplo de movimento harmônico simples? Explique suas respostas. d [ v(t ) ] d [ − Aω sen(ωt + δ ) ] a (t ) = = = − Aω 2 cos (ωt + δ ) dt dt a (t ) = − Aw2 cos ( wt + δ ) 4.7 Podemos observar, pelas equações obtidas e pelos gráficos 4.4b e 4.4c, que a velocidade oscila entre os valores vmax = +ω A e – vmax = −ω A , e a aceleração oscila entre os valores amax = ω 2 A e – amax = −ω 2 A . EXEMPLO 4.2 Suponha que num determinado tempo t’ sejam conhecidas a posição x e a velocidade v de um oscilador. Encontre a amplitude máxima desse oscilador. dx A posição é dada por x = Acos (ωt ') e a velocidade v = = − Aω sen(ωt ') ; A é a dt amplitude máxima do oscilador. Elevando ao quadrado a posição e a velocidade, temos: v2 2 = x 2 A= cos 2 (ωt ') e A2 sen 2 (ωt ') . 2 Somando x e v, obtemos ω 2 v 2 x= + 2 A2 cos 2 (ωt ') + A2 sen 2 (ωt ') ω v2 2 = x + 2 A2 cos 2 (ωt ') + sen 2 (ωt ') ω 1, Como cos 2 (ωt ) + sen 2 (ωt ) = v2 2 x + 2 = A2 ω v2 A x2 + 2 . = ω A amplitude máxima depende somente da posição e da velocidade em um determinado tempo t’. EXEMPLO 4.3 Um menino observa um pequeno barco ancorado que oscila 12 vezes em 20 s. Cada oscilação produz uma elevação máxima de 20 cm na superfície da água. Além disso, nota-se que uma crista de onda qualquer alcança a margem, distante 12 m, em 6 s. Determine: a) o período; b) a velocidade; c) o comprimento de onda*; d) a amplitude da onda e e) a equação da onda*. (* serão vistos no Capítulo 5) Solução: a) Período T: O barco oscila 12 vezes em 20 segundos, assim, = T 20 s = 1, 67 s 12 b ) Velocidade v: a onda percorre 12 metros em 6 segundos, logo = v c) Comprimento de onda λ: ∆x 12m = = 2m / s 6s ∆t λ= vT = 3,33m (1, 67 s ) ⋅ (2m / s) = d) Amplitude A: cada oscilação produz uma elevação máxima de 20 cm na superfície da água. A = 20 cm = 0,2 m = ω 2= π / T 3,77rad / s . e) Equação da onda é x Acos (ωt + δ ) , na qual a freqüência angular = Substituindo ω e A, obtemos = x (0, 2m)cos ((3.77 rad / s )t + δ ) Observe que não determinamos a diferença de fase δ, pois o problema não traz esta informação (condições iniciais da observação). 66 4.2.2 Energia no movimento harmônico simples. oscilações Se considerarmos o sistema massa-mola como um sistema isolado, podemos estudar a energia mecânica do sistema, pois o valor da mesma permanece constante. A energia cinética Ecin do sistema é associada apenas ao movimento da massa m. Utilizando a velocidade v definida pela equação 4.6, temos = Ecin 1 2 1 = mv mA2ω 2 sen 2 (ωt + δ ) 2 2 = Ecin 1 mA2ω 2 sen 2 (ωt + δ ) 2 A energia potencial U no sistema massa-mola está associada à mola. Para obtermos a energia potencial temos que descobrir o trabalho realizado pela mola, saindo da posição de equilíbrio x = 0 até uma posição qualquer x. O trabalho W realizado pela mola é dado por dW = ( Fx ) dx = ( −kx ) dx x 1 − kx 2 ∫dW = ∫0 ( −kx ) dx = 2 1 W = − kx 2 . 2 A energia potencial U é dada por U = -W, portanto, 1 U = kx 2 . 2 Substituindo x dado pela equação 4.3, temos = U 1 2 2 kA cos (ωt + δ ) . 2 Observamos que as grandezas Ecin e U são sempre positivas e variam em função do tempo. Podemos expressar a energia total do oscilador como, E= U + Ecin 1 2 2 1 = E kA cos (ωt + δ ) + mA2ω 2 sen 2 (ωt + δ ) 2 2 2 Substituindo ω = k / m no segundo termo do lado direito, podemos escrever, 1 2 2 1 = E kA cos (ωt + δ ) + kA2 sen 2 (ωt + δ ) 2 2 1 2 Como o termo kA aparece nos dois termos à direita, podemos colocá-lo em 2 evidência, tal que = E 1 2 kA cos 2 (ωt + δ ) + sen 2 (ωt + δ ) 2 QUESTÃO 4.2 Um sistema massamola, na horizontal ou na vertical, tem o mesmo período de oscilação. A força gravitacional está em equilíbrio com a força normal (para a posição horizontal) e com a tensão da mola (para a posição vertical). O que acontece com a posição de equilíbrio no sistema massa-mola na vertical, quando comparado com o sistema horizontal? 1 para qualquer tempo t, a equação Como cos 2 (ωt + δ ) + sen 2 (ωt + δ ) = anterior se reduz a 1 E = kA2 . 2 Isto é, a energia de um oscilador harmônico simples isolado é dependente unicamente da constante elástica da mola e da amplitude máxima. A figura 4.5 mostra a energia cinética Ecin e potencial U em função do tempo. Podemos observar que a soma da energia cinética e potencial em qualquer Figura 4.5 - Energia cinética e potencial em instante de tempo é igual a 1 2 kA . 2 função do tempo para um oscilador harmônico simples isolado. 67 FÍSICA GERAL II a) EXEMPLO 4.4 v2 A2 . A partir No exemplo 1, deduzimos a partir da função deslocamento x(t) a expressão x 2 + 2 = ω do conceito de conservação de energia, deduza esta mesma expressão. Solução: 1 2 1 kA E=1/2 kA^2 é a soma da energia potencial U = kx 2 2 2 1 2 U=1/2 kx^2 e da energia cinética Ecin = mv , 2 = E Ecin + U 1 2 1 2 1 2 = kA mv + kx 2 2 2 1 2 1 1 2 kA = mv + kx 2 2 2 2 m = A2 v2 + x2 k k como w = , temos m v2 2 x + 2 = A2 Como a energia total E = b) ω 4.3 Pêndulo Simples Figura 4.6 - a) A posição do pêndulo simples em intervalos de tempo iguais. O espaçamento aumenta quando o pêndulo se aproxima do fundo da trajetória, indicando uma velocidade maior. b) Diagrama de forças atuando no pêndulo simples. Um pêndulo simples é constituído por um fio inextensível de comprimento L, que sustenta, pendurado, um corpo pequeno e pesado de massa m (figura 4.6). Uma bola de demolição presa no cabo de um guindaste, o peso da extremidade de um fio de prumo ou uma criança em um balanço são exemplos de um pêndulo simples. A massa do fio tem que ser desprezível em relação à massa do corpo, isto é, a massa do corpo é muito maior do que a massa do fio. Todas as forças de atrito serão desconsideradas e o corpo é considerado puntiforme. Quando o corpo é deslocado da posição de equilíbrio, fazendo um ângulo inicial qualquer θ com a posição de equilíbrio (vertical) e, a seguir, é liberado, o corpo oscila em torno da posição de equilíbrio com um certo períodode tempo T. As forças sobre o corpo são o peso mg e a tensão na corda T , como mostra a figura 4.6. O peso tem a componente mgcosθ na direção do fio e mgsenθ na direção tangente ao arco do círculo. A componente mgcosθ se anula com a tensão na corda T. Somente a componente de força mgsenθ é responsável pelo movimento do corpo. Como ∑F = ma (segunda Lei de Newton), temos −mgsenθ = ma ∑F = d 2s dt 2 d 2s , 4.8 − gsenθ = dt 2 na qual, s é o comprimento do arco medido a partir do ponto de equilíbrio do pêndulo (figura 4.6b), e pode ser escrito em função do comprimento L e do ângulo θ , s = Lθ Derivando o comprimento s duas vezes em função do tempo e lembrando que L permanece constante, obtemos d 2s d 2θ L = dt 2 dt 2 Substituindo na equação 4.8, resulta que d 2θ L 2 . − gsenθ = − m gsenθ = m dt 68 ângulo (graus) 900 750 600 450 300 150 120 100 50 20 10 ângulo (rad) seno do ângulo 1,570 1,308 1,047 0,785 0,523 0,262 0,209 0,174 0,087 0,035 0,017 1,000 0,966 0,866 0,707 0,500 0,259 0,208 0,174 0,087 0,035 0,017 oscilações Tabela 4.2 - Seno de diversos ângulos. Percebe-se que, conforme o ângulo diminui, o valor do ângulo θ em radianos tende para o valor da função seno do mesmo ângulo. Abaixo de 100 não se nota diferença entre os dois valores, quando se usam somente 3 casas decimais. A tabela 4.2 mostra que para ângulos pequenos, o valor de senθ é quase idêntico ao valor do próprio ângulo θ medido em radianos. Assim, para oscilações com ângulos menores que 150 podemos usar a aproximação senθ ≈ θ na equação anterior, ficando d 2θ g = − θ, 2 dt L sendo, θ o valor do ângulo em qualquer tempo, θ é uma função do tempo; portanto, d 2θ ( t ) g 4.9 = − θ ( t ) 2 dt L A equação anterior tem a mesma forma da equação 4.2, do sistema massa-mola. Igualmente, temos uma solução da equação anterior que é dada por = θ (t ) θ max cos(ωt + δ ) 4.10 na qual, θ max é o deslocamento angular máximo, ω é a frequencia angular e δ é a diferença de fase. Derivando a solução 4.10 duas vezes em função do tempo e substituindo na equação 4.9, obtemos g g w2 = ω 2 = L L O período T e a frequencia f do movimento são, então, 2π L T = 2π = ω g f= 1 1 = T 2π g . L 4.11 4.12 As equações 4.11 e 4.12 mostram que o período T e a frequência f dependem somente do comprimento L e da aceleração gravitacional. Quanto maior o comprimento de um pêndulo simples, maior o período. Para oscilações pequenas, o período é independente da amplitude da oscilação e da massa do corpo. Galileu Galilei (1564-1642) ao observar o movimento oscilatório de um dos lustres da catedral de Pisa, verificou que o movimento do lustre era periódico e que as pequenas oscilações eram isócronas, isto é, aconteciam a intervalos regulares. Galileu constatou, também, que o período de um pêndulo independe da natureza e da massa. QUESTÃO 4.3 Imagine que um pêndulo esteja pendurado no teto de um carro com aceleração constante. O período de oscilação muda em relação ao período de um pêndulo em um carro parado? (lembrese do aparecimento de uma pseudoforça no pêndulo com o carro acelerado) DICA: Vale a pena revisar os conceitos de torque, aceleração angular e momento de inércia do Capítulo 9 do livro de Física Geral I. 4.4 Pêndulo Físico Um pêndulo físico é qualquer corpo pendurado que oscila em torno de um eixo que não passa pelo seu centro de massa (figura 4.7). Para um pêndulo físico, precisamos usar o modelo do corpo rígido submetido ao um torque. O torque τ é definido como o produto vetorial entre o vetor posição r de aplicação da força e o vetor força F (τ = r × F ) . A figura 4.7a mostra 69 FÍSICA GERAL II um corpo de forma irregular que pode girar em torno de um certo ponto O que está a uma distância d do centro de massa (c.m.). Quando o corpo é deslocado da posição de equilíbrio (ver figura 4.7b), a força peso mg produz um torque com a seguinte magnitude: τ = −d ( mg ) senθ . Para ângulos pequenos, podemos aproximar senθ pelo deslocamento angular θ . Assim, a) τ = −dmgθ . Usando a segunda lei de Newton ( ∑F = ma ) para um sistema que gira, temos que a somatória dos torques é igual ao produto entre o momento de inércia I e a aceleração angular α , ∑τ = Iα . b) Figura 4.7 - Pêndulo físico: a) na posição de equilíbrio e b) fora da posição de equilíbrio. Substituindo o torque calculado para o corpo fora da posição de equilíbrio e a definição de aceleração angular como a segunda derivada em função do tempo do d 2θ (t ) deslocamento angular α = , obtemos dt 2 d 2θ (t ) −dmgθ (t ) = I dt 2 2 d θ (t ) dmg = − θ (t ) 2 dt I Analogamente ao ao caso do sistema massa-mola e do pêndulo simples, a solução da equação anterior será dada por = θ (t ) θ max cos(ωt + δ ) Derivando esta solução duas vezes em função do tempo e substituindo-a na equação anterior (como no caso do massa-mola e do pêndulo simples), obtemos dmg ω2 = I a) T = 2π I dmg 1 2π dmg I f = b) Figura 4.8 - a) Relógio de Pádua (Itália) de 1364 e b) Roda Catarina de um relógio mecânico. Para determinar o período ou frequência de oscilação de um pêndulo físico, temos que conhecer a massa do corpo, a posição do seu centro de massa e o momento de inércia do corpo em relação ao eixo de rotação. Podemos, a partir do período ou da frequência de oscilação de um corpo qualquer, determinar facilmente o momento de inércia de um dado sistema, que é uma grandeza importante na mecânica e, muitas vezes, difícil de se obter por outros métodos. Conhecendo-se bem as grandezas d, m e I, pode-se determinar com bastante precisão o valor da aceleração da gravidade local. 4.5. Pêndulo De Torção A figura 4.8a mostra um relógio construído em 1364, em Pádua na Itália, que utiliza uma roda Catarina (figura 4.8b) como constante de tempo. A roda Catarina tem um momento de inércia I em torno do seu eixo. Um torque proporcional ao deslocamento angular θ da posição de equilíbrio é exercido por uma mola helicoidal sobre a roda. Este torque é dado por τ = −kθ , onde ké uma constante denominada constante de torção. dθ Utilizando o análogo rotacional da segunda lei de Newton, ∑= τ I= α I 2 , temos dt d 2θ k θ = − . dt 2 I A equação anterior possui uma solução análoga a todos os sistemas até agora estudados. O movimento angular é descrito= por θ (t ) θ max cos(ωt + δ ) e a frequência 2 70 angular, o período e a frequência são dados por: k w2 = , I I T = 2π , k f = 1 2π oscilações k . I Assim, o período de uma roda Catarina é determinado unicamente pela constante de torção k e pelo momento de inércia da roda. 4.6 Oscilações Amortecidas As oscilações harmônicas simples, estudadas até agora, ocorrem sem atrito. Todas as forças envolvidas são conservativas e, consequentemente, a energia mecânica total é constante. Quando o sistema começa a oscilar, ele oscila eternamente, sem diminuição da amplitude. Na prática, sempre existe uma ou mais forças não conservativas e a amplitude de oscilação diminui com o tempo. A oscilação que diminui de amplitude com A 2 bm ) −( o tempo é denominado de oscilação e t amortecida (ver figura 4.9). O caso mais 2 bm ) −( e t simples é aquele quando analisamos um sistema massa-mola, onde o ar ou outro fluido faz a amplitude diminuir. 0 2T0 T0 5T0 tempo t 3T0 4T0 Esta força produzida por um fluido tem a forma geral F = bv n , em que b é uma constante, v é a velocidade e n depende do sistema e do fluido (usaremos neste caso n = 1). Portanto, a força resultante - A sobre a massa é dada por, Figura 4.9 - Em um oscilador amortecido, ∑F =−kx − bv e a segunda lei de Newton ∑F = ma Rearranjando, temos QUESTÃO 4.5 Sabendo que o período de uma roda Catarina é dado por T = 2π I , o que k devemos fazer para acertar um relógio que atrasa? a amplitude decai com o tempo. para o sistema é ma = −kx − bv m QUESTÃO 4.4 Qual é a unidade da constante de torção k? 4.13 2 d x dx = − kx − b . 2 dt dt d 2x dx +b = − kx . 4.14 2 dt dt A figura 4.9 mostra um exemplo de oscilação amortecida. Podemos observar pelas duas curvas tracejadas que a amplitude decai obedecendo a uma função exponencial m −( 2 bm ) t ) . Contudo, o sistema continua oscilando ( cos(ω´t + δ ) ). A equação que descreve a posição em qualquer tempo é dada pelo produto da função exponencial e da função cos-seno, (e = x ( t ) Ae −( 2 bm ) t cos(ω´t + δ ) 4.15 Substituindo a primeira derivada e a segunda derivada da posição em função do tempo (4.15) na equação 4.14, observamos que a 4.15 é uma solução da equação 4.14 e que o valor da frequência angular é dado por 71 k b2 , − , m 4m 2 = ω´ FÍSICA GERAL II portanto: • Se o sistema massa-mola tiver pouco atrito, a constante b deverá ser pequena e o valor da frequência angular tende a ω´= • • k , que é a frequência angular de um m oscilador harmônico simples sem atrito (Compare figura 4.10a e 4.10b). Quando b = 2 km , o valor de ω será igual a zero. Neste caso, ocorre o chamado amortecimento crítico (figura 4.10c). O sistema não oscila mais e, ao ser deslocado e liberado, retorna à posição de equilíbrio sem oscilar. A condição de b maior que 2 km corresponde ao superamortecimento (figura 4.10d). Igualmente, o sistema não oscila, porém, retorna à sua posição de equilíbrio mais lentamente que no caso do amortecimento crítico. A d c Figura 4.10 - Gráficos da posição em função do tempo para um: a) oscilador harmônico simples, b) oscilador amortecido, c) oscilador criticamente amortecido e d) um oscilador superamortecido. 0 -A t b a 4.6.1 Energia Total de um oscilador amortecido Nas oscilações amortecidas o trabalho da força ou forças não conservativas faz com que a energia mecânica do sistema diminua, tendendo a zero depois de um longo tempo. Para determinar a taxa de variação temporal da energia vamos derivar a energia mecânica total em função do tempo, 1 2 1 2 mv + kx 2 2 dE dv dx = mv + kx dt dt dt = E dv Como a variação temporal da velocidade é igual a aceleração = a e a variação dt dx temporal da posição é igual a velocidade = v , temos dt dE = v ( ma + kx ) dt −kx − bv (equação 4.13), Como ma = dE = −bv 2 dt A variação da energia é sempre negativa, independente da velocidade v ser positiva ou negativa. Isto indica que a energia diminui continuamente. A dependência da taxa de variação da velocidade mostra que esta taxa muda continuamente. Um comportamento similar acontece em circuitos elétricos contendo indutores, capacitores e resistores. Existe uma frequência natural de oscilação e a resistência desempenha o papel da constante de amortecimento b. 72 4.7 Oscilações Forçadas E Ressonância oscilações Como vimos na seção anterior, um oscilador real perde sua energia continuamente. Para manter as oscilações é necessário aplicar uma força propulsora que varia periodicamente com uma frequência angular ω ( F = F0 cos(ωt ) ). À este movimento damos o nome de oscilação forçada. Trata-se de um movimento diferente do ocorrido quando, simplesmente, deslocamos o sistema sem atrito de sua posição de equilíbrio e o deixamos livre; neste caso, o sistema oscila com uma frequência angular natural ω0 como já foi determinado neste capítulo para o sistema massa-mola ω0 = k . m Na oscilação forçada mostraremos que o importante não é somente a quantidade de energia aplicada pelo trabalho da força propulsora. Para isso, utilizaremos um corpo pendurado numa mola e excitado com uma frequência ω , A segunda lei de Newton neste caso pode ser escrita como ∑F = ma F0 cos (ωt ) − bv − kx = ma dx d 2x − kx = m 2 dt dt Quando a força propulsora começa a atuar sobre o corpo parado, a amplitude da oscilação vai aumentando. Após um tempo suficientemente longo, a amplitude de oscilação tende a um valor constante. Esta condição é chamada de estado estacionário. Neste caso, uma solução da equação anterior é = x ( t ) Acos (ωt + δ ) na qual, a amplitude A é dada por F0 cos (ωt ) − b A= F0 / m (ω 2 bω − ω02 ) + m 2 A figura 4.11 mostra o gráfico da amplitude em função da frequência angular ω aplicada pela força propulsora. Podemos observar, pelo gráfico, que o valor da amplitude A é máximo para ω ≈ ω0. . Este aumento da amplitude próximo da frequência angular natural ω0 é chamado de ressonância e a frequência angular natural é denominada de frequência de ressonância. Quando o amortecimento é pequeno não há grande diferença entre a frequência de ressonância ω0 e a frequência natural do oscilador sem amortecimento ω0 = k . m Neste caso, a ressonância ocorre quando a frequência da força aplicada é igual à frequência natural do oscilador sem amortecimento e, além disso, a velocidade está em fase com a força aplicada F0. Essa é a condição mais favorável para transferência de energia ao oscilador, por unidade de tempo, pois o trabalho efetuado pela força aplicada F0 sobre o oscilador é máximo e sempre positivo, uma vez que F0 e o deslocamento da massa estão sempre na direção do movimento. Portanto, Na ressonância, a transferência de energia potencial da força aplicada ao oscilador forçado é máxima. 73 A FÍSICA GERAL II b=0 não amortecido QUESTÃO 4.6 A frequência de excitação do sistema em ressonância é igual à freqüência natural? QUESTÃO 4.7 Para um cantor conseguir quebrar um cálice de cristal, o que é mais importante: a freqüência ou a altura do som? b pequeno b grande Figura 4.11 - Gráfico da amplitude em função da frequência angular aplicada por uma força propulsora. A ressonância acontece quando a frequência da força propulsora torna-se igual à frequência natural ω0 . A forma da curva depende do valor da força de amortecimento F = −bv . Diferentes valores de força responsável pelo amortecimento ( F = −bv ) são apresentados na figura 4.11. A altura da curva no ponto máximo é proporcional a (1/b).Isto expressa que, quanto menor for o amortecimento, mais elevado serão os valores da amplitude. Na ausência de uma força amortecedora (b = 0), vemos que a amplitude do estado estacionário se aproxima do infinito a medida que w → w0 . A ressonância pode ser observada com um experimento bastante simples (ver figura 4.12). Se num fio flexível suspendermos seis pêndulos e oscilarmos o pêndulo 0, os outros também começarão a oscilar. O Pêndulo que oscila com maior amplitude é o número 3, que tem o comprimento L igual ao do pêndulo 0, Figura 4.12 - Seis pêndulos simples, com acoplamento fraco. portanto, com a mesma frequência natural. A ressonância é, portanto, o fenômeno que acontece quando existe um pico de amplitude provocado por uma força cuja frequência está próxima da frequência natural do sistema. Amplitudes máximas no sinal são obtidas quando a frequência da onda é igual à frequência de ressonância de circuitos de sintonia em rádios, televisões, celulares e conexões sem fio. Este fato é usado para selecionar um emissor e rejeitar outros. O fenômeno de ressonância produz um ruído desagradável quando uma nota musical coincide com a frequência de oscilação natural do auto-falante. Medidas de tomografia, para o diagnóstico de doenças, utilizam a ressonância da frequência do núcleo do átomo de hidrogênio sob a ação de um campo magnético. Exercícios 1. Um corpo oscila com movimento harmônico simples de amplitude A. a) Qual o deslocamento do corpo em um período? b) Que distância o corpo cobre em um período? 2. Se a amplitude do movimento de um oscilador harmônico simples for quadruplicada, por que fator fica multiplicada a sua energia? 3. Um corpo de 0,4 kg, preso a uma mola de constante k = 8,0 N/m oscila com uma amplitude de 10,0 cm. a) Calcule o valor máximo da velocidade e da aceleração. b) A velocidade e a aceleração quando o corpo está em 0, 2,5, 5, 5,5 e 10 cm. 4. Um corpo de 1 kg, está preso a uma mola de k = 5x103 N/m. A mola é esticada 10 cm além da posição de equilíbrio e depois solta. Determine a) o período, b) a freqüência do movimento, c) a amplitude, d) a velocidade máxima e e) a aceleração máxima. f) Em que instante o corpo passa, pela primeira vez, na posição de equilíbrio? 74 5. Um fio metálico suporta a massa em um relógio. Quando a temperatura se eleva, o comprimento do fio aumenta. Qual o efeito do aumento do fio no período do relógio? oscilações 6. Se em um determinado local o período de um pêndulo de L = 0,7 cm for de 1,68 s, qual o valor de g? 7. Os pistões de um motor a gasolina estão em movimento harmônico simples (figura 4.13). Se os extremos de seu deslocamento forem 10 cm, encontre a velocidade máxima e a aceleração máxima do pistão quando o motor estiver funcionando a 5400 rev/min. Figura 4.13 Figura 4.14 8. Determine o período de oscilação de cada um dos sistemas esquematizados na figura 4.14. Se a amplitude máxima de todos for 10 cm, calcule a energia de cada um dos sistemas (no caso do pêndulo, calcular a energia potencial no ponto mais alto da trajetória) . 9. Um corpo plano realiza movimento harmônico simples com uma frequência de 0,45 Hz. Se o corpo tem uma massa de 2,2 kg e o pivô está localizado a 0,350 m do centro de massa, determine o momento de inércia do pêndulo ao redor do pivô. 10. Um aro circular, com 1 m de raio, está pendurado perpendicular a uma extremidade e oscila no seu próprio plano. Qual o período da oscilação? 11. Qual é a razão entre as amplitudes de duas oscilações sucessivas no caso de um oscilador amortecido? 12. Dê alguns exemplos de sistemas comuns que podem ser osciladores forçados. 13. Um pêndulo com comprimento de 1 m é liberado de um ângulo inicial de 150. Após 1 segundo, sua amplitude foi reduzida pelo atrito a 5,50. Qual o valor de b/2m? 14. O amortecimento é desprezível para um corpo de 0,150 kg pendurado em uma mola leve, cujo k = 6,3 N/m. O sistema é impulsionado por uma força oscilante de intensidade a 1,70N. Em que frequência a força fará a massa vibrar com uma amplitude de 0,44 m? 15. A quebra de um cálice de cristal por uma onda acústica intensa é exemplo de a) amortecimento crítico. b) superamortecimento. c) ressonância. 16. Determine a frequência de ressonância de cada um dos sistemas esquematizados na figura 4.14. 75 FÍSICA GERAL II Anotações 76 oscilações Anotações 77 FÍSICA GERAL II Anotações 78 5 Ondas Mecânicas 5.1 pulsos ondulatórios 5.2 velocidade de ondas 5.3 A onda progressiva 5.4 Reflexão e transmissão de ondas 5.5 ondas Estacionárias 5.6 Interferência de ondas 5.7 Efeito doppler 79 5 ONDAS MECÂNICAS FÍSICA GERAL II O estudo das ondas constitui-se no estudo dos fenômenos mais fundamentais e mais importantes da Física. A onda mais familiar para nós é, provavelmente, aquela que se propaga na superfície da água. Embora aparentemente simples, ondas deste gênero constituem-se num dos mais complicados tipos de onda. O mundo está cheio de ondas, incluindo as sonoras, ondas em cordas, ondas sísmicas, ondas de rádio e outras. Num sentido mais amplo, ondas transportam energia e momento através do espaço com velocidade definida, sem haver transporte de matéria. Numa onda mecânica, este efeito é obtido graças a uma perturbação que se propaga no meio. Por exemplo, quando uma corda longa, que esteja sob tensão, recebe um pequeno pulso transversal, a deformação provocada propaga-se ao longo da corda como um pulso ondulatório com velocidade definida. A corda é o meio através do qual o pulso se propaga. À medida que o pulso se propaga, cada segmento da corda que é perturbado move-se em uma direção perpendicular à direção de propagação da onda. Ondas desse tipo, em que a perturbação é perpendicular à direção de propagação, são denominadas ondas transversais (figura 5.1a). As ondas do mar são um exemplo de ondas transversais. Ondas longitudinais (figura 5.1b) são aquelas em que a perturbação é paralela à direção de propagação. As ondas acústicas são ondas longitudinais: as moléculas do gás (ou do líquido) oscilam para frente e para trás, na linha de propagação das ondas acústicas, alternadamente, comprimindo e rarefazendo o meio. a) b) Figura 5.1 - a) Onda transversal e b) Onda longitudinal. 5.1 Pulsos Ondulatórios No instante t=0, a forma de um pulso na corda pode ser representado por uma função de onda y = f ( x) , em um sistema de coordenadas fixo O, conforme mostra a figura 5.2. Num instante posterior, o pulso avançou sobre a corda, com velocidade v, sem alteração de sua forma. O pulso é estacionário em um sistema de coordenadas O´, que avança com a mesma velocidade do pulso. A forma da corda é dada pela função de onda y = f ( x ') ´) no sistema de coordenada O´. A relação entre os sistemas de coordenadas O e O´ é dada por x= x´+ vt Assim, a função de onda é ou x=´ x − vt = y f ( x − vt ) . Como a figura 5.2 mostra, esta onda avança para a direita. Para uma onda que avança para a esquerda, os valores de x serão negativos, portanto, = y f ( x + vt ) . As duas equações anteriores podem representar tanto ondas longitudinais como ondas transversais. 80 ondas Mecânicas Figura 5.2 - Pulso em uma corda em dois tempos. 5.2 Velocidade De Ondas A figura 5.3 mostra um pulso que se propaga para a direita, com velocidade v, ao longo de uma corda. Se a amplitude do pulso for pequena em relação ao comprimento da corda, a tensão F pode ser considerada constante em todos os pontos. Fazendo o sistema de coordenadas se deslocar com a velocidade v para à direita, o pulso estará estacionário e a corda se moverá com a velocidade v para a esquerda. Um pequeno segmento da corda tem a velocidade v numa trajetória circular, portanto, possui uma aceleração 2 centrípeta v R . Como o segmento de corda faz um ângulo θ/2, temos que determinar as componentes das forças para encontrar a resultante das forças que age sobre o segmento. As componentes das forças horizontais se cancelam. As componentes verticais, por sua vez, apontam para o centro do arco circular e são elas que proporcionam a força centrípeta. A somatória das forças é¨, então, Figura 5.3 - Pequeno segmento de uma corda. 1 ∑F = 2 Fsen 2 θ . 1 1 Para ângulos pequenos sen θ ≈ θ , assim, 2 2 1 F θ Fθ . = ∑F 2= 2 Usando a segunda lei de Newton, temos Substituindo a = 2 ∑F = ma . v (aceleração centrípeta), obtemos R v2 Fθ = m . R 5.1 A massa m do elemento ∆s é igual ao produto da densidade de massa μ da corda com o comprimento ∆s . O ângulo θ e o comprimento ∆s estão relacionados por ∆s θ= . R Portanto, a massa do elemento é m = µ Rθ . Substituindo a massa do elemento na equação 5.1, temos v2 Fθ = µ Rθ . R Isolando a velocidade obtemos v= F µ . A equação da velocidade mostra que a velocidade da onda depende unicamente das propriedades do meio, isto é, da tensão F e da densidade de massa μ. Esta é uma propriedade geral do movimento ondulatório. No caso de ondas acústicas em água ou ar, a velocidade v é dada por v= B ρ , 81 FÍSICA GERAL II na qual ρ é a densidade do meio em equilíbrio e B é o módulo de compressibilidade. Quando estudarmos Termodinâmica, veremos que o módulo de compressibilidade é proporcional à pressão P e a constante dependente do gás γ (para O2 e N2 γ = 1, 4 ). A densidade ρ é igual a razão entre a massa m e o volume V. Substituindo a massa pelo produto entre a massa molar M e o número de moles e o volume V pela Lei dos gases ideais ( PV = nRT ), temos, ρ= Assim, m nM MP = = . V nRT / P RT = v B = ρ v= γP MP RT γ RT M . A temperatura T é dada em Kelvin. Para obter a temperatura em Kelvin, somamos 273 à temperatura Celsius. Logo, v= γ R(TC + 273) M . EXEMPLO 5.1 Calcule a velocidade do som no ar a 0ºC e a 25ºC. (massa molar do ar é M = 29×10-3 kg/mol) Solução: Como R = 8,314 J/mol.K temos que, para 0ºC, v ( 0º C )ar = 1, 4 × 8,314 J / mol.K (0 + 273) K 29 ×10−3 kg / mol v ( 0º C )ar = 331m / s Para 250C, v ( 25º C )ar = 1, 4 × 8,314 J / mol.K (25 + 273) K 29 ×10−3 kg / mol v ( 25º C )ar = 346m / s 5.3 A Onda Progressiva Figura 5.4 Onda progressiva. Em t = 0, a curva passa pela origem (figura 5.4) e o deslocamento y perpendicular à direção de propagação da onda pode ser matematicamente apresentado na forma 2π y ( x ) = Asen x , λ sendo, A a amplitude máxima do deslocamento e λ o comprimento de onda. Assim, vemos que o valor de y é o mesmo (pontos a e b da figura 5.4) quando acrescentamos um valor inteiro λ ao valor de x. Se a onda se deslocar para a direita com uma velocidade v, a função de onda senoidal para um tempo maior que zero será 2π Isolando λ , obtemos 2π y ( t , x ) Asen x − wt . = λ 5.2 2π λ w . y ( t , x ) Asen x − t = 2π λ 2π λ w λ 2π Como w = , podemos escrever = = v . Assim, T 2π 2π T 2π y ( t , x ) Asen ( x − vt ) , = λ 82 o produto vt, no argumento da função seno, é igual a uma distância, ou seja, a onda senoidal se desloca para a direita uma distância vt no tempo t. Observe que ( x − vt ) indica que a onda se desloca para a direita. Se a onda se desloca para a esquerda, ( x − vt ) será substituída por ( x + vt ) . Podemos escrever a função da onda senoidal 5.2 de uma forma compacta definindo, número de onda angular k: 2π k= . Assim, ondas Mecânicas λ = y (t , x) Asen(kx − ωt ) . A função acima foi desenvolvida assumindo que o deslocamento em y é zero em x = 0 e t = 0. Acrescentando uma constante, denominada constante de fase δ , podemos generalizar a função da onda senoidal acima para outros casos, escrevendo y (t= , x) Asen(kx − ωt + δ ) EXEMPLO 5.2 Calcule a energia cinética de um segmento Δx de uma corda com densidade μ. Solução: Pela função de onda podemos calcular a energia cinética de um segmento. Seja a massa Δm do segmento igual ao produto entre o comprimento do segmento Δx e a sua densidade μ: 1 1 ∆K = ( ∆m ) v y2 = ( µ∆x ) v y2 2 2 A velocidade é dada por dx d ( Asen ( kx − ωt ) ) v = = = Aω sen ( kx − ωt ) dt dt Assim, a energia cinética será 1 ∆K = µ∆xA2ω 2 sen 2 ( kx − ωt ) 2 A função seno ao quadrado varia de 0 a 1, portanto, o valor máximo de 1 ∆K = µ∆xA2ω 2 , que é igual ao valor da energia cinética do segmento de corda. 2 Figura 5.5 - Reflexão de um pulso em uma fronteira rígida. 5.4 Reflexão E Transmissão De Ondas Vamos considerar um único pulso em uma corda quando ele alcança uma fronteira. Parte ou todo o pulso é refletido. Qualquer parte não refletida é denominada como sendo transmitida através da fronteira. A figura 5.5 mostra a situação em que nenhuma parte do pulso é transmitida através da fronteira. Neste caso, o pulso refletido tem a mesma amplitude que o pulso incidente, mas é invertido. Vamos considerar as forças atuantes. O pulso é criado inicialmente por uma força ascendente e depois descendente. Na fronteira, o ponto de apoio exerce uma força de reação igual e oposta sobre a corda (terceira Lei de Newton). Assim, a força ascendente do pulso no ponto de apoio resulta em uma força descendente do ponto de apoio na corda e, a seguir, a descendente do pulso resulta em uma ascendente na corda. Portanto, a reflexão em uma extremidade fixa faz com que o pulso se inverta na reflexão, resultado da terceira Lei de Newton. A figura 5.6 mostra uma segunda opção idealizada no qual a reflexão é total e a transmissão é nula. O pulso chega à extremidade de uma corda que esta totalmente livre para se mover verticalmente. Aqui o pulso é refletido, mas desta vez não é invertido. Existem situações nos quais a fronteira é intermediária entre os dois casos extremos, isto é, não é nem completamente rígida nem completamente livre. Por exemplo, uma corda que está ligada a uma outra corda mais densa. Quando o pulso se desloca primeiro na corda menos densa e alcança a fronteira entre as duas, parte do pulso é transmitida e parte é refletida e invertida. Se o pulso se desloca primeiro na corda mais densa e alcança a fronteira entre ambas, Figura 5.6 - Reflexão de um pulso em uma fronteira livre. 83 parte do pulso também é transmitida e parte é refletida, mais não invertida. FÍSICA GERAL II F , na qual µ é µ densidade de massa da corda. Portanto, a velocidade do pulso na corda mais densa é menor do que na corda menos densa. Como já vimos, a velocidade da onda em uma corda é dada por v = Uma das aplicações das reflexões de ondas é a técnica de ultrassonografia. As ondas sonoras são transmitidas através do corpo e refletem nas estruturas e órgãos. A reflexão é detectada, com isso é uma figura dos órgãos é possível (figura 5.7). Os aparelhos de ultrassom, em geral, utilizam uma frequência desde 2 até 14 Mhz, emitindo através de uma fonte de cristal piezo-elétrico que fica em contato com a pele. As ondas sonoras refletidas são organizadas eletronicamente pelo sistema em uma imagem visual. Navios, assim como alguns animais marinhos, usam o sonar para localizar, através de ondas de ultra-som, corpos submersos. O mapeamento da superfície do fundo do mar e, também, o mapeamento de camadas inferiores, é obtido pela reflexão de ondas mecânicas emitidas por navios. Este método é importante no descobrimento de novas jazidas de petróleo no fundo do mar. Figura 5.7 - Imagem de ultrassom de um feto humano dentro do útero materno (http://www.radiologiasangerhousen.de/ ultraschall.htm e http://www.maringasaude. com.br/rxusmga/exames. shtml). 5.5 Ondas Estacionárias V a) N N V V b) N N N V V c) N n=3 V V N N terceiro harmônico N N d) n=2 segundo harmônico V N V n=1 fundamental ou primeiro harmônico V N N N n=4 quarto harmônico Figura 5.8 - Ondas estacionárias numa corda fixa nas duas extremidades (N = nó e V = ventre). Se a onda estiver confinada a uma região entre duas fronteiras rígidas (figura 5.8), como uma corda esticada entre dois suportes, as reflexões nas fronteiras fazem com que existam ondas deslocando-se em direções opostas (ver discussão na seção anterior sobre reflexão de ondas em extremidade). Para certas frequências, nas quais as ondas incidentes e refletidas se superpõem continuamente, percebe-se uma figura de vibração estacionária, denominada onda estacionária. Este sistema físico é modelo para fontes sonoras de qualquer instrumento de corda, como o violão, o violino e o piano. A corda tem vários padrões naturais de vibração, chamados de modos normais. Cada um desses modos tem uma frequência característica. Em uma onda estacionária em uma corda esticada, as extremidades da corda devem ser nós, pois estes pontos são fixos. Esta é a condição de contorno para ondas estacionárias. O modo de vibração mais simples que satisfaz esta condição tem dois nodos (um em cada extremidade da corda) e um antinodo (ventre) no ponto central. Para esse modo de vibração, a distância entre as 84 duas extremidades fixas L é igual à metade do comprimento de onda: L= λ1 . 2 O modo de vibração seguinte, de comprimento de onda λ2 , ocorre quando L é igual a um comprimento de onda, isto é, quando L = λ2 . O terceiro modo de vibração, onde aparece uma onda estacionária, corresponde ao comprimento de onda igual a 3 2 λ3 , isto é, 3 L = λ3 . 2 Generalizando, a distância entre as duas extremidades fixas L pode ser relacionada com diferentes comprimentos de onda dos vários modos de vibração, de modo que n = L λ= (n 1, 2, 3, 4,…) . n 2 A frequência está relacionada com a velocidade e com o comprimento de onda por f = v λ . A ondas Mecânicas velocidade da onda v depende da tensão aplicada T e da densidade de massa da corda µ v = T µ . Assim, podemos expressar as frequências, nas quais ocorre uma onda estacionária em uma corda esticada, como n T = fn = (n 1, 2, 3, 4,…) . 2L µ A frequência de uma corda em um instrumento de corda pode ser modificada variando-se a tensão T da corda ou mudando o comprimento L entre as duas extremidades. Nos violões a frequência é ajustada por um mecanismo de parafuso no braço do instrumento. Aumentando a tensão T, as frequências dos modos de vibração aumentam. Quando uma corda tem uma extremidade fixa e outra livre, a extremidade livre é um ventre (figura 5.9). No modo de vibração fundamental desta corda, o Figura 5.9 - Ondas estacionárias numa corda fixa comprimento de onda é igual a λ1 = 4L . No modo de vibração seguinte λ3 = 4 L . 3 A condição de onda estacionaria é, portanto, = L Usando a relação f = v , temos λ apenas na extremidade da esquerda. (N = nó e V = ventre) n (n 1, 3, 5, 7, …) . λ= n 4 n v= (n 1, 3, 5, 7, …) . 4L As frequências naturais desse sistema ocorrem somente quando = n 1, 3, 5, 7, … , e, portanto, os harmônicos pares estão faltando (figura 5.9). Um exemplo comum de ondas estacionárias deste tipo é o das ondas na coluna de ar de um tubo de órgão, onde uma das extremidades é aberta. Quando condições de contorno são aplicadas a uma onda, descobrimos um comportamento muito interessante que não tem nenhum análogo no estudo até agora da mecânica. O aspecto mais relevante desse comportamento é a quantização. Descobrimos que somente determinados comprimentos de onda são permitidos, que são aquelas que satisfazem as condições de contorno. Uma visão geral sobre quantização vai ser discutida na disciplina Física Moderna. = fn QUESTÃO 5.1 Em um piano, as cordas graves são mais longas e mais grossas do que as cordas agudas. Por quê? 85 FÍSICA GERAL II EXEMPLO 5.3 Cada corda de um violão emite uma frequência diferente, conforme tabela abaixo. A distância L entre os suportes das cordas é de 64 cm. Cada corda está oscilando de acordo com o padrão de onda estacionária mostrado na figura abaixo. Considerando uma tensão aplicada (em cada corda) igual a 50N, determinar as densidades das cordas. Mi(-2) Lá(-2) Ré(-1) Sol(-1) Si(-1) Mi(0) 82,5 Hz 110 Hz 147 Hz 196 Hz 247 Hz 330 Hz 0,64m corda vibrando Solução: A velocidade da onda é v = F µ . Podemos relacionar a velocidade da onda com a frequência e comprimento de onda (v = λ f ) . Fazendo isso, obtemos f = Isolando a densidade, temos µ= 1 F λ µ F ( f λ) 2 . . Como a corda oscila de acordo com um padrão de onda estacionária, o comprimento de onda é dado por λ = 2 L / n , onde n = 1,2,3,4,…, isto é, λ 2 L, L, 3 L, 1 L … . = 2 2 Pela figura da corda vibrando, observamos que ela oscila somente meio comprimento de onda no comprimento L = 0,64 m, portanto, λ = 2L. µ= F ( f 2L ) 2 . Substituindo os valores das respectivas frequências (f) da tabela, obtemos: Mi(-2) 82,5 Hz 0,004484 kg/m Ré(-1) 110 Hz 0,002522 kg/m Lá(-2) 147 Hz 0,001412 kg/m Sol(-1) 196 Hz 0,000794 kg/m Si(-1) 247 Hz 0,000500 kg/m Mi(0) 330 Hz 0,000280 kg/m Estes valores da densidade das cordas na realidade são um pouco diferentes, pois a distância entre os suportes não é igual para todas as cordas. Mesmo com as discrepâncias, percebemos que o aumento da densidade é acompanhado de um decréscimo na frequência. 5.6 Interferência De Ondas Os efeitos de interferência que trataremos envolvem a superposição de duas ou mais ondas. Vamos analisar inicialmente duas ondas senoidais que se propagam no mesmo sentido, com a mesma frequência, mesma amplitude, mas diferem na fase. Podemos expressar as suas funções de onda individuais como y2 Asen ( kx − ωt + δ ) = y1 Asen ( kx − ωt ) e = nas quais, δ é a diferença de fase entre as duas ondas. A função de onda resultante será y = y1 + y2 = Asen ( kx − ωt ) + Asen ( kx − ωt + δ ) = y A sen ( kx − ωt ) + sen ( kx − ωt + δ ) 86 Usando a identidade trigonométrica a −b a+b sen a + senb = 2cos sen 2 2 e fazendo a = kx − ωt e b = kx − ωt + δ , a função de onda resultante y pode ser escrita como δ δ = y 2 Acos sen kx − ωt + 2 2 δ A composição das duas ondas não altera a frequência. A amplitude da onda resultante é 2 Acos 2 e depende da diferença de fase δ . • Se δ = 0 , então cos ( 0 ) = 1 e a amplitude da onda resultante é 2A. Os máximos das • • ondas Mecânicas duas ondas coincidem. Neste caso, diz-se que as ondas estão em fase e que interferem construtivamente. δ π = = Se δ = π rad , então cos cos 0 e a amplitude da onda resultante é nula. 2 2 O máximo de uma onda coincide com o mínimo de outra. Neste caso, diz-se que as ondas estão fora fase e que interferem destrutivamente. Se δ tem um valor entre 0 e π , a onda resultante tem uma amplitude cujo valor está entre 0 e 2A. EXEMPLO 5.4 Duas ondas, com frequências e amplitudes iguais, avançam no mesmo sentido em um fio. a) Se a diferença de fase entre as duas for de 2π 3 e a amplitude for 5,0 cm, qual a amplitude da onda resultante? b) Determinar a diferença de fase δ quando a amplitude resultante for de 7,5 cm. Solução: a) A função de onda resultante é δ δ = y 2 Acos sen kx − ωt + . 2 2 δ A amplitude resultante A´ é determinada pelo termo 2 Acos , portanto, 2 2π A´ 2π = 2(5, 0 cm)cos 3 3 2 A´ 2π = 5 cm 3 b) Aplicando a função arccos na amplitude resultante, temos, 7,5 cm A´ o δ 2arccos = = ⇒ δ 82,8 2arccos = 2A 2 ⋅ 5 cm ( ) ( ) Vamos estudar agora a interferência entre duas ondas sonoras de frequências ligeiramente diferentes e amplitudes iguais, conforme mostrado na figura 5.10. Admitindo que as duas ondas a) estão em fase no instante t = 0, podemos expressar as suas funções de onda individuais como t y1 = Asen (ω1t ) e y2 = Asen (ω2t ) . t t t A função de onda resultante será 1 2 3 y = y1 + y2 = A sen (ω1t ) + sen (ω2t ) Usando novamente a identidade trigonométrica a −b a+b sen a + senb = 2cos sen , teremos, 2 2 1 1 y =2 A cos (ω1 − ω2 )t sen (ω1 + ω2 )t . 2 2 b) t1 t2 t3 t Figura 5.10 - a) Interferência entre duas ondas sonoras de frequências diferentes. b) Onda resultando 87 FÍSICA GERAL II ωmed = Para frequências próximas, podemos definir uma frequência angular média (ω1 + ω2 ) / 2 e escrever ∆ω = ω1 + ω2 . Assim, 1 = y 2 Acos ∆ωt sen (ωmed t ) 2 1 = y 2 Acos 2π∆ft sen ( 2π f med t ) 2 onde, ω = 2π f e ∆ω = 2π∆f . A interferência das duas ondas sonoras ligeiramente diferentes provoca o interessante fenômeno chamado batimentos (figura 5.10). O som que ouvimos tem a frequência 1 1 f med = ( f1 + f 2 ) / 2 e a amplitude oscila com a frequência ( f1 − f 2 ) = ∆f . Isto quer dizer 2 2 que os máximos e mínimos devem aparecer com a frequência ∆f . O som é mais alto sempre que a amplitude está num máximo ou mínimo. A frequência desta variação da amplitude é dita a frequência de batimento fbat , que é igual à diferença entre as duas frequências:> fbat = f1 − f 2 = ∆f . Embora os batimentos aconteçam em todos os tipos de ondas, são especialmente percebidos em ondas sonoras. O ouvido humano pode detectar frequências de batimentos abaixo de 20 batimentos por segundo. Se a frequência de batimentos extrapola este valor, há uma mistura sem distinção das frequências de batimentos e das frequências f1 e f 2 . Os batimentos são normalmente empregados no afinamento de instrumentos musicais como, por exemplo, o violão. As notas são afinadas, fazendo vibrar concomitantemente um diapasão e a corda do instrumento. A tensão na corda do violão é, então, acertada até que os batimentos sejam inaudíveis, o que indica uma diferença muito pequena entre a frequência dos dois sons. EXEMPLO 5.5 Qual a frequência ouvida e quantos máximos por segundo podem ser ouvidos quando dois diapasões vibram, um com a frequência de 241 Hz e outro com 243 Hz? Solução: A frequência ouvida será f med = (241Hz + 243Hz ) / 2 = 242 Hz . ( f1 + f 2 ) / 2 = A frequência de batimentos será f bat = f1 − f 2 = 243Hz + 241Hz = 2 Hz , isto quer dizer 2 máximos por segundo. 5.7 Efeito Doppler O apito de um trem ou a sirene de uma ambulância soam mais agudos quando estão se aproximando de nós e mais graves quando estão se afastando. Estas variações constituem o efeito Doppler. Vamos estudar os casos quando o observador está em movimento, quando a fonte está em movimento e finalmente quando ambos estão em movimento. Fonte em repouso e observador em movimento 1= v , sendo T o período e λ0 0 λ0 T0 o comprimento de onda. A frequência original f0 emitida é o número de cristas de onda emitidas por unidade de tempo. O espaçamento entre as cristas de onda emitidas é λ0 . Se o observador se move em direção à fonte com velocidade u (figura 5.11a), ele percorre v u uma distância u por unidade de tempo e encontra λ0 cristas adicionais, além das λ0 cristas que teriam passado por ele se ele estivesse em repouso. Logo, a frequência f observada é mais aguda (f > f0) e dada por v u = f + f0 A fonte está emitindo uma frequência original= λ0 = f 88 v λ0 λ0 u 1+ v u = f f 0 1 + . v Usando a mesma lógica, se o observador se afasta da fonte com velocidade u, ele deixa de u ser atingido por λ0 cristas por unidade de tempo e a frequência observada é mais grave: = f v λ0 − ondas Mecânicas u λ0 v u = f 1− λ0 v . v Como a frequência original é f 0 = , teremos que λ0 u = f f 0 1 − . v Assim, o efeito Doppler, para o caso em que a fonte está parada e o observador está em movimento, é dado por: FONTE u = f f 0 1 ± v PARADA + para aproximação – para afastamento Fonte em movimento e observador em repouso O observador está em repouso em relação à atmosfera e a fonte se move em direção ao observador com velocidade V (figura 5.11b). Consideremos uma série 0, 1, 2, 3, ..., de cristas de onda consecutivas emitidas pela fonte. A fonte emite a crista 0 na posição x0.. Como a fonte está em movimento, depois de um período T0 = λ0 v , a fonte emite a crista 1 na posição x1 = VT0 . A crista 2 será emitida na posição x2 , a crista 3 será emitida na posição x3 e assim por diante. O deslocamento VT0 . Para o observador, o comprimento de onda observado λ entre cada emissão será sempre ∆x = entre as cristas será o comprimento de onda original λ0 subtraído por ∆x , λ= λ0 − ∆x ∆x = λ λ0 1 − . λ0 Substituindo comprimento de onda original λ0 = vT0 VT0 , temos, e o deslocamento da fonte ∆x = VT = λ λ0 1 − 0 vT0 V = λ λ0 1 − . v A frequência observada será f= 0 v = λ v V λ0 1 − v Como f 0 = v λ , então 0 Figura 5.11 - a) Observador em movimento e fonte em repouso e b) fonte em movimento e observador em repouso. 1 , V 1 − v ou seja, quando a fonte está se aproximando, a frequência observada f será maior do que a freqüência original f0. Para o observador com a fonte se afastando, o comprimento de onda observado λ entre as VT0 : cristas será o comprimento de onda original λ0 = vT0 acrescido pelo deslocamento da fonte ∆x = f = f0 λ= λ0 + ∆x 89 Fazendo as mesmas substituições do caso anterior (fonte se aproximando), temos V = λ λ0 1 + v FÍSICA GERAL II f = f0 1 V 1 + v . Portanto, a frequência observada f será menor que a original frequência f0 quando a fonte está se afastando do observador. Para os casos em que o observador está parado e a fonte está se movendo, o efeito Doppler é dado por: OBSERVADOR PARADO f = f0 1 V 1 v - para aproximação + para afastamento Fonte e observador em movimento Neste caso, superpõem-se os dois efeitos discutidos acima. O movimento do observador u altera a frequência para f 0 1 ± e o movimento da fonte multiplica a nova frequência por um v 1 fator 1 V , de modo que o efeito Doppler combinado é dado por: v OBSERVADOR E FONTE MÓVEIS u 1 ± v f = f0 V 1 v Sinais superiores para aproximação Sinais inferiores para afastamento O efeito Doppler para o som é observado quando há um movimento relativo entre a fonte do som e o observador. Como podemos observar pelas relações desenvolvidas, o movimento da fonte, ou de um observador em direção ao outro, resulta na audição pelo observador de uma frequência mais elevada do que a frequência original. O movimento da fonte ou do observador um para longe do outro resulta na audição pelo observador de uma frequência mais baixa que a frequência original. Embora nossa análise tenha se limitado até agora somente ao som, esse efeito está associado a ondas de todo o tipo. O efeito Doppler em ondas mecânicas é usado para determinar a presença e a direção do fluxo sanguíneo em um vaso e suas características hemodinâmicas, conforme ilustrado na figura 5.12. Nas ondas eletromagnéticas o efeito Doppler é empregado em sistemas de radar para medir velocidades dos veículos. Do mesmo modo, astrônomos usam o efeito Doppler para medir os movimentos relativos das estrelas, das galáxias e de outros corpos celestes, observando as mudanças nas frequências da luz emitidas por estes corpos celestes. Em 1942, Christian Johann Doppler (1803-1853) mostrou o deslocamento da frequência em conexão com a luz emitida por duas estrelas girando uma em relação à outra em um sistema de estrela dupla. O efeito Doppler para luz foi usado para defender a expansão do universo, o que conduziu à teoria do Big Bang. 90 Figura 5.12 - Fluxometria utilizando efeito Doppler – Através desta medida é possível determinar o fluxo em veias e artérias (http://www.maringasaude.com. br/rxusmga/exames.shtml). EXEMPLO 5.6 Um carro de polícia está perseguindo um carro fugitivo. Ambos se deslocam à velocidade de 160 km/h. O carro de polícia, não conseguindo alcançar o carro, liga sua sirene com uma frequência de 500 Hz. Considerando a velocidade do som no ar como sendo 340 m/s: a) Qual a mudança Doppler na frequência ouvida pelo carro fugitivo? b) Qual o comprimento de onda do som que o carro fugitivo ouve? Solução: a) A frequência do som da sirene em relação ao solo é f ´= f 0 1 V 1 − v ondas Mecânicas , na qual v é a velocidade do som no solo e V é a velocidade do policial. O som se propaga com esta frequência na direção do fugitivo. Logo, para este carro, ela chega com frequência u = f f 0 1 − , com f 0 = f ´ (frequência em relação ao solo) e u = V (ambos estão à v mesma velocidade em relação ao solo). Portanto, V = f f ´1 − . v Substituindo f´, temos V 1 − v f = f0 V 1 − v f = f0 . Ou seja, a frequência não muda. b) No referencial do carro fugitivo, a onda se propaga com velocidade v '= v − u . Logo, usando λ f = v ' , temos que (não se esqueça de transformar km/h em m/s), = λ (v − u ) 50m / s = = 0,1m. f 500 Hz EXEMPLO 5.7 Um morcego se orienta emitindo sons de altíssima frequência. Suponha que a emissão da frequência do som do morcego seja 39000 Hz. Durante uma arremetida veloz diretamente contra a superfície plana de uma parede, o morcego desloca-se a 1/40 da velocidade do som no ar (340m/s). Calcule a frequência em que o morcego ouve a onda refletida pela parede. Solução: Inicialmente, determinamos a velocidade do morcego, que é = V (340 = / 40) m / s 8,5 m / s . Depois dividimos o problema em duas partes: 1ª Parte: indo do morcego até a parede e 2ª Parte: voltando da parede até o morcego. 1ª Parte: indo do morcego à parede. A fonte (morcego) está em movimento e se aproximando, portanto, 1 1 39000 Hz = f1 f= = 40000 Hz 0 V 8,5m / s 1 − 1 − v 340m / s 2ª Parte: voltando da parede até o morcego. A frequência f1 é refletida na parede e não muda de frequência na reflexão, retornando com o valor f1 = 40000 Hz . Aqui o observador (morcego) está em movimento e aproximando, logo, V 8,5m / s f f = f1 1 + = 40000 Hz 1 + = 41000 Hz . v 340m / s 91 FÍSICA GERAL II Exercícios 1. Uma corda de piano tem uma densidade de 5,0 x 10-3 kg/m e está sob uma tensão de 350 N. Encontre a velocidade com que uma onda se propaga nessa corda. 2. Calcular a velocidade do som no hidrogênio a T = 300 K (M =2 g/mol e γ =1,4). 3. Ondas transversais se propagam a 100 m/s num fio com 100 cm de comprimento, sujeito a uma tensão de 500 N. Qual a massa do fio? 4. Uma corda esticada tem uma massa de 0,2 kg e comprimento de 4m. Qual a potencia que deve ser fornecida à corda a fim de gerar ondas senoidais que tenham uma amplitude de 10 cm, um comprimento de onda de 0,5 m e se propaguem com uma velocidade de 30 m/s? 5. Dois pulsos ondulatórios estão se a uma velocidade de 2,5 cm/s movendo em sentidos contrários ao longo de uma corda (conforme figura abaixo). A amplitude de uma é o dobro da outra. Faça um esboço da forma da corda em t = 1 e 2 s. 6. Duas ondas com freqüências, comprimentos de onda e amplitude iguais avançam numa mesma direção. a) Se a diferença de fase entre elas for de π 2 e se a amplitude de ambas for de 2,0 cm, qual a amplitude da onda resultante? b) Para que diferença de fase a amplitude resultante será igual a 2,0 cm? 7. Quando se faz soar um diapasão de 440 Hz e a corda Lá de uma guitarra está desafinada, percebem-se 4 batimentos por segundo. Depois de apertar um pouco a cravelha da corda, a frequência de batimento aumenta para 8 por segundo. Qual a freqüência da nota da corda depois de apertada? 8. No palco de um anfiteatro vazio, uma pessoa bate palma em uma única vez. O som reflete nos degraus de 1 metro de comprimento. Qual a frequência que retorna ao palco? 9. Um morcego pode detectar corpos muito pequenos, cujo o tamanho seja aproximadamente igual ao comprimento de onda que o morcego emite. Se os morcegos produzem uma frequência de 60,0 kHz e se a velocidade do som no ar é de 340 m/s, qual o menor corpo que o morcego pode detectar? 10. Um trem bala se aproxima, apitando, a uma velocidade de 180 m/s em relação à plataforma de uma estação. A frequência sonora do apito do trem é 1,0 kHz, como medida pelo maquinista. Considerando a velocidade do som no ar como 330 m/s, qual o comprimento de onda ouvido por um passageiro parado na plataforma? 11. Um carro de polícia está perseguindo um carro fugitivo. Ambos se deslocam à velocidade de 160 km/h. O carro de polícia, não conseguindo alcançar o carro, toca sua sirene. Considere a velocidade do som no ar como sendo 340 m/s e a frequência da fonte como 500 Hz. a) Qual a mudança Doppler na frequência ouvida pelo carro fugitivo? b) Qual o comprimento de onda do som que o carro fugitivo ouve? 92 ondas Mecânicas Anotações 93 FÍSICA GERAL II Anotações 94 6 Temperatura e Calor 6.1 termodinâmica 6.2 A Lei Zero da termodinâmica 6.3 termômetros e Escalas termométricas 6.4 Expansão térmica 6.5 quantidade de Calor 6.6 transições de Fase 95 6 TEMPERATURA E CALOR FÍSICA GERAL II 6.1 Termodinâmica Por que a Termodinâmica merece um estudo separado da Mecânica? Por que não incorporá-la e descrever o comportamento térmico de um sistema utilizando os conceitos da Mecânica já desenvolvidos no primeiro volume? A razão para que isto não possa ser feito é que, na troca de calor entre dois corpos, não existem partículas que poderiam obedecer às leis de Newton. Por este motivo, a descrição mecânica falha quando se tenta incorporar a Termodinâmica. Devemos, portanto, buscar outros procedimentos para se estudar a interação térmica entre os sistemas. Entretanto, existe um ramo da Física chamado Mecânica Estatística que, a partir de primeiros princípios (clássicos ou quânticos), permite descrever um sistema constituído de várias partículas. A Termodinâmica de equilíbrio pode ser justificada, então, como uma disciplina decorrente desta descrição. Imagine um sistema simples consistindo, por exemplo, de um gás ocupando certo volume, digamos de 1 cm3, à pressão de normal de 1 atmosfera e à temperatura ambiente. Dentro deste volume encontram-se 1019 partículas, um número surpreendentemente grande. Como fator de comparação, basta dizer que a população da Terra é “apenas” da ordem de 109 e isto NÃO é a metade do número de partículas de nosso sistema, mas é 1010 vezes menor! A tarefa é, então, descrever o comportamento dinâmico para essa enormidade de partículas: mesmo com várias hipóteses simplificadoras que poderiam tornar os cálculos mais amenos, contando com computadores de altíssima velocidade, porém, ainda assim, o trabalho seria formidável! Estabelecer 1019 equações diferenciais vetoriais e de segunda ordem para descrever esse sistema e depois, devido às simplificações, não temos muita certeza de que isto seria um resultado aceitável. Mas nada impede que isto seja feito, desde que estejam disponíveis bons computadores e se tenha a eternidade à disposição. A Mecânica Estatística contorna esses problemas descrevendo o sistema através de valores médios de diversas quantidades tais como pressão, temperatura, calor específico, magnetização, etc. Dizemos que esta descrição se dá em termos da dinâmica molecular e de uma descrição em nível microscópico. A Termodinâmica está fundamentada em algumas leis decorrentes da parte experimental e que foram estabelecidas ao longo dos tempos. Medidas cuidadosas, experimentos realizados com controle rigoroso, generalizações dos resultados, enfim, tudo isto serviu para se chegar à descrição macroscópica de interações térmicas entre sistemas físicos. O tópico que ora iniciamos aborda exatamente estes aspectos: o estudo das interações térmicas sem considerar o caráter microscópico da matéria. O sistema discutido acima, um gás encerrado em um pequeno volume, pode ser caracterizado termodinamicamente por alguns poucos parâmetros. A esses parâmetros chamamos de variáveis de estado e a equação que os relacionam é chamada equação de estado. Para este gás pode-se usar, por exemplo, a pressão, o volume e o número de mols. Alternativamente, elegemos como variáveis de estado a pressão, a temperatura e o volume. Voltaremos a discutir este tópico quando tratarmos de gases ideais. 6.2 A Lei Zero da Termodinâmica 96 Para iniciar o estudo das propriedades térmicas de sistemas físicos, precisamos introduzir o conceito de temperatura. De certa forma, este conceito está ligado à sensação de quente ou frio que temos incorporado de maneira intuitiva desde a mais tenra idade. Porém, precisamos de algo menos intuitivo, mesmo porque os sentidos podem ser enganosos. Muitas propriedades da matéria que medimos dependem da temperatura: o comprimento de uma barra metálica, a pressão de um gás, a corrente transportada por filamento, a cor de um objeto incandescente e várias outras medidas. Necessitamos de uma definição operacional de temperatura para ir além de algo meramente sensorial de quente e frio. Isto pode ser conseguido escolhendo, inicialmente, uma escala termométrica adequada que faça uso de qualquer propriedade térmica que tenha forte dependência com a temperatura. Por exemplo, o termômetro caseiro usado para indicar um possível estado febril, utiliza a expansão de uma coluna de um líquido (em geral, etanol com corante) encerrado em um tubo capilar. A resistência elétrica de um fio varia quando ele é aquecido ou resfriado. Esta propriedade pode ser explorada para a construção de um termômetro. De forma análoga, a pressão de um gás depende fortemente da temperatura na qual ele se encontra. Quando se coloca um termômetro em contato com certa porção de matéria existe uma interação entre os dois e após certo tempo eles entram em equilíbrio térmico, um estado no qual não ocorre nenhuma variação de temperatura. Por isso, se você desejar conhecer a temperatura de, digamos, uma xícara de café, é conveniente utilizar um termômetro cuja capacidade térmica seja muito menor do que a do café a ser ingerido. Caso contrário, se o seu aparelho de medição tiver massa comparável com o sistema cuja temperatura se deseja conhecer, é provável que ao entrar em equilíbrio térmico a temperatura registrada seja muito diferente daquela temperatura inicial que você queria determinar. A lei zero da termodinâmica diz o seguinte: temperatura e Calor Se os corpos A e B estiverem separadamente em equilíbrio térmico com um terceiro corpo C, então A e B estão em equilíbrio térmico entre si. A importância deste fato experimental só foi reconhecida depois que a primeira e a segunda lei da termodinâmica já tinham sido enunciadas e, portanto, a denominação de lei zero é muito apropriada. A afirmação acima, elementar como pode parecer, fornece um meio seguro de interpretar a temperatura como a propriedade que dois corpos, em equilíbrio térmico entre si, devem estar à mesma temperatura e isto nos leva a concluir que a lei zero da termodinâmica pode ser expressa de maneira mais formal e mais fundamental: Existe uma grandeza escalar, denominada temperatura, que é uma propriedade de todos os sistemas termodinâmicos (em equilíbrio), tal que a igualdade de temperatura é uma condição necessária e suficiente para o equilíbrio térmico. 6.3 Termômetros e Escalas Termométricas Qualquer propriedade térmica pode ser escolhida para se construir um termômetro; porém, algumas são mais convenientes do que outras e esta escolha deve ser feita de forma criteriosa, atendo-se à reprodutibilidade da medida, à facilidade de construção, considerando a resposta do termômetro ao se medir determinada temperatura, e, sobretudo, admitindo-se uma relação monotônica contínua entre a propriedade termométrica da substância e a temperatura registrada na escala escolhida. Cada escolha de uma substância e de sua propriedade termométrica, juntamente com a relação admitida entre a propriedade e a temperatura, conduz a uma escala termométrica específica, cujas medidas não necessariamente coincidem com as medidas realizadas em outra escala qualquer e definida de maneira independente. Esta “aparente” inconsistência na definição de temperatura é contornada por um acordo universal dentro da comunidade científica: estabelece-se o uso de certa substância, de sua propriedade termométrica e de uma relação funcional entre esta propriedade e uma escala termométrica adotada universalmente. Qualquer outra escala particular pode ser, então, calibrada usando-se a escala universal. 97 FÍSICA GERAL II QUESTÃO 6.1 Em alguns locais da Terra a temperatura em graus Celsius é igual à temperatura Fahrenheit. Qual o valor desta temperatura? 98 O termômetro mais comum é aquele construído com um bulbo de vidro e em cujo interior é colocado uma substância que pode se expandir quando aquecida (em geral, utiliza-se etanol ou mercúrio) e a escala é escolhida de tal forma que no ponto de equilíbrio no qual gelo, água e vapor coexistem marca-se zero e para o vapor de água em ebulição (a pressão de 1 atm), marca-se o valor 100. Foi desta maneira que Celsius construiu seu primeiro termômetro, subdividindo estes dois limites (zero e cem) em 100 partes iguais, chamados graus. Observe que, desta forma, escolhe-se a substância, a propriedade termométrica (dilatação do líquido) e dois pontos fixos para se determinar a escala. É um dispositivo bastante versátil e de fácil manuseio, porém, construído desta forma, ele não permite medidas em temperaturas elevadas e sua precisão, em muitos casos, fica aquém do desejado. Outro termômetro bastante comum, principalmente quando se requerem medidas a temperaturas elevadas e com maior precisão, é aquele construído com um filamento metálico ou de semicondutor, cuja resistência elétrica varia com a variação de temperatura. Como a resistência pode ser medida com alto grau de precisão, a temperatura também pode ser determinada com precisão semelhante. Existe uma grande quantidade de termômetros à disposição, construídos das mais variadas formas para diferentes aplicações. Por exemplo, para altíssimas temperaturas (próximo aos pontos de fusão de metais), o termômetro óptico utiliza a radiação emitida pelo corpo e compara com um padrão e a leitura da temperatura é realizada diretamente por um fator de calibração integrante do dispositivo. Uma versão deste termômetro, usado clinicamente para medidas de temperaturas próximas a do ambiente, utiliza a radiação infravermelha emitida pelo paciente. Alguns testes têm comprovado que sua precisão é superior àquela registrada pelos termômetros convencionais para medições de estados febris. Embora a escala Celsius seja a mais conhecida, alguns países utilizam a escala Fahrenheit de temperatura (esta escala não é usada no Brasil). Diferentemente da escala centígrada (Celsius) ela assinala, para mistura água e gelo em equilíbrio, o valor 32 e para a água em equilíbrio com seu vapor, o valor 212. Portanto, o intervalo entre os dois pontos de referência corresponde a 180, enquanto que na escala Celsius é 100. Para converter uma temperatura dada em Celsius, TC, para a escala Fahrenheit, TF, usamos a relação = TF 9 TC + 32o . 5 E inversamente, a transformação de Fahrenheit para Celsius é dada por = TC 5 (TF − 32o ) . 9 Existem outras escalas termométricas, mas estão em acentuado desuso, como, por exemplo, a Rankine e a Reamur. Como curiosidade sobre a confecção de termômetros e a escolha de escalas, o sueco Anders Celsius, em 1742, apresentou inicialmente o “zero” correspondendo à ebulição da água pura a 1 atm e atribuiu o valor 100 para o gelo em equilíbrio térmico com a água. Foi o biólogo Lineu, também sueco, que em 1745, inverteu os valores como hoje utilizamos. Quando calibramos dois termômetros, por exemplo, um do tipo com líquido no interior do bulbo e outro de resistência, e ambos com leituras concordantes em 0ºC e em 100ºC, as leituras de temperaturas intermediárias podem não concordar exatamente. Isto significa que as leituras dependem da substância usada e de suas propriedades termométricas. O desejado seria, então, que pudéssemos definir uma escala de temperatura que não dependesse da substância particular utilizada. O termômetro a gás a volume constante que descreveremos a seguir se aproxima muito desta idealidade. O funcionamento de um termômetro a gás se baseia no fato experimental que a pressão de um gás, mantido a volume constante, aumenta linearmente com a temperatura e isto é verdade para qualquer gás com baixa densidade de tal forma que podemos considerá-lo ideal. Coloca-se certa quantidade de gás em um recipiente rígido (para manter seu volume constante) que tem um manômetro acoplado. Em seguida, mergulhase este volume em um banho de água e gelo em equilíbrio, anota-se o valor da pressão. O outro ponto de referência é determinado usando água em ebulição, correspondendo à outra pressão registrada pelo manômetro. Estes dois pontos são colocados em um gráfico de temperatura x pressão e traça-se uma reta passando por eles. Qualquer outra temperatura pode ser obtida permitindo que nosso termômetro interaja termicamente com o sistema cuja temperatura se deseja medir. A figura abaixo é um esboço gráfico do comportamento deste termômetro. As três curvas representam diferentes tipos de gases e com densidades diferentes. Extrapolando-se estas retas para pressões tendendo a zero, obtemse o valor de -273,15ºC. Você poderia suspeitar de que este valor seria diferente para gases diferentes, mas o resultado é sempre o mesmo para qualquer tipo de gás, desde que seja considerado ideal (baixa densidade). Outro ponto que poderia ser o questionado neste experimento seria o Figura 6.1 - Gráfico T ( C) versus p (unidade arbitrária). comportamento deste gás a baixas temperaturas: à medida que se abaixa a temperatura, o gás sofre uma transformação de fase e se torna líquido. A partir daí os resultados ficam comprometidos e não se pode concluir nada. Isto está correto, mas a extrapolação matemática para baixíssimas pressões é um artifício conveniente e funciona de forma bastante satisfatória. Em todos os casos, independente da natureza do gás ou da baixa pressão inicial (para considerá-lo ideal), a pressão vai a zero quando a temperatura é de -273,15ºC. Este valor sugere um caso universal, porque não depende da natureza da substância usada no termômetro e também deve representar um limite inferior para processos físicos. Por isso, esta temperatura é definida como zero absoluto e serve de base para a escala Kelvin de temperatura. O tamanho de um grau nesta escala é escolhido para ser idêntico ao tamanho de um grau na escala Celsius e a relação de conversão entre as duas escalas de temperatura é temperatura e Calor TK = 273,15+TC , onde TC é a temperatura em graus Celsius e TK é a temperatura em graus Kelvin (ou temperatura absoluta). Uma das principais diferenças entre estas duas escalas de temperatura é um deslocamento no zero da escala. O zero da escala Celsius é arbitrário e depende de uma propriedade associada a uma determinada substância, a água. O zero da escala Kelvin não é arbitrário, pois associa este ponto a um comportamento característico de toda substância. O que ambas tem em comum é que a mesma variação, por exemplo, de 10 oC, corresponde a 10 K (sem o símbolo de grau). Por razões de precisão e reprodutibilidade da escala absoluta, o ponto escolhido para referência é aquele no qual o gelo, a água e seu vapor coexistem em equilíbrio. Isto acontece a uma temperatura de 0,01 oC e para uma pressão de 610 Pascal (cerca de 0,006 atm). Esta pressão é do vapor de água e não tem relação alguma com a pressão do gás do termômetro. 99 FÍSICA GERAL II Na figura 6.2 estão representadas as relações entre as escalas Kelvin, Celsius e Fahrenheit: figura 3, em escala logarítmica, estão indicadas algumas temperaturas que ocorrem na natureza. Figura 6.2 - Relações entre as escalas. Figura 6.3 - Temperaturas absolutas. Finalmente, gostaríamos de comentar alguns fatos sobre o ponto zero Kelvin. É mais ou menos comum as pessoas dizerem que no zero absoluto todo movimento cessa. Isto não é verdade. Imagine que você resfrie certa porção de uma substância metálica. Os átomos da rede cristalina possuem movimento de oscilação em torno de um ponto de equilíbrio e mesmo no zero absoluto, eles continuam oscilando (é o que se chama energia do ponto zero), porém, com amplitude menor do que faria a uma temperatura maior. Da mesma forma, em temperaturas ultrabaixas os elétrons das camadas mais internas continuam suas “trajetórias” curvilíneas em torno do núcleo e suas velocidades escalares são pouco afetadas pela diminuição da temperatura. A idéia de que todo movimento cessa é uma descrição clássica do comportamento da matéria, mas ela é inadequada, e uma abordagem quântica se faz necessária para descrever os fatos experimentais. 6.4 Expansão Térmica A grande maioria das substâncias, quando aquecidas, sofre uma dilatação. Por esta razão é que encontramos nas estruturas de pontes certo espaçamento entre as lajes da pista de rolamento. De forma semelhante, os trilhos de trem são colocados de tal forma que guardam distâncias entre si, para permitirem certa expansão em dias quentes, evitando comprometer o alinhamento dos trilhos. Suponha que a medida linear de uma barra metálica seja L0 a uma determinada temperatura T0 . Se a temperatura sofre uma variação ∆T = T − T0 , então, o comprimento varia de ∆L = L − L0 . Pela experiência sabemos que essa variação de comprimento é diretamente proporcional à variação de temperatura, ao menos quando esta variação não se verifique exagerada (por exemplo, de umas poucas centenas de graus). É de se esperar também que a variação de comprimento seja proporcional ao comprimento inicial L0 e isto pode ser confirmado experimentalmente. Por exemplo, se uma barra de 1 m de comprimento sofre uma dilatação de 0,004 m para uma variação de temperatura ∆T , uma barra de 2 m sofrerá uma expansão de 0,008 m para a mesma variação de temperatura. Estas observações podem ser colocadas em forma matemática, introduzindo-se um parâmetro positivo α, chamado de coeficiente de expansão linear: ∆L= α L0 ∆T ⇒ L − L0= L0α∆T ∴ L= L0 [1 + α∆T ] . 100 O parâmetro α, em geral, depende da temperatura, mas para variações moderadas ele pode ser considerado como constante. Sendo uma característica da substância, ele não depende do comprimento inicial L0 e sua dimensão é o C −1 = 1 o C quando T é expresso em graus Celsius, ou K −1 = 1 K , quando a temperatura for medida em graus Kelvin. A tabela 6.1 fornece alguns valores do coeficiente α. SUBSTÂNCIA α [0C-1] Alumínio 2, 4 ×10−5 Cobre 1,8 ×10−5 Latão 1, 7 ×10−5 Aço 1,1×10−5 Vidro (0,1 a 1,3) ×10−5 temperatura e Calor (0, 7 a 1, 4) ×10−5 Concreto TABELA 6.1 - Alguns valores de α. EXEMPLO 6.1 Uma barra de alumínio, inicialmente a 30 oC, tem comprimento de 0,5m. Qual será seu comprimento quando a temperatura atingir 80 oC? Solução: O coeficiente de expansão é dado pela tabela acima. Então, L80 = L30 1 + 2, 4 ×10−5 (50) ⇒ L80 = 0,5 ×1, 0012 = 0,5006 m . EXEMPLO 6.2 A que temperatura se deve elevar um bastão de cobre de 1 m de comprimento para que ele tenha uma expansão de 1%? Considere que inicialmente ele esteja à temperatura ambiente. QUESTÃO 6.2 Dois corpos de mesmo material possuem as mesmas dimensões externas e mesma forma, porém um é oco e outro maciço. Quando a temperatura de ambos aumentar do mesmo valor, a dilatação dos corpos será a mesma ou será diferente? Explique. Solução: A dilatação de 1% corresponde a 0,01m. Portanto, temos: ∆L= α L0 ∆T ⇒ 0, 01= 1,8 ×10−5 ×1× (T − 25) ∴T= 580 ºC . Já sabemos como calcular a expansão linear de sólidos, mas o que acontece em termos microscópicos para provocar (produzir) esta dilatação? Um modelo simplificado pode auxiliar o argumento: os átomos da rede (cristalina ou não) mantem suas posições, porém, executam um movimento oscilatório em torno de um ponto de equilíbrio estável, muito parecido com o de um oscilador harmônico, mas não exatamente igual. Um acréscimo de temperatura significa fornecer calor e, com isto, as amplitudes de oscilação aumentam gradativamente à medida que sua temperatura cresce. Como a curva de energia potencial é assimétrica (se ela fosse simétrica como a de um oscilador harmônico, não ocorreria dilatação da rede), a distância média entre os átomos sofre um acréscimo quando se eleva a temperatura. Esses efeitos microscópicos se refletem macroscopicamente na expansão do sólido. O aumento na amplitude de oscilação dos átomos da rede pode levar a uma situação dramática, na qual a força restauradora já não é suficiente para manter a coesão do sólido e, a partir daí, tem início a fusão do material. A descrição unidimensional pode ser generalizada para duas e três dimensões, com um pouco mais de álgebra. Vamos considerar o caso tridimensional e veremos que em duas dimensões, o mesmo raciocínio pode ser usado. Para facilitar os cálculos, vamos tratar de um sólido na forma cúbica e com arestas L0. Quando aquecido, todas as três dimensões se expandem e podemos escrever, 3 ( L)3 =V =( L0 + α L0 ∆T ) Então, V = L30 + 3L30α∆T + 3L30α 2 (∆T ) 2 + L30α 3 (∆T )3 . Observe que os dois últimos termos podem ser escritos como 3L30 (α∆T ) 2 e L30 (α∆T )3 . O produto α∆T é da Figura 6.4 - Modelo de uma rede cristalina e a energia potencial entre os átomos. ordem de 10-3, ou mesmo menor, para variações moderadas de temperatura (em torno 3 2 de 100 oC) e, portanto, (α∆T ) e (α∆T ) são da ordem de 10-6 e 10-9, respectivamente. Podemos, então, desprezá-los quando comparados com o termo contendo α∆T . Com 101 FÍSICA GERAL II QUESTÃO 6.3 Por que muitas vezes o bulbo de uma lâmpada incandescente se quebra quando, por exemplo, uma gota de água cai sobre ele? E por que um copo de vidro comum pode se quebrar ao adicionarmos um líquido quente? esta aproximação, o resultado final é escrito como V= L30 + 3α L30 ∆T= V0 + 3αV0 ∆T ⇒ ∆V= 3αV0 ∆T , que usualmente é escrito na forma ∆V = γ V0 ∆T onde γ ≡ 3α . Este é o resultado final para uma expansão volumétrica de um sólido. Observe que, para este caso, consideramos o sólido isotrópico (possui as mesmas propriedades em todas as direções) de tal forma que o coeficiente γ é dado simplesmente como 3α. Entretanto, existem exceções, e uma delas é o composto CaCO 3 (calcita) que se expande mais facilmente em uma direção do que em outra. Tais materiais não podem ser tratados pelas relações estabelecidas acima. O caso bidimensional pode ser tratado de forma parecida com aquela realizada acima, considerando uma placa metálica quadrada de L0. O resultado obtido, para uma variação ∆S da área, pode ser expresso pela relação: ∆S= S0 β∆T , onde β = 2α e S0 é a área inicial. Existe um ponto sobre a dilatação superficial que, invariavelmente, causa certo embaraço no estudante. Se uma placa possui um orifício, quando ela for aquecida, a área deste orifício aumenta ou diminui? A resposta correta é que suas dimensões aumentam. Isto é, quando a placa se dilata, a área livre do orifício fica maior, e não menor, como é comum se pensar. Acontece o mesmo quando aquecemos uma casca esférica metálica: o volume interno se torna maior, e não menor. O exemplo seguinte mostra como calcular a expansão de um orifício. EXEMPLO 6.3 Uma chapa de aço apresenta um orifício com área de 100 cm2. Inicialmente sua temperatura é 20 oC e, então, é aquecida até 100 oC. Qual a variação da área deste orifício? Solução: O buraco se expande exatamente da mesma forma como se fosse preenchido pelo metal. Portanto, sua expansão pode ser calculada de maneira convencional, usando o coeficiente β aço = 2α aço = 2, 2 ×10−5 º C−1 . ∆S= S0 β aço ∆T= 100 × 2, 2 ×10−5 × 80= 0,18cm 2 . E se a chapa fosse resfriada a 0 0C em vez de ser aquecida? ∆S =100 × 2, 2 ×10−5 (−20) =−0, 044 cm 2 . O sinal negativo indica uma contração. A tabela 6.2 fornece os valores de coeficientes de expansão volumétrica para alguns líquidos. Para obter os valores de γ para sólidos, basta multiplicar os dados da tabela 1 (para coeficientes lineares) pelo fator 3. SUBSTÂNCIA γ [ K −1ou oC −1 ] Álcool etílico 11×10−5 12, 4 ×10−5 Benzeno Glicerina Mercúrio 48 ×10−5 18 ×10−5 96 ×10−5 Gasolina TABELA 6.2 - Coeficientes de expansão volumétrica (líquidos). EXEMPLO 6.4 Um frasco de vidro de 100 cm3 contém mercúrio líquido até a borda. Inicialmente a temperatura é 25 oC. Começamos seu aquecimento até a temperatura atingir 100 oC. O mercúrio irá transbordar? Em caso afirmativo, qual a quantidade de líquido que sairá do frasco? 102 Solução: Para responder a primeira pergunta, basta comparar os coeficientes de expansão volumétrica de ambos os materiais. A tabela 1 fornece para o vidro, o valor médio temperatura e Calor γ vidro = 3α vidro =× 3 0, 6 ×10−5 = 1,8 ×10−5 ºC −1 O valor γ da tabela 2, para o mercúrio, é 18 ×10−5 oC −1 , que é 10 vezes maior do que o do vidro. Isto certamente fará com que o mercúrio transborde do recipiente. Os valores quantitativos podem ser determinados utilizando-se os dados acima. ∆Vvidro = 100 ×1,8 ×10−5 (100 − 25) = 0,135cm3 . ∆VHg = 100 ×18 ×10−5 (100 − 25) = 1,35cm3 . Portanto, o líquido entornado tem volume dado por, ∆Ventorndo = ∆VHg − ∆Vvidro = 1,35 − 0,135 = 1, 215cm3 . Estes resultados podem servir para você explicar o funcionamento de um termômetro de mercúrio com bulbo de vidro. Dilatação Térmica da Água No intervalo de temperatura entre 0 o C e 4 o C a água diminui seu volume ao ser aquecida, indicando que o coeficiente de expansão térmica nesta região é negativo (figura 6.5). Acima de 4 o C , ela se expande quando aquecida, apresentando, portanto, um valor máximo em sua densidade a 4 o C . Abaixo desta temperatura, ela se expande, e isto explica porque o gelo obtido nas forminhas que você coloca no congelador apresenta a superfície curva para cima (este fato é mais evidente em formas de metal do que em formas de plástico líquido). Esse comportamento anômalo da água tem um efeito muito importante na vida de animais e plantas, principalmente em lagos. A água se congela a partir da superfície para baixo; acima de 4 o C , a água fria flui para a parte mais interna devido à sua maior densidade. Porém, quando a temperatura decresce ainda mais, a densidade volta a ser menor na camada superficial e o fluxo para baixo cessa e a água na camada mais externa fica mais fria do que em regiões mais profundas. À medida que ocorre o congelamento na superfície, o gelo flutua por ser menos denso e a água no fundo permanece a temperatura próxima a 4 o C , até que aconteça todo o congelamento do lago. Se a água se contraísse ao ser resfriada, o congelamento se daria inicialmente em camadas mais profundas e, gradativamente, o processo de solidificação atingiria a superfície. Na ocorrência deste mecanismo, a vida abaixo da superfície (animais e plantas) sofreria enormes prejuízos Figura 6.5 - Detalhe do comportamento e, possivelmente, a evolução da vida na Terra volumétrico da água próximo a 0ºC. teria seguido um curso muito diferente. 6.5 Quantidade de Calor Quando uma colher metálica é colocada em uma xícara de café quente, ela se aquece e o café se esfria até ambos atingirem o equilíbrio térmico. Se você esperar um tempo razoavelmente longo (comparado àquele transcorrido para que café e colher se equilibrem termicamente), ambos os corpos entrarão também em equilíbrio térmico com o ambiente, mas no momento estamos interessados no que acontece entre o café e a colher. A interação que produz esta variação de temperatura é uma transferência de 103 FÍSICA GERAL II Figura 6.6 - Processos para aquecer certa quantidade de água. energia entre um corpo e outro. À esta transferência de energia, produzida pela diferença de temperatura, denominamos fluxo de calor ou transferência de calor. Neste caso, a energia transferida é chamada de calor ou energia térmica. É importante que você saiba claramente a diferença entre calor e temperatura. Calor é uma forma de energia que é transferida de um corpo a outro quando existe uma diferença de temperatura entre eles. A temperatura depende do estado físico do material e sua descrição quantitativa indica se um corpo está frio ou quente. Pode-se alterar a temperatura de um sistema fornecendo ou retirando-se calor (energia) dele. Por exemplo, para se aquecer certa quantidade de água podemos fornecer calor realizando trabalho sobre ela. Foi desta forma que Joule realizou suas experiências para concluir que o aumento de temperatura é proporcional ao trabalho realizado. Medidas cuidadosas permitiram o estabelecimento da primeira lei da Termodinâmica a ser estudada no próximo capítulo. Alternativamente, para aquecer a água podemos colocá-la em contato térmico com uma fonte de calor, cuja temperatura seja maior do que o recipiente. A figura 6.6 ilustra os dois processos. É bastante comum (e errôneo) ouvir que em dias de verão “está fazendo muito calor”. Dificilmente se consegue elaborar uma frase com tão pouco sentido. O que se quer dizer, efetivamente, é que a temperatura está elevada e não que está calor. Achou um pouco pedante? Pode ser, mas é a forma fisicamente correta de descrever a situação. Como o calor é energia que está sendo transferida, deve existir uma relação entre suas unidades e aquelas conhecidas da energia mecânica, como, por exemplo, o Joule. Experimentos cuidadosos sobre esta equivalência mostram que 1 caloria (cal)= 4.186 joules O uso da caloria como unidade de calor é bastante comum, embora ela não faça parte do Sistema Internacional. A recomendação do Comitê Internacional de Pesos e Medidas é que seja usado o Joule como unidade básica de todas as formas de energia e, obviamente, isto inclui o calor. A determinação de uma unidade de energia para o calor foi obtida considerando-se a quantidade de energia necessária para se elevar de um grau Celsius, de 14,5 a 15,5ºC, a massa de 1 g de água, à pressão de 1 atm. Calor Específico Utiliza-se o símbolo Q para representar certa quantidade de calor transferida de um corpo a outro. Quando esta quantidade está associada a uma diferença infinitesimal de temperatura, dT, escrevemos dQ. A experiência tem mostrado que a quantidade de calor Q necessária para elevar a temperatura de uma massa m de certo material é diretamente proporcional à diferença de temperatura ∆T = T f − Ti . Mostra, também, que esta quantidade de calor necessária é diretamente proporcional à massa da substância. Dobrando-se a massa, há necessidade de se duplicar a quantidade de calor fornecida; se para a mesma massa, dobrarmos o intervalo de temperatura, precisaremos de duas vezes a quantidade de calor. Um detalhe importante: a quantidade de calor para fazer variar a temperatura depende da natureza do material. Certa massa de alumínio requer uma quantidade de calor menor do que a mesma massa de água quando queremos ter a mesma variação de temperatura. Por exemplo, 1 kg de alumínio requer 910 J para que sua temperatura varie de 1 o C , enquanto 1 kg de água requer 4190 J para a mesma variação de temperatura. As conclusões acima podem ser sintetizadas matematicamente: Q ∝ m∆T ⇒ Q = mc∆T . A constante de proporcionalidade, c, introduzida na equação é chamada calor específico da substância. Note que, embora o valor numérico desta constante dependa de cada material, estamos supondo que ele seja independente da temperatura. De fato, ele não é, mas 104 dependendo do intervalo de temperatura considerado, pode-se supor que seu valor seja constante. É uma aproximação bastante boa para um grande número de substâncias em intervalos moderados de temperatura. Experimentalmente os valores de calor específico para uma dada substância podem ser obtidos fornecendo-se pequenas quantidades de calor dQ e medindo-se as variações infinitesimais de temperatura: dQ = mcdT ⇒= c 1 dQ . m dT Embora o termo calor específico seja de uso comum, ele pode induzir a um entendimento confuso: quando dizemos que uma substância tem calor específico de determinado valor, isto pode dar a impressão de que o corpo possui uma quantidade calor. Lembre-se de que calor é uma forma de energia em trânsito e, portanto, não existe algo como “certa quantidade de calor em determinado corpo”. Nota-se pela tabela 6.3 que não há registro de valores para gases. Isto tem motivo especial, como veremos no próximo capítulo: os calores específicos dos gases são bastante susceptíveis a variações de pressão, enquanto que, para líquidos e sólidos, a dependência é muito menor. temperatura e Calor CALOR SUBSTÂNCIA ESPECÍFICO (J/kg.K) Alumínio 910 Berílio 1970 Cobre 390 Ferro 470 Chumbo 130 Prata 234 Gelo (0 0C) 2100 Sal (NaCl) 880 Vidro 837 Álcool etílico 2400 Água (15 C) 4186 TABELA 6.3 - Calor específico de algumas substâncias. 0 EXEMPLO 6.5 - Avaliação da quantidade de energia despendida em estado febril. Na linha seguinte avalie a energia gasta quando um adulto de 70 kg está com sua temperatura 2 0C acima daquela usual. DADO: chumano ≈ = cágua 4200 J= kg.K 4200 J kg.ºC . Solução: Estamos supondo que toda massa do homem seja constituída por água. Obviamente, isto não é verdadeiro, mas lembre-se de que é uma avaliação. Na realidade, o corpo humano é constituído por aproximadamente 70 % de água. Q = mc∆T = 70kg × 4200 J kg.K × 2K = 5,88 ×105 J . Mas o que significa este número? Para efeito de comparação, a ordem de grandeza desse resultado equivale à energia despendida para elevar 1000 kg a uma altura de 10 m. Isso significa aquecer 1 kg de água até o ponto de ebulição. Para suprir esta energia, o corpo humano processa a transformação dos alimentos ingeridos. Uma refeição bem balanceada e sem exageros consegue fornecer em torno de 6, 7 ×106 J . O valor obtido está um pouco acima daquele calculado considerando o calor específico do corpo humano como sendo chumano = 3500 J kg.K , porém a ordem de grandeza se mantém. Este valor menor envolve, além da água, proteínas, gorduras e sais minerais. EXEMPLO 6.6 Certo dispositivo eletrônico, constituído basicamente de 23 mg de silício, é percorrido por = 7,4 × 10-3 J/s . Se uma corrente elétrica que gera um aquecimento a uma taxa de 7,4 mW ele não dissipar este calor, fatalmente irá se deteriorar por super aquecimento. Calcule esta taxa de aquecimento. DADO: csilício = 700J/kg.K 105 Solução: Para se calcular a taxa de aquecimento, precisamos primeiramente obter a variação da temperatura por unidade de tempo (segundo). O calor gerado por segundo é Q= potência unidade de tempo = 7, 4 ×10−4 /1 segundo = 7, 4 ×10−4 J Q mcsilicio . Com os valores Então, a variação de temperatura nesse intervalo é ∆T = numéricos, temos 7, 4 ×10−3 = ∆T = 0, 46 K . Isto representa uma taxa de aquecimento de quase 0,5 K 23 ×10−6 × 700 por segundo. Se não houver troca de calor entre o dispositivo e o meio ambiente, poucos minutos serão suficientes para comprometer seu funcionamento. Um dissipador eficiente teria que ser projetado para que houvesse uma troca de calor a uma taxa próxima de 0,47 K/s. FÍSICA GERAL II Calor Específico Molar O calor específico, algumas vezes, é expresso utilizando-se o número de mols da substância. Suponha que certo material, de massa m, tenha massa molecular M. O número de mols é dado pela relação: número de mols =n =m M ⇒ m =nM . Então, a capacidade molar de calor, C, é definida de maneira análoga àquela usada para calor específico: dQ = nCdT e as unidades da constante C são [J / mol.K ] . Podemos comparar o calor específico com a capacidade molar, a partir das definições: dQ = mcdT e dQ = nCdT . Portanto, igualando as duas quantidades, temos: m / dQ = mcdT = nCdT ⇒ mcdT C Mc . O calor molar é dado pelo calor / = CdT ∴= M específico multiplicado pela massa molecular da substância. Introduzimos a definição de calor molar para comparar seus valores quando a substância é metálica. Na tabela abaixo estão listados os valores para alguns sólidos metálicos. SUBSTÂNCIA c C [J/g.K] [J/mol.K] Observando a terceira coluna da tabela 6.4, Alumínio 910 24.4 pode-se ver que os valores de C estão muito próximos Cobre 390 24.5 de 25 J/mol.K quando medidos a temperatura ambiente. Este resultado é chamado lei de DulongFerro 470 25.0 Petit, em homenagem aos dois físicos franceses que Chumbo 130 26.6 o determinaram experimentalmente. Diversos outros Tungstênio 136 25.0 sólidos metálicos apresentam valores semelhantes TABELA 6.4 - Calor molar de alguns para C. sólidos metálicos (T = 300K). 6.6 Transições de Fase Designamos por fase qualquer estado da matéria, tais como o de um sólido, de um líquido ou de um gás. Ordinariamente, as substâncias se apresentam na natureza em um desses três estados. Quando, por exemplo, um sólido é aquecido, sua temperatura cresce e se continuamos a fornecer calor, ele pode passar para o estado líquido. A transição de uma fase para a outra é o que se chama de transição de fase do material. Fornecendo-se, lentamente, calor a certo volume de gelo a 0 oC e a pressão normal, sua temperatura não 106 varia. Entretanto, parte dele se transforma em água líquida. Todo calor cedido não fez variar a temperatura da amostra, mas foi utilizado para produzir uma transição de fase. Se toda massa de gelo se transforma em água líquida (ou não), certamente, dependerá da massa inicial do gelo e da quantidade de calor fornecida. Para se converter 1 kg de gelo inicialmente a 0 ºC (e a pressão atmosférica) para água líquida, são necessários 3,34 ×105 J de calor. Define-se calor latente de fusão, Lf , por unidade de massa, como o calor necessário para que ocorra a fusão de uma unidade de massa do material. No caso L f 3,34 ×105 J/kg . da água, = A generalização das idéias discutidas acima pode ser expressa da seguinte forma: para liquefazer a massa m de certo material, cujo calor latente de fusão seja Lf , é necessário fornecer a esta massa uma quantidade de calor Q dada por temperatura e Calor Q = mL f . O processo inverso, isto é, a solidificação de 1 kg de água a 0 ºC (e a pressão atmosférica), requer a retirada de 3,34 × 105 J para se obter sua solidificação. A convenção de sinais para a adição ou retirada de calor do sistema, é simples: O calor é considerado positivo se ele entra no sistema; será considerado negativo se ele sair do sistema. Para englobar essas duas possibilidades, e para casos nos quais existam outras transições de fase, escreve-se Q = ± mL (transferência de calor em uma transição de fase). Prosseguindo com o exemplo da água, quando ela recebe calor sua temperatura aumenta; se chegar até 100 ºC (estamos sempre supondo que a pressão seja de 1 atm) e continuarmos fornecendo calor, ela sofre uma transição de fase passando para o estado gasoso. Como ocorreu na fusão, sua temperatura no processo de vaporização permanece constante. O calor necessário para se vaporizar 1 kg de água inicialmente a 100 ºC é 2, 25 ×106 J/kg . Isto corresponde ao calor latente de vaporização da água, Lv . Se você tem alguma experiência culinária, deve ter notado que para se ferver certa quantidade de água necessita-se menos calor do que para transformá-la em vapor. Esta observação pode ser feita mais quantitativamente: para atingir 100 ºC, a partir de 0 ºC, 5 fornecemos 4, 2 ×10 J para 1 kg de água. Para vaporizá-la totalmente são necessários 6 2, 25 ×10 J , uma quantidade cinco vezes maior do que para aquecê-la até a fervura. A tabela 5 fornece o calor de fusão e de vaporização para algumas substâncias, juntamente com as temperaturas de fusão e ebulição sob pressão normal. TABELA 5: Calor latente para algumas substâncias SUBSTÂNCIA FUSÃO (oC) Hélio ∗∗ Hidrogênio -259 Água 0,0 Chumbo 327,3 Cobre 1083 Prata 960,6 Ouro 1063,0 Lf (J/kg) ∗∗ 3 58,6 ×10 3 334 ×10 EBULIÇÃO (oC) Lv (J/kg) -269 20,9 ×10 3 452 ×10 -252,9 100,0 3 3 2256 ×10 3 871 ×10 24,5 ×10 3 134 ×10 1750 3 2193 5070 ×10 3 2336 ×10 2660 1578 ×10 3 88,3 ×10 3 64,5 ×10 1187 QUESTÃO 6.4 Para elevar a temperatura de uma substância você deve fornecer calor a ela? Se você fornecer calor, a temperatura necessariamente aumenta? Explique . 3 3 107 FÍSICA GERAL II 3 Quando dizemos que o calor de vaporização da água vale 2256 × 10 J/kg , estamos sempre considerando a pressão normal de 1 atmosfera. Este valor se verifica ao nível do mar, porém, nem sempre as medidas são realizadas a beira mar. Suponha que a água seja colocada a uma altitude de 2000 m, onde a temperatura de ebulição é de 95 ºC. O calor de vaporização nestas condições é um pouco maior do que o valor registrado a 0 ºC, sendo Lv (95ºC) = 2, 27 ×106 J/kg . EXEMPLO 6.7 0,1 kg de gelo é retirado do congelador a uma temperatura de -10 0C e deixado dentro de um recipiente até atingir a temperatura ambiente de 25 0C. Em seguida, o líquido é aquecido para que toda a massa se evapore. O calor específico do gelo é 2100 J/kg.K, e da água é o dobro deste valor. a) Esboce um gráfico qualitativo da temperatura contra o tempo para todo o processo. b) Qual a quantidade total de calor cedida a esta massa? Figura 6.7 - Esboço da evolução temporal do sistema. Solução: a) O gráfico qualitativo do processo está mostrado na figura 6.7. b) No primeiro trecho o gelo, inicialmente a -10 0C, atinge a temperatura de fusão. O calor absorvido pelo gelo é Q1 = 0,1× 2100 × (0 − 10) = −2100 J = −0, 21× 104 J . A fusão total da amostra requer uma quantidade de calor dada por Q2 = −0,1× 3,34 ×105 J = −3,34 × 104 J. Em seguida, o líquido ainda a 0 0C, é deixado esquentar até atingir 25 0C. Depois, o líquido recebendo calor atinge 100 0C. Nesta etapa, de 0 a 100 0C, não há necessidade de se fracionarem os cálculos: pode-se considerar como um único processo com início a 0 0C e final a 100 0C. O calor absorvido é Q3 = −0,1× 4200 × (100 − 0) = −4, 2 ×104 J. QUESTÃO 6.5 Alguns viajantes do deserto transportam água em recipientes de lona. A água se infiltra pela lona e se evapora. Como isso faz com que a água remanescente se esfrie? O mesmo processo ocorre em recipientes de argila ou de barro. Quando a temperatura atinge 100 0C, continuamos fornecendo calor até a completa evaporação do líquido: Q4 = −0,1× 22,56 ×105 J = −22,56 × 104 J. O calor absorvido pela amostra, considerando todo o processo, é dado por QTOTAL = Q1 + Q2 + Q3 + Q4 = −30,3 × 104 J. Novamente, o sinal negativo indica uma absorção de calor pelo sistema. Observe que nos cálculos sempre foi suposto que a massa se manteve fixa: iniciamos com 0,1 kg de gelo e terminamos com a evaporação de 0,1 kg de água. Você seria capaz de indicar em qual parte do experimento existe a maior perda de massa? Faça uma estimativa dessa perda, usando sua experiência culinária. EXEMPLO 6.8 Um calorímetro, de capacidade térmica desprezível, contém 0,1 kg de água a 20 ºC. Uma massa de ferro de 0,2 kg e a 720 ºC é colocada neste calorímetro. a) Qual a temperatura final de equilíbrio? b) Que massa de água evaporou no processo? Solução: a) Vamos supor inicialmente que exista uma temperatura final 20 oC < T f < 100 oC . Se encontrarmos uma temperatura final maior do que 100 0C, significa que parte da água (ou toda ela) sofreu evaporação. Como o calorímetro é adiabático (não permite troca de calor com o meio), só é possível ocorrer troca de calor entre o sólido e a água: 108 Q1 + Q2 = 0. Q1 se refere ao calor cedido pela massa de ferro e Q2 se refere ao calor recebido pela água. temperatura e Calor Q1 =0, 2 × 470(T f − 720) =94T f − 67, 7 ×103 . Q2 = 0,1× 4200(T f − 20) = 420T f − 8, 4 ×103 . Então, a relação acima fica: 94T f − 67, 7 ×103 + 420T f − 8, 4 ×103 =0 ⇒ 514T f =76 ×103 ∴T f =148 oC . Este valor indica que houve evaporação do líquido. Ora, se aconteceu de evaporar algum líquido (ou todo, que não será o caso como veremos abaixo), então a temperatura de equilíbrio será de 100 ºC. Nestas condições, podemos escrever: Q1 =× 0, 2 470(−620) = −58,3 ×103 J (o sinal negativo indica calor cedido). Q2 = Q2∆T + Q2vaporizacão = m1 × 4200 × (80) + m2 × 2256 ×103 . Mas, m1 + m2 = 0,1 (massa total de água), sendo que m1 se refere à massa que permaneceu líquida, e m2 é a massa que evaporou. Assim, Q2 pode ser escrito como: Q2 = m1 × 4200 × (−620) + m2 × 2256 ×103 = 336 ×103 (0,1 − m2 ) + 2256 ×103 m2 ⇒ Q2 = 1920 ×103 m2 + 33, 6 ×103 . 0 , tem-se Usando Q1 + Q2 = −58,3 ×103 + 1920 ×103 m2 + 33, 6 ×103 =0 ∴ m2 ≈ 0, 013kg . Esta é a massa evaporada no processo. Se encontrássemos um valor maior que 0,1 kg a temperatura de equilíbrio não seria 100 ºC. É o caso no qual todo o líquido se evapora e a temperatura final do sólido é superior a 100 ºC. Exercícios 1. Uma barra metálica possui comprimento de 40,125 m a 20 ºC. e tem comprimento de 40,148 m quando está a 45 ºC. Qual o coeficiente linear de dilatação linear para este material? 2. Um cilindro de cobre está a 20 ºC. Em qual temperatura seu volume aumenta de 0,15%? 3. Um frasco de vidro com volume de 1000 cm3 está totalmente cheio de mercúrio a temperatura de 0 ºC. Quando o conjunto é aquecido a 55 oC, um volume de 8,95 cm3 de mercúrio transborda. Dado γ mercurio= 18 ×10−5 K −1 , calcule o coeficiente de dilatação volumétrica do vidro. 4. Quando estava pintando o topo de uma antena de 60 m de altura, o trabalhador deixa cair acidentalmente um recipiente de 1 litro de água que estava em sua mochila. Sua queda é amortecida por alguns arbustos e toca o solo sem se quebrar. Supondo que a água absorva todo o calor devido à energia potencial gravitacional, qual a variação da temperatura da água? 5. Um pequeno aquecedor de 200 watts está submerso em 100 gramas de água à 23 ºC. Calcule o tempo necessário para aquecer essa quantidade de água até a ebulição. 109 FÍSICA GERAL II 6. Antes de fazer um exame médico, um adulto de 70 kg, com temperatura de 36 ºC, consome um volume de água de 0,35 litro que está a 12 ºC. a) Qual deve ser a temperatura de seu corpo ao atingir o equilíbrio térmico? Despreze qualquer anomalia devido ao metabolismo e suponha que o calor específico do corpo seja 3480 J/kg.K. b) A variação de temperatura de seu corpo é suficiente para ser detectada por um termômetro clínico comum? 7. Qual o calor total necessário para converter 12 gramas de gelo a 10 ºC em vapor de água a 100 ºC ? 8. Qual deve ser a velocidade inicial de um projétil de chumbo a 25 ºC, de tal forma que, quando atingir um anteparo metálico, o calor gerado seja suficiente para ocorrer a fusão desse projétil? Suponha que todo calor gerado no impacto seja usado somente para aquecê-lo, não havendo perdas nem para o meio e nem para o anteparo. 9. Um técnico de laboratório coloca em um calorímetro certa amostra desconhecida de massa 80 g e à temperatura de 100 ºC . O calorímetro é feito de cobre e tem massa de 0,150 kg. Dentro dele estão 0,250 kg de água e ambos (calorímetro + água) estão a 19 ºC . O equilíbrio térmico se verifica a 26,1 ºC . Qual o calor específico da amostra? 10. Um estudante assistindo a uma aula de Física produz 100 W de calor. Qual a quantidade de calor produzida por uma turma de 40 alunos durante 50 minutos de aula? Suponha que todo este calor seja transferido para os 200 m2 de ar da sala de aula. A densidade do ar é 1,2 kg/m2 e seu calor específico é 1020 J/kg.K. Qual seria o aumento de temperatura da sala, supondo que ela não troque calor com o exterior? 11. Um calorímetro, de capacidade térmica desprezível, contém 200 gramas de álcool a 30 ºC. 150 gramas de cobre a 800 ºC são colocados dentro deste calorímetro. a) Qual a temperatura de equilíbrio? b) Se houve vaporização de álcool, qual a massa remanescente após ter sido atingido o equilíbrio térmico? Dados: 110 ebulição 3 cálcool = 2430 J/kg.K ; Tálcool = 78 ºC; Lvaporização álcool = 854 × 10 J/kg ccobre = 390 J/kg.K temperatura e Calor Anotações 111 FÍSICA GERAL II Anotações 112 7 Primeira Lei da Termodinâmica 7.1 Introdução 7.2 trabalho 7.3 A primeira Lei da termodinâmica 7.4 Gás Ideal: Energia Interna e Calor Específico 113 7 PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA FÍSICA GERAL II 7.1 Introdução No capítulo anterior vimos que calor é uma forma de energia em trânsito devido a uma diferença de temperatura entre dois corpos. Quando este fluxo cessa, o equilíbrio térmico é atingido e o uso da palavra calor se torna inapropriado. A expressão “quantidade de calor em um corpo” é totalmente incorreta, como é incorreta também a expressão “quantidade de trabalho em um corpo”. A realização de trabalho e o fluxo de calor são métodos pelos quais a energia interna de um sistema pode ser variada. Quando dois corpos, a diferentes temperaturas, são colocados para interagir, a temperatura de equilíbrio atingida por ambos tem um valor intermediário (não o valor médio, em geral) entre as duas temperaturas iniciais. Para estabelecer a primeira lei da termodinâmica precisaremos usar o conceito de trabalho, estudado no primeiro volume. A definição de trabalho envolve uma integração ao longo de um caminho que a partícula seguia desde um ponto inicial até um ponto final: esse tipo de integral é chamado de integral de linha. Se o sistema era conservativo, o valor dessa integral independia do percurso e era função somente dos pontos inicial e final. Neste caso, chamávamos de força conservativa. A interpretação geométrica do trabalho realizado sobre a partícula referia-se à área sob a curva em um gráfico da força versus distância. Em termodinâmica não se faz alusão ao conceito de partícula: tratamos de sistemas macroscópicos constituídos por um número muito grande de partículas (algo em torno de 1020, ou mesmo maior). Portanto, imaginar que possamos calcular o trabalho realizado sobre cada partícula não parece um ponto de partida razoável. 7.2 Trabalho A maneira mais fácil de introduzir o conceito de trabalho em termodinâmica é usar um sistema composto por um gás. O trabalho mecânico realizado sobre o sistema pode ser tratado de forma semelhante àquele estudado em mecânica, considerando a variação de volume do sistema: WFi → f = ∫ F . dr ao longo de algum percurso escolhido previamente. f i Figura 7.1 Volume contendo certa quantidade de gás. A figura 7.1 mostra um recipiente com certa quantidade de gás em seu interior, em dois estágios do processo que queremos analisar. O dispositivo contém um êmbolo que pode se movimentar sem atrito. O que acontece quando empurramos este êmbolo, comprimindo o gás dentro do recipiente? Antes de responder a esta pergunta, existe outra que, de certa forma, a precede. Suponha que inicialmente o gás esteja em equilíbrio caracterizado por uma dada pressão e uma temperatura conhecida. Se não existe atrito entre o êmbolo (ou pistão) e as paredes, por que o gás não empurra de forma espontânea e indefinidamente esse êmbolo para a direita? O gás não o faz porque existe uma equação de estado que governa o comportamento termodinâmico desse sistema: deslocar o pistão indefinidamente para a direita significa tornar o volume infinito e a pressão ir a zero. Mas existe a pressão externa exercida pelo ambiente sobre o êmbolo e quando ambas se igualam, cessa o deslocamento espontâneo do pistão. Todo sistema termodinâmico possui uma equação estado que relaciona entre si as variáveis de estado por meio de uma relação matemática. Se ela é conhecida, ou se é simples ou não, é outra história. Por exemplo, o volume de um sólido pode ser expresso pela relação matemática já conhecida: V = V0 1 + γ (T f − Ti ) . 114 Podemos avançar um pouco mais e acrescentar uma dependência com a pressão: V = V0 1 + γ (T f − Ti ) − κ ( Pf − Pi . κ é a compressibilidade isotérmica do material. Essas relações não descrevem o comportamento do sólido para toda faixa de temperatura e/ou pressão: são equações aproximadas, válidas em certa região de temperatura e pressão, mas que descrevem bastante bem a variação do volume em função de T e P. Da mesma forma que escolhemos uma convenção de sinais para o calor que entra em um sistema sendo positivo e o calor que sai como sendo negativo, para o trabalho adotamos: trabalho positivo se refere aquele realizado pelo sistema e negativo como aquele realizado sobre o sistema. A figura 7.2 sintetiza as convenções usadas mais frequentemente. Resta ainda responder a pergunta sobre o que deve acontecer com o gás se ele for comprimido pelo pistão. A resposta é bem simples: depende. A compressão é realizada de forma lenta ou não? As paredes podem trocar calor com o meio externo ou são adiabáticas? Por hora, vamos esquecer da segunda condição e nos ater à primeira. Mais adiante, iremos incorporá-la às nossas considerações para estabelecer a primeira lei da termodinâmica. Suponha, então, que algum agente externo tenha comprimido o gás até certo volume Vi (não estamos interessados por quem e como isto foi feito). O êmbolo é então travado nesta posição e a seguir é lentamente liberado. Esse processo é chamado de processo quaseestático: a descompressão acontece de forma gradual e em cada etapa o pistão se move infinitesimalmente de uma quantidade dx. Este mecanismo permite conhecer o valor da pressão em todo instante do processo. primeira Lei da termodinâmica Figura 7.2 Convenção de sinais para o calor e para o trabalho. Quando o pistão se move de dr = dxi , o trabalho infinitesimal realizado pelo sistema pode ser escrito como: = dW Fi = .idx Fdx , onde F é a força exercida pelo gás sobre o êmbolo. Se o pistão tem área A, o volume infinitesimal dV pode ser escrito como dV = Adx . A pressão exercida por esta força (sobre o pistão) é p = F A . Portanto, podemos escrever dW = pA × Para uma variação finita Vi até um volume V f , teremos Vf Wi→f = ∫ pdV dV ⇒ dW = pdV . A (não infinitesimal), desde um volume (trabalho realizado pelo sistema). Vi A relação acima está de acordo com a convenção adotada sobre o sinal: se o volume final é maior do que o volume inicial, houve uma expansão e a integral é positiva (p é sempre positiva). Neste caso, temos W > 0 (trabalho realizado pelo sistema). Se acontecer uma compressão, Vf < Vi , a integral é negativa e temos W < 0 (trabalho realizado sobre o sistema). Para calcular a integral acima devemos conhecer a pressão ponto a ponto durante todo o processo: no caso de um gás ideal, pV= nRT ⇒ p= nRT . Exatamente por isso que V idealizamos um processo quase-estático: a pressão é conhecida durante toda a evolução do sistema. Se o pistão fosse liberado repentinamente, a expansão ocorreria de modo tão rápido que dificilmente poderíamos escrever a relação funcional pV = nRT para todo instante da descompressão. Isto causa dificuldade para se obter o trabalho realizado pelo gás, pela seguinte razão: não sabemos o que colocar no integrando para o cálculo da integral. 115 FÍSICA GERAL II Figura 7.3 – Diagrama pV para uma evolução arbitrária e infinitesimal. A interpretação geométrica do trabalho realizado pelo gás pode ser dada de maneira semelhante àquela utilizada para partículas; entretanto, neste caso temos o que se chama de diagrama pV (figura 7.3). A área sob a curva é numericamente igual ao trabalho realizado pelo sistema. Convém observar que, diferentemente do caso de partículas no qual a força pode ser positiva ou negativa, a pressão é sempre positiva. Assim, os diagramas pV se situam sempre no 1º quadrante porque p e V são positivos. EXEMPLO 7.1 Obtenha as expressões para o trabalho realizado por um gás ideal ( pV = nRT ) quando: a) O volume se mantém constante. b) A pressão se mantém constante. c) A temperatura se mantém constante. d) O sistema é isolado termicamente. Para cada um dos processos acima, esboçar o diagrama pV. Solução: a) Se o volume se mantém inalterado, então V f = Vi . A integral com ambos os extremos iguais é nula. Portanto, o trabalho realizado pelo gás neste processo (chamado de isocórico ou isovolumétrico), é zero. (1) b) Se a pressão não varia (processo isobárico), a integral é facilmente calculada: Vf = ∫ pdV = W Vi Vf p ∫= dV p (V f − Vi ) . (2) Vi c) Esse processo requer uma temperatura constante (chamado de processo isotérmico). Contrariamente ao que se ouve com frequência, este processo requer troca de calor entre o sistema e o meio ambiente, permitindo que a temperatura fique inalterada. Nesse caso, as paredes do sistema devem ser boas condutoras de calor para facilitar a troca de calor. Vf Wi → f= ∫ pdV ⇒ W Vf = i→ f Vi nRT dV ∴Wi → f= nRT (ln V f − ln Vi ) V Vi Vf Wi → f = nRT ln . Vi ∫ (3) d) Um processo adiabático é caracterizado por não existir troca de calor entre o sistema e o meio ambiente. Neste caso, variam p, V e T, simultaneamente. A equação de estado γ que o descreve é dada por pV = K= constante, sendo γ > 1. Podemos escrever a pressão na forma = p K = KV −γ . Então, o trabalho é dado por γ V Vf Wi → f = ∫ pdV ⇒ W i→ f Vi Vf Vf V −γ +1 = ∫ KV dV = K −γ + 1 Vi Vi −γ V f1−γ Vi1−γ V f1−γ Vi1−γ ∴Wi →= − ⇒ K = − W K K f i→ f 1− γ 1− γ . 1 − γ 1 − γ γ Esta resposta pode se simplificada: note que K = pV para quaisquer valores de p e V. γ Então, valem as relações K = piVi γ e K = p f V f . Substituindo esses valores, temos: V f1−γ Vi1−γ 1 p f V f − piVi . − piVi ∴W= W= p fVf i→ f i→ f 1− γ 1− γ 1− γ γ 116 γ (4) A figura 7.4 mostra os diagramas pV para os quatro processos discutidos (Vf < Vi ). Note que a curva adiabática (4) tem inclinação maior do que a isoterma (3) passando pelo mesmo ponto. Esse exemplo permite concluir algo muito importante sobre o trabalho realizado por um sistema. Observe os diagramas pV referentes aos processos (b) e (c): os valores numéricos das áreas sob as curvas são diferentes. No caso (b) o trabalho é maior do que no caso (a). O que se pode concluir deste fato é que o trabalho realizado pelo gás depende do caminho seguido entre os estados inicial e final. Se para dois processos diferentes (mas com mesmos volumes inicial e final), os resultados fossem iguais, seria mais uma coincidência matemática do que uma característica do comportamento físico do sistema. Expresso de outra forma, se dois valores do trabalho são diferentes para dois caminhos ligando os estados inicial e final, temos uma indicação de que o trabalho depende de como se verifica a evolução do sistema. Um exemplo extremo do que acontece está ilustrado na figura 7.5. Sobre a notação: alguns autores escrevem um “d” cortado na frente do W para deixar explícito que dW não é uma diferencial exata, mas tão somente uma quantidade infinitesimal. Outros autores preferem escrever δ W pela mesma razão. Continuaremos escrevendo dW, entendendo que isso não significa que ela seja uma diferencial exata. O próximo exemplo ressalta alguns aspectos importantes na resolução de problemas. Uma fonte frequente de erros está ligada às unidades das grandezas usadas na termodinâmica. EXEMPLO 7.2 0,5 mol de um gás ideal ocupa um volume 4 litros e está a pressão de 4 atm. Este gás evolui para outro estado e ocupa um volume de 6 litros a pressão de 2 atm. O processo está mostrado na figura 7.6: uma reta ligando os estados inicial e final. O valor da constante dos gases é R = 8,3 J/molK. a) Qual a temperatura inicial do sistema? E a final? b) Encontrar o trabalho realizado pelo gás neste processo (figura 7.6). Solução: O primeiro passo para resolver o problema é uniformizar as unidades e, como a constante R foi fornecida no SI, é conveniente usarmos esse sistema. 1 litro → 10−3 m3 ∴Vi =4 ×10−3 m3 e V f =6 ×10−3 m3 1 atm → 10 5 N / m 2 ≈ 105 Pascal ∴ pi =4 ×105 Pascal e p f =2 ×105 Pascal a) Sendo um gás ideal, pV = nRT . Para determinar as temperaturas inicial e final, usamos os dados acima: INICIAL: 5 (4 ×10= N/m 2 )(4 ×10−3 m3 ) (0,5mol)(8,3J/molK) = Ti ∴Ti 385,5K . FINAL: 5 (2 ×10= N/m 2 )(6 ×10−3 m3 ) (0,5mol)(8,3J/molK) = T f ∴T f 289,1K . b) PRIMEIRO MÉTODO: Para obter o trabalho realizado pelo gás, podemos calcular a área sob a curva dada na figura 7.6, com as unidades uniformizadas: dessa forma, o valor numérico será seguido de Joule. A área compreendida sob a curva no diagrama pV corresponde a um trapézio, cuja área é formada pela área de um triângulo (A1) e pela área de um retângulo (A2). O sinal do trabalho deve ser escolhido segundo foi convencionado: uma expansão significa trabalho positivo. W = ÁREA(J) = A1 + A2 = 200 J + 400 J = 600 J (positivo, pois houve uma expansão). Este método funciona bem quando a área da figura pode ser calculada de forma simples, pela soma de duas ou mais áreas que determinam a área total. primeira Lei da termodinâmica Figura 7.4 - Os processos (1), (2), (3) e (4) supondo V f ≥ Vi (expansão). a) isocórica seguida por isobárica. b) isobárica seguida por isocórica. Figura 7.5 - O trabalho depende de como evolui o sistema entre os estados (i) e (f). Figura 7.6 - Evolução do gás – Exemplo 7.2. 117 FÍSICA GERAL II SEGUNDO MÉTODO: Podemos obter o mesmo resultado a partir da definição de trabalho. Mas, para isso, devemos conhecer como p varia com V, isto é, obter p(V) e substituir no integrando. Neste caso, precisamos da equação da reta que passa pelos pontos que caracterizam os estados inicial e final. 5 ∆p p f − pi 2 ×10 8 2 ×10 ∆V V f − Vi 5 8 p − pi =m(V − Vi ) =p − 4 ×10 =−10 (V − 4 × 10−3 ) ∴ p =−108V + 8 ×105 . == − = −10 . Coeficiente angular: m = −3 6×103 Vf Wi → f 108V 2 = ∫ (−108V + 8 ×105 )dV = − + 8 ×105V = 2 4×103 Vi 6×103 108V 2 5 = − 2 + 8 ×10 V 3 4×10 = −1800 J + 800 J + 4800 J − 3200 J ∴W = 600 J . 7.3 A Primeira Lei Da Termodinâmica A formulação matemática da primeira lei da termodinâmica contém três idéias relacionadas: (1) a existência de uma função chamada energia interna; (2) o princípio da conservação da energia; (3) a definição de calor como energia em trânsito devido a uma diferença de temperatura. O conceito de energia interna merece algum comentário. Como caracterizar a energia interna de um sistema termodinâmico? Para tornar a discussão mais concreta, vamos supor um sistema constituído por certa quantidade de um gás diatômico (não necessariamente ideal). A energia interna é formada por diversas contribuições: a energia cinética de translação, a energia cinética de rotação dos átomos que formam cada molécula em torno de seu centro, a energia cinética de vibração dos átomos em torno do ponto de equilíbrio, a energia potencial devido às interações entre as moléculas do gás. Entretanto, se o recipiente que contém o gás for elevado de uma altura h no campo gravitacional, esta variação não contribui para a energia interna. Isto significa que a energia interna de um sistema é invariante por translação. Embora tenhamos considerado um sistema constituído por um gás, as conclusões podem ser estendidas a diferentes sistemas termodinâmicos. Obviamente, a inclusão ou a retirada de algum tipo de energia interna depende da complexidade do sistema. Por exemplo, para uma amostra sólida, a energia interna de translação, muito importante no caso de um gás, não pode ter qualquer contribuição na soma dos diversos tipos de energias internas. Entretanto, a contribuição devido às interações entre os átomos da rede cristalina, é muito superior do que aquela registrada no caso de um gás. Vimos que o trabalho realizado por (ou sobre) um sistema termodinâmico depende do caminho seguido durante o processo. Dizemos que o trabalho não é uma variável de estado, e, matematicamente, esse fato é expresso pela condição de dW não ser uma diferencial exata. De forma análoga, o calor transferido também não é uma variável de estado, mas depende de como ele é adicionado ao sistema ou retirado dele. Para se convencer disso, vamos analisar uma das inúmeras experiências que comprovam este fato. Novamente, usamos um gás ideal e a informação de que em uma expansão livre a temperatura se mantém constante. O Figura 7.7 - Processos que demonstram que o calor adicionado depende do caminho. procedimento envolve duas situações e ambas estão ilustradas na figura 7.7. 118 À direita, é permitido ao sistema trocar calor enquanto seu volume aumenta, de forma quase-estática, desde o volume Vi até um volume Vf . Existe uma fonte de calor (chamado reservatório térmico) que mantém constante a temperatura do gás a 300 K. O estado final do processo é caracterizado pelos parâmetros pf , Vf e 300 K. À esquerda, temos aprisionado o gás em um volume Vi e a pressão pi por meio de uma membrana. O volume total do recipiente é Vf. Com estas escolhas reproduzimos as mesmas condições inicial e final do processo à direita. As paredes são adiabáticas e, portanto, não permitem troca de calor com o meio. Por algum dispositivo, a membrana é rompida e o gás se expande, ocupando todo o recipiente. O trabalho realizado pelo gás é nulo porque o sistema não contém nenhuma parte móvel que poderia ser variada. Note que o estado final é idêntico ao anterior: pf , Vf e 300 K. Podemos então concluir que a transferência de calor, assim como o trabalho realizado, depende do processo seguido pelo sistema. primeira Lei da termodinâmica Para estabelecer a primeira lei da termodinâmica, vamos imaginar o seguinte experimento: um gás está confinado em um recipiente que possui um pistão móvel e fornecemos a esse sistema uma quantidade de calor Q. Além do trabalho realizado pelo gás, sua temperatura aumenta. Um aumento de temperatura corresponde a um acréscimo da energia interna E do sistema. A primeira lei estabelece matematicamente que Q =∆E + W . Podemos escrever a relação sob a forma ∆E = Q − W . “A variação da energia interna de um sistema termodinâmico é a diferença entre o calor absorvido e o trabalho realizado pelo sistema”. A primeira forma diz simplesmente que o calor absorvido pelo sistema é dividido em duas partes (não necessariamente iguais!): uma delas é usada para aumentar a energia interna e a outra parte é utilizada para que o sistema possa realizar trabalho. A segunda forma, ∆E = Q − W , é significativa do ponto de vista conceitual: vamos escrevê-la na forma diferencial dE = dQ − dW . A função energia interna é uma variável de estado: dE é uma diferencial exata. Isto é surpreendente, pois a diferença entre duas diferenciais inexatas resulta em uma exata! E somente esta diferença dá uma diferencial exata: qualquer outra relação tal como 2dQ − dW , ou dQ − 3dW , depende do caminho seguido pela evolução do sistema e, portanto, resulta em uma diferencial inexata. Existem situações para as quais as diferenciais inexatas se tornam exatas. É o que veremos no exemplo seguinte. EXEMPLO 7.3 Usando a primeira lei, analise as transformações: (1) isovolumétrica, (2) isobárica, (3) adiabática, (4) isotérmica. (para todas as transformações considere um gás ideal). Solução: (1) Como o volume se mantém constante, o trabalho mecânico realizado pelo sistema ou sobre ele é nulo. Pela 1ª lei temos: ∆E = Q . Neste caso, o calor é igual à variação da energia interna dE = dQ , isto é, a diferencial inexata se transforma em uma exata. (2) A variação da energia interna é dada por: ∆E = Q − p∆V . (3) Para este processo não há troca de calor entre o sistema e o meio exterior, portanto, ∆Q = 0 . A variação da energia interna é escrita como ∆E = W ou, na forma diferencial, dE = dW . A diferencial inexata dW se transforma em uma exata. 119 FÍSICA GERAL II (4) Para um gás ideal, a energia interna é somente função da temperatura e como em 0 . Portanto, um processo isotérmico não há variação de T, pode-se concluir que ∆E = a primeira lei nos dá Q = W : o calor que entra no sistema é convertido totalmente em trabalho realizado pelo sistema. Podemos avançar um pouco mais na análise. Se o gás se expande isotermicamente, havendo, pois, uma absorção de calor. Se o gás se contrai isotermicamente, ∆V > 0 ⇒ W > 0 e, nesse caso, acontece uma rejeição de calor. EXEMPLO 7.4 O diagrama pV da figura 7.8 indica uma série de processos termodinâmicos. No processo ab, são fornecidos 150 J de calor ao sistema e no processo bd, fornecem-se 600 J. a) Encontre a variação da energia interna do sistema no trecho ab. b) Qual a variação da energia interna no percurso abd? c) Achar a variação da energia interna no trecho acd. Figura 7.8 - Os processos citados no Exemplo 7.4. Solução: a) No trecho ab o volume permanece fixo, portanto, o trabalho mecânico realizado pelo sistema é nulo. Então, a primeira lei da termodinâmica se resume a Q = ∆E ∴∆E = 150 J . b) Para o percurso abd, temos processos consecutivos: a → b → d . A pressão se mantém constante durante a expansão b → d ; logo, Wb→d = p∆V =8 ×104 (3 ×10−3 ) ∴Wb→d =240 J . Pelo item (a), sabemos que o trabalho é nulo no trecho a→b. Então, Wabd = Wab + Wbd = 240 J . O calor total que entra no sistema no percurso abd é dado pela soma de ambas as absorções; Qabd = Qa →b + Qb→d = 150 J + 600 J = 750 J . A primeira lei da termodinâmica nos fornece a resposta: Qabd = Qa →b + Qb→d = 150 J + 600 J = 750 J . c) O trecho acd também é composto por dois processos consecutivos: a → c → d . A pergunta é: precisamos calcular algo para saber qual a variação da energia interna entre os estados a e d? A resposta é não, porque a energia interna é uma variável de estado e, portanto, só depende dos estados inicial e final. Ela tem o mesmo valor encontrado no item (b): 510 J. Mas vamos supor que queiramos encontrar o calor envolvido neste trecho. No trecho c→d o volume se mantém constante e, portanto, o trabalho mecânico é nulo. Para a→c, o trabalho é Wa →c = p∆V =3 × 104 (3 × 10−3 ) ∴Wa →c =90 J =Wa →d . A primeira lei nos dá Qad =∆E + Wad =510 J + 90 J ∴ Qad =600 J . Observe que não é possível conhecer, pelos dados do problema, o calor envolvido nos trechos individuais ac e bd; tampouco se conhecem as variações da energia interna nos trechos ab e bd. Figura 7.9 - Ciclo arbitrário no diagrama pV. Processos Cíclicos Os ciclos têm grande importância, tanto no aspecto teórico como nas aplicações tecnológicas. Para estas últimas, podemos citar os motores de combustão e os refrigeradores. Um ciclo pode ser caracterizado por uma expansão e uma compressão e o sistema voltando ao estado inicial. A figura 7.9 mostra um ciclo arbitrário no diagrama pV. Um ciclo é representado no diagrama pV como uma curva fechada. Quando o sistema completa um ciclo, cada variável de estado retorna ao seu valor inicial. As variáveis de estado que conhecemos até agora são p, V, T e Einterna . Em particular, a variação da energia interna do sistema após um ciclo é zero (como o é para toda variável de estado). ∆Einterna = 0 para um processo cíclico. 120 EXEMPLO 7.5 A figura 7.10 mostra diversos processos termodinâmicos sofridos por um sistema físico. Ao longo do caminho acb, uma quantidade de calor igual a 90 J flui para dentro do sistema e um trabalho de 60 J é realizado por ele. a) Qual o calor que é absorvido pelo sistema ao longo do percurso adb, sabendo-se que um trabalho de 15 J é realizado pelo sistema? b) Quando o sistema retorna de b para a ao longo do trecho curvo, o valor absoluto do trabalho realizado pelo sistema é de 35 J. O sistema absorve ou libera calor? Qual é este valor? c) Sabendo-se que ∆Eda = 8 J , calcule os calores absorvidos nos processos ad e db. Solução: Uma fonte permanente de erros na resolução de problemas deste tipo é a falta de um procedimento sistemático. Portanto, convém identificar inicialmente com clareza o que é dado e o que é pedido. Fique atento também aos resultados correspondentes aos itens porque, em geral, eles podem ser usados em itens subsequentes. Dados: Qacb = 90 J e Wacb = 60 J . primeira Lei da termodinâmica Figura 7.10 - Os processos termodinâmicos para o exemplo 7.5. a) Os dados permitem conhecer o valor da variação da energia interna entre os pontos a e b (lembre-se de que essa variação independe do caminho). Qacb = ∆Eacb + Wacb ⇒ ∆Eacb = Qacb − Wacb ∴∆Eacb = 90 J − 60 J = 30 J . Queremos obter o calor que o sistema absorveu no trecho adb, sabendo-se que foi realizado um trabalho de 15 J. ∆Eacb = ∆Eadb = 30 J , portanto, a primeira lei nos fornece Qadb = ∆Eadb + Wadb ⇒ Qadb = 30 J + 15 J ∴ Qadb = 45 J . b) O trabalho tem valor absoluto de 35 J. Observe que a variação de volume de b→a é negativa e, portanto, o trabalho realizado pelo sistema é negativo: Wb→a ≡ Wba = −35 J . De forma semelhante, a variação da energia interna também é negativa: ∆Eba = −∆Eab . Mas pelo item (a), ∆Eab = 30 J ∴∆Eba = −30 J . A soma do trabalho (negativo) com a variação (negativa) da energia interna dá um valor negativo para o calor. Portanto, no trecho adb há liberação de calor pelo sistema. O valor numérico deste calor obtem-se através da primeira lei: ∆Qba = −30 J − 35 J ∴∆Qba = −65 J . c) Pede-se calcular o calor nos trechos ad e db, sabendo-se que ∆Eda = 8J . Vamos considerar inicialmente o trecho db: neste trecho o trabalho mecânico é zero porque não há variação de volume ⇒ Wdb = 0 . Do item (a) conhecemos a variação da energia interna entre os pontos a e b: ∆Eab = 30 J que pode ser escrita como a soma de duas contribuições: ∆Eab = ∆Ead + ∆Edb ∴∆Edb = ∆Eab − ∆Ead ⇒ ⇒ ∆E= 30 J − 8 = J 22 J . Como o trabalho é nulo, Qdb = ∆Edb = 22 J . db Qad + Qdb . Pelo item (a), Qadb Para calcular o calor Qad , usamos os fatos de que Q= adb é conhecido e vale 45 J. Então, temos, Qadb = Qad + Qdb ⇒ 45 = Qad + 22 ∴ Qad = 23 J . 7.4 Gás Ideal: Energia Interna E Calor Específico Temos usado um gás ideal como sistema termodinâmico em diversos exemplos. Mas o que determina se um gás é ideal ou não? Sob que condições um gás pode ser considerado ideal? A resposta que muitas vezes se encontra em livros textos é que “um gás é ideal quando sua pressão for baixa e sua temperatura for alta”. Obviamente, falta definir o que é baixa e o que é alta. Entretanto, existe uma definição um pouco mais precisa: 121 FÍSICA GERAL II um gás é dito ideal quando as interações entre as partículas que o compõe podem ser desprezadas, exceto nos raros instantes em que elas colidem umas com as outras. Isto está um pouco melhor, mas como saber se elas interagem de forma tão fraca e tão raramente? Um dos potenciais que descreve bastante bem a interação entre duas moléculas de um gás é o potencial de Lennard-Jones (também conhecido potencial 6-12, devido aos expoentes da distância que separa as moléculas). A força decai rapidamente a zero com a separação das moléculas e cresce rapidamente quando as partículas se encontram muito próximas, na iminência de uma colisão. Para complementar o argumento, pode-se mostrar, baseando-se em considerações quânticas que a separação média entre as partículas é muito maior que o valor médio do comprimento de onda de de Broglie. Isto quer dizer que, durante a maior parte do tempo, a molécula se comporta como uma partícula livre. Por exemplo, o ar (mistura basicamente de nitrogênio e oxigênio) à temperatura ambiente e pressão normal de 1 atm (≈ 105 Pa), pode ser tratado como gás ideal? Qualquer gás, e não somente o ar, pode ser considerado ideal sob essas condições. A idealidade é menos restritiva: mesmo quando a pressão é cerca de 4 atm e a temperatura é próxima à do ambiente, o gás ainda preserva o comportamento ideal. A equação de Clapeyron é a equação de estado que descreve um gás ideal: pV = nRT (Equação de Clapeyron). Ela é a síntese de diversos experimentos que resultaram em duas leis empíricas: Lei de Boyle-Mariotte → pV = constante (quando se mantém constante a temperatura). Lei de Charles e Gay-Lussac → V = constante (quando se mantém fixa a pressão). T A equação de estado de Van der Waals, an 2 + p (v − nb) = nRT , 2 V descreve o comportamento de um gás real com maior precisão que a de Clapeyron, introduzindo os parâmetros a e b. Esta equação (obtida de forma empírica) considera a interação entre as moléculas (parâmetro a) e o volume ocupado por elas (parâmetro b). Obviamente, se a e b tendem a zero, recuperamos a forma da equação de Clapeyron. A escolha de uma ou de outra depende da precisão que se deseja nos cálculos. Nosso estudo sobre o comportamento dos gases está baseado na equação de Clapeyron. Energia interna de um gás ideal No início da secção 3 comentamos sobre as contribuições para a energia interna de um sistema. Agora queremos, especificamente, tratar de um gás ideal. Imagine certo volume ocupado por um gás composto de, por exemplo, moléculas diatômicas (N2, O2, H2), ou ocupado por um gás monoatômico (He, Ne, Ar). Para gases monoatômicos a energia interna é praticamente representada pelo movimento de translação pura, dentro da faixa de temperatura que usualmente trabalhamos (até T ≈ 1000 K). Para gases diatômicos temos outras contribuições para a energia interna, além da translação do centro de massa das moléculas: a energia de rotação em torno do centro de massa e a energia de vibração em torno do ponto de equilíbrio. Entretanto, a única contribuição que deve ser considerada para a pressão do gás é a parte translacional. As outras contribuições são importantes para outras características dos gases, como veremos ao estudar o calor específico de um gás ideal. É possível mostrar que a energia interna de um gás ideal é somente função da temperatura: Einterna = E(T) . Ela não depende de qualquer outro parâmetro (variável de estado). Adicionalmente, pode-se mostrar que a energia interna de um gás ideal formado por n moles é dada por 122 3 nRT (energia interna de gás ideal). 2 Lembre-se de que a temperatura é sempre expressa em Kelvin. Eint erna = primeira Lei da termodinâmica Calor específico de um gás ideal O calor específico de uma substância depende das condições segundo as quais se fornece calor ao sistema. Para sólidos e líquidos, essa dependência é quase irrelevante, porém, para gases é importante que se explicitem essas condições. Isto porque a compressibilidade de sólidos e líquidos é muito menor que a dos gases. Para os primeiros, geralmente se mede o calor específico mantendo-se a pressão constante e que é denominado calor específico a pressão constante. Os valores fornecidos nas tabelas e aqueles usados nos exemplos do capítulo anterior são todos medidos a pressão constante. Para os gases temos duas (entre inúmeras) condições muito importantes que determinam o calor específico: define-se o calor específico molar a volume constante, Cv , e o calor específico molar a pressão constante Cp . O primeiro é medido usando-se um processo isocórico (ou isovolumétrico), enquanto que, para o segundo, usa-se um processo isobárico. Existe uma relação matemática bastante simples entre os dois valores, que será obtida a seguir. Calor específico a pressão constante Certa quantidade de gás, formada por n moles é colocada dentro de um recipiente de volume constante. Fornecemos calor de forma infinitesimal, dQ, ao sistema para elevar sua temperatura de um valor dT. Pela definição de calor específico molar a volume constante, temos: dQ = nCV dT . A pressão do gás aumenta, mas nenhum trabalho mecânico é realizado por ele porque temos mantido o volume fixo. Nestas condições, a primeira lei da termodinâmica se reduz a dQ = dE ⇒ dE = nCV dT . Os mesmos n moles poderiam ser aquecidos de maneira diferente, mantendo-se a pressão constante e deixando o volume variar (processo isobárico). Pela definição de calor especifico a pressão constante, dQ = nC p dT . O calor que flui para dentro do sistema é dividido em duas partes: uma utilizada para variar a energia interna do gás e outra usada para que o gás realize trabalho. No processo isobárico, dW = pdV. Da equação de gás ideal, pV = nRT, podemos expressar a quantidade dV em função de n, R e dT: d ( pV= ) d (nRT ) ⇒ dp.V + pdV= nRdT . Como a pressão é mantida constante, dp é nulo. Portanto, temos pdV = nRdT ⇒ dW = nRdT . A primeira lei da termodinâmica nos dá dQ = dE + dW ⇒ dQ = dE + nRdT . Mas dQ = nC p dT e podemos escrever: nC p dT = dE + nRdT . Podemos substituir o valor dE obtido para o processo isovolumétrico, dE = nCV dT , na relação acima para obter, CV + R . nC p dT = nCV dT + nRdT ⇒ C= p 123 FÍSICA GERAL II Esta é a relação entre Cp e CV que procurávamos. Mas observe o que foi feito para sua dedução: simplesmente substituímos a expressão de dE obtida no processo isovolumétrico na expressão do processo isobárico. Isto é justificável? A resposta é sim, desde que consideremos o gás como sendo ideal. Se você se lembrar, a energia interna de um gás ideal depende somente da temperatura. E para um mesmo incremento dT, é irrelevante a que tipo de processo o gás foi submetido: sua energia interna sofre o mesmo acréscimo quando a temperatura é aumentada por dT. A razão entre os valores dos calores específicos, Cp e CV , é designada pela letra grega γ: γ≡ Cp C +R R =V = 1+ > 1. CV CV CV Essa grandeza é a mesma que aparece no processo adiabático, pV γ = constante. Já conhecemos a expressão para a energia interna de um gás ideal: Eint erna = 3 nRT . 2 dE 3 = nR . Anteriormente estabelecemos a relação dE = nCv dT a partir da dT 2 definição de calor específico molar. Igualando as duas quantidades, temos: 3 dE 3 nR nCV ∴ C V = R . = = 2 dT 2 O valor numérico desta relação é dado por, Então, 3 3 CV = R ⇒ CV = × 8,31 J/mol.K =12, 47 J/mol.K . 2 2 TIPO DE GAS GAS Cv (J/mol.K) Cp(J/mol.K) Cp-CV (J/mol.K) γ = Cp C V MONOATÔMICO He Ar H2 N2 O2 CO CO2 SO2 12,47 12,47 20,42 20,76 20,85 20,85 28,46 31,39 20,78 20,78 28,74 29,07 29,16 29,16 36,95 40,47 8,31 8,31 8,32 8,31 8,31 8,31 8,48 8,98 1,67 1,67 1,41 1,40 1,40 1,40 1,30 1,29 DIATÔMICO POLIATÔMICO TABELA 7.1 - Calor específico molar para gases (25 oC). Os dados experimentais para os gases monoatômicos concordam muito bem com os resultados teóricos que obtivemos. Entretanto, para os gases diatômicos percebem-se discrepâncias entre os valores de CV e Cp previstos e os determinados experimentalmente. Nossa hipótese era de que, independente da estrutura da partícula que compõe o gás, os valores de calores específicos molar deviam ter os mesmos valores. Isso porque a energia interna do gás foi considerada como sendo exclusivamente devido à parte translacional. Esta hipótese se ajusta muito bem em relação a pressão, porém, para as características calorimétricas do gás ela não oferece bons resultados. Para os gases diatômicos é de suspeitar que exista uma outra contribuição para a energia interna: mesmo à temperatura ambiente, a parte rotacional das moléculas deve ser considerada. A parte vibracional, entretanto, começa a contribuir somente a temperaturas próximas a 1000 oC. Em síntese, devemos alterar o valor da energia interna para gases diatômicos: Ediatomico = 124 5 nRT (gás diatômico). 2 A figura 7.11 mostra a dependência do calor específico molar do H2 em função da temperatura. Outros gases diatômicos apresentam comportamento semelhante, mas os patamares da curva surgem a diferentes temperaturas. primeira Lei da termodinâmica Figura 7.11 - Capacidade térmica molar do hidrogênio. O fator numérico 5/2 na energia interna para gases diatômicos, que substituiu o fator 3/2 referente a gases monoatômicos, pode ser justificado por um teorema chamado teorema da equipartição da energia. Seu enunciado é bastante simples: “Cada grau de liberdade presente em cada molécula contribui com 1 kT para a 2 energia interna do gás” A constante k que aparece na relação acima é a famosa constante de Boltzmann. A constante dos gases, R, está definida em termos de k através da igualdade R = kN avogrado . EXEMPLO 7.6 Certa quantidade de um gás diatômico ideal sofre um processo que está representado no diagrama PV, mostrado a figura 7.12. Dados: R = 8,31 J/mol.K; Tinicial = 600 K . a) Achar o número de moles do gás. b) Qual a temperatura final do sistema? c) Encontrar a variação da energia interna. d) Determinar o trabalho realizado pelo gás. e) Qual o calor trocado com o ambiente? Solução: Todas as unidades estão no SI, portanto, não há necessidade de se fazer qualquer conversão. a – Como o gás é ideal, podemos usar a equação de Clapeyron: 104 (N/m 2 ) × 3 ×10−1 (m3 ) 3 ×103 = ∴ n ≈ 0.6 moles. pV= nRT ⇒ piV= nRTi ∴= n i 8,31(J/mol.K) × 600(K) 8,31× 600 Figura 7.12 - Diagrama PV para o exemplo 7.6. b – Novamente podemos usar a equação de gás ideal: p f V f= nRT f ⇒ T f= 4 ×103 ×10−1 ≈ 80 K . 8,31× 0, 6 125 FÍSICA GERAL II 5 nR∆T . c – Foi dado que o gás é diatômico, portanto, ∆E= 2 5 ∆E = × 0, 6 × 8,31× (80 − 600) =−3,9 ×103 J. 2 d – O cálculo do trabalho pode ser feito através da área da figura no diagrama pV. Este procedimento já foi utilizado no exemplo 2.2. A área total é composta da área A1 referente ao retângulo e uma área A2, de um triângulo. Observe que o processo envolve uma compressão e, portanto, o valor do trabalho é negativo: foi feito um trabalho sobre o sistema. A1 = 4 ×103 (0,1 − 0,3) = −800 J . 1 A2 = × 6 ×103 (−0, 2) =−600 J . 2 Então, Wi → f = −1400 J. e – A primeira lei da termodinâmica nos fornece o calor trocado: Q =∆E + W ⇒ Q =−3900 J − 1400 J ∴ Q =−5300 J . O sinal negativo indica que o sistema cedeu calor para o meio ambiente. EXEMPLO 7.7 Qual o valor da velocidade média de uma molécula de N2 a 300 K e a pressão atmosférica? Solução: Suponha que tenhamos um mol de gás. A energia interna para moléculas diatômicas de um gás ideal, a essa temperatura, é composta de duas partes: uma translacional e outra rotacional. 3 1 5 E =Etranslação + Erotação = RT + 2 RT = RT 2 2 2 Estamos interessados na velocidade da partícula, portanto, só temos que considerar a parte translacional. 1 3 = Mv 2 RT (onde M é a massa do gás). 2 2 3 A energia cinética de um mol de nitrogênio é Ecinética = × 8,31× 300 = 3, 74 ×103 J . 2 Etranslação = E= cinética Para uma molécula: ε= cinética 3, 74 ×103 ≈ 6, 23 ×10−21 J . 6, 02 ×1023 A massa de uma molécula é dada= por: m 28 ×10−3 kg ⇒ m ≈ 2,33 ×10−26 kg . 23 6, 02 ×10 Então, a velocidade média de uma molécula pode ser escrita: 1 2 6, 23 ×10−21 ∴ v ≈ 520 m/s × 4, 6 ×10−26 v= 2 Este valor está próximo às velocidades das partículas que compõem nossa atmosfera. 126 EXEMPLO 7.8 Mostrar que quando um gás ideal sofre um processo adiabático, tem-se pV γ = constante. primeira Lei da termodinâmica Solução: Em um processo adiabático não há troca de calor entre o sistema e o exterior: todo calor gerado fica retido e, portanto, a temperatura varia. Isto acontece, por exemplo, quando o som se propagada pelo ar: a onda sonora comprime e expande rapidamente certa massa de ar de tal forma que não há tempo suficiente para que ela troque calor. A energia interna de um gás ideal é função somente da temperatura. Para qualquer tipo de processo que ocorra, uma variação dT da temperatura corresponde a uma variação dE da energia interna, dada por: dE = nCV dT . Da primeira lei, dQ = dE + dW ⇒ 0 = dE + dW ∴ dE = −dW . Então, temos nCv dT = − pdV . nRT Usamos agora a equação de Clapeyron: pV= nRT ⇒ p= . Substituindo na equaV ção acima, temos nRT dT R dV nCV dT = − dV ⇒ = − V T CV V . C p − CV dV dT dV R∴ = − = −(γ − 1) ⇒ Mas sabemos que C p − CV = T CV V V dT dV . Podemos integrar essa equação: ⇒ = (1 − γ ) T V T V dT ′ dV ′ 1−γ = − (1 γ ) ∫T T ′ ∫V V ′ ⇒ ln T − ln Ti =(1 − γ ) [ln V − ln Vi ] =ln(V / Vi ) i i ⇒ ln T − ln Ti = ln V 1−γ − ln Vi1−γ ∴ ln T − ln V 1−γ = ln Ti − ln V 1−γ Portanto, temos o resultado: T T T T ln 1−γ = ln 1−i γ ⇒ 1−γ = 1−i λ . Como Ti e Vi são constantes (condições iniciais do V Vi V Vi problema) podemos escrever TV γ −1 = constante. pV Usando novamente a lei dos gases ideais, T = , que pode ser substituída na relação nR acima para obtermos γ pV= nR × constante = outra constante. No diagrama pV, uma adiabática tem inclinação maior do que aquela correspondente a dp uma isotérmica. Você seria capaz de mostrar isso? Inicie calculando para ambos os dV processos em um ponto comum (pi , Vi , Ti ) para as duas curvas. Figura 7.13 - Ciclo para o exemplo 7.9. EXEMPLO 7.9 O sistema passa por um ciclo mostrado na figura 7.13, com p0 = 100 kPa e V0 = 1litro. No trecho a→b o sistema absorve 450 J de calor; no trecho b→c ele absorve 200 J. A energia interna em 1 vale 200 J. a) Determine a energia interna no ponto b. b) Encontre a energia interna no ponto c. c) Qual o trabalho no ciclo? d) O sistema absorve ou cede calor no trecho c→a? e) Qual a variação da energia interna no ciclo? 127 FÍSICA GERAL II Solução: A unidade de volume não está no SI: 1 litro = 10-3 m3. 100 kPa = 105 Pa = 105 N/m2. a – A energia no ponto b pode ser calculada pela primeira lei. Wab = p0 ∆V = p0 (2V0 ) ⇒ Wab = 105 (N/m 2 ) × 2 ×10−3 (m3 ) = 200 J. Qab =∆E + Wab =( Eb − Ea ) + Wab ∴ Eb =450 + 200 − 200 =450 J. b – O trabalho realizado no trecho bc é nulo. Portanto, pela primeira lei, temos: Qbc = ( Ec − Eb ) ⇒ 200 J = Ec − 450 J ∴ Ec = 650 J. c – O trabalho no ciclo pode ser obtido pelas áreas: no caso de um ciclo, o trabalho é dado, em módulo, pela área da figura envolvida pelas curvas. Existe uma regra prática para se determinar o sinal do trabalho: observe o sentido do percurso. Se for anti-horário, o trabalho é negativo; se for horário, o trabalho é positivo. Você pode justificar isso? A área envolvida é a de um triângulo: 1 = Wabc = ( 2V0 p0 ) 200 J . Como o sentido é anti-horário, Wabc = −200 J . 2 d – Queremos calcular Qca . ∆E =Ea − Ec ⇒ 200 J − 650 J =−450 J . Calcular o trabalho realizado no trecho ca através das áreas determinadas pelo retângulo e pelo triângulo, pode ser um risco pelo fato de se ter complicações na escolha dos sinais. Neste caso, é mais seguro obter o trabalho por integração. A equação da reta que passa por c e a pode ser encontrada calculando-se primeiramente seu coeficiente angular, m: ∆p pa − pc 105 − 3 ×105 m= = ⇒ m= ∴ m= 108 Pa/m3 . −3 −3 10 − 3 ×10 ∆V Va − Vc A equação da reta é dada por 5 p − p= m(V − V0 ) ⇒ p − 10= 108 (V − 10−3 ) ∴ p= 108V . 0 10−3 2 V Wca = 10 × ∫ −3 10 VdV = 2 3×10 8 8 10−3 10−6 9 ×10−6 ⇒ 10 − ∴Wca = −400 J. 2 2 8 3×10−3 Pela primeira lei, temos então, Qca = ∆Eca + Wca = −450 J − 400 J = −850 J . O sinal negativo indica que houve liberação de calor pelo sistema. e – A variação da energia interna é nula porque o ponto final coincide com o ponto inicial. Exercícios Sugestão: a combinação da lei dos gases ideais com a primeira lei da termodinâmica pode ser útil em diversos problemas. 1. Dois mols de um gás ideal são aquecidos à pressão constante, desde 300 K até 380 K. (a) Usando um diagrama pV, faça um esboço deste processo. (b) Calcule o trabalho realizado pelo gás. 128 2. Três mols de um gás ideal estão à temperatura de 127 ºC. Enquanto a temperatura é mantida constante, o volume aumenta até que a pressão caia a 40% do valor inicial. a) Desenhe um diagrama pV para este processo. b) Qual o trabalho realizado pelo gás? primeira Lei da termodinâmica 5 3. Um gás sob pressão constante de 1,5 ×10 Pa e com volume inicial de 0,09 m3 é resfriado até que seu volume fique igual a 0,06 m3. a) Esboce um diagrama pV para o processo. b) Calcule o trabalho realizado pelo gás. 4. Na figura 7.14, considere o processo cíclico 1 → 3 → 2 → 4 → 1 . a) Encontre o trabalho para este ciclo e mostre que ele é igual à área do interior da curva. b) Que relação existe entre o valor obtido em (a) e o valor calculado no sentido inverso do ciclo? 5. Um gás ideal passa pelo processo ilustrado na figura 7.15. Inicialmente o gás sofre uma descompressão isobárica e, em seguida, por uma compressão isotérmica. Determine o trabalho realizado pelo gás, a) Na expansão isobárica. b) Na compressão isotérmica. c) Em todo o processo. Figura 7.14 Figura 7.15 6. Considere novamente a figura do problema 5. É possível, em termos dos mesmos processos, que o trabalho realizado seja nulo. Supondo o mesmo processo isobárico, encontre o volume final do processo isotérmico para que isto ocorra. 7. Na figura 7.16, um fluido passa por um processo isobárico 1→2, no qual o calor absorvido a pressão constante é 10 kJ e, em seguida sofre um processo isocórico 2→3, no qual o calor absorvido a volume constante vale 11 kJ. A energia interna no ponto 1 é E1 = 5 kJ. a) Encontre E2 e E3 . b) Se o fluido passa por um processo 3→1, no qual W31 = 6,6 kJ, determine Q31 . Figura 7.16 8. Em certo processo químico, um técnico de laboratório fornece 254 J de calor para o sistema. Simultaneamente, são realizados 73 J de trabalho sobre o sistema. Qual é o aumento da energia interna desse sistema? 9. Um sistema evolui do estado a até o estado b ao longo dos três caminhos mostrados na figura 7.17. a) Ao longo de qual caminho se tem o maior trabalho? E o menor? b) Sabendo-se que Eb > Ea , ao longo de qual caminho o valor absoluto do calor, Q , trocado com o ambiente é maior? Para este caminho, o calor é positivo ou negativo? Figura 7.17 10. Um sistema realiza um ciclo indicado na figura 7.18. O valor absoluto do calor transferido é 7200 J. a) O sistema absorve ou libera calor para o ciclo indicado? b) Calcule o trabalho realizado pelo sistema neste processo cíclico. c) Se o ciclo for percorrido em sentido inverso, o sistema libera ou absorve calor? d) Qual é este valor? 129 FÍSICA GERAL II Figura 7.18 11. (Calor específico) Um cilindro contém 0,01 mols de He a 300 K. a) Qual o calor necessário para aumentar sua temperatura para 340 K, mantendo-se o volume constante? Faça um diagrama pV para este processo. b) Se em vez de se manter o volume constante mantém-se a pressão constante, qual seria o calor necessário para atingir a mesma temperatura de 340 K? Esboce um diagrama pV para este processo. c) Qual seria o fator responsável pela diferença entre os valores encontrados (a) e (b)? d) Qual a variação o da energia interna no item (a)? 12. Um mol de He passa pelo processo mostrado na figura do problema 7. O calor específico molar a volume constante é 12,5 J/mol.K e, a pressão constante, ele vale 20,8 J/mol.K. a) Calcule a diferença de energia interna no percurso 1→2. b) Qual a variação da energia interna no trecho 2→3? c) Encontre a diferença de energia interna no trecho 3→1. 13. (Calor específico) Considere o gás propano (C3H8) como um gás ideal com γ = 1,127 . Determine o calor específico molar a volume constante e o calor específico molar a pressão constante. 14. O calor específico a pressão constante do alumínio varia quase linearmente com a temperatura. A 300 K seu valor é 24,4 J/mol.K e a 600 K ele vale 28,1 J/mol.K. a) Estabeleça uma expressão matemática da forma C p= A + BT , calculando as constantes A e B a partir dos dados fornecidos. b) Construa um gráfico para esta dependência. c) Determine a quantidade de calor absorvida por 2,5 mols de Al quando sua temperatura cresce de 300 K para 500 K, a pressão constante. 15. Certa quantidade de ar (gás ideal) vai do estado a até ao estado b ao longo da reta no diagrama pV, conforme mostrado na figura 7.19. a) Neste processo, a temperatura aumenta, diminui ou se mantém constante? 3 1, 4 ×105 Pa , qual o b) Se Va = 0, 07 m3 , Vb = 0,11m , pa = 105 Pa e p= b trabalho realizado pelo gás? Figura 7.19 130 primeira Lei da termodinâmica Anotações 131 FÍSICA GERAL II Anotações 132 8 Segunda Lei da Termodinâmica 8.1 Introdução 8.2 Sentido de um processo termodinâmico 8.3 Máquinas térmicas 8.4 Ciclo de Carnot 8.5 Entropia 133 8 SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA FÍSICA GERAL II 8.1 Introdução Você provavelmente já deve ter lido ou escutado advertências sobre conservar energia. Entretanto, a primeira lei da termodinâmica é uma afirmação de que a energia é sempre conservada. Então, para que se fazem tantas campanhas para poupar energia se, não importa o que fizermos, a energia sempre se conserva? Isto está correto, porém, existem formas de energia que tem mais utilidade do que outras e a primeira lei conta parte da história. A outra parte é contada pela segunda lei da termodinâmica. A possibilidade ou a impossibilidade de se usar energia é o conteúdo da segunda lei. Pode-se perguntar porque alguns processos acontecem de forma espontânea e outros nunca foram registrados na Natureza. Por exemplo, é muito fácil transformar energia em calor: quando um bloco, com certa energia cinética, desliza sobre um plano horizontal com atrito, sua velocidade diminui gradativamente até que ele atinja o repouso. Ao fim do processo, ambas as superfícies ficam aquecidas: toda energia cinética foi convertida em calor, aumentando as energias internas da superfície e do bloco. Mas ninguém jamais relatou que um bloco, deixado sobre uma mesa, espontaneamente começou a se movimentar devido à retirada de energia interna da mesa e do próprio bloco. Note que este último processo não contraria a primeira lei: sua impossibilidade está contida na segunda lei. Outra situação que se apresenta de forma assimétrica: imagine um mol de certo gás (ideal, se você quiser) confinado na metade de um recipiente de volume total V. Na outra metade é feito Figura 8.1 - As situações vácuo (figura 8.1). Entre os dois volumes, aquele que contém inicial e final do processo de o gás e o outro vazio, existe uma membrana que, uma vez expansão livre. rompida, permite que o gás se expanda por todo o volume V. Após a expansão, é possível observar novamente o gás ocupando o volume inicial V/2? Esta situação jamais será observada. Se isto ocorrer não há violação da primeira lei da termodinâmica. Mas, certamente, violaria a segunda lei. Será que a palavra jamais está bem empregada? Para verificar, vamos fazer um cálculo simples e rápido. Existem 6 × 1023 moléculas no recipiente e a probabilidade de uma delas estar, por exemplo, na metade à esquerda é 1 2 (isto porque o volume foi dividido em duas partes iguais). A probabilidade de 2 duas delas estarem nessa parte do recipiente é 3 1 1 1 1 × = = . Para três moléculas, temos 2 2 4 2 1 1 1 1 1 × × = = . A regra geral é imediata: a probabilidade de que todas as moléculas 2 2 2 8 2 6×1023 1 . se encontrem, em determinado instante, na metade à esquerda do recipiente é 2 23 Que significa este número? Ele pode ser escrito como 2−6×10 = 2−60.000.000.000.000.000.000.000 . Se você considerar que este número, extraordinariamente pequeno, como sendo zero, então a palavra jamais está bem empregada. Caso contrário, pode-se dizer que embora possível de acontecer, o evento é “muito extraordinariamente” improvável. Para se ter uma pálida idéia do que estamos falando, suponha um sistema mais modesto, com apenas 120 moléculas. Se você se propõe a filmar o sistema (com uma superfilmadora capaz de registrar o movimento das partículas do gás) para documentar o instante no qual todas as moléculas migram espontaneamente para o volume V/2 à esquerda, vai precisar de um tempo da ordem de 10 vezes a idade do universo. Este é um processo claramente irreversível. De 134 forma semelhante, nunca se registrou que um bloco metálico inicialmente em equilíbrio térmico espontaneamente se esfrie em uma extremidade e se aqueça na outra, criando uma diferença de temperatura entre elas às expensas de sua energia interna. Ou você já escutou alguém contar que “desfritou” algum ovo? A Natureza desconhece o comando desfazer e a segunda lei da termodinâmica resume o fato da impossibilidade de que os processos acima descritos possam ocorrer espontaneamente. Segunda Lei da termodinâmica 8.2 Sentido de um Processo Termodinâmico Os processos que ocorrem na Natureza são todos irreversíveis: ocorrem em um sentido, mas não ocorrem no sentido inverso. Apesar desta preferência, podemos imaginar uma classe de processos idealizados que poderiam ser reversíveis. Um sistema que realiza esse processo reversível ideal está sempre muito próximo do equilíbrio termodinâmico com as vizinhanças e no interior do próprio sistema. Definese, então, processo reversível como sendo aquele que está sempre em equilíbrio termodinâmico. Por esta razão é que chamamos tais processos de quase-equilíbrio. A expansão do gás, discutida na seção anterior, é um processo que em nenhum momento está em equilíbrio: somente no final o sistema atinge o equilíbrio. A figura 8.2 mostra, de forma bastante pitoresca, a situação de uma absurda reversibilidade. O estado aleatório ou o grau de desordem do estado final de um sistema pode ser relacionado com o sentido da realização de um processo natural. Por exemplo, imagine que você tenha colocado em ordem as cartas de um baralho, separando por naipe e em ordem crescente de valor. Quando você atirar esse baralho para o alto, ao chegar ao solo, você esperaria que ele se mantivesse ordenado como no estado inicial? A experiência tem mostrado que o baralho chega ao solo em um estado de maior aleatoriedade (ou de maior desordem) do que possuía quando estava ainda em suas mãos. O gás que sofreu uma expansão livre na secção anterior possui um estado final mais desordenado do que o estado inicial. Na figura 8.3 estão esquematizados um processo irreversível e um processo reversível. Em 3a temos uma quantidade de gelo a 0 oC envolvido por uma caixa metálica mantida a 70 oC. Após certo tempo, o gelo se funde e a água atinge a temperatura de 40 oC (este não é ainda um estado de equilíbrio). Este é um processo irreversível porque a diferença de temperatura é finita (não infinitesimal). Na parte 3b, a caixa é mantida a uma temperatura muito próxima a 0 oC e somente incrementos infinitesimais (positivos ou negativos) de calor são permitidos. Dessa forma, pode-se aquecer quase – estaticamente a água ( δQ positivo) ou resfriá-la quase – estaticamente, permitindo que pequenas quantidades Figura 8.3 de água voltem ao estado sólido a) Processo irreversível: o bloco de gelo derrete irreversível( δQ negativo). Esse procedimento mente quando colocado em uma caixa de metal; b) Processo reversível: elevando ou diminuindo infinitesimalcaracteriza um processo reversível, mente a temperatura da caixa o calor flui para o gelo ou o calor porque pode-se reverter seu sentido. flui para a caixa e a água congela novamente. Figura 8.2 - A sequência poderia acontecer, mas é altamente improvável. QUESTÃO 8.1 As duas mãos estão inicialmente à mesma temperatura. O ato de esfregar as mãos uma na outra é um processo reversível? 135 8.3 Máquinas Térmicas FÍSICA GERAL II A conversão de trabalho em calor ocorre espontaneamente quando o trabalho é realizado por forças dissipativas tais como o atrito. Em dias frios é comum esfregar as mãos para aquecê-las. O freio de um carro é efetivo devido às forças de atrito entre o disco e as pastilhas e a energia dissipada na forma de calor gerado é transferida para o meio ambiente. A conversão de calor em trabalho é uma questão um pouco mais delicada. Esta conversão é altamente conveniente do ponto de vista econômico. A energia transferida como trabalho presta-se a inúmeras aplicações práticas. Esta energia transferida na forma de calor não pode ser usada diretamente, por exemplo, para se erguer certa massa até a uma determinada altura; a simples queima de combustível não propicia a um carro seu deslocamento: adianta muito pouco despejar um litro de gasolina sobre a lataria de um automóvel e em seguida atear fogo. A não ser que o propósito seja apenas pirotécnico e não o de locomoção. Ou, talvez, o carro já tenha lhe dado dores de cabeça suficientes... Excetuando essas duas últimas hipóteses, é necessário primeiro converter o calor em trabalho: é exatamente isso que uma máquina térmica faz. Uma máquina térmica muito simples está representada na figura 8.4. Um cilindro metálico, provido de um pistão móvel, contém certa quantidade de um gás ideal. Inicialmente, este gás está comprimido e seu estado é caracterizado por uma pressão pi, um volume Vi e uma temperatura T igual a do ambiente. 136 Figura 8.4 - Um gás comprimido que se expande isotermicamente. No capitulo anterior, vimos que em uma expansão isotérmica quase-estática, o sistema absorve calor do meio para manter sua temperatura constante e o gás realiza trabalho sobre o pistão à medida que seu volume expande. Como o processo é isotérmico e o gás é ideal, a variação da energia interna é nula, e pela primeira lei da termodinâmica, Q = W . Neste processo, certa quantidade de calor absorvido, Q, é convertida em trabalho. Entretanto, este método de expansão simples não é muito satisfatório: ele acontece uma única vez. Após ocorrer a expansão, a pressão do gás se iguala à da atmosfera, p0, e o sistema fica em equilíbrio mecânico. Para fazer com o gás volte ao estado inicial, precisamos realizar trabalho sobre o sistema para comprimí-lo. Parte do trabalho realizado pelo gás durante a expansão deve ser reinvestido sobre ele e fazê-lo retornar ao estado inicial para uma expansão subseqüente. Para isto, vamos comprimir o gás por um caminho diferente daquele da expansão, de tal forma, que o trabalho realizado sobre ele seja menor. A escolha requer pressões menores durante a compressão e o valor líquido é (1) acrescentou-se calor ao sistema; (2) o gás retornou ao estado inicial e está apto a realizar outra expansão; e (3) durante a expansão mais trabalho foi pelo gás do que foi investido para completar um ciclo. A figura 8.5 mostra o diagrama pV para este ciclo. Em um ciclo qualquer (não necessariamente igual ao que acabamos de discutir), sabemos que o sistema realiza trabalho sobre o meio durante a expansão (positivo), e durante a compressão o meio realiza trabalho sobre o Figura 8.5 - Ciclo para uma expansão sistema (negativo). O trabalho resultante é dado isotérmica quase-estática. pela área compreendida pelo ciclo no diagrama pV. Se o ciclo evolui no sentido horário, Wciclo > 0, e será negativo se ocorrer no sentido anti-horário. Como ∆E = 0 para um processo cíclico, a primeira lei nos dá: Qciclo = Wciclo . Segunda Lei da termodinâmica Ou seja, o trabalho resultante realizado em um ciclo é igual ao calor líquido acrescentado para o ciclo. Todas as máquinas térmicas operando em ciclo têm em comum algumas características. Uma substância, chamada de substância de trabalho, passa por um processo cíclico. O calor trocado é permutado com o meio pela substância de trabalho a (pelo menos) duas temperaturas diferentes: o calor é absorvido pelo sistema à temperatura mais elevada e deve ser cedido para o meio a uma temperatura mais baixa para completar o ciclo. É exatamente este calor líquido (Qabsorvido = |Qcedido |) que representa o trabalho realizado pelo sistema no ciclo. Esta é uma conclusão geral e independe de como se verifica o ciclo e do tipo de substância de trabalho. Obviamente, alguns ciclos são mais eficientes do que outros e nos projetos de uma máquina térmica o objetivo é alcançar o maior rendimento possível. O ciclo de Otto representa, de forma idealizada, os processos cíclicos de um motor a explosão. A figura 8.6 representa um ciclo para Figura 8.6 - Ciclo de Otto no diagrama pV. esse processo. No ponto a, uma mistura de argasolina entra na câmara de combustão e é comprimida adiabaticamente até o ponto b. Em seguida, é aquecida isocoricamente até o ponto c pela explosão da mistura devido à corrente elétrica nos eletrodos da vela: é exatamente nesse trecho que acontece a absorção de calor pelo sistema. A força motriz transferida do motor para as rodas se dá no trecho adiabático cd. O calor deixa o sistema no trecho isocórico da. Completado o ciclo, o sistema se posiciona para um novo ciclo a partir de sua posição inicial. O rendimento є de uma máquina térmica é definido como a razão entre o trabalho realizado e o calor absorvido pelo sistema: є= Qabs − Qcedido Q W = = 1 − cedido . Qabs. Qabs Qabs. O calor Qabs. é usualmente conseguido pela combustão de carvão, de derivados de petróleo ou de outra espécie de combustível que deve ser pago e, portanto, as máquinas térmicas devem ser projetadas para se ter o maior rendimento possível. Por exemplo, o motor a combustão tem rendimento da ordem de 50%. Observando a definição matemática do rendimento, ele aumenta à medida que Qcedido diminui: a rejeição de calor pelo sistema deve ser minimizada para se alcançar maiores rendimentos da máquina térmica. O caso ideal acontece quando o calor rejeitado é nulo, portanto, tem-se є =1. Esta seria a máquina perfeita (ou a máquina dos sonhos) com eficiência de 100%. Desde as primeiras máquinas a vapor a tecnologia tem aperfeiçoado constantemente as novas gerações de máquinas térmicas. Entretanto, é impossível a construção de um aparato com rendimento de 100%. Isto é a essência da segunda lei da termodinâmica (enunciado de Kelvin-Planck): “É impossível a construção de uma máquina térmica, operando em ciclos, converter totalmente o calor absorvido em trabalho”. Se você se lembrar do início desta seção, poderia argumentar que no caso discutido, o sistema sob uma transformação isotérmica converteu integralmente o calor absorvido em trabalho realizado pelo pistão sobre o meio. Isto não contraria o enunciado de Kelvin-Planck? Definitivamente, não. Observe que no enunciado aparece a expressão operando em ciclos e isso faz toda a diferença. Na evolução a que nos referimos acima, acontece somente uma expansão e, portanto, não está caracterizado um ciclo. Para que o 137 FÍSICA GERAL II sistema retorne ao seu estado inicial é necessário que se realize trabalho sobre ele e certa quantidade de calor é rejeitada neste processo. É importante reconhecer que a máquina térmica com 100% de eficiência obedeceria à primeira lei, mas é a segunda lei da termodinâmica que nega a possibilidade de sua existência. Ocasionalmente surge algum inventor que faz alarde de ter conseguido construir um moto perpétuo: se o aparato violar somente a segunda lei, ele é chamado de moto perpétuo de segunda espécie; se violar a primeira lei, ele é chamado de moto perpétuo de primeira espécie; se violar ambas as leis simultaneamente, ainda não se concebeu um nome apropriado. Em geral, essas pessoas não tiveram a oportunidade de adquirir conhecimento suficiente sobre termodinâmica. Vivessem em outra época, provavelmente estariam em busca da pedra filosofal. Reservatório quente Uma máquina térmica pode ser representada esquematicamente na forma mostrada na figura 8.7. máquina térmica Qq W A máquina absorve calor Qquente de uma fonte quente que está à temperatura Tquente , realiza trabalho, e rejeita calor |Qfrio | para um reservatório frio que está à temperatura Tfrio . Qf Reservatório frio Figura 8.7 - Representação de uma máquina térmica. EXEMPLO 8.1 Uma máquina térmica, operando em ciclo, absorve 200 J de calor de um reservatório quente, efetua trabalho e libera 150 J para uma fonte fria. Qual o rendimento (ou eficiência) desta máquina? Faça uma representação esquemática do processo. Solução: Vimos que o trabalho efetuado é dado por: Wciclo =Qq − Q f =200 J − 150 J =50 J , independentemente do tipo do ciclo realizado. 200 J O rendimento é então, є = Wciclo 50 J 25 25% . = = 0,= 200 J Qq 50 J Representação esquemática do processo. 150 J EXEMPLO 8.2 Uma máquina térmica tem rendimento de 35%. a) Qual o trabalho que ela realiza, por ciclo, se recebe 150 J de uma fonte quente? b) Qual o calor rejeitado por ciclo? Solução: Wciclo W ⇒ 0,35 = ciclo ∴Wciclo = 52,5 J . Qabs. 150 J b) Wciclo =Qciclo − Qcedido ⇒ Qcedido =150 J − 52,5 J =97,5 J . a) є = 138 EXEMPLO 8.3 A figura 8.8 representa o diagrama pV para uma versão idealizada de um pequeno motor de Stirling (proposto por Robert Stirling em 1816). A máquina usa 8 ×10−3 mols de um gás ideal e opera entre duas fontes, uma a 95 ºC e a outra a 24 ºC. Seu funcionamento ocorre à taxa 0,7 ciclos por segundo. a) Qual o trabalho realizado em um ciclo? b) Qual a potência desta máquina? c) Que calor líquido é transferido para o gás em cada ciclo? d) Encontre o rendimento desta máquina. Solução: a) Para calcular o trabalho total, precisamos obter os trabalhos nos trechos ab e cd. Nesses trechos a evolução se processa isotermicamente e já conhecemos a expressão que permite obtê-los: Vf (exemplo 7.1 do capítulo anterior). Portanto, podemos escrever: Wi → f = nRT ln Vi Segunda Lei da termodinâmica Figura 8.8 – Diagrama pV para o ciclo de Stirling. 1,5Va 1,5 = Wab nRT= nRT = nRTab ln1,5 . ab ln ab ln Va 1 V 1 Wcd = nRTcd ln d = nRTcd ln = −nRTcd ln1,5 . Vc 1,5 Com os valores numéricos inseridos nas expressões acima, podemos obter o trabalho realizado pelo gás nesse ciclo (nos trechos bc e da o trabalho é nulo). Wciclo = Wab + Wcd = nRTab ln1,5 − nRTcd ln1,5 ⇒ nR (Tab − Tcd ) ln1,5 ∴ Wciclo =× 8 10−3 × 8,31× (95 − 24) ln1,5 ⇒ Wciclo ≈ 1,91J . Observe que usamos as temperaturas dadas em Celsius e não em Kelvin. É justificável? b) A potência é dada pelo quociente P = é o tempo de um ciclo. Portanto, ∆W . Aqui ∆W é trabalho em um ciclo e ∆t ∆t 1,91J ≈ 1, 4 W . 0, 7 s c) O calor total transferido durante um ciclo pode ser obtido usando-se a primeira lei da termodinâmica: Qciclo = ∆Einterna + Wciclo . Mas a variação da energia interna é nula porque o estado final é igual ao estado inicial. Assim, Q= Wciclo ≈ 1,91J . ciclo d) Para encontrar o rendimento da máquina térmica, precisamos conhecer o calor retirado da fonte quente e o calor cedido à fonte fria. O exemplo 7.1, item (c), do capítulo anterior pode ajudar. Em um processo isotérmico sofrido por um gás ideal, a variação da energia interna é nula e, portanto, o calor envolvido é igual ao trabalho (pela primeira lei da termodinâmica). = Pciclo Vi =× 8 10−3 × 8,31× 368 × ln1,5 ≈ 9, 2 J . Vf O rendimento da máquina térmica é: W 1,91J є = ciclo = ≈ 0, 20 = 20% . Qabs. 9, 2 J Poderíamos resolver este item de forma um pouco diferente (mas equivalente!): Qab = nTab ln W nR(T − T ) ln1,5 Tab − Tcd T = = 1 − cd ≈ 20% . є = ciclo = ab cd Qabs. nRTab ln1,5 Tab Tab Observe que embora a eficiência deste motor Stirling seja razoável, a sua potência é baixa. 139 FÍSICA GERAL II O termo máquinas térmicas pode dar a falsa impressão de que esses dispositivos tenham a finalidade única de receber certa quantidade de calor e realizar trabalho. Entretanto, um refrigerador também pode ser tratado como uma máquina térmica com seu ciclo invertido, ou seja, ele faz exatamente o contrário: recebe o calor de uma fonte fria (parte interna do refrigerador) e o transfere para uma fonte quente (meio ambiente). A máquina térmica, como estudada até agora, fornece trabalho; para um refrigerador, precisamos fornecer trabalho. Pela convenção de sinais que adotamos, para um refrigerador Qfrio é positivo (entra no sistema), porém, W e Qquente são negativos (o trabalho entra no sistema e o calor é rejeitado para uma fonte quente). Com isto, escrevemos W = −W e Qquente = −Qquente . Observe que −W > 0 e −Qquente > 0 . A figura 8.9 é a representação esquemática de um refrigerador. De acordo com a primeira lei da termodinâmica, para um processo cíclico ( ∆E = 0 ), temos: Qquente + Q= Wciclo ⇒ −Qquente = Q frio − W . frio Mas, como W = −W e Qquente = −Qquente , podemos escrever: Qquente = Q frio + Wciclo (para um refrigerador). Figura 8.9 - Diagrama esquemático Note que o calor transferido para a fonte quente é de um refrigerador. sempre maior do que o calor retirado da fonte fria. Por essa razão é que se desenha a seta entrando na fonte quente com largura maior. Compare com o diagrama correspondente às máquinas térmicas (figura 8.7). Do ponto de vista econômico, o melhor refrigerador é aquele que remove a maior quantidade de calor Q frio por ciclo, com o mesmo trabalho realizado sobre ele, Wciclo . O QUESTÃO 8.2 Você acha uma boa idéia deixar a porta de um refrigerador aberta para abaixar a temperatura da cozinha? Q frio (usamos módulo para Qfrio , mas isso é desnecessário Wciclo porque ela é uma grandeza positiva). A razão acima é chamada de coeficiente de desempenho e designada por K: Q frio Q frio (desempenho de um refrigerador). = K = Wciclo Qquente − Q frio O desempenho é tanto maior quanto menor for a diferença entre as duas trocas de calor, Qquente e Qfrio . Se elas forem iguais, o coeficiente de desempenho é infinito: uma situação altamente desejável, mas que, infelizmente, não é factível. Conseguir um refrigerador que funcione sem absorver trabalho, não só o tornaria famoso, mas também seria regiamente pago pela invenção. Entretanto, a versão de Clausius da segunda lei da termodinâmica, determina a impossibilidade: quociente relevante é, então, “É impossível a realização de qualquer processo que tenha como única etapa a transferência de calor de um corpo frio (temperatura mais baixa) para um corpo quente (temperatura mais alta) ”. Enunciado desta forma a segunda lei parece não ter relação alguma com o enunciado de Kelvin-Planck. Mas só aparentemente os dois enunciados não estão relacionados: é possível mostrar que, se qualquer processo é impedido por um enunciado, então é proibido também pelo outro. EXEMPLO 8.4 Um refrigerador tem o coeficiente de desempenho 5,5. Qual o trabalho necessário para se obter 10 cubos de gelo, cada um de 100 gramas, inicialmente à temperatura de 10 ºC? 140 Solução: A massa de água a ser congelada é 1 kg. Precisamos primeiro abaixar a temperatura da água até 0 ºC: Q1 = (1 kg)(4,18 kJ/kJ.K)(283 K − 273 K) = 41,8 kJ. Segunda Lei da termodinâmica O calor de fusão do gelo (igual ao calor de solidificação da água) vale 333.5 kJ/kg. Precisamos, então, retirar esse calor para haver a solidificação da massa de água, portanto, Q2 = 333,5 kJ. O calor total que deve ser removido é Qtotal = Q1 + Q2 = 41,8 kJ + 333,5 kJ ≈ 375 kJ. Pela definição do coeficiente de desempenho, temos: Q frio 375 kJ K= ⇒ W= = 68, 2 kJ . 5,5 W EXEMPLO 8.5 Um refrigerador doméstico, cujo coeficiente de desempenho é 4,7, extrai calor da câmara fria (onde se colocam os alimentos) à taxa de 250 J por ciclo. a) Quanto de trabalho por ciclo é necessário para operar o refrigerador? b) Quanto calor é rejeitado para o ambiente, que serve como fonte quente? Solução: a) Para calcular o trabalho, usamos a definição do coeficiente de desempenho: Q frio 250 J W= ⇒ W= = 53J . 4, 7 K Essa quantidade de energia é transferida para o sistema por um agente “externo”: o motor elétrico é o responsável por isso. Este valor, transformado em moeda corrente, é que aparece na fatura de energia elétrica. b) A primeira lei da termodinâmica nos dá: Qquente = W + Q frio = 53J + 250 J = 303J . Por este valor percebe-se que o refrigerador é um excelente aquecedor de ambiente. Pagando por 53 J (o trabalho do motor), você tem 303 J de calor liberado para o ambiente. Se você usasse um aquecedor elétrico teria somente 53 J de calor para cada 53 J que pagasse. 8.4 Ciclo De Carnot Considere todas as máquinas térmicas concebíveis operando entre dois reservatórios térmicos com temperaturas Tquente e Tfrio . Cada uma delas tem eficiência inferior a 100% de acordo com a segunda lei da termodinâmica. A pergunta que o engenheiro francês Sadi Carnot conseguiu responder era: qual dessas máquinas térmicas tem o maior rendimento? É interessante notar que Carnot chegou à resposta correta mesmo acreditando na teoria do calórico. O ciclo proposto por Carnot é um ciclo idealizado pelo fato de ser um ciclo reversível. Uma máquina térmica operando ciclicamente segundo o ciclo de Carnot tem o máximo rendimento (figura 8.10). Temos quatro estágios para o ciclo de Carnot: (1) Uma expansão isotérmica reversível à temperatura Tquente e uma quantidade de calor Qquente é absorvido pelo sistema (trecho a-b). Figura 8.10 - Diagrama pV para o ciclo de Carnot. 141 FÍSICA GERAL II (2) Um processo adiabático reversível: a temperatura do sistema decresce de Tquente para Tfrio (trecho b-c). (3) Uma compressão isotérmica reversível à Tfrio: o calor | Qfrio | é retirado do sistema (trecho c-d). (4) Um processo adiabático reversível para completar o ciclo: a temperatura do sistema aumenta novamente até Tquente (trecho d-a). Usaremos um gás ideal para obter o rendimento de uma máquina operando segundo um ciclo de Carnot, mas o resultado é válido de forma geral. Na expansão isotérmica ab, a energia interna se mantém constante e, portanto, o calor é igual ao trabalho realizado pelo gás: Qquente = W= nRTquente ln ab Q frio = Wcd = nRT frio ln Vb Va Vd V = −nRT ln c Vc Vd (para o trecho ab). (para o trecho cd). Note que Vd é menor que Vc , logo, Qfrio é negativo (Qfrio = | Qfrio | para deixar explícito que se trata de um valor negativo): durante a compressão isotérmica há rejeição de calor pelo sistema. O quociente entre os valores acima fornece Q frio Qquente T frio ln(Vc / Vd ) . = − × Tquente ln(Vb / Va ) Para os processos adiabáticos encontramos (válido somente para gás ideal; veja exemplo 7.1 do capítulo anterior): TquenteVbγ −1 = T frioVc1−γ e TquenteVaγ −1 = T frioVdγ −1 . Dividindo uma pela outra, temos: Vbγ −1 Vcγ −1 Vb = ∴ Vaγ −1 Vdγ −1 Va γ −1 V = c Vd γ −1 ⇒ Vb Vc . = Va Vd Esta relação pode ser utilizada na expressão do quociente dos calores: Q frio Q frio T T frio . = − frio ou, em módulo, = Qquente Tquente Qquente Tquente A definição de rendimento (ou eficiência) é є = 1− Q frio Q quente ∴ є = 1− Tfrio . Tquente Esta é a expressão do rendimento para uma máquina térmica operando segundo o ciclo de Carnot. Nenhuma outra, trabalhando entre as temperaturas Tquente e Tfrio, dá um rendimento superior a este. Isso é fácil de perceber porque a máquina térmica de Carnot opera em ciclos reversíveis. Desnecessário dizer que as temperaturas devem sempre ser expressas em Kelvin. EXEMPLO 8.6 Um inventor alega ter construído um motor que, em certo intervalo de tempo, absorve 110 MJ de calor a 415 K e rejeita 50 MJ a 212 K; simultaneamente esse motor realiza um trabalho de 16,7 kW.hora. Você investiria dinheiro nesse projeto? Solução: As unidades não estão padronizadas: uma boa escolha é trabalhar no SI. kJ kW × hora = × 3600s ∴ kW × hora = 3600 kJ = 3, 6 MJ s Pelos dados que o inventor nos forneceu podemos calcular o rendimento de sua máquina: W (16, 7(3, 6MJ) є = = ≈ 0,55 ou 55% . 110 MJ Qquente 142 O rendimento para o ciclo de Carnot desse motor é: T frio 212 є= 1− = 1− ∴ є ≈ 49% . Tquente 415 Como é maior do que o máximo teórico previsto para o ciclo de Carnot, a melhor decisão é não investir. Segunda Lei da termodinâmica EXEMPLO 8.7 Certa máquina de Carnot absorve 2000 J de calor de um reservatório a 500 K, realiza trabalho e rejeita calor para um reservatório a 350 K. a) Qual foi o trabalho realizado? b) Que calor foi cedido ao reservatório? c) Qual o rendimento dessa máquina? Solução: O item (c) é imediato: c) є =− 1 Tf Tq 1 =− 350 0,3 ∴ є = 30%. = 500 a) Na dedução da fórmula do rendimento do ciclo de Carnot, obtivemos a relação Qf T 350 = − f ∴Qf = −2000 × = −1400 J . 500 Qq Tq O sinal negativo é consistente porque o calor está sendo rejeitado pelo sistema. b) A primeira lei da termodinâmica nos dá (após completar um ciclo ∆E = 0 ): W =Qtotal =2000 J − 1400 J =600 J . Este valor poderia ter sido determinado através do item (a): є= W ⇒ W = 0,3 × 2000 J = 600 J . Qq EXEMPLO 8.8 0.20 mol de um gás ideal diatômico ( γ = 2) passa por ciclo de Carnot com temperaturas de 227 oC e 27 oC. A pressão inicial é pa = 106 Pa, e durante a expansão isotérmica à temperatura mais alta, seu volume dobra. a) Achar a pressão e o volume em cada um dos pontos a, b, c e d da figura ao lado. b) Calcule Q, W e ΔE no ciclo todo, e em cada um dos trechos. CV = 20,8 J/mol.K. c) Determine o rendimento desse aparato. Solução: As temperaturas devem ser transformadas para Kelvin: 300 K e 500 K. a) pa = 106 Pa (dado). Usamos a equação do gás ideal para obter o volume: = Va (0, 20)(8,31)(500) = 8,31× 10−4 m3 . 6 10 Figura 8.11 -+Ciclo de Carnot para o Exemplo 8.8. Se o volume dobra após a expansão isotérmica, então, = Vb 16, 62 ×10−4 m3 . Durante a etapa isotérmica a→b, temos: 106 × 8,31×10−4 ∴ pb =5 ×105 Pa . paVa =pbVb ⇒ pb = −4 16, 62 ×10 Tq T f Na expansão adiabática b→c: TqVbγ −1= T f Vcγ −1 ∴Vc= Vb 1 −4 3 = 59, 6 ×10 m . γ −1 143 FÍSICA GERAL II A pressão no ponto c pode ser obtida pela equação dos gases ideais: pc= nRTc (0, 20)(98,31)(300) = ⇒ pc= 0,837 ×105 Pa. −4 59, 6 ×10 Vc O volume no ponto d pode ser obtido de forma semelhante àquele usado para calcular o Vd 29,8 ×10−4 m3 . volume no ponto c, através da adiabática. O resultado é= A pressão no ponto d pode ser calculada pela equação dos gases ideais e o resultado é = pd 1, 67 ×105 Pa. b) Nos trechos isotérmicos a variação da energia interna é zero (gás ideal) e, portanto, pela primeira lei da termodinâmica, temos: V Va V c→d: Wc →d = Q f = nRT f ln d = −346 J. Vc Nos trechos adiabáticos o calor trocado é nulo e pela primeira lei da termodinâmica temos: Trecho d→a: Wda = −∆Eda . Trecho b→c: Wbc = −∆Ebc Para um gás ideal a energia interna é somente função das temperaturas inicial e final. Pela primeira lei da termodinâmica, temos: Wbc = −∆Ebc = −nCV (T f − Tq ) = −(0, 20)(20,8)(300 − 500) = 832 J. b a→b: Wa →= Q= nRTq ln = (0, 20)(8,31)(500) ln= 2 576 J. b q Wda = −∆Eda = − nCV (Tq − T f ) = −(0, 20)(20,8)(500 − 300) = −832 J . Se você não se recorda de onde vieram as expressões para as energias internas, convém rever a seção 3 sobre calor específico do capítulo anterior. Uma tabela mostra os resultados obtidos para o item (b). A última linha dá o calor total e o trabalho total para o ciclo. PROCESSO Q (J) W (J) ΔE (J) 576 576 0 a→b 0 832 -832 b→c -346 -346 0 c→d 0 -832 832 d→a 230 230 0 TOTAL c) O rendimento dessa máquina de Carnot: є = 500 K − 300 J Wciclo 230 J usar є = 0, 40 . = = = 0, 40 ; ou poderíamos 500 K Qquente 576 J Se o ciclo de Carnot for revertido, é possível obter o que se chama refrigerador de Carnot. O coeficiente de desempenho desse refrigerador pode ser expresso combinando-se a definição de desempenho, K, com a transferência de calor, = K Q frio Qquente = T frio Tquente para o ciclo. Q frio Q f Qq Tf . = = ⇒K Tq − T f Qquente − Q frio 1 − Q f Qq Um bom desempenho é conseguido quando a diferença de temperatura é pequena: neste caso pode-se retirar grande quantidade de calor da câmara, com pouco trabalho realizado sobre o sistema. Se a diferença de temperatura for grande, necessita-se injetar uma quantidade substancial de trabalho. Um refrigerador caseiro, real, tem coeficientes de desempenho próximo a 5, entretanto, se ele operasse seguindo um ciclo de Carnot teria seu coeficiente de desempenho próximo a 10 (tente justificar esta estimativa!). 144 8.5 Entropia A segunda lei da termodinâmica, como foi formulada, tem aspecto diferente das outras leis que você já encontrou, tais como: a segunda lei de Newton, a primeira lei da termodinâmica, a lei dos gases ideais; ela não possui um caráter quantitativo, isto é, não está relacionada a uma equação. Seu enunciado diz respeito a uma impossibilidade. Entretanto, seu enunciado pode ser formulado em termos quantitativos através do conceito de entropia. O fluxo de calor entre dois corpos a diferentes temperaturas ocorre, espontaneamente, sempre no sentido do de maior temperatura para o de menor temperatura. A expansão livre, irreversível, de um gás sempre ocorre para que o sistema alcance o estado de maior desordem, comparada com o estado inicial. Em ambos os processos, a primeira lei da termodinâmica não é violada. Mas por que, então, a natureza se comporta de tal forma a conseguir a máxima desordem possível? Responder porque pode ser uma presunção metafísica; mas podemos entender como isso acontece e quantificá-la: o objetivo desta seção pode ser restrito a esse ponto. A entropia fornece uma estimativa quantitativa do grau de desordem de um sistema. Para entendermos como isto pode ser feito, vamos considerar, novamente, um gás ideal. A escolha pode ser restritiva, mas as conclusões serão abrangentes. Suponha que esse gás sofra uma expansão isotérmica: adiciona-se uma pequena quantidade de calor dQ e esperamos que ele se expanda o suficiente para manter sua temperatura constante. Neste processo a energia interna não varia e pela primeira lei da termodinâmica, o trabalho é igual ao calor adicionado: dQ = dW = pdV = nRT dV dQ dV ∴ = . V V nRT As partículas, após a expansão, podem se mover em um volume maior e, portanto, suas posições se tornam mais aleatórias. A variação relativa do volume, dV , fornece uma V indicação de quanto se aumentou o estado de aleatoriedade ou de desordem do sistema. Mas esse quociente é proporcional à razão dQ e isto também indica de quanto foi T Segunda Lei da termodinâmica CURIOSIDADE A sigla OTEC (Ocean Thermal Energy Conversion) representa a idéia de se utilizar a diferença de temperatura entre a camada superficial (25oC) e águas a 100m de profundidade (10oC) nos oceanos. Para um motor operando em um ciclo de Carnot, o rendimento seria de apenas 5%. Que é um baixo rendimento, ninguém contesta; porém, realizase um trabalho útil a custo zero (desconsiderando, obviamente, os valores dos investimentos). aumentado o grau de desordem do sistema pela adição de calor à temperatura constante. Introduzimos o símbolo S para a entropia do sistema e definimos a variação infinitesimal de entropia dS durante um processo infinitesimal reversível à temperatura T, através da relação dS = dQrev. T (processo infinitesimal reversível). Para evolução não infinitesimal, quando uma quantidade de calor Q é fornecida isotérmica e reversivelmente ao sistema, a variação total de entropia é dada por ∆S = S 2 − S1 = Qrev. . T A unidade dessa nova variável de estado, entropia, é J/K no Sistema Internacional. Podemos perceber o significado físico da entropia em termos de desordem do sistema. Uma temperatura elevada corresponde a um movimento bastante caótico. Quando a temperatura é baixa, o movimento molecular é menor e o fornecimento de uma quantidade de calor Q produz um aumento substancial neste movimento aleatório. Por outro lado, quando a temperatura já é alta, a mesma quantidade de calor produzirá um aumento relativamente menor no estado aleatório existente. Portanto, a razão Q/T caracteriza de forma apropriada o crescimento da desordem no estado do sistema quando uma quantidade de calor é absorvida. A lei zero da termodinâmica está relacionada à variável de estado que chamamos de temperatura. A primeira lei define uma variável de estado, a energia interna do sistema, 145 FÍSICA GERAL II em termos de duas grandezas que não são variáveis de estado (calor e trabalho). A segunda lei da termodinâmica está relacionada com a variável de estado que chamamos entropia. Se dQrev. for o calor adicionado quando o sistema segue uma trajetória reversível entre os estados, a variação da entropia, independentemente da trajetória real seguida, é igual a esse calor transferido ao longo da trajetória reversível dividido pela temperatura do sistema. Em outras palavras, a função entropia é uma variável de estado: sua variação só depende dos estados inicial e final e não do caminho seguido entre os dois estados. Da mesma forma que se medem, por exemplo, variações da energia interna, no caso da entropia acontece o mesmo: medimos variações de entropia. Entretanto, é comum em termoquímica atribuir um valor padrão S0 e a partir desta referência medir-se a entropia (assim como elegemos uma referência na medida da energia potencial gravitacional). Quando o calor é absorvido pelo sistema, dQrev. é positivo e, portanto, a entropia do sistema aumenta. Se dQrev. é negativo (rejeição de calor), a entropia do sistema diminui. Como a entropia é uma medida de desordem do sistema e eles tendem para estados mais desordenados, a entropia de Universo aumenta em todos os processos naturais. Esta é outra maneira de enunciar a segunda lei da termodinâmica. É comum ouvir-se que a entropia de um sistema sempre cresce. Isto não é verdade: a entropia de um sistema pode decrescer; o que sempre cresce é a entropia do Universo (aqui Universo significa sistema + ambiente). O crescimento da entropia está associado ao que se chama flecha do tempo: por isso é fácil identificar se o filme de uma demolição está correndo de forma inversa. Para calcular a variação de entropia para um processo não-infinitesimal (alguns livros costumam chamá-lo de processo finito), devemos reconhecer que a temperatura geralmente não permanece constante. Neste caso, a variação de entropia entre dois estados, inicial e final, é dada por f f S f − Si =∆S =∫ dS =∫ i i dQr T (calculada ao longo de uma trajetória reversível). No caso de um processo adiabático reversível, nenhum calor é trocado entre o sistema e o ambiente, portanto, a variação de entropia é nula: ∆S adiabático = 0. Por isso esta transformação é chamada de isentrópica. Considere agora um sistema realizando um ciclo reversível arbitrário. Como a entropia é uma variável de estado e, portanto, só depende dos valores inicial e final, conclui-se que a variação de entropia é nula. A expressão matemática que exprime esta condição é dada por: dQrev. = 0 (ciclo reversível). T ∫ EXEMPLO 8.9 Uma massa de gelo de 0,120 kg a 0 oC é colocado em água que está à mesma temperatura. O sistema (água + gelo) é exposto ao ambiente para que haja a fusão do gelo (a temperatura permanece a 0 oC). Determine a variação de entropia entre 0,120 kg de gelo e 0,120 kg de água. Dado o calor latente de fusão do gelo é 335 kJ/kg. Solução: A fusão do gelo se processa de forma irreversível porque a transferência de calor é feita irreversivelmente (o processo está longe de ser infinitesimal). Porém, para se calcular a variação de entropia devemos seguir um caminho reversível. Obviamente, o resultado será o mesmo porque a entropia é uma variável de estado e só depende dos estados inicial e final e não do caminho seguido. Isto pode ser conseguido imaginando que o recipiente esteja a uma temperatura ligeiramente superior a do sistema (água + gelo). Q fusão = mL fusão = (0,120 kg)(335 kJ/kg) ∴ Q fusão = 40, 2 kJ . ∆S = Slíquido − S sólido 146 f f dQ 1 Q 40, 2 kJ = ∫ ⇒ ∆S = dQ = = = 147 J/K . ∫ T Ti T 273K i EXEMPLO 8.10 Você se propõe a fazer café e coloca 0,5 litro de água para ferver. Inicialmente a água está à temperatura de 20 ºC e, devido à pressão atmosférica local, ela ferve a 95 ºC. Determine a variação de entropia nesse processo. Dado: cp= 4,2 kJ/kg.K. Segunda Lei da termodinâmica Solução: Precisamos eleger um caminho reversível para o processo. Podemos imaginar uma série de reservatórios térmicos com temperaturas ligeiramente diferentes entre si, iniciando a 20 oC e terminando a 95 oC. A água vai trocando calor sucessivamente com esses reservatórios até atingir a temperatura de ebulição. Em cada etapa, ela recebe reversivelmente uma quantia infinitesimal de calor dQ. Se o calor específico da água é cp (constante), então, dQ = mc p dT . f dQ ∆= S ∫ ⇒ ∆= Q T i 368 ∫ 293 mc p dT T ∴∆= S (0,5 kg)(4, 2 kJ/kg.K) ln 368 K = 478, 6 J/K 293K EXEMPLO 8.11 Um gás ideal sofre uma expansão livre adiabática. Qual a variação da entropia do sistema neste processo? Solução: Para uma expansão livre de um gás ideal, nenhum trabalho (mecânico) é realizado pelo sistema porque não ocorreu deslocamento de partes móveis do sistema: portanto, W é nulo. Como o sistema está isolado termicamente, nenhum calor foi trocado entre o sistema e o ambiente: portanto, Q também é nulo. Ainda mais: a variação da energia interna, ΔE, é zero porque para um gás ideal a temperatura se mantém constante durante uma expansão livre. Com todas as grandezas se anulando, somos levados a acreditar que a variação de entropia deve ser zero. Esta conclusão pode ser obtida se você usar ∆S = S 2 − S1 = Qrev. T e considerar que, devido ao fato do sistema estar isolado termicamente, Q se anula e por isso ΔS = 0. Isto parece uma contradição, pois no início desta seção dissemos que ao final de uma expansão livre do gás ideal, a entropia aumentava porque as partículas tinham um grau de aleatoriedade maior do que no início. Alguma coisa parece não funcionar bem aqui e a suspeita recai sobre o uso da equação para ΔS: ela foi utilizada de maneira não conveniente. Isto porque devemos empregá-la para processos reversíveis. Podemos escolher um processo isotérmico (T mantida constante) como sendo infinitesimal e reversível ligando os estados inicial e final: f f dQrev. 1 = ∆S ∫ = dQrev. . T T ∫i i dQrev = dWrev. . Então, Mas em um processo isotérmico para gás ideal, ∆E = 0 ⇒ a 1 lei = ∆S 1 T Vf . ∴∆S ∫ dWrev= Vi Vf Vf 1 ou ∆S = nR ln . nRT ln Vi T Vi Esta é a variação da entropia na expansão livre de um gás ideal. Note que, sendo o volume final maior do que o volume inicial, há um aumento de entropia no processo: foi o que dissemos no início da seção. 147 Exercícios FÍSICA GERAL II Em diversos problemas você vai usar uma combinação da lei dos gases ideais com a primeira e a segunda leis da termodinâmica. MÁQUINAS TÉRMICAS. Figura 8.12 Problema 1. 1. Um mol de gás ideal monoatômico (Hélio) passa pelo ciclo mostrado na figura 8.12. = pb 10 = atm, Vb 10−3= m3 , e Vc 8Vb . O trecho bc é uma expansão adiabática; a) Encontre pc , Ta , Tb , Tc . b) Calcule ∆Eab , ∆Ebc , ∆Eca . Verifique se ∆E = 0 para o ciclo. c) Qual o calor trocado em cada trecho do processo? E qual o calor trocado no ciclo? d) Calcular o trabalho total realizado no ciclo. e) Qual é a eficiência do ciclo? Dados: γ monoatômico = 1, 67 ; 1atm ≈ 105 Pa 2. Um mol de um gás ideal monoatômico, inicialmente ocupando um volume de 10 litros e à temperatura de 300 K, é aquecido a volume constante até a temperatura de 600 K, expande isotermicamente até atingir a pressão inicial e finalmente é comprimido isobaricamente, retornando ao volume, pressão e temperatura originais. a) Calcule o calor absorvido pelo gás durante um ciclo. b) Qual o trabalho realizado pelo gás nesse ciclo? c) Qual a eficiência deste ciclo? 3. Um mol de um gás ideal sofre transformações como indica a figura 8.13. O estado a = = kPa, Va 22, 4 litros. tem pa 100 a) Determine as temperaturas dos estados a, b, c, d. b) Qual o calor acrescentado em cada ciclo? c) Qual o trabalho realizado em cada ciclo? d) Quanto de calor é retirado por ciclo? e) Qual é a eficiência dessa máquina térmica? Figura 8.13 Problema 3. 4. Um motor Diesel produz 2200 J de trabalho mecânico e rejeita 4300 J de calor em cada ciclo. a) Qual a quantidade de calor que deve ser fornecida para esta máquina por ciclo? b) Encontre sua eficiência. 5. Um motor a gasolina produz uma potência igual a 180 kW. Sua eficiência é 0,28. a) Qual o calor fornecido a esta máquina por segundo? b) Qual o calor rejeitado por ela em cada segundo? 6. Para produzir gelo, um freezer extrai 42 kcal de calor de um reservatório a -12 ºC em cada ciclo. O coeficiente de desempenho deste freezer é 5,7 e ele funciona em um ambiente cuja temperatura é 26 ºC. a) Quanto calor, por ciclo, é rejeitado para o ambiente? b) Qual é o trabalho, por ciclo, necessário para que ele funcione? 148 7. Um refrigerador possui um coeficiente de desempenho igual a 2,1. Ele absorve 3, 4 ×104 J de calor da fonte fria em cada ciclo. a) Qual é o trabalho mecânico que se deve fornecer à máquina em cada ciclo? b) Que calor é rejeitado na fonte quente por ciclo? Segunda Lei da termodinâmica CICLO DE CARNOT. 8. Uma máquina de Carnot opera com um reservatório quente a 620 K e absorve 550 J de calor a esta temperatura por ciclo, e fornece 335 J para o reservatório frio. a) Qual o trabalho produzido por ciclo? b) Encontre a temperatura da fonte fria. c) Qual é a eficiência desta máquina? 9. Certa máquina de Carnot tem eficiência de 59% e realiza 2,5 ×104 J de trabalho em cada ciclo. a) Que calor esta máquina extrai da fonte quente em cada ciclo? b) Suponha que rejeite calor para uma fonte fria a 20 ºC. Qual a temperatura da fonte quente? 10. Uma máquina térmica, funcionando com gás ideal, opera em um ciclo de Carnot entre 227 ºC e 127 ºC. Ela absorve 6 × 104 cal à temperatura maior. a) Que trabalho, por ciclo, esta máquina consegue realizar? b) Qual é seu rendimento? 11. Uma máquina de Carnot opera entre 320 K e 260 K e absorve 500 J de calor da fonte quente. a) Que trabalho ela pode fornecer? b) Se esta máquina, trabalhando entre essas duas temperaturas, funcionar como refrigerador, que trabalho deve ser fornecido a ela para retirar 1000 J da fonte fria? 12. Uma máquina térmica de Carnot possui uma eficiência de 0,6 e a temperatura do reservatório quente é 800 K. Se 3000 J são rejeitados para a fonte fria em um ciclo, qual o trabalho que esta máquina realiza por ciclo? 13. Uma máquina de Carnot opera com um reservatório frio a -90 ºC e possui eficiência de 40%. Um engenheiro recebeu a tarefa de aumentar seu rendimento para 45%. a) De quantos graus Celsius ele deve aumentar a fonte quente, permanecendo fixa a temperatura da fonte fria? b) De quantos graus Celsius ele deve diminuir a fonte fria, mantendo constante a temperatura da fonte quente? ENTROPIA 14. Um estudante, na falta do que fazer, aquece 0,350 kg de gelo a 0 ºC até sua completa fusão. a) Qual a variação de entropia para este processo? b) A fonte de calor é um corpo de massa muito grande que está a 25 ºC. Qual a variação de entropia deste corpo? c) Qual a variação total de entropia da água e do corpo? 149 FÍSICA GERAL II 15. Acrescenta-se certa quantidade de calor Q reversivelmente e isotermicamente a um sistema que está a uma temperatura T. a) Encontre a expressão para a variação de entropia deste sistema. b) Qual o valor de ΔS se Q = 30 J e T = 300 K? 16. Em um processo reversível, 3 mols de um gás ideal são comprimidos isotermicamente a 20 ºC. Durante a compressão, um trabalho de 1850 J é realizado sobre o gás. Qual a variação de entropia deste gás? 17. Um bloco de gelo de 15 kg a 0 ºC passa para o estado líquido dentro de uma sala a 20 ºC. Considere a gelo e a sala como formando um sistema isolado e suponha a sala grande o suficiente para que sua variação de temperatura possa ser desprezada. a) A liquefação do gelo é reversível ou irreversível? Explique sem recorrer às equações, desenvolvendo um raciocínio físico simples. b) Calcule a variação de entropia do sistema (gelo + sala). O resultado é compatível com o item (a)? 18. Dois blocos metálicos de mesmo material e a temperaturas diferentes estão separados por uma parede isolante. Em seguida, a parede que os separa é removida e os blocos são aproximados para trocar calor (veja figura ao lado). Suponha que o bloco mais quente tenha temperatura T + ΔT, e mais frio esteja à temperatura T − ΔT. mc ln a) Mostre que a variação de entropia do bloco mais quente é ∆S quente = Figura 8.14 – Problema 18 150 mc ln b) Mostre que para o bloco mais frio tem-se ∆S frio = T . T − ∆T T . T + ∆T Segunda Lei da termodinâmica Anotações 151 FÍSICA GERAL II Anotações 152 9 Referências NUSSENZVEIG, Herch Moysés. Curso de Física Básica. 4.ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2002, v.2. TIPLER, Paul A.; MOSCA, Gene. Física para cientistas e engenheiros, Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos, 2006. V.1 SERWAY, Raymond A.; JEWETT JR., John W. Princípios da Física, São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2004 v. 1. HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentos de Física, 7. ed. Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos, 2006. V. 2 YOUNG, Hugh D.; FREEDMAN, Roger A. Física II Sears & Zemansky, 12. ed. São Paulo: Addison Wesley, 2008 153