23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG POR UM ECOSSISTEMA DA HISTÓRIA, DA ARTE E DA CIÊNCIA DA CONSERVAÇÃO Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy - UFPA RESUMO: A partir de estudos bibliográficos e observações de práticas acadêmicas se propõe neste artigo a identificação das relações de interação e interdependência entre os campos da Arte, da História e da Ciência da Conservação, pensando como um ecossistema de forma transdisciplinar, no qual não haja o domínio de uma disciplina sobre a outra, mas que seja estabelecido um eixo de pensamento organizador que viabilize o gerenciamento de práticas e teorias desses campos de conhecimento com a finalidade de conservar e preservar o patrimônio cultural e artístico herdado de outras gerações. Palavras-chave: Arte, História, Ciência, Conservação RESUMEN: A partir de estudios bibliográficos y observaciones de las prácticas académicas se propone en este artículo la identificación de las relaciones de interacción e interdependencia entre los ámbitos del Arte, de la Historia y de la Ciencias de la Conservación, el reto es pensar como un ecosistema de manera transdisciplinaria, en el cual no se lo haga el dominio de una disciplina sobre la otra, sino un eje de la pensamiento de organización que facilita las teorías y prácticas de gestión de estos campos del conocimiento con el fin de conservar y preservar el patrimonio cultural y artístico heredado de otras generaciones. Palabras-clave: Arte, Historia, Ciencia, Conservación Entendendo as relações e ecossistemas A partir da segunda metade do século XX se observou o crescente e fértil debate sobre a necessidade de compreender a realidade complexa que se apresentava no mundo no período do pós-guerra. O impacto causado pelo resultado devastador das grandes guerras suscitou reflexões filosóficas e científicas a partir de diversos domínios do conhecimento, o que resultou na criação de novos termos e conceitos necessários para a difusão e sistematização do conhecimento, e consequentemente para a proliferação de disciplinas acadêmicas gerando profissionais hiperespecializados. No entanto no engendramento das pesquisas nesses campos hiperespecializados, surgiram novas perguntas que de maneira geral não estavam previstas no escopo epistemológico dessas disciplinas. De certa forma essas mudanças de paradigmas, 3540 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG possibilitou o trânsito transdisciplinar, a interação com outras áreas do conhecimento, considerando a afirmação de Afonso Medeiros quando avalia que: A especialização extremada torna opaca a visão interativa, a contribuição de outras áreas do conhecimento, as concepções de mundo, de homem e de natureza menos compartimentadas, mais interdependentes e colaborativas. Além do mais, desconfio que a interação tão prestigiada no mundo acadêmico através da defesa da interdisciplinaridade, da multiculturalidade, do rizoma, do hibridismo, dos links e das redes ainda não se encarnou em nossas práticas pedagógicas e metodológicas. E a explicação pode ser mais prosaica do que imaginamos: a indução à especialização cirúrgica arrefece o nosso interesse por outros saberes – como diria Darcy Ribeiro, “sabemos cada vez mais sobre cada vez menos”. (MEDEIROS, 2011) De fato essa opacidade causada pelas especializações, obstrui a ideia de relação entre um conhecimento e o outro, o que ocasiona a limitação, o reducionismo e o estreitamento de definições e de fluxos do conhecimento. Não se trata aqui de levantar a questão de falta ou lacuna nos campos de conhecimento, existem muitos conceitos, muitas disciplinas, muitos especialistas, todos também muito necessários, mas cada um desses setores ou profissionais estão voltados para dentro de si mesmos. Essa sensação de falta, talvez tenha sido a motivação para se pensar o conceito de Transdisciplinaridade, discorrido por Jean Piaget (1896-1980) na década de 70 do século XX e explicado em um documento conhecido como “Carta da Transdisciplinaridade” adotada no 1º Congresso Mundial de Transdisciplinaridade realizado em Portugal em 1994. Segundo esse documento, em seu artigo terceiro: A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferecenos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa. (MORIN; NICOLESCU; FREITAS, 1994) Diante deste conceito de transdisciplinaridade que busca a articulação entre os diversos campos de conhecimento ou disciplinas, vem das Ciências Biológicas o conceito de Ecossistemas como uma das entidades que compõe os níveis de organização estudados dentro do subcampo de conhecimento da Ecologia, definido de forma mais simplificada como todas “as relações dos organismos entre si, e com seu meio 3541 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG ambiente, ou dito de outra forma, a todas as relações entre os fatores bióticos e abióticos em uma determinada área” (ECOLOGIA..., 2014). O imbricamento desse conceito com o campo artístico se propõe a refletir as interdependências de fatores e conceitos internos e externos ao campo da Arte e como esses fatores e conceitos se relacionam entre si, pensando também em campos de conhecimento que transpassam e perpassam o campo da Arte em processos contínuos de interação e interdependência. De forma mais específica o interesse aqui recai nas relações de interação e interdependência entre os campos da Arte, da História e da Ciência da Conservação, pensando mesmo como um ecossistema de forma transdisciplinar, no qual não haja o domínio de uma disciplina sobre a outra, mas um eixo de pensamento organizador que viabilize o gerenciamento de práticas e teorias desses campos de conhecimento com o objetivo de conservar e preservar o patrimônio cultural e artístico herdado de outras gerações. Essa intenção de pensar relações entre Arte, História e Ciência da Conservação não é uma novidade, de fato estão interligadas. Em uma conversa entre George Brassaï (1899-1984) e Pablo Picasso (1881-1973) no seu estúdio na cidade de Paris em dezembro de 1943, quando o primeiro preparava uma cena para ser fotografada montando uma espécie de “boneco” com uma cadeira, sobre a qual estava colocado um monte de papeis com um retrato em cima e no chão as pantufas de Picasso. Brassaï teria modificado a posição das pantufas para fechar a composição quando foi flagrado por Picasso que lançando um olhar, critica o fotógrafo: Será uma foto divertida, mas não será um “documento”... E sabe por quê? É que você deslocou minhas pantufas... Jamais as disponho desse modo... Essa disposição é sua e não minha. Ora a maneira como um artista dipõe os objetos a seu redor é tão reveladora quanto as suas obras. Gosto de suas fotos precisamente porque elas são verídicas... As que você tirou na Rua La Boétie eram como um exame de sangue graças ao qual se pode fazer a análise e o diagnóstico do que fui naqueles instantes... Por que pensa que dato tudo que faço? É que não basta conhecer as obras de um artista. É preciso saber também quando ele as fez, porque, de que modo, em que circunstancia. Certamente haverá um dia uma ciência, que talvez se chame “a ciência do homem”, que buscará penetrar mais fundo o homem através do homem Criador... Penso seguidamente nessa ciência e quero deixar à posteridade uma 3542 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG documentação tão completa quanto possível... Eis porque dato tudo que faço...(BRASSAÏ, 2000, p. 135) Surpreende um artista de vanguarda ter a preocupação em datar sua obra, e teorizar sobre a necessidade de existir uma Ciência que estude de forma mais profunda o homem-criador. Nessa crítica de Picasso identificamos três pontos que servem para nossa reflexão: primeiro sobre o papel do documento como marco histórico e que identifica a autoria, em segundo a questão estética da representação que revela através de gestos, traços e obras quem é esse artista, e em terceiro a preocupação da permanência e conservação da obra para a posteridade. História, Arte e Conservação permeiam o comentário crítico de Picasso, que culmina com esse desejo do surgimento de uma nova Ciência, a Ciência do Homem. História, Arte e Ciência da Conservação A importância da documentação e datação de obras de arte e a necessidade de conhecer as circunstâncias nas quais o artista cria sua obra de arte, se apresenta como uma discussão que envolve a relação entre as questões da obra de arte em si, o período e o contexto na qual foram produzidas, temas caros à História, à Arte que atravessam e se entrecruzam com as áreas de conhecimento emergentes do campo das Ciências da Conservação, criando um espaço onde se instala um ecossistema artístico cuja base é o disparo do processo criativo do artista, quando materializa sua ideia, seu pensamento a partir da observação em uma obra, e esta se torna um documento, um testemunho desse processo de criação, e por ser um produto com um valor reconhecido por fruidores é desejável a sua conservação. Assinalar uma data é indicar um marco no tempo, como cita Le Goff (1996) é uma forma de domesticar o tempo natural registrando um momento vivido pelo homem. Esses registros de fatos e dados alimentam a história e estabelecem as relações de memória através de diálogos entre o passado e o presente. Mas esse mesmo tempo, um fator externo, que marca o início da existência da obra, também interfere e afeta de modo irreversível essa obra. Toda e qualquer obra ou objeto sofrerá a ação de agentes 3543 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG internos inerentes aos materiais utilizados na produção do mesmo e de agentes externos relacionado com o meio ambiente no qual está inserido. O processo de criação do artista que se configura como a base de todo esse ecossistema, na qual está a materialidade da obra, o processo técnico desenvolvido pelo artista, as modificações que tenha introduzido ao longo do processo criativo, que pigmentos, qual suporte, que aglutinantes há utilizado, resultará na obra, no documento que é de desejo que permaneça com todas essas informações que são subsídios para determinar quem fez e até mesmo em que época foi feita a obra. Portanto o fator estético não pode se desvincular sob nenhum efeito do fator histórico, como cita Giulio Carlo Argan: “A obra de arte não é um facto estético que tem também um interesse histórico: é um facto que possui valor histórico porque tem valor artístico” (1994, p.17). Um valor não se sobrepõe ao outro, um é interdependente do outro. Se um valor é perdido, o outro não permanecerá. Para que permaneçam ambos precisa ser conservado, preservado em sua substância. Aqui entra o terceiro campo disciplinar, ainda emergente no Brasil, o da Ciência da Conservação. Não é possível se precisar o início dessa prática, pois se pensarmos em fatos cotidianos, o simples desejo de restaurar algo que sofreu alguma perda é um ato de conservar. A retirada de um objeto sob a ação de agentes climáticos, seja sol ou chuva, é um ato de conservar. Mas há certa conivência em se estabelecer a institucionalização de acervos museais no século XIX no continente europeu, como um marco na formação de profissionais dedicados a essa disciplina. Novamente da existência da necessidade de disciplinas especificas para uma determinada especialidade, abriu novos campos de estudo como a História da Arte Técnica por Mary Ainsworth (2005) que por consequência agregou campos de conhecimento da Física, Química, Biologia, Imagiologia aplicados ao estudo e diagnóstico do estado de conservação a partir da identificação de elementos químicos que compõe a obra e análise de processos físicos, químicos e biológicos aos quais estão sujeitas. Tendo uma formação de Arte e sua História, a preocupação com a conservação desses bens culturais nos apontou para um novo desafio de conhecer 3544 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG esse outro campo de conhecimento. E a partir do favorecimento da Fundação Carolina, fundação espanhola de fomento à capacitação de profissionais latino-americanos com uma bolsa de estudos sob a tutoria do Prof. Dr. Luiz Rodrigo Rodriguez Simón, professor titular da área de Restauração de Pinturas da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Granada, foi possível conhecer e estudar as técnicas e práticas de exame científico de obras de arte, o que permitiu a compreensão desse sistema de interdependência desses campos disciplinares. Exames utilizados para o diagnóstico de patologias humanas são utilizados hoje para realizar esse tipo de diagnóstico de Obras de Arte. Raio X, Ressonância Magnética, Tomografia, Endoscopia, análises microscópicas para identificar técnicas construtivas, materiais constitutivos da obra ou também as patologias que as afetam e ir mais além determinar alterações interventivas, processos de restauração e autoria. Esses dados determinarão valores e significados da obra, a autenticidade da mesma e indica as necessidades físico-químicas do material, com a finalidade de estabelecer uma estratégia de conservação e preservação da obra de arte, permitindo que as gerações futuras conheçam sua história e a memória social da humanidade. Para compreender a importância da aplicação do estudo científico em obras de arte, apresentamos o pensamento de Mauro Matteini y Arcangelo Moles quando afirmam que: La obra de arte figurativa existe en tanto que está constituida de materia, y su “vida” no es más que una transformación espontánea o forzada de aquella. La química y las ciencias afines investigan la materia y, en este sentido, pueden resultar de notable ayuda para el conocimiento en profundidad de un aspecto importante de la obra: su naturaleza material. Por otro lado, estas mismas disciplinas científicas pueden ofrecer pautas de intervención que permitan prolongar, con los métodos más adecuados, la existencia física de la obra. (MATTEINI; MOLES, 1996, p. 19) Baseado nessa reflexão, é importante se ter em vista que se no laboratório se investiga sobre a natureza dos materiais, nos arquivos, documentos, tratados de época são base de dados para auxiliar na identificação da data, história de artistas, iconografias, aspectos estilísticos e em alguns casos da técnica utilizada, quando se tem esses 3545 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG registros, feitos pelo próprio artista, ou por documentos da época. Portanto o estudo de uma obra de arte deve considerar aspectos estéticos, artísticos, históricos, de forma integrada e de modo equilibrado, sem perder de vista que o aspecto científico deve satisfazer as exigências estéticas por se tratar de uma obra de arte. Para compreender o aspecto científico, o método de estudo da obra aprendido foi classificado em cinco pontos, a saber: Exames globais não destrutivos, exames globais destrutivos, análise instrumental, determinação das causas de alterações substanciais, eleição de estratégias de restauração e conservação. 1. Os exames globais não destrutivos, tratam dos registros realizados a partir da natureza física e de estudo direto sobre a obra sem alterá-la ou modificá-la. Se utiliza a fotografia com luz normal, fotografia técnica (macro e micro fotografia), radiografia normal, fluorescência de ultravioleta e refletografia de infravermelho. A radiografia consiste em atravessar corpos opacos com um feixe de Raio X para registrar a imagem da estrutura interna da obra em uma placa radiográfica, em função da densidade de materiais utilizados na sua composição. Essa imagem impressa na placa radiográfica, pode não corresponder à imagem observada pelo olho humano na pintura ou na fotografia com luz natural, apresentará uma sobreposição de capas pictóricas plasmadas na obra pelo artista, nas quais as transparências e opacidades ocorrem em função das densidades e espessuras dos materiais utilizados na produção da obra, da mesma forma que aparecem os arrependimentos do artista como todas as intervenções feitas posteriormente pelo próprio artista ou por terceiros. Interpretando as radiografias de pinturas é possível identificar o estado material da obra: o suporte, a camada de preparação, as capas de cor, as mudanças na composição, as ultimas pinceladas, as intervenções anteriores feitas por terceiros. Nas radiografias de esculturas, além do estado da obra citado anteriormente, é possível identificar as lacunas de policromias existentes, a técnica de encaixe, presença de pregos e outros objetos de metal utilizados para o reforço e adesão das partes de madeira. Ainda apresenta se é uma peça maciça ou se foi ocada, o numero de peças de utilizadas na produção e descobrir possíveis objetos introduzidos no interior da obra. 3546 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG Esses são registros primordiais para se conhecer a História da Obra de Arte, possível somente com o auxílio do estudo da História da Arte Técnica dentro do campo da Ciência da Conservação. Ou seja, dados que em geral não estão nos arquivos ou documentos da época, e o estudo aprofundado das radiografias permite conhecer detalhes técnicos de toda a trajetória da obra até chegar ao nosso tempo. Como afirmou Agnes Ballestrem quando esteve em um Curso de Atualização realizado do Brasil em 1989 para profissionais da América Latina sobre o tema de Esculturas Policromadas, promovido pelo Getty Conservation Institute, pelo Proyecto Regional de Patrimonio Cultural y Desarrollo (PNUD/UNESCO) e pela Universidade Federal de Minas Gerais: Así como el conocimiento del cuerpo humano hace que el médico reconozca o interprete con acierto un mal funcionamiento del mismo, el conocimiento de las técnicas artesanales y artísticas, y de los materiales empleados por los artistas de épocas y regiones diversas, permiten al restaurador reconocer e interpretar correctamente las alteraciones de las obras (BALLESTREM apud GONZÁLEZ; ESPINOSA, 2001, p. 614) O que é fundamental para esse conhecimento e interpretação das imagens das radiografias com uma margem mínima de erro, é o exercício de olhar varias placas radiográficas com imagens distintas para que se verifique os contrastes e a partir da comparação com a imagem da obra se possa identificar as mudanças da composição. Diferente da Radiografia, a Refletografia Infrevermelha é um método de investigação científica que permite estudar os substratos subjacentes à camada pictórica, identificando o esboço ou desenho realizado pelo artista durante a produção da obra, assim como os retoques mais profundos, os arrependimentos do artista e os falsos craquelados. Depende diretamente da permeabilidade dos pigmentos utilizados, da espessura e densidade das capas pictóricas, pois alguns pigmentos como o preto, verde e o ouro não são penetráveis pela radiação infravermelha. A técnica consiste em direcionar uma lâmpada incandescente à obra a ser estudada. Essa radiação refletida na obra é detectada por uma câmera desenvolvida especialmente para essa finalidade denominada de Cámara OSIRIS (Optical, Spectroscopic, and Infrared Remote Imaging System), que permite visualizar em um 3547 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG monitor acoplado a imagem em alta resolução com qualidade digital, que chamamos de refletograma. Na continuação do estudo aprendemos a técnica de captura de imagen por Fluorescencia Ultravioleta, que se define como a absorção da energía da radiação ultravioleta de determinados elementos que constituem a obra produzindo uma emissão de radiação eletromagnética de longitude mais larga que a que incide dentro do espectro visível pelo olho humano, chamado de fenômeno de fluorescência. A radiação ultravioleta se produz iluminando la obra de estudo com uma lâmpada de Wood com tubos fluorescentes (Lâmpada de vapor de mercúrio) em uma câmara escura que permita observar a simples visão a imagem produzida pela fluorescência de alguns compostos presentes na superfície da obra estudada. Essa técnica permite identificar os repintes e adições na obra, que se apresentam como manchas mais escuras, por se apresentarem com uma coloração diferente das partes mais antigas. No caso dos vernizes naturais antigos, apresentam uma espécie de fluorescência com um aspecto leitoso, o que indica a uniformidade ou heterogeneidade do verniz, auxiliando na eleição da estratégia do tipo de limpeza a ser empregada na obra. 2. Os exames globais chamados de destrutivos, não significam que a obra será destruída, mas que o método invasivo de coleta de material para análise deixará marcas na obra, daí a necessidade de uma prática cuidadosa para coleta micro fragmentos da capa pictórica ou do material de suporte para a análise do corte estratigráfico. É indicado quando exista uma justificativa coerente para o conhecimento mais profundo da obra e seu estado material, como a determinação da composição das capas pictóricas, identificar os pigmentos empregados e o tipo de resina que integra o verniz, o tipo de aglutinante utilizado. 3. A análise instrumental utiliza técnicas de microscopia ótica e análise químicas para o estudo a verificação da composição química presente nas amostras de modo que possibilite a identificação de pigmentos, aglutinantes, vernizes, óleos utilizados na pintura, ou material utilizado no suporte da obra. É um método bastante simples que utiliza técnicas microscópicas e microquímicas, mas que para isso é necessário o uso 3548 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG de instrumentos especializados de análise como o Microscópio Eletrônico de Varredura – MEV, acoplado a um detector de raio X, a Cromatografia de Gases entre outros. 4. Para a determinação das causas de alteração, é necessária uma observação atenta de possíveis acidentes naturais ou causados pelo homem, da mesma forma que dos agentes de deterioração lenta de origem física, química e biológica, em geral relacionados com o controle de temperatura e umidade. 5. A eleição de estratégias de restauração e conservação ocorrerá a partir do conhecimento da estrutura e comportamento físico-químico das obras. É importante ressaltar que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia permitiu ao homem conhecer aspectos invisíveis a seus olhos no mundo químico, físico e biológico. Muitos instrumentos foram inventados para o diagnóstico de patologias humanas, e hoje esses mesmos instrumentos sofrearam adaptações para subsidiar a pesquisa e investigação na Arte. O fazer humano está presente na Arte, na História, na Ciência. Esse fazer humano também é o que movimenta o pensamento organizador único capaz de viabilizar o gerenciamento dessas práticas e teorias a serviço da preservação e conservação dos valores tangíveis e intangíveis atribuídos aos objetos e obras criadas pelo ser humano. Algumas outras considerações Hoje não cabe mais as separações compartimentadas do conhecimento extremamente nítidas e às divisões exageradamente rígidas. A permeabilidade de disciplinas teóricas, práticas e essencialmente históricas aceitam a convivência da instauração, da subversão e da aceitação de conhecimentos novos ou atualizados pelos processos de pesquisa comum a toda à história do pensamento científico. Talvez o desafio maior seja como desenvolver o trabalho transdisciplinar e tomando as reflexões e desejos de John Ruskin (1819-1900), Alois Riegl (1858-1905), Paul Ricouer (1913-2005) e Dominique Poulot, e poderia citar tantos outros mais que na essência de 3549 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG seus pensamentos desejam tratar o a Memória de forma justa e todo o Patrimônio histórico e artístico de forma ética. Essas concepções podem ser enfeixadas e (re)significadas na proposta de um ecossistema, quebrando com a noção mecanicista e até mesmo maniqueísta das dualidades entre sujeito e objeto, na medida em que as relações são sempre entre agentes, isto é, interagentes em prol da (sobre)vivência de cada um e do equilíbrio, mesmo que precário, do todo. Desde o processo de criação do artista, materiais e técnicas utilizadas por ele, até o diagnóstico de patologias de obras de arte, com a finalidade de preservar e conservar o patrimônio que pertence não somente a uma comunidade, mas a toda a humanidade, acreditamos que compreender a História da Humanidade a partir da relação entre pessoas, obras produzidas, fatos e de como expressar essas relações desde o centro da História permitirá a compreensão do mundo que vivemos, do conceito de respeito à diversidade de culturas e conhecimentos acumulados por toda a humanidade, que somente poderão ser transmitidos se forem preservados e conservados. Este é o princípio da Ciência da Conservação, um campo de conhecimento que vem se consolidando pela capacidade técnica de desenvolver pesquisas sobre a produção artística de diversas épocas e estilo, e que pela abrangência de atuação se estabelece em um ecossistema que envolve as áreas de conhecimento desde a Tecnologia de Construção da Obra de Arte à História da Arte, da Documentação Científica à Educação Patrimonial, interligados com o campo da Arte, Arquitetura, Química, Física, Biologia, História, Arqueologia, entre tantos outros. Com efeito, essa multiplicação de estudos da Ciência da Conservação aponta uma nova situação do conhecimento de ao mesmo tempo criar especialidades cada vez mais peculiares e necessitar que os especialistas estejam em diversos campos de conhecimento, mas com um olhar formado a partir da Ciência da Conservação, sob risco de gerar profissionais que estejam enquadrados em visões reducionistas da análise de Obra de Arte, ou simplesmente adotar o modelo biológico de nascer, crescer e desaparecer, no qual a Arte morreu, a História morreu e outras mortes anunciadas. 3550 23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos” 15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG No entanto talvez tenhamos esquecido do princípio de Antoine Laurent de Lavoisier, considerado pai da Química moderna de que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Este momento de transformação, ou melhor seria de transfiguração pode permitir que de fato uma nova Ciência seja consolidada como o desejo de Picasso: “certamente haverá um dia uma ciência, que talvez se chame ‘a ciência do homem’, que buscará penetrar mais fundo o homem através do homem-criador... penso seguidamente nessa ciência e quero deixar à posteridade uma documentação tão completa quanto possível... eis porque dato tudo que faço...” Referências AINSWORTH, Mary W. From connoisseurship to Technical Art History - The Evolution of the Interdisciplinary Study of Art. In: The Getty Conservation Institute Newsletter, v.20,n. 1, 2005. ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO DELL'ARCO, Mauricio; AZEVEDO, M. F. Gonçalves de. Guia de história da arte. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1994. BRASSAÏ, Georges. Conversas com Picasso. São Paulo: Cosac &Naify Edições, 2000. ECOLOGIA: Ecossistema e Cadeia Alimentar. 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Bolsista da Fundação Carolina no período de janeiro a fevereiro de 2014 do Programa de Mobilidade de Professores Brasil Espanha. Professora Assistente da FAV/ICA/UFPa. Possui experiência na área História da Arte, Conservação de Acervos e Educação em Museus. 3552