TOM c E Ê N C A PEIXE-SERRA O FALSO TUBARÃO DA AMAZÔNIA Confundidos com tubarões pelos pescadores dos rios amazônicos, os peixes-serra têm levado parte da mídia local a divulgar notícias alarmantes sobre a presença daqueles predadores na região. Isso acontece porque a ocorrência de peixes-serra é registrada de modo impreciso, com base apenas em relatos da população. Agora, pela primeira vez, foi confirmada a captura de um exemplar no alto Amazonas, a 2 mil km da foz do rio. Encaminhado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o peixe foi estudado por Figura 1. Por causa da aparência, o peixe-serra é muitas vezes confundido com um tubarão peixes em lagoas e rios, segundo tivas daquela Amazônia época. Ocidental, mar, ainda desperta narra- Sua ocorrência bem distante curiosidade foi entregue ao INPA. A parte dianteira do corpo é achatada, o rostro representa 26,6% do comprimento e a boca situa-se na área ventral, na base do rostro. Tem duas nadadeiras dorsais, cinco pares de na fendas branquiais do dentes no rostro (17 no lado esquerdo e inte- 18 no direito) (por onde respira), e outras 35 e 11 fileiras de Geraldo Mendes dos Santos, resse, tanto na área científica quanto nos dentes na parte central da placa dentígera da Coordenação meios de comunicação. da boca. de Pesquisas e em Biologia Aquática, Há vários relatos sobre a ocorrência Adalberto Luís Vai, da Coordenação do peixe-serra de Pesquisas sobretudo em Aqüicultura. no baixo rio Amazonas, nas regiões de Marajó, Orixi- miná e Monte Alegre (todas o peixe-serra, que ganhou causa do bico (rostro) mina, ladeado por dentes tem corpo alongado, dadeiras no dorso pontiagudos, exibe grandes e pode de 3m. Esse peixe tilaginoso o nome por em forma de lâna- atingir mais tem esqueleto e é normalmente car- tratado do Pará). o entanto, não é confiável, declarações ciantes a maioria deles por ser baseada de pescadores em ou comer- ou em partes do peixe guarda- das por colecionadores, cisos no estado sobre locais sem dados pre- de coleta. de Efrem J. G. Ferreira, Estudos ]ansen A. S. HISTÓRIA NATURAL Por ter o esqueleto gens formado - e não ossos, dos peixes de água serra está incluído thyes (subclasse com tubarões brânquios por cartila- como doce a maioria -, o peixe- na classe Condrich- Elasmobranchii), e arraias. são numerosos: há no mun- do de 920 a 1.150 espécies. serra pertencem junto Os elasmoOs peixes- à família Pristidae, que Zuanon e Geraldo M. Santos, no Catálo- inclui dois gêneros: Anoxypristis, go dos peixes comerciais do médio Amazonas: região de Santarém, ainda apenas uma espécie, e Pristis, com nove arraias. Como estas, vivem em geral jun- não publicado, dividem-se to ao fundo de estuários, stis como tubarão, mas apesar da semelhan- ça física com este, os peixes-serra são na verdade das próximos parentes perturbados. A presença águas doces porque sempre viajantes fascinou e o público exploraem geral, esses peixes são em geral assoos tubarões agressividade. res espanhóis marinho e também são temidos por sua Os primeiros e portugueses navegadoque chega- ram à América do Sul descreveram 66 em tais registram a espécie no mercado perotetti (figura de curio- em setembro de um exemplar 1) na margem Amazonas, de espécies. do ano pasP. perotetti esquerda do rio perto da cidade de Itacoatia- As espécies (Pristis entre eles é a presença, Os peixes-serra 80cm. O menor para fêmeas três dife- no pri- foz, forneceu maiores so- equipe bre a espécie - tema desse trabalho. do peixe, uma fêmea com 12,3kg e 164cm período novembro), tamanho registrado foi de 305cm, em no lago Nicarágua ictiólogo Thomas Thorson, de comprimento nascem com cerca de grávidas estudo realizado total, incluindo o rostro, com meiro, de um lóbulo sob a cauda. da O Pristis um com e a principal pectinatus), ra (AM), a cerca de 2 mil quilômetros informações do gênero em dois subgrupos, seis (Pristis pristis) e outro rença do que de consumo. A captura, sado, Pri- de Santarém (PA), onele é mais elemento sidade de elasmobrânquios ciados ao ambiente porque lagoas e rios do mar e só se tornam agres- sivos quando dores, mais próximos com pela norte-americano que também definiu o de acasalamento (de junho o tempo de gestação VQL.23/N' 136 a (cerca ~ s TOM c E Ê N C de cinco meses) e o número (de 1 a 13). Segundo volvimento de filhotes o estudo, do clasper A o desen- (órgão sexual do macho), a mais óbvia evidência turidade sexual, ocorre da ma- em indivíduos entre 240 e 300cm. A classificação dos pristídeos fusa, já que as espécies é con- são chamadas teiras e cursos acontece maior diversidade capacidade Segundo a literatura científica, os três tipos de elasmobrânquios preservados em mu- nidae), seus. O grande porte atingido por esses bem peixes dificulta a coleta, o transporte preservação de prejudicando tanto os estudos nomia quanto zoogeografia talvez por descritas exemplares e a e ecologia. isso, várias de forma duvidosa, partes do corpo, da pele empalhada ou de embriões. cartilaginosos salobras, das espécies de peixes ocorre no mar e em águas e algumas vivem exclusiva- Das espécies de peixe-serra pristis), na costa capaz mais elevados brasileira, nadadeira (orifício nos cursos pertencem têm, como branquiais (figura ao grupo na região brânquias) vivendo rinho quanto tanto no litoral ma- em estuários, lagoas cos- têm como gado, as nadadeiras rostro, em dorsais bem deseno com suas fileiras de denres pontiagudos mesmo tamanho. no fígado uréia, e do tubarão quantidade se mari- nho, com elevada salinidade, de composprincipalmen- te uréia, no sangue e nos de- uma No como a maioria dos eles concentração equivalente mantêm de sais a um terço da estuário e capturado das em Ita- leucas na Ama- de pescarias Curiosamente, na pesca co- mercados por simples capturada deva ser expressiva. esteja ausente esportivas o peixe-serra não aparece ou nos da região, probabilidade, a pelos pescadores É provável que dos mercados regionais por não ter valor comercial: os exem- plares pescados A ocorrência são devolvidos ao rio. de um peixe-serra fê- mea ainda jovem no alto curso do rio Amazonas não hipótese permite comprovar sito em instituição estado para futuros geográfica e depó- científica, em perfeito de conservação, elasrnobrânquios buição a de que esse peixe se reproduz em água doce, mas sua captura bastante Figura 2. Parte ventral, mostrando o bico com as fileiras de dentes, a boca e as brânquias é direta sob a influência Carcharhinus zônia, resultaram usam vertebrados, a comunicação coatiara, assim como alguns registros do brânquios do corpo. em um tem características adentro) mercial mais fluidos de sin- sobreviver marés. O peixe-serra embora, entanto, para área (cerca de mil quilômetros continente AO AMBIENTE tos orgânicos, sugerindo a capacidade como que os elasmo- é a acumulação do animal, comum, extensa e re- do ciclo da ornitina- de áreas onde o peixe-serra A estratégia ada ptar ao ambiente elevados próprias ocasionais. para hidrogênio) diferente. normalmente ADAPTAÇÃO íons com o mar através de enorme alon- volvidas e o focinho longo, formando de O rio Amazonas da cabeça. diferenças de Potamotrygon de amônia que ele preserva ambiente de água para as ficam no dorso M. L. VaI, a exposição na ativação inferior 2). Não apresentam para entrada sultou tetizar anal e seus olhos e espiráculo realizado Christopher do gênero (potencial elas, as relação às arraias o corpo bastante salinidade, recente, (uma arraia de água doce) a meio com pH uréia de rios. das arraias porque uma espécie concentração subgrupoPristis de penetrar Os peixes-serra aberturas en- a mais Tais peixes de Em experimento Wood e Adalberto no entanto, variação ção nos rins. uma e os peixes- tanto de sua reabsor- de arraias mente em águas doces. Várias espécies, toleram grande à redução quanto cerca de 20 espécies do corpo A maioria da concentração por José F. M. Barcellos, comum éP.perotetti(do a partir de incluindo (família Potamotrygonidae) serra. em A queda está ligada de sua síntese a con- de sódio e uréia Carcharhi- de taxo- foram ocorrem substancialmente de cloreto (família contradas Além disso, ou espécies brasileiras, de tubarão adultos, os de outras áreas, como xes reduzem centração nas bacias hidrográ- no plasma. espécie exemplares tal na água do mar. Já em ambi- de uréia águas doces coleta com observada entes com baixo teor de sal, esses pei- ficas da América do Sul que drenam para nem de A o Atlântico. pelo mesmo nome e não há informações locais de rios, como de peixes ocorre precisas sobre inferiores com todos os peixes-serra. pode contribuir estudos sobre os e seu padrão de distri- em sistemas de água doce do mundo. 67